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Oficina de Consulta
15 de outubro de 2007
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Oficina de Consulta
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QUILOMBOS DE ALCÂNTARA:
TERRITÓRIO E CONFLITO
O INTRUSAMENTO DO TERRITÓRIO DAS
COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE ALCÂNTARA PELA
EMPRESA BINACIONAL
ALCÂNTARA CYCLONE SPACE
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Davi Pereira Júnior

QUILOMBOS DE ALCÂNTARA:
TERRITÓRIO E CONFLITO
O INTRUSAMENTO DO TERRITÓRIO DAS
COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE ALCÂNTARA PELA
EMPRESA BINACIONAL
ALCÂNTARA CYCLONE SPACE

Manaus/2009
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Copyright © PNCSA, 2009.


EDITOR
Alfredo Wagner B. de Almeida

CAPA, PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO


Émerson Silva

CARTOGRAFIA E MAPAS
Davi Pereira Júnior
Luís Augusto Pereira Lima
Laboratório de Geoprocessamento do PNCSA

Ficha Catalográfica

Pereira Júnior, Davi.

P436q Quilombos de Alcântara: Território e Conflitos – Intrusamento do ter-


ritório das comunidades quilombolas de Alcântara pela empresa binacional,
Alcântara Cyclone Space / Davi Pereira Júnior... [et al.] – Manaus: Editora
da Universidade Federal do Amazonas, 2009.

132 p.: il.: 22 cm.

ISBN

1. Quilombolas – Alcântara, Maranhão 2. Conflito Territorial. I. Pereira


Júnior, Davi. II. Título.

CDU 333.013 (812.12)


Ficha elaborada por Rosenira Izabel de Oliveira, bibliotecária, CRB 11/529

E-mails: Endereço:
pncaa.uea@gmail.com Rua José Paranaguá, 200. Centro.
pncsa.ufam@yahoo.com.br Cep.: 69 005 130
http://www.novacartografiasocial.com Manaus, AM
Fone: (92) 3232-8423
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PREFÁCIO

Cynthia Carvalho Martins*

O trabalho de pesquisa sobre o “Território das Comunidades de Qui-


lombos de Alcântara invadido pela Agência Espacial Brasileira”, elaborado
pelo historiador Davi Pereira Júnior deslinda os pormenores da violação dos
direitos étnicos dos quilombolas de Alcântara em função das ações perpe-
tradas pelas empresas terceirizadas pela Empresa Binacional Alcântara
Cyclone Space (ACS). Essas empresas, catalogadas em número de sete, estão
com atuação principalmente nos povoados de Mamuna, Baracatatiua e Brito
e visam implantar o projeto de lançamento comercial de foguetes a partir de
um convênio do governo brasileiro com a Ucrânia. Entretanto, conforme a
pesquisa constata são aproximadamente 21 os povoados afetados direta-
mente pelas ações da Agência Espacial Brasileira, e reúnem aproximada-
mente 408 famílias.
Passados vinte e oito anos da implantação do Centro de Lançamento
de Alcântara assiste-se a uma sofisticação nas estratégias de imposição de um
modelo de suposto desenvolvimento tecnológico. Esse modelo repete os
mesmos erros cometidos em 1986 e 1987 no período dos remanejamentos
compulsórios de famílias quilombolas para implantação do Centro de Lan-
çamento de Foguetes de Alcântara. Caminhos são cortados; marcos e limites
tradicionais de separação entre os povoados, como os paus amarelos e cabeça
de preto, são destruídos; áreas são intrusadas; famílias impedidas de praticar
seus sistemas tradicionais de uso dos recursos naturais, incluindo as práticas
de uso comum; famílias são ameaçadas, enfim, atos arbitrários que os alcan-
tarenses não deixaram de vivenciar, desde que seus territórios foram desapro-
priados em 1980 para implantação da chamada Base. A diferença é que no
momento há processos judiciais em andamento e estão constituidos movi-
mentos sociais que reivindicam o território como quilombola, a exemplo do

* Antropóloga, coordenadora do Curso de especialização “Sociologia das Interpretações


do Maranhão: povos e comunidades tradicionais, desenvolvimento sustentável e polícas
étnicas” (UEMA, FAPEMA, SEIR). Pesquisadora do GESEA e do PNCSA.
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Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (MABE); o Sindicato dos Tra-
balhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR); o Movimento de
Mulheres Trabalhadoras Rurais de Alcântara (MOMTRA) e da Associação
dos Moradores do Povoado Arenhengaua (AMPA). Ou seja, os equívocos
de setores do poder público em articulação com a iniciativa privada são os
mesmos no período ditatorial e agora, entretanto, a percepção dos erros e
danos, pelos quilombolas e por outros segmentos da sociedade, se alterou.
O questionamento principal refere-se às tentativas oficiais de comer-
cialização dos territórios específicos, secularmente ocupados por famílias
que permaneceram nas terras após a desagregação das grandes fazendas de
algodão e dos engenhos que produziam açucar. Tais territorialidades espe-
cíficas como as terras de preto, terras de santo, terras de santíssimo, terras
de santíssima, terras de caboclos e terras de pobreza compõem a área reivin-
dicada como território étnico. O agravante é que esses territórios foram ini-
cialmente desapropriados, para fins de utilidade pública, através do Decreto
n.7.320, de 1980, que desapropriou 52 mil hectares de terra, área ampliada
posteriormente para 62 mil hectares por um Decreto do ano de 1991, assi-
nado pelo então presidente Collor de Melo. Recentemente, com a ação da
Empresa Binacional Alcântara Cyclone Space (ACS), esses territórios pas-
saram a ser utilizados como empreendimento comercial por um outro país,
a Ucrânia. Há arbitrariedades nesse processo, porquanto tem-se uma mu-
dança na finalidade do projeto. A área é desapropriada com um fim e após
um período de tempo configuram-se interesses empresariais estrangeiros,
que prevalecem sobre os interesses públicos e nacionais.
O trabalho de Davi Pereira Júnior explicita as contradições desse pro-
cesso. O pesquisador viajou para área com o objetivo inicial de realizar ofi-
cinas de consultas, através do Projeto Nova Cartografia Social (PNCSA) e
do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE),
sobre o instrumento de caráter associativo para fins de titulação da área. Ou
seja, após a realização do laudo antropológico, produzido pelo antropólogo
Alfredo Wagner, não houve contestação formal e já estava delineado, pelos
instrumentos jurídicos que a área seria reconhecida como das comunidades
remanescentes de quilombos, a despeito das resistências. Após um mês da
realização das reuniões com o objetivo de discutir aspectos ligados ao re-
conhecimento das terras como território étnico, em novembro de 2007, Davi
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retornou ao campo e constatou que as empresas de engenharia à serviço da


ACS já estavam atuando a todo vapor nas comunidades, contrariando o es-
tabelecido pela lei e causando danos e provocando conflitos com os qui-
lombolas que já estavam cientes de seus direitos territoriais. A partir daí
empreendeu com uma equipe de técnicos igualmente pertencentes a familias
quilombolas de Alcântara, o trabalho ora apresentado.
As práticas e técnicas de pesquisa adotadas neste trabalho são rigoro-
sas e inovadoras. Rigorosas em função do estudo de sobreposição sistema-
tizar informações cartográficas precisas em relação às diferentes formas de
representação do território; rigorosas ainda em função do acompanhamento
sistemático do desenrolar das situações relativas à violação dos direitos étni-
cos, facilitado pelo fato do pesquisador ser de uma família quilombola, de
Itamatatiua. Inovadoras por contribuírem para a percepção da situação de
definição das fronteiras como arbitrárias e por incluir como participantes
do estudo os próprios sujeitos da ação, ou seja, aqueles que sofrem direta-
mente os efeitos de implantação desses projetos desenvolvimentistas.
O trabalho que vem a público é autoral, entretanto, sua construção é
coletiva. Nas chamadas oficinas, espaços de construção de um conhecimento
coletivo, chegou-se a reunir mais de 580 pessoas de povoados distintos, com
situações territoriais e de conflito específicas. Os participantes dessas oficinas
contribuíram diretamente na elaboração do presente estudo. A própria con-
dição de possibilidade da produção intelectual em pauta está atrelada a essa
participação. São sujeitos, ligados a formas organizativas formais ou não, e
que possuem uma existência coletiva. Eles produzem ações políticas através
da produção de conhecimentos a partir de relativizações de noções petrifi-
cadas como “origem” e “tradição no sentido do passado”, ou seja, de um
tempo linear. A tradição está relacionada ao presente e também ao saber que
esses sujeitos levam consigo, independentemente das violações que sofrem,
seja deslocamentos compulsórios ou imposição de representações espaciais
que colidem com as suas representações simbólicas. Entretanto, no mo-
mento, a luta principal dessas famílias é pela titulação definitiva das terras de
todo território étnico, não aceitando o modelo de arquipélago.
Outra característica marcante da pesquisa é possuir uma dimensão
política sem perder o rigor científico. O autor realiza um trabalho de campo
sistemático, cataloga aspectos das formas de vida das famílias, de suas prá-
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ticas econômicas e religiosas. Entretanto, não se trata de um catálogo inde-


finido de informações, como a maioria dos livros publicados, principalmente
aqueles que tratam da chamada “cultura popular” que enfatizam o exótico.
Ao contrário, o autor não perde de vista a problematização das situações de
violação dos direitos dessas comunidades tradicionais, ou, explicando me-
lhor, parte dessas situações de violação sem deixar de explicitar aspectos
fundamentais do modo de vida dessas famílias. A pesquisa contribui signi-
ficativamente para a consolidação das expectativas de direitos dos quilom-
bolas de Alcântara. Juntamente com o laudo antropológico representa um
instrumento científico fundamental que pode ser utilizados pelos movimen-
tos sociais nesse longo processo de luta pelo reconhecimento das diferenças
étnicas.
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SUMÁRIO

7 PREFÁCIO

15 ETNOGRAFIA DO INTRUSAMENTO E TÉCNICAS DE


MAPEAMENTO SOCIAL: À GUISA DE APRESENTAÇÃO.

19 PARTE I
RELATÓRIO TÉCNICO DOS ATOS DE INTRUSAMENTO E DE
DEVASTAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS DO TERRITÓRIO DAS
COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS DE
ALCÂNTARA POR EMPRESAS CONTRATADAS PELA ACS/AEB

21 INTRODUÇÃO

22 AS OFICINAS DE CONSULTA E A TITULAÇÃO DO TERRITÓRIO


DAS COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBO

25 AS SUCESSIVAS VIOLAÇÕES E INTRUSAMENTO DAS TERRAS DAS


COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS PELA
ACS/AEB.

34 INFORMAÇÔES GEOREFERENCIADAS E DESCRIÇÃO DOS ATOS


DE INTRUSAMENTO E DEVASTAÇÃO DAS ÁREAS DAS
COMUNIDADES DE MAMUNA, BARACATATIUA E BRITO
34 Destruição dos marcos que tradicionalmente delimitavam as
áreas das comunidades
37 Devastação das áreas de roças e das capoeiras
40 Desmatamento
41 Abertura ilegal de estradas
43 Abertura de picadas que cortam antigos caminhos
44 Equipamentos e máquinas distribuídos ilegalmente pelas terras
das comunidades remanescentes de quilombos
44 Registros de equipamentos encontrados
45 Sondas
46 Máquinas de sondagem e perfuração
48 Recursos hídricos ameaçados pela ação predatória das empresas à
serviço da ACS
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49 Destruição de caminhos e trilhas que serviam de comunicação


entre povoados
50 Devastação de recursos florestais e seus efeitos sobre a dieta
alimentar e a renda familiar
52 Ameaça de acesso a outros recursos naturais
55 AÇÕES DIVERSAS DE INSTALAÇÃO DAS EMPRESAS DENTRO DAS
TERRAS DE BARACATATIUA E MAMUNA, QUE EVIDENCIAM UMA
TENTATIVA DE CONTROLE EFETIVO E PERMANENTE DA ÁREA
57 Trânsito de Veículos compactando terrenos em áreas de plantio
57 Tentativa de colocação de piquete na Comunidade de Brito
58 MOVIMENTO DE RESISTÊNCIA: PARA FREAR A DEVASTAÇÃO AS
COMUNIDADES ESTÃO SENDO FORÇADAS A ADOTAR MEDIDAS
DE PROTEÇÃO
60 Proibição de entrada de veículos, equipamentos e pessoas
estranhas a comunidades

62 ANEXO I

67 PARTE II
ESTUDO DE SOBREPOSIÇÃO ENTRE O TERRITÓRIO DAS
COMUNIDADES QUILOMBOLAS E AS ÁREAS PRETENDIDAS
PELA AGENCIA ESPACIAL BRASILEIRA

69 ESTUDO DE SOBREPOSIÇÃO

73 POR QUE DO ESTUDO DE SOBREPOSIÇÃO?

79 AS “ÁREAS INSTITUCIONAIS”, OS “SÍTIOS DE LANÇAMENTO” E


SEUS IMPACTOS SOBRE AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS AL-
CANTARENSES

88 PRINCIPAIS ATIVIDADES ECONÔMICAS DAS COMUNIDADES


QUILOMBOLAS

89 ÁREAS DE PESCA

90 RECURSOS NATURAIS UTILIZADOS SOB FORMA DE USO COMUM


PELAS COMUNIDADES PARA COMPLEMENTO DE RENDA E
ALIMENTAR
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92 ATIVIDADES DE COLETA VARIADAS

92 ÁREA DE COLETA DE BABAÇUAIS

94 ÁREA DE COLETA DE MANGUEZAIS

95 ÁREAS DE ROÇAS

96 O QUINTAL

98 PLANTAS MEDICINAIS

99 SITUAÇÃO DE CONFLITO

103 CONSIDERAÇÕES
105 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
107 ANEXO II
108 SENTENÇA n.027/2007/JCM/JF/MA
Processo n.2006.37.005222-7
Mandado de Segurança
Impetrantes: Joizael Alves e outros
Impetrado:Diretor Gwral do Centro de Lançamento de Alcântara
Juiz Federal José Carlos do Vale Madeira
São Luis, 13 de fevereiro de 2007

112 DECISÃO
Processo n,2006.37.00.005224
Mandado de Segurança
Impetrantes Pedro Batista Cerveiro Santos e outros
Impetrado- Diretor-Geral do Centro de Lançamento de Alcântara
Juiz Federal José Carlos do Vale Madeira
São Luis, 22 de setembro de 2006

116 RESPOSTA do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial


(MABE) à proposta para as comunidades remanescentes de qui
lombos de Alcântara apresentada pela Agencia Espacial Brasileira
(AEB), em 16 de julho de 2006, e reiterada em setembro de 2006.
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LISTA DE SIGLAS
AEB Agência Espacial Brasileira
ACS Alcântara Cyclone Space
AMPA Associação dos Moradores do Povoado Arenhengaua
CEA Centro Espacial de Alcântara
CLA Centro de Lançamento de Alcântara
ENT Entrevista com moradora da Mamuna
GEI Grupo Executivo Interministerial
GESEA Grupo de Estudos Sócio-Econômicos da Amazônia
GPS O Sistema de Posicionamento Global
IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Terras
MABE Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara
MCT Ministério da Ciência e Tecnologia
MONTRA Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Alcântara
MMA Ministério do Meio Ambiente
PNCSA Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia
STTR Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara
UEMA Universidade Estadual do Maranhão
UFMA Universidade Federal do Maranhão
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ETNOGRAFIA DO INTRUSAMENTO E TÉCNICAS DE


MAPEAMENTO SOCIAL: À GUISA DE APRESENTAÇÃO.

Alfredo Wagner Berno de Almeida I

Reiterando o propósito de recusar qualquer fragmentação do territó-


rio das comunidades remanescentes de quilombos de Alcântara, consoante
os termos do Laudo Antropológico determinado pelo MPF em 2002 e as de-
cisões aprovadas na plenária final das oficinas de consulta às comunidades
em 15 de outubro de 2007, o PNCSA decidiu atender à solicitação do
MABE e mapear os diversos danos provocados pelas empresas terceirizadas
pela ACS, a partir de novembro de 2007, no intrusamento do território das
comunidades remanescentes de quilombo. Já havíamos trabalhado antes nas
mencionadas oficinas de consulta organizadas pelo STTR, MABE, MON-
TRA e AMPA, que tiveram na plenária final a participação direta de 340 re-
presentantes de comunidades, e consideramos a continuidade dos trabalhosII.
Face à nova solicitação e com vistas a uma compreensão mais abrangente
dos danos ambientais e ao patrimônio cultural definimos por adotar uma
etnografia dos atos de intrusamento, descrevendo cada ocorrência de ma-
neira detalhada, com apoio em técnicas de observação direta e em entrevistas
com os agentes sociais atingidos. Recursos narrativos visuais, como fotos e
filmes, depoimentos gravados e registros escritos reforçaram os procedi-
mentos de coleta de informações. Para alcançar uma maior precisão, quanto
aos tipos de danos e uma produção de mapas acurada, capaz de explicitar a
sua extensão e profundidade, adotamos ferramentas tecnológicas, como
GPS, que podem agregar valor ao conhecimento das comunidades locais
sobre a região. Para alcançar este propósito o PNCSA, como desdobramento

I Antropólogo, autor do Laudo Antropológico sobre as comunidades quilombolas de Alcântara de-


terminado pelo Ministério Público Federal. Professor-visitante do PPGSCA e do PPGAS-UFAM e Coorde-
nador do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia. Pesquisador CNPq-FAPEAM.
II Em 2007 o PNCSA publicou o fascículo n.10 – “Quilombolas angidos pela Base Espacial-Alcan-
târa” na Série: Movimentos Sociais, Idendade Coleva e Conflitos. Seus principais autores foram Sean
Mitchell e Patrícia Portela., secundados por Cynthia de Carvalho Marns, Aniceto Cantanhede Filho e Al-
fredo Wagner.

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de suas atividades, reforçou os trabalhos pedagógicos de formação de um


quadro técnico a partir de agentes sociais das próprias comunidades quilom-
bolas. A instrumentalização de uma equipe técnica, que já havia tido acesso
a noções jurídicas elementares concernentes a direitos territoriais e étnicos,
através de cursos ministrados pela Rede Social de Justiça e Direitos Huma-
nos, e de noções elementares de GPS, propiciadas pelo PNCSA, consistiu
numa atividade prioritária.
De modo simultâneo definimos também por dois estudos de sobre-
posição de áreas, objetivando possibilitar uma visão mais completa das po-
sições de diferentes agencias governamentais. O primeiro estudo de áreas
sobrepostas foi entre aquela pretendida na “Proposta da AEB para Conso-
lidação do Centro Espacial de Alcântara”, recusada explicitamenteIII pelas
comunidades remanescentes de quilombos em setembro de 2006, e a área
delimitada pelo laudo antropológico determinado pelo MPF. O segundo es-
tudo foi entre a área contemplada para efeitos do “Relatório Técnico de
Identificação, Delimitação e Reconhecimento das Comunidades Remanes-
centes de Quilombos de Alcântara”IV, elaborado no âmbito do
INCRA/MDA, em dezembro de 2008, e aquela do referido laudo.
Neste livro estamos apresentando os resultados do mapeamento social e da
etnografia dos danos provocado pelas empresas que intrusaram o território
quilombola, bem como o primeiro dos estudos de sobreposição. O segundo
estudo de áreas sobrepostas será apresentado em volume posterior e atende
à solicitação da Procuradoria Geral da República no Estado do MaranhãoV.
Os resultados ora disponíveis indicam que há condições de possibi-
lidade para a implantação, num curto período, de um mecanismo de moni-
toramento dos limites do território das comunidades remanescentes de
quilombos. A equipe formada com filhos de famílias quilombolas, que se
graduaram em universidades públicas e agora produzem um conhecimento
concreto sobre os conflitos sociais que envolvem suas unidades familiares,

III Cf. documento disposto em Anexo firmado por representante do MABE.


IV Este Relatório foi elaborado por dois engenheiros agrônomos e dois topógrafos, no âmbito do
MDA/INCRA/Superintendência Regional do Maranhão-SR (12) MA e datado de 17 de dezembro de
2007.
V Leia-se o Ocio n.386/2008-ASS/PR/MA, datado de São Luis, o5 de junho de 2008 e firmado pelo
Procurador da República Dr. Alexandre Silva Soares e dirigido ao antropólogo Alfredo Wagner.

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constitui um embrião para implementação da equipe de monitoramento dos


limites territoriais Certamente que no momento ainda não há condições efe-
tivas para um monitoramento em tempo real de tais limites, mas este poderá
ser um dos objetivos do conjunto de movimentos sociais que representam
as famílias atingidas pela Base. Imagens de satélite já obtidas, postos de rádio
fixos ou móveis e tomadas de novos pontos com receptores de GPS podem
ser assinalados como imprescindíveis juntamente com um pequeno labora-
tório de geoprocessamento montado junto a instituições acadêmicas e uni-
versidades públicas. Estes esforços tanto mais se fazem necessários quando
se percebe que as bases cartográficas disponíveis e fidedignas, posicionando
todas as comunidades, são aquelas produzidas nos trabalhos relativos ao
laudo pericial, ou seja, no âmbito da sociedade civil, enquanto no que con-
cerne aos órgãos oficiais verifica-se não apenas uma desinformação, que
nega a existência das comunidades, mas um certo desencontro de fontes e
informações em tudo contrastantesVI.
O mapeamento social executado pela equipe do PNCSA e aqui apre-
sentado constitui assim um instrumento de ação e de conhecimento, que
contribui para a afirmação dos direitos territoriais e em área contínua das co-
munidades remanescentes de quilombos de Alcântara.

VI Haja vista, por exemplo, e isto foi examinado no outro volume, que a área levantada na idenfi-
cação do Relatório Técnico MDA/INCRA corresponde a 87.384,5925 hectares, enquanto que aquela do
Laudo equivale a 85.537,3601 hectares. A área do Relatório Técnico, entretanto, sem explicitar critérios,
exclui várias áreas tais como: CLA com 8.713,1830 ha e AEB com 5.556,0000 ha, perfazendo em
73.115,4095 ha o que classifica de “ área líquida proposta para reconhecimento” como território quilom-
bola. Os critérios de delimitação aparecem subordinados a uma ordem administrava, não há argumen-
tos técnicos. No Relatório não há qualquer menção explícita, jusficando porque não foram elaborados
memoriais descrivos das duas áreas excluídas próximas ao mar, que seriam “Síos de Lançamento”.
Somente foram elaborados memoriais descrivos das chamadas “áreas instucionais”. O memorial des-
crivo também silencia sobre a ligação entre as chamadas “áreas instucionais” e os “síos de lança-
mento”. Não define também o meio de ligação e o corredor que fica entre estas áreas mais sugere uma
área de uso permanente pelas empresas, comprimindo diversas comunidades quilombolas como Cema,
São Francisco, Bom de Ver e Rero.

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PARTE I

RELATÓRIO TÉCNICO DOS ATOS DE INTRUSAMENTO E DE


DEVASTAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS DO TERRITÓRIO DAS
COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS DE ALCÂNTARA
POR EMPRESAS CONTRATADAS PELA ACS/AEB

Equipe de elaboração

Davi Pereira Junior

Auxiliares técnicos:
Sebastião Cosme Almeida Ramos
Maria do Nascimento Carvalho
José Weberth Ramos Ribeiro
Inácio Silva Diniz

Orientação:
Alfredo Wagner Berno de Almeida
Cynthia de Carvalho Martins

ALCÂNTARA,
abril de 2008
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INTRODUÇÃO

Este relatório objetiva descrever as ocorrências de intrusamento das


terras e de devastação de recursos naturais das comunidades remanescentes
de quilombos de Alcântara, perpetradas pela Empresa Binacional Alcântara
Cyclone Space (ACS), através de empresas terceirizadas, entre novembro de
2007 e abril de 2008, registrando os danos sociais, econômicos e ambientais
causados às referidas comunidades. O objetivo principal foi documentar cri-
teriosamente as ocorrências, levando em consideração a própria percepção
das famílias quilombolas atingidas. Foram utilizadas técnicas de observação
direta com o georeferenciamento das respectivas informações, dispondo-as
em base cartográfica. De maneira complementar, foram utilizados meios fo-
tográficos e de gravação, como recursos narrativos e de registro, e se procu-
rou descrever de maneira sucinta as condições que balizaram o levantamento
de cada informação.
A equipe de pesquisa que realizou este levantamento no município
de Alcântara, trabalhou no âmbito das atividades previstas no Projeto Nova
Cartografia Social da Amazônia (PPGSCA-UFAM) e no Grupo de Estudos
Sócio-Econômicos da Amazônia (GESEA-UEMA) a partir de desdobra-
mentos das demandas do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial
(MABE), do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Alcântara
(MONTRA) e da Associação dos Moradores de Arenhengaua (AMPA). Tais
demandas ocorreram logo após o término das dez oficinas de consulta, que
discutiram, entre setembro e outubro de 2007, a criação de um instrumento
de caráter associativo com o propósito de receber a titulação correspondente
ao território das comunidades quilombolas.
Para a composição dessa equipe privilegiou-se o critério de capacita-
ção de pesquisadores das próprias comunidades quilombolas de Alcântara,
que já possuem formação acadêmica ou estão freqüentando curso técnico ou
superior, propiciando-lhes noções elementares de GPS (Sistema de Posicio-
namento Global) e de registro fotográfico. Um dos participantes foi também
habilitado em Arc GIS 9.2 e sua interface com as ferramentas do ArcMap,

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que poderão, inclusive, se constituir em instrumentos técnicos necessários ao


monitoramento permanente da área1.
O trabalho de campo foi realizado nos seguintes períodos: i) de 12 de
setembro a 15 de outubro de 2007, ii) de 30 de outubro a 20 de novembro
de 2007; iii) de 20 a 29 de janeiro de 2008, iv) de 16 a 20 de março de 2008
e v) de 25 a 28 de abril de 2008. O historiador Davi Pereira Junior participou
de todas as etapas da pesquisa, coordenando as atividades de capacitação e
de levantamento de dados na própria área atingida.

AS OFICINAS DE CONSULTA E A TITULAÇÃO DO TERRITÓRIO DAS


COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBO

A primeira etapa de permanência em campo teve como finalidade


principal registrar e acompanhar as oficinas de consulta promovidas pelo
STTR (Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara),
MABE, MONTRA e AMPA, junto às comunidades remanescentes de qui-
lombos atingidas pelas medidas de implantação da base de foguetes no re-
ferido município. Tais medidas foram implementadas a partir do decreto
n.7.820, de 1980, que procedeu à desapropriação por utilidade pública de
uma área de 52.000 ha, e do decreto da Presidência da República, de 08 de
agosto de 1991, que ampliou esta área para 62.000 ha, correspondendo a
mais da metade da área municipal.
As referidas oficinas de consulta, que abrangeram mais de 150 comu-
nidades remanescentes de quilombos com Certidão de Reconhecimento2

1 Além de Davi Pereira Júnior, formado em História pela UEMA, que também fez o curso de ARc GIS
9.2, e é natural de Itamataua, são os seguintes os demais membros de comunidades remanescentes
de quilombos de Alcântara que parciparam da formação básica e integraram esta equipe de pesquisa:
Sebasão Cosme Almeida Ramos, que está concluindo o curso técnico em Magistério no município de
Nina Rodrigues (MA), natural do ango povoado do Peru, cuja família foi compulsoriamente deslocada
para a Agrovila do Peru; Maria do Nascimento Carvalho, coordenadora do MONTRA, residente em Ma-
nival, povoado que sofre os impactos da proximidade da instalação da Agrovila Espera; José Werbert
Ramos Ribeiro, estudante de agronomia em Marabá (PA), natural do ango povoado de Marudá, cuja
família foi compulsoriamente deslocada para a Agrovila Marudá; Inácio Silva Diniz, estudante de agro-
nomia em Marabá (PA), também de Marudá.
2 Cf. Portaria FCP n.06 de 01 de março de 2004. Diário Oficial da União N.43. Brasília, 04 de março
de 2004. Livro de Cadastro Geral 001, registro 096, folha 100. Não foram incluídas, portanto, nas oficinas
de consulta, e também aguardam tulação definiva, aquelas comunidades remanescentes de quilom-
bos contempladas pela Portaria da FCP de 05 de maio de 2006 e registradas no Livro de Cadastro Geral

22
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:57 Page 23

formalmente emitida pela Fundação Cultural Palmares, correspondendo a


uma área superior a 85.000 ha, foram realizadas com apoio do Ministério do
Meio Ambiente (MMA), dando seqüência às propostas do Grupo Executivo
Interministerial (GEI), através do Subgrupo de Regularização Fundiária e
Ambiental e de Moradia, e contaram com a participação de funcionários do
INCRA, que estariam realizando ação fundiária com vistas à titulação da
área em consonância com determinação judicial, de setembro de 2006, a
partir de audiência na Justiça Federal em São Luís A área em pauta cor-
responde àquela firmada no laudo, solicitado pelo Ministério Público Fede-
ral, elaborado pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, em
2002, e publicado, em 2006, sob forma de livro, intitulado “Os quilombolas
e a base de lançamento de foguetes de Alcântara”, através de uma ação con-
junta de vários ministérios, tais como: Ministério do Meio Ambiente, Minis-
tério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério do
Desenvolvimento Agrário e Secretaria Especial de Políticas de Promoção
da Igualdade Racial. Trata-se de uma área correspondente a 85.537.3601 hec-
tares.
As oficinas de consulta constituíram uma instância de discussão or-
ganizada pelas comunidades atingidas e suas entidades representativas, com
o objetivo de discutir a criação de um instrumento de caráter associativo,
com vistas a receber o título correspondente ao território pertencente a essas
comunidades quilombolas. Durante as oficinas, as comunidades procuraram
discutir a criação de um instrumento em que cada membro do grupo se sen-
tisse representado de fato e de direito, ou seja, tratou-se de uma tentativa de
elaborar um instrumento que melhor os represente, quando do recebimento
do título definitivo.
Devido ao tamanho da área atingida e para facilitar a consecução das
oficinas, as comunidades foram agrupadas em diferentes “pólos”. Os crité-
rios utilizados para a distribuição das comunidades nos “pólos” foram a pro-
ximidade geográfica e a facilidade de deslocamento, com o objetivo de

n.006, registro n.553, folha 62. Trata-se do processo n.01420.000040/1998/88 referente aos povoados
localizados nos municípios de Alcântara e Bequimão, que compõem a comunidade de Itamataua. Não
foram incluídos também, e aguardam tulação definiva, os povoados da Ilha do Cajual, contemplados
na Cerdão de Reconhecimento, emida pela Fundação Cultural Palmares, datada de 25 de janeiro de
2006.

23
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:57 Page 24

conseguir a maior participação possível das pessoas que representavam suas


comunidades. Cada oficina foi planejada para um número mínimo de 50
participantes das comunidades pólo com duração de dois dias. Foram es-
colhidas como comunidades pólo aquelas de localização mais central e com
uma melhor infra-estrutura que possibilitasse e facilitasse ao máximo o des-
envolvimento dos trabalhos, quais sejam: Arenhengaua, Barreiro, Canelatíua,
Oitíua, Pavão, Peroba, Itapuaua, Santa Maria, Agrovila I (Espera) e Agrovila
II (Peru)3.
Participaram das oficinas e assinaram suas respectivas listas de pre-
sença 596 representantes de comunidades. Na plenária final, em 15 de ou-
tubro de 2007, estavam presentes 340 representantes de comunidades. Os
resultados do laudo antropológico foram reapresentados pelo antropólogo
por ele responsável e as questões levantadas foram discutidas exaustiva-
mente. Funcionários do INCRA também apresentaram um relato de suas ati-
vidades no sentido da titulação, informando que o memorial descritivo havia
sido concluído correspondendo a uma área total de cerca de 87.384,5925
hectares. Todas as informações veiculadas e as decisões aprovadas pelos re-
presentantes foram devidamente encaminhadas aos órgãos oficiais que in-
tegravam o GEI, ao Ministério Público Federal e à Justiça Federal. Tais
acontecimentos criaram um clima favorável de expectativa com relação às
medidas de regularização fundiária e à observância do prazo de titulação es-
tabelecido. Afinal, a partir de audiência realizada em 27 de setembro de 2006,
na capital São Luís, o Juiz Federal Dr. José Carlos do Vale Madeira, deter-
minou que o INCRA promovesse, no prazo de 180 dias, a conclusão do
processo administrativo voltado para a titulação definitiva das terras ocupa-
das pelos remanescentes de quilombos identificados pelo laudo antropoló-
gico, elaborado por solicitação do Ministério Público Federal. Também em
sentença4 do mesmo juiz federal foram garantidas as práticas de cultivo em
suas “áreas tradicionais remanescentes de quilombos (fls.03/132)” sendo
evocada a Convenção n.169 da OIT em seu art. 14.

3 A distribuição das comunidades pelos respecvos pólos pode ser consultada no Anexo I
4 Cf. Sentença n.027/2007/JCM/JF/MA. Processo n.2006.37.00.005222-7. Mandado de Segunrança
de Alcântara. Sentença. Datada de São Luis, 13 de fevereiro de 2007. Assinada pelo Juiz Federal José
Carlos do Vale Madeira. (Vide Anexo).

24
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AS SUCESSIVAS VIOLAÇÕES E INTRUSAMENTO DAS TERRAS DAS


COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS PELA ACS/AEB.

Menos de um mês depois de definido o instrumento de caráter associ-


ativo para fins de titulação, em novembro de 2007, retornamos à área e tive-
mos conhecimento que, ao contrário das expectativas e da decisão judicial,
empresas de engenharia contratadas pela ACS haviam começado trabalhos de
perfuração e sondagem para análise da água e do solo, afetando diretamente
as comunidades de Mamuna, Baracatatiua e Brito. Estas comunidades, que es-
tavam tendo suas terras intrusadas, haviam participado das oficinas de con-
sulta sobre a modalidade de titulação e achavam-se referidas respectivamente
ao pólo de Santa Maria (Brito) e ao pólo de Agrovila II-Peru (Mamuna e Ba-
racatatiua). A tensão social se colocava com mais força nestas comunidades.
Fomos contatados então pelo MABE para dar seqüência ao trabalho
realizado no período das oficinas de consulta. Reafirmando o propósito de
recusar qualquer fragmentação do território das comunidades remanescentes
de quilombos de Alcântara, consoante os termos do laudo antropológico e
as decisões aprovadas nas mencionadas oficinas de consulta, decidimos ma-
pear os diversos danos provocados por este intrusamento, todas as ocor-
rências de sobreposições entre locais de perfuração que estavam sendo
executadas pelas empresas contratadas pela ACS e o território das comuni-
dades remanescentes de quilombos atingidas.
Vale esclarecer que a ACS foi criada em conformidade com o Art.3
do “Tratado entre a República Federativa do Brasil e a Ucrânia, sobre coo-
peração de longo prazo na utilização do veículo de lançamento Cyclone-4 no
Centro de Lançamento de Alcântara”, assinado em Brasília, em 21 de ou-
tubro de 2003, e promulgado pelo Decreto presidencial n.5.436 de 28 de
abril de 2005. Todas as orientações firmadas no Tratado (Art.2, Art.3 alíneas
h, j, art.4, art 5) afirmam que o sistema de lançamento espacial Cyclone-4,
bem como o sítio de lançamento, serão desenvolvidos no Centro de Lança-
mento de Alcântara, ou seja, no conhecido “CLA”, cujos limites são fixados
na Proposta da AEB em 8.700ha, tendo como divisor o Igarapé Caaua ou
Caiuana, ao sul de Mamuna e Baracatatiua, ou seja, bem fora das áreas destas
comunidades quilombolas agora intrusadas pela ACS.

25
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Em janeiro de 2008, mediante a gravidade destes fatos e a partir de reu-


nião de pesquisa do GESEA e do PNCSA, optamos por uma etnografia dos
atos de intrusamento, descrevendo cada ocorrência de maneira pormenorizada
e com precisão. Para tanto, retomamos os trabalhos de campo feitos no período
prévio e durante a realização das oficinas de consulta. Realizamos, consoante
com o novo objetivo, uma viagem exploratória, percorrendo todos os povoa-
dos da área pretendida pela Agência Espacial Brasileira (AEB). Procedemos a
verificações de campo desde as comunidades de Vista Alegre e Vila Valdecir até
Mamuna, passando por: Santa Maria, Canelatiua, Retiro, Mato Grosso, Vila do
Meio, Aru, Itapera, Baracatatiua, Brito, Mamuninha, Tacaua, Pacuri, São Miguel,
Bom Viver, Rio Verde, Cema, Ibiramipiua e Mãe Eugênia. Este itinerário acom-
panhou criteriosamente todas as comunidades referidas à área de 5.380 hectares
pretendida pela AEB, conforme o documento da própria agência, intitulado
Proposta para Consolidação do Centro Espacial de Alcântara, datado de agosto
de 2006. Cabe frisar que esta Proposta, encaminhada agora como “oficial”, foi
explicitamente recusada em momentos anteriores, inclusive no âmbito do GEI,
sob o argumento de que geraria maior insegurança para as comunidades afe-
tadas e atingiria recursos naturais essenciais à sua reprodução física e social,
podendo se constituir, portanto, num fator de conflito e tensão social.
Para efeitos do survey ou pesquisa exploratória, executamos os traba-
lhos de campo com a seguinte equipe: Davi Pereira Júnior, Sebastião Cosme
Almeida Ramos, José Weberth Ramos Ribeiro, Maria do Nascimento Car-
valho e Inácio Silva Diniz. Munidos de GPS-Garmin Etrex5 procedemos à
amarração dos pontos, registrando as ocorrências respectivas e as coordena-
das geográficas que lhes são correspondentes. Com base nas verificações di-
retas realizadas nos povoados e nas tomadas de pontos e com o propósito
de uma visão mais abrangente, elaboramos a relação das comunidades que
estão sendo mantidas sob uma situação de ameaça e insegurança constantes
em virtude das pretensões da ACS/AEB e de suas ações.

5 O Sistema de Posicionamento Global (GPS) concerne a um sistema de posicionamento que uliza


satélites para indicar ao usuário sua posição exata, usando coordenadas conhecidas como latude e
longitude. No que tange à sua ulização neste trabalho de pesquisa, refere-se a um sistema de posicio-
namento que uliza satélites para indicar às comunidades remanescentes de quilombos sua posição
precisa, bem como a posição daquelas informações que os quilombolas consideram relevantes para ex-
plicar sua situação social e as ameaças a que se encontram submedos.

26
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As práticas de intrusão pelas empresas terceirizadas estão tendo uma


rápida repercussão na área, agravando as incertezas e aumentando a tensão
em torno da expectativa de um futuro incerto. Em virtude disto, evitamos
utilizar aqui a distinção usual de “área de influência direta” e “área de in-
fluência indireta”, mesmo levando em conta que há diferenças nos impactos
atuais sobre as comunidades e que nossas observações se concentraram onde
as empresas terceirizadas já intrusaram com procedimentos vinculados ao
que denominam de “estudos geotécnicos”.
Com apoio neste critério, podemos afirmar que as comunidades que
já estão sofrendo impactos diretos, na área pretendida pela AEB, totalizam
21, compreendendo 408 famílias, ou seja, mais de 2.040 pessoas. Elas foram
mapeadas durante o trabalho de pesquisa com base também nas próprias
informações cartográficas da já mencionada Proposta da AEB5. Concomi-
tantemente agrupamos os dados básicos sobre estas comunidades, privile-
giando a sua designação local, sua localização geográfica, com as devidas
coordenadas, e o número de famílias correspondentes. Para chegar a estas
informações nos valemos de todos os dados censitários produzidos no âm-
bito da preparação das já citadas oficinas de consulta organizadas pelo STTR,
MABE, MONTRA e AMPA. Os representantes dos “pólos” realizaram as
atividades de coleta em suas próprias comunidades, produzindo, além de
uma estatística primária, um material detalhado sobre a situação de cada co-
munidade e suas reivindicações. Para efeitos de precisão, procuramos, através
dos instrumentos de verificação direta e do emprego de GPS, reduzir in loco
a margem de erro. Com isto conseguimos delimitar com precisão toda a área
ora atingida, cujas primeiras informações dispomos no quadro a seguir apre-
sentado:

6 No decorrer desta avidade reforçamos também uma proposta anterior, surgida durante as Ofi-
cinas de Consulta, de realização de um estudo técnico complementar referente às sobreposições entre
as terras que constuem o território das comunidades remanescentes de quilombos de Alcântara e as
sete áreas pretendidas recentemente pela AEB. Não se trata, entretanto, de um caso de sobreposição
semelhante àquele verificado entre comunidades remanescentes de quilombos e unidades de conser-
vação ou entre duas situações jurídica e formalmente reconhecidas, porquanto aqui a sobreposição sig-
nifica um ato de intrusamento por parte da AEB sobre terras que estão na fase final de tulação definiva
com ação tramitando na jusça federal. Para fins de ilustração este “estudo de sobreposição”, detalhando
as distorções e o desconhecimento concreto da área pela AEB/ACS, ao planejar “síos de lançamento co-
merciais” e “áreas instucionais e de infra-estrutura”, será apresentado em separado, constuindo uma
segunda parte deste Relatório.

27
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Quadro I- Comunidades que estão sob impacto e tensão social na área pre-
tendida pela AEB

Comunidades Quantidade de Famílias Coordenadas Geográficas em


UTM
Aru Novo 03 (três) 230561752
9758684
Baracatatiua 15 (quinze) 230565766
9752572
Bom Viver 10 (dez) 230560436
9757114
Brito 33 (trinta e três) 230564936
9755342
Canelatíua 54 (cinquenta e quatro) 230561752
9758684
Cema 04 (quatro) 230560687
9748930
Folhau 04 (quatro) 230558067
9754116
Ibiramipiua 02 (duas) 230555045
9758240
Mamuna 67 (sessenta e sete) 230566367
9748990
Mãe Eugênia 01 (huma) 230554551
9757150
Mamuninha 06 (seis) 230562304
9754814
Mato Grosso 08 (oito) 230559595
9756846
Porto do Aru 03 (três) 230561339
9757742
Bom de ver 10 (dez) 230560436
9757114
Retiro 06 (seis) 230560239
9760110
Rio Verde 06 (seis) 230555200
9761680
Santa Maria 114 (cento e catorze) 23557636
9754152

28
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Tacaua 05 (cinco) 230557754


9751630
Tapera 20 (vinte) 230563218
9757880
Vila Valdecir 18 (dezoito) 230556046
9762138
Vista Alegre 22 (vinte e dois) 230557636
9761822
Comunidades: 21 (vinte e uma)
Famílias: 408 (quatrocentos e oito)
Fontes: Oficinas de Consultas realizadas pelo STTR, MABE, MONTRA, AMPA
e trabalho de campo da equipe de pesquisa em janeiro de 2008

Combinamos o uso do GPS, como ferramenta tecnológica, com todas


as informações consideradas relevantes pelos quilombolas para fazer parte
do mapa-síntese registrando os casos de intrusamento e de devastação. Para
isto contamos com a colaboração voluntária de inúmeras famílias e pessoas
que inclusive nos serviram de guia. Para complementar os dados, recorremos
também ao registro fotográfico como recurso narrativo. Fotografamos várias
situações de intrusamento do território quilombola e de predação de recur-
sos naturais - estradas vicinais, picadas, desmatamentos, corte raso de árvores
centenárias, colocação de piquetes, perfurações indevidas, trânsito de veícu-
los pesados sobre terrenos preparados para o plantio, compactando a terra
e inviabilizando a semeadura, colocação arbitrária de piquetes no centro de
povoados - provocada por empresas vinculadas e/ou terceirizadas pela ACS,
tais como a ATECH Tecnologias Críticas, a GEOCRET Engenharia e Tec-
nologia, a TERRABYTE SERVICES e a MULTISPECTRAL Sistema de
Serviços. As demais empresas vinculadas à ACS que foram registradas, in-
tervindo nas comunidades remanescentes de quilombolas, são: a FEINDT-
Consultoria Ambiental e a ALLERCE-Soluções Ambientais. A ação da
FEINDT-Consultoria aparece através de sua titular Sra. Laura Cristina
Feindt Urrejola Silveira. Sua intervenção parece ser no sentido de tentar con-
vencer a determinados núcleos familiares de que devem ceder ou concordar
com a ação das empresas contratadas pela ACS. Tal intervenção é percebida
pelas entidades de representação como adotando um procedimento cha-

29
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mado de “participativo”, mas que, em verdade, está buscando tão somente


dividir as famílias e os povoados, ameaçando desestruturar os pilares da uni-
dade familiar e da organização social das comunidades.
Além de mais de uma centena de fotos e de tomada de 158 pontos
com GPS, realizamos a gravação de depoimentos com sete lideranças e qua-
tro moradores de comunidades atingidas7, que bem complementam os dados
de verificação direta.
Mediante notícias de que a tensão social estaria se concentrando na
área - destinada pelas famílias quilombolas a cultivos de mandioca, milho,
mamona e arroz - localizada entre Mamuna e Baracatatiua, a equipe de pes-
quisa aí procedeu a inúmeras verificações. Os pesquisadores Davi Pereira
Junior, José Werbert e Inácio Diniz permaneceram por quatro dias hospe-
dados em Mamuna. Sebastião Cosme e Davi estiveram em Baracatatiua.
Com isto foi possível palmilhar toda a área entre os dois povoados, utili-
zando das estradas convencionais, dos caminhos e das trilhas antigas, man-
tidos sob regime de servidão pública e ligando tradicionalmente os dois
povoados e seus recursos básicos mantidos sob uso comum. Novamente,
portando o GPS, procedemos à amarração de pontos e ao registro de trilhas
sobrepondo-as aos locais onde ocorreram desmatamentos e atos de devasta-
ção. Procedemos ao registro fotográfico das novas situações dentro do ter-
ritório e, com auxílio de um gravador - como técnica de documentação -
registramos novos depoimentos com moradores de Mamuna e utilizamos
técnicas de observação direta para registrar as ações das empresas que esta-
riam perpetrando a intrusão do território quilombola. Abrindo diversas es-
tradas para o fluxo contínuo de caminhões e veículos tracionados, estas
empresas destruíram caminhos e trilhas, desnorteando as famílias quilombo-
las em seus deslocamentos cotidianos. Além disto, devastaram radicalmente
a paisagem tradicional e de tal modo o fizeram que uma assessora da ACS,
que teve sua declaração reproduzida pela imprensa periódica, admitiu erros
na área perfurada e multa recolhida ao IBAMA.
“A assessora Luisa Pastor, da ACS, afirma que houve um erro da Ter-
rabyte empresa terceirizada para a prospecção da área. ‘Eles perfuraram uma

7 Não citaremos o nome dos entrevistados no corpo do texto senão quando o autorizem. Atribuí-
mos a cada um deles um número de referência, que poderá ser acionado.

30
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pequena área e já foram multados pelo IBAMA em R$ 6 mil, o que, pelos


valores, não representa uma devastação’.” (cf. Juliana Simon, Último Se-
gundo. São Paulo, 06 de março de 2008).
As alegações da assessora são polêmicas e procuraram minimizar os
efeitos da devastação registrada e apresentada detalhadamente neste relató-
rio. Num tópico mais adiante, ela considera o crime ambiental, que afeta a
reprodução física e social das comunidades quilombolas, como uma infração
banal que pode ser avaliada e medida apenas pelo que ela chama de baixo
valor da multa.
Procuramos complementar os dados de observação direta sobre a
atuação das empresas terceirizadas com consultas à internet e às fontes se-
cundárias ou documentos relativos aos serviços por elas prestados. Estes
materiais permitiram a composição de um quadro geral das empresas vincu-
ladas à ação da ACS no que tange às comunidades remanescentes de quilom-
bos de Alcântara. Tal quadro, a seguir apresentado, contribui para que se
possa estimar a extensão do intrusamento e a divisão do trabalho técnico e
das respectivas responsabilidades entre as empresas envolvidas. As relações
assinaladas são de natureza comercial, referem-se a “negócios” entre as em-
presas e seus clientes, reiterando a dimensão absolutamente comercial da
ação da AEB/ACS e seus “sítios de lançamento”, bem ao feitio das práticas
colonialistas, com total menosprezo pelas comunidades remanescentes de
quilombos e seus direitos constitucionais e pelos fatores étnicos e culturais,
que lhes são coextensivos.

31
Quadro II - Empresas diretamente envolvidas nos atos de intrusamento.

32
Empresa Sede Serviços Caracterização Povoado em que foi regis-
trada sua ação

ACS- Alcântara Cyclone Brasília – DF. Empresa binacional resultante do Acordo, Articulada com a AEB atua Mamuna, Baracatatiua, e
Space assinado em 2003, entre Brasil e Ucrânia, como contratante dos ser- Brito e ainda: Aru Novo,
quilombos_alcantara:Livor2

que visa utilizar o VL Cyclone-4 a partir viços das demais empresas B.Viver, Canelatiua, Cema,
do Centro de Lançamento de Alcântara – mencionadas neste quadro. Folhal, Ibiramipiua, B.de
CLA, através do CEA. Ver, M.Eugenia, Mamu-
ninha,Mato Grosso,Aru,
4/3/2009

Retiro, RioVerde,
Sta.Maria,Tacaua, Itapera,
V.Valdeci e V.Alegre.
09:57

GEOCRET: São Luis (MA) Serviços de engenharia e Mamuna e Baracatatiua


Engenharia e Tecnologia consultoria
Ltda.
Page 32

Fundação Aplicações de Brasília e São Presta serviços a mais de 30 instituições “É uma entidade voltada Mamuna, Baracatatiua e
Tecnologias Críticas - Paulo em todo Brasil, incluindo, o MCT e AEB, para o desenvolvimento e Brito
ATECH www.atech.br Ministério do Planejamento, PIATAM, aplicação de tecnologias
Petrobás, Prefeitura de São Paulo, que agreguem valor para o
Venezuela, SIVAM, Exército,e Marinha. negócio de seus clientes”.
Promove a realização de estudos no
campo tecnológico e industrial, aeroespa-
cial, e em sistemas de defesa, telecomuni-
cações, energia, ciências atmosféricas e
ambientais. Promove estudos aplicados na
proteção e vigilância do território nacio-
nal.
Atende às demandas públicas e privadas.
Participa do projeto de viabilidade do Sa-
télite- SGB por meio de estudos e proje-
tos, incluindo o CTA.
www.atech.br
FEINDT: Consultoria Brasília e São A “Feindt Consultoria Ambiental é uma “Empresa especializada em Mamuna e Baracatatiua
Ambiental Paulo empresa prestadora de serviços de engen-gerenciar e executar proje-
quilombos_alcantara:Livor2

haria consultiva.” tos, agregando valor ao


produto e à imagem de seus
clientes.” Fonte:
www.feindt.com.br.
4/3/2009

Terrabyte: Services Austrália ]Avaliação. Amostragem de Solo. Análise Trabalha com tecnologias Baracatatiua e Mamuna
e Mapeamento, Precision GPS Surveying, em SIG, GPS, sensoria-
Yield Mapping. Exploração de recursos mento remoto; pesquisa
09:57

naturais e cartografia. Gestão de Dados e eletromagnética (EM) e ma-


Análise. peamento. Asses para in-
www.terrabyte.net.au dústrias agrícolas e farmers
Page 33

ALLERCE: Soluções São Vicente – Sociedade Empresária Limitada Atividades de consultoria Baracatatiua e Mamuna
Ambientais Ltda São Paulo em gestão empresarial,
administração de caixas es-
colares, atividades de apoio
à educação.

Multispectral Sistema e Campo Belo, São Sociedade Empresarial Limitada Serviços de cartografia, to- Baracatatiua e Mamuna
Serviços Ltda. Paulo pografia e geodésia.

Fonte: Internet e informações do trabalho de campo, novembro de 2007 a abril de 2008

33
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:57 Page 34

INFORMAÇÔES GEOREFERENCIADAS E DESCRIÇÃO DOS ATOS DE


INTRUSAMENTO E DEVASTAÇÃO DAS ÁREAS DAS COMUNIDADES DE
MAMUNA, BARACATATIUA E BRITO

Como produto do trabalho de campo passaremos, a seguir, a descrever


as ocorrências de intrusamento e devastação registradas, propiciando informa-
ções detalhadas sobre sua respectiva localização geográfica. Todos os atos ilegais
de desmatamento, de predação dos recursos naturais, de destruição de benfeito-
rias (marcos, roças, “fruteiras”) e demais danos ambientais e culturais, que carac-
terizam o intrusamento das áreas das comunidades remanescentes de quilombos
pela ACS e suas empresas terceirizadas, foram plotados em base cartográfica,
permitindo uma visão de conjunto dos danos causados às comunidades. Reite-
ramos que todas as informações aqui apresentadas estão georeferenciadas.
Para efeitos de apresentação procedemos a uma subdivisão dos atos de
intrusamento, registrando o desrespeito e a destruição dos marcos tradicionais
(“paus amarelos”, “cabeça de preto”), a devastação das áreas de plantio, a des-
truição de uma roça com os trabalhos de roçar já concluídos, a devastação de
capoeiras destinadas aos próximos plantios, a abertura ilegal de estradas, de pi-
cadas e de picos de serviço, a instalação de máquinas de sondagem e escavação
de buracos onde são instaladas as chamadas “sondas sinalizadoras”, deixando
à mostra, na superfície, as marcas “Atech” e “Multispectral Ltda”; os danos aos
recursos florestais e hídricos e ainda a destruição dos caminhos que ligam os
povoados entre si ou que levam à praia, aos cocais e ao porto.Verificamos que
alguns dos atos de intrusamento se enquadram, simultaneamente, em vários
tipos de danos ambientais e culturais. Em virtude disto, algumas ocorrências po-
derão aparecer em mais de um dos registros que a seguir passaremos a expor.

DESTRUIÇÃO DOS MARCOS QUE TRADICIONALMENTE DELIMITAVAM AS


ÁREAS DAS COMUNIDADES

Os marcos consistem em instrumentos tradicionalmente utilizados pelas


comunidades remanescentes de quilombos para servirem como indicativo do
limite das terras entre duas ou mais comunidades. Eles podem ser representados
de várias formas e, segundo a circunstância, recebem designações específicas
tais como: “Pedras de Rumo”, “Cabeça de Preto” ou “Paus Amarelos”. Neste

34
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:57 Page 35

sentido, tanto podem corresponder a acidentes naturais ou a um lugar especí-


fico, relacionado a algum componente da paisagem local, que se destaque entre
os demais, servindo como ponto de referência (nascente de rio ou igarapé, o
próprio rio, árvores e cocais, dentre outros), quanto pode ser um produto da
ação dos moradores, isto é, algo construído ou plantado com essa finalidade
precípua. Tais fronteiras intra-povoados são instituídas segundo um acordo tá-
cito entre os moradores dos povoados envolvidos, constituindo-se numa das ex-
pressões culturais da relação sistêmica entre eles e num componente básico das
formas de uso comum dos recursos florestais, hídricos e do solo.
Apesar das comunidades instituírem marcos divisórios, que traduzem
formas de direitos territoriais, eles não equivalem exatamente a um cerca-
mento, posto que é livre o trânsito de moradores entre os diferentes povo-
ados, bem como o direito de acesso e uso comum de recursos naturais,
considerados básicos consoante as relações sociais estabelecidas entre as fa-
mílias moradoras das diferentes comunidades. No caso da área abrangida
por Mamuna e Baracatatiua foram registrados pelo menos dois tipos de mar-
cos: os “paus amarelos” e a “cabeça de preto”.

Paus amarelos

Consistem em árvores antigas de tronco amarelado, que foram plan-


tadas em fileira pelos primeiros moradores das comunidades de Mamuna e
Baracatatiua com o objetivo específico de servirem de limite entre as duas
comunidades. Representam um símbolo dos direitos territoriais destas co-
munidades. Estas árvores, localmente chamadas de “Paus Amarelos”, que
também delimitam as áreas de plantio das duas comunidades, foram derru-
badas a machado uma após outra, depois cortadas rente à superfície e a se-
guir submetidas a nivelamento por lâminas de tratores das empresas
terceirizadas pela ACS, no mês de janeiro de 2008. Neste mesmo período
foram intensificados os intrusamentos e os atos predatórios corresponden-
tes. As duas comunidades tiveram seus territórios invadidos por máquinas e
trabalhadores contratados pela AEB/ACS e começaram a ser praticadas
ações sucessivas de arbitrariedade, sem qualquer consulta prévia às comuni-
dades, que evidenciam uma invasão completa e com características perma-
nentes de tentativa de apossamento e de controle efetivo da referida área.

35
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Na foto 01 ilustramos o que restou de um dos troncos


de “Pau Amarelo”, que os primeiros moradores plan-
taram para servir como símbolo dos limites entre as
comunidades quilombolas de Mamuna e Baracatatiua,
e que foi cortado a machado por trabalhadores contra-
tados pelas empresas terceirizadas pela ACS.
Referências geográficas: UTM 23056660 / 9751576

Foto 01 – 19 Março 2008.

Foto indicando o corte raso das árvores enfileiradas


com um dos restos do tronco de “Pau Amarelo” cor-
tado e ainda por ser nivelado.
Referências geográficas: UTM 230566594 / 9751582

Foto 02 – 19 Março 2008.


03 paus amarelos cortados.

“Paus Amarelos” derrubados e amontoados à beira


das estradas abertas ilegalmente pelas empresas tercei-
rizadas pela ACS. Isto foi o que restou dos símbolos
tradicionais do limite entre os povoados de Mamuna
e Baracatatiua, devastados por machados e tratores no
mês de janeiro de 2008
Referências Geográficas: UTM 23056608 / 9750405

Foto 03 – 19 Março 2008.

Máquinas de perfuração de poços para sondagem de


água e do solo na divisa entre Mamuna e Baracatatiua.
Foram instaladas no próprio local onde foram der-
rubados os “Paus Amarelos”. Houve perfuração tam-
bém no meio do antigo caminho usado pelos morado-
res como atalho para diminuir as distâncias entre os
povoados. Além da derrubada de árvores a machado
tem-se uma clareira aberta pela devastação causada
pelos tratores
Referências Geográficas: UTM 230566651 / 9751576
Foto 04 – 19 Março 2008

36
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:57 Page 37

Depoimento:

“É a destruição que eles fizeram dos limites aquele plantio de Pau


Amarelo é você querer apagar a identidade do povo porque aquilo ali foi
feito pelas comunidades, as duas comunidades fizeram aquilo ali, pra fazer
o limite, quer dizer dali terminava um e começava o do outro e eles chegaram
e devoraram tudo, quer dizer que eles não perguntaram, eles não pergunta-
ram nada a ninguém, eles já chegaram destruindo tudo”. (Militina Garcia
Serejo 19-03-2008)
Para lembrar a relevância dos “marcos” e como já têm
tido usurpadas as suas terras, as famílias quilombolas
de Mamuna reafirmaram que designam como “Cabeça
de Preto”, um local específico caracterizado por uma
antiga cruz de pedra que foi construído e definido
como marco divisório das terras de quatro comunida-
des: Camarajó, Capijuba, Capão e Mamuna. Para evi-
denciar a extensão das terras tradicionalmente
ocupadas pela mencionada comunidade, georeferen-
ciamos o referido “marco”, ou seja, a “Cabeça de
Preto” ou cruz fincada no antigo caminho que ligava
Foto 05 – 20 Março 2008 os povoados de Mamuna e Camarajó, servindo para
definir os rumos das terras de Camarajó (ao sul),
Capijuba e Capão (oeste) e Mamuna (leste). Este
marco permite que seja delimitada com precisão a ex-
tensão dos atos de intrusamento.
Localização Geográfica: UTM 23056381/ 9747414

DEVASTAÇÃO DAS ÁREAS DE ROÇAS E DAS CAPOEIRAS.

As terras localizadas entre Mamuna e Baracatatiua são tradicional-


mente usadas para plantio de mandioca, milho, mamona e arroz, com colo-
cação de roças pelas duas comunidades por mais de dois séculos. Com a
invasão dos territórios dessas duas comunidades por empresas contratadas
pela ACS, nos meses de janeiro e fevereiro de 2008, essas áreas sofreram
uma grande devastação. O desrespeito absoluto pelos direitos das comuni-
dades quilombolas foi sucedido por: desmatamentos junto às nascentes de
rios e igarapés, destruição de mata ciliar, derrubada indiscriminada de árvo-
res, abertura de diversas estradas ilegais, por tratores rasgando a vegetação

37
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sem nenhum controle ou preocupação com preservação ambiental, derruba-


da de bacurizeiro e outras fruteiras, devastação de áreas encapoeiradas des-
tinadas aos próximos plantios, destruição de palmeiras e ameaças sobre os
cocais e outros recursos extrativos. A movimentação de tratores, de veículos
pesados transportando máquinas e a ação de turmas de trabalhadores, con-
tratados temporariamente pelas empresas terceirizadas pela ACS, utilizando
machados, terçados e facões, vem descaracterizando ecologicamente esta re-
gião de plantio, violando também os direitos de cultivo dos moradores que
sofreram e continuam sofrendo significativas perdas. Um primeiro fator é
que as unidades familiares das mencionadas comunidades se encontram im-
possibilitadas de colocar suas roças no lugar de costume. A grande quanti-
dade de estradas e picadas abertas e o trânsito permanente de veículos
transportando equipamentos sobre os locais destinados às roças estão com-
pactando o solo e inviabilizando qualquer plantio. Houve caso em que
mesmo o terreno já tendo sido roçado e estando pronto para os tratos de
cultivo isto não impediu a ação dos tratores, que abriram uma estrada vicinal
ilegal pelo meio da roça de um morador de Mamuna.
Além de devastar as áreas destinadas às roças e capoeiras, as máquinas
estão destruindo caminhos antigos usados habitualmente pelos moradores
para encurtar as distâncias entre os locais de residência e os lugares de plan-
tios, de pesca e de extrativismos, quais sejam: as praias, os igarapés, os olhos
d’àgua, bem como a ligação entre os dois povoados. As empresas têm per-
petrado esta destruição da mesma maneira como destruíram os marcos his-
toricamente usados para definir os limites instituídos pelas duas
comunidades, menosprezando fatores étnicos e direitos tradicionais de uso
dos recursos naturais.
A seguir apresentaremos as ocorrências de devastação:

Roça de morador do povoado Mamuna que foi destru-


ída por trator de empresa contratada pela ACS para a
abertura de estrada ilegal.
Localização Geográfica: UTM 230566379 / 9750469

Foto 06 – 19 Março de 2008

38
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:57 Page 39

Paisagem devastada correspondente a roçado destruído


logo após a queima por tratores que desmataram as áreas
de roça de Mamuna e Baracatatiua invadidas pela ACS.
Localização Geográfica: UTM 230566379 / 9750464

Foto 07 – 22 Janeiro de 2008

Desmatamento provocado por tratores, para abertura de


estradas ilegais, nas áreas de roças e capoeiras das comu-
nidades de Baracatatiua e Mamuna, invadidas pela ACS.
Localização Geográfica: UTM 230566379 / 9750464

Foto 08 – 22 Janeiro de 2008

Vegetação nativa acumulada após o desmatamento feito


por trator, a serviço de empresas terceirizadas pela ACS,
para abertura de estradas ilegais nas áreas de roças e capo-
eiras das comunidades de Baracatatiua e Mamuna invadi-
das pela ACS, nos três primeiros meses de 2008.
Localização Geográfica: UTM 230566375 / 9750460

Foto 09 – 18 Março de 2008

Depoimento:

“Então mesmo que meus filhos não tenham condições de estudos,


mas que eles possam aprender a mesma coisa que eu aprendi para mim sus-
tentar eles, entendeu? Então eu disse para eles: ouçam uma coisa que digo
pra vocês, digo isso de verdade e de coração, o governo tomar essa terra
nossa é como tirar um filho de nosso colo, entendeu ?Isto é realidade, isto
não é drama é realidade porque é isso que eu sinto e passa e mostra que aqui
tem gente, vivem famílias, vivem pessoas, entendeu? Que eles estão a fim do
poder, do dinheiro, que vai ter muito lucro pra eles mais a gente vive aqui e
isso é nosso por direito, é nosso e eles querem passar por cima de tudo como
estão passando.”( Maria José Lima Pinheiro 19-03-2008).

39
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DESMATAMENTO

A invasão do território das comunidades remanescentes de quilombo


em Alcântara pela ACS/AEB, que ganhou envergadura em novembro de
2007 e foi ampliada entre os meses de janeiro e fevereiro de 2008, resultou
no desmatamento de áreas destinadas à colocação de roças e ao extrativismo,
ou seja, onde atualmente se teria plantios para garantir a sobrevivência das fa-
mílias das comunidades, encontram-se estradas, picadas e terrenos compacta-
dos pelo tráfego de veículos e verdadeiros labirintos de estradas e picadas. O
desmatamento foi feito tanto através de tratores, no caso das estradas, quanto
manualmente, com uso de machado, terçado e facão por trabalhadores con-
tratados pelas empresas terceirizadas pela ACS, no caso das picadas. Mediante
tais atividades toda a cobertura vegetal da área entre as duas comunidades
sofreu alterações radicais. A destruição da vegetação nativa, a derrubada de
madeira de lei, de palmeiras de babaçu, de bacurizeiro, de árvores frutíferas,
bem como a derrubada de mata ciliar dos rios e igarapés evidenciam os danos
causados ao meio ambiente. De tão absurdo e evidente foram qualificados e
punidos pelo IBAMA como crime ambiental, tendo sido aplicadas duas mul-
tas à ACS/AEB no valor aproximado de sete mil reais.

Ato de desmatamento: destroços de palmeira de babaçu


arrancada pela raiz por trator para a abertura de estradas
vicinais ilegais, objetivando facilitar o transporte de má-
quinas e equipamentos de sondagens de água e do solo
nas áreas de roças das comunidades de Baracatatiua e Ma-
muna
Localização Geográfica: UTM 230567146 / 9751314

Foto 10 – 20 Março de 2008.

Ato de desmatamento: destroços de palmeira de babaçu


arrancada pela raiz por trator para a abertura de estradas
vicinais ilegais, objetivando facilitar o transporte de má-
quinas e equipamentos de sondagens de água e do solo
nas áreas de roças das comunidades de Baracatatiua e Ma-
muna
Localização Geográfica: UTM 230566594 / 9751582

Foto 11 – 17 Março de 2008.

40
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Ato de desmatamento: retirada manual da vegetação na-


tiva para abrir uma clareira, visando a colocação de pique-
tes de madeira, coloridos e numerados. Esta clareira está
localizada dentro das áreas de roça de Mamuna e Baraca-
tatiua
Localização Geográfica: UTM 230566824 / 9750440

Foto 12 -20 Março de 2008

Depoimento:

“A representante do IBAMA, quando eles vieram, ela disse que ia


fazer um relatório e ia colocar tudo que nós estávamos repassando e eu disse
a ela: quando tu fizer o relatório coloca que aqui vivem pessoas, porque ge-
ralmente eu ouvi em uma reunião no Marudá, há anos que eu não tenho
assim em mente, que veio um coronel de São José dos Campos, quando ele
disse que ficou admirado em saber que nessa região moravam pessoas que
lá eles não tinham conhecimento dessa história. Ele disse que ficou admirado
porque nunca imaginou que aqui moravam pessoas. Ai eu disse a ela coloca
em teu relatório que aqui vivem pessoas e que precisam da terra para sobre-
viver.”( Militina Garcia Serejo. 19-03-2008 )

ABERTURA ILEGAL DE ESTRADAS

O território entre Mamuna e Baracatatiua, com estes atos de intrusa-


mento, parece mais um labirinto de estradas e de picadas, que tem levado até
os moradores mais antigos a se confundirem. Com os desmatamentos e cor-
tes efetuados dentro do seu território, eles perderam o sentido de localização.
As noções geográficas básicas para se orientarem em seus próprios domínios
lhes foram usurpadas. Da mesma maneira lhes foi usurpado o conhecimento
tradicional que possuíam sobre a paisagem e a incidência de certas espécies
vegetais e dos caminhos e das trilhas que levavam às roças, capoeiras, igara-
pés, rios e ao mar. Verifica-se um total desrespeito pelos direitos associados
à servidão pública. Um bom exemplo é um caminho entre Baracatatiua e
Mamuna. Usado por várias gerações este caminho foi interrompido pelos

41
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:58 Page 42

tratores em vários locais e as empresas terceirizadas pela ACS culminaram


por instalarem máquinas, que fazem sondagem de água e do solo, bem no
meio da trilha, impossibilitando definitivamente o seu uso.
As estimativas sobre a extensão destas estradas ilegais variam entre 4 km,
conforme alegam trabalhadores temporários das empresas terceirizadas, e mais
de 6 km conforme nossas verificações de campo. A primeira estrada aberta ile-
galmente, que vai da estrada de Baracatatiua, na entrada de Mamuna, até pró-
ximo às nascentes do Rio Petiua - conforme disposto no mapa em anexo - tem
uma extensão de aproximadamente 5 km, enquanto que a segunda estrada, que
vai da guarita até os “Paus Amarelos” tem 2 km. Do centro do povoado de Ma-
muna até o local onde começou a ser aberta a primeira estrada tem-se aproxi-
madamente 4,8 km. A largura destas duas estradas corresponde a cinco metros.
As estradas paralelas ou secundárias ou ainda vicinais, por sua vez, têm 4,80m
de largura e cerca de 300 metros de extensão. Já os picos têm uma largura que
varia de 1,80m a dois metros e sua extensão é bastante variável.

Abertura de estradas ilegais por tratores, que realizaram


desmatamentos em áreas de roça dos povoados de Ma-
muna e Baracatatiua invadida pela ACS, para facilitar a
passagem de máquinas de perfuração, equipamentos de
sondagens, trabalhadores contratados e pessoas estranhas
às comunidades
Localização Geográfica: UTM 230566589 / 9751574
Foto 13 – 18 Março de 2008

Continuação do desmatamento feito por tratores em áreas


de roça de Baracatatiua e Mamuna
Localização Geográfica: UTM 23 0566702 / 9750414

Foto 14 – 17 Março de 2008.

Desmatamento realizado por trator para abertura de es-


trada vicinal ilegal, em área de roça das comunidades de
Mamuna e Baracatatiua, na área invadida pela ACS, para
transporte de máquinas e equipamentos de sondagem de
água e solo
Localização Geográfica: UTM 23566611 / 9751576

Foto 15 – 18 Março de 2008.

42
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:58 Page 43

Depoimento:

“O que eu acho de todo esse desmatamento provocado? Eu acho o


seguinte: uma falta de respeito com a humanidade, entendeu?Uma coisa que
a gente conserva. Sempre conservou. Desde da época do meus avós, essa
área toda, como todo mundo que pode vim ver, é uma área conservada. A
gente passa de quinze a dez anos pra roçar a onde já roçou que fica a capo-
eira descansando e de repente chega alguém que desmata corta os Paus Ama-
relo, que é plantações dos mais velhos pra demarcar a terra, tá entendendo?
Desmata palmeiral, acaba com tudo, todos nossos caminhos, nossas trilhas
que a gente somos acostumados a andar e eles chegam e passam por cima
de tudo. Isso é um desrespeito com a humanidade, com o ser humano, tá en-
tendendo? Na minha opinião, eu acho que é um desrespeito achar que tudo
pode, chegar e passar por cima de todo mundo, sem pedir permissão, sem
perguntar se pode e se não pros donos da terra que somos nós que moramos
aqui!” (Maria José Lima Pinheiro 25-04-08 )

ABERTURA DE PICADAS QUE CORTAM ANTIGOS CAMINHOS

O território entre as comunidades de Baracatatiua e Mamuna, con-


forme já foi assinalado, encontra-se atualmente todo retalhado tanto por es-
tradas, quanto por picadas abertas manualmente. A largura destas picadas
varia entre hum metro e 8 metros. Alguns dos picos abertos pela ACS/AEB
não respeitaram nem mesmo os caminhos antigos, cujas margens encon-
tram-se inteiramente recortadas por estas picadas que os perpassam de um
lado a outro. Há diversas violações dos direitos assegurados pela servidão pú-
blica dos caminhos. A seguir apresentamos informações georeferenciadas,
referentes a estas violações:

Picada aberta manualmente por trabalhadores contrata-


dos pela ACS, nos meses de janeiro e fevereiro de 2008,
em área encapoeirada e de roça do povoado Mamuna, às
margens do caminho antigo que liga Mamuna a Baracata-
tiua
Localização Geográfica: UTM 23 05 66701 / 9750106

Foto 16 – 20 Março de 2008.

43
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:58 Page 44

Abertura de picadas, com desmatamentos manuais, isto


é, feitos por trabalhadores contratados pela ACS, no pe-
ríodo de janeiro e fevereiro de 2008, visando a demarca-
ção da área pretendida para a construção de sítios de
lançamentos comerciais, às margens do caminho antigo
que liga Mamuna a Baracatatiua
Localização Geográfica: UTM 230566748 / 9750312
Foto 17 – 18 Março de 2008

Depoimento:

“A gente antes, a gente saía em um caminho e sabia onde ia sair em


outro, em fim. Agora não, a gente vai pro palmeiral se perde se tem precisão
de ir no Baracatatiua se perde, tá entendendo? Se a pessoa não for com al-
guém que saiba agora se perde do mesmo jeito, não tem mais aquela coisa
que a gente tinha de andar o mato todo sem se perder. Agora é se perdendo
todo tempo, andando em círculo e voltando pro mesmo lugar sem conseguir
encontrar o caminho que a gente quer!”
(Maria Jose Lima Pinheiro 25-04-0)

EQUIPAMENTOS E MÁQUINAS DISTRIBUÍDOS ILEGALMENTE PELAS TERRAS DAS


COMUNIDADES QUILOMBOLAS

As empresas que invadiram os territórios de Mamuna e Baracatatiua


espalharam máquinas e equipamentos em todas as direções, seja nas picadas,
seja às margens das estradas ilegais abertas por tratores, sob alegação de es-
tarem realizando “estudos geotécnicos”.

Registros de equipamentos encontrados

Entre os equipamentos encontrados dispersos na intrusão das áreas


das comunidades remanescentes de quilombos estão: motores, bombas de
sucção, cones, caixas d`água, máquinas de perfuração, canos e mangueiras
plásticas, dentre outros. A seguir apresentamos estas informações georefe-
renciadas:

44
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Motor, sob trilho de madeira, de uma das empresas con-


tratadas pela AEB, para fazer perfuração e retirada de ma-
teriais para sondagem nas áreas de roças de Baracatatiua
Localização Geográfica: UTM 230566579 / 9750690

Foto 18 – 20 Março de 2008

Mangueiras de plástico abandonadas em locais de roça da


comunidade de Mamuna, onde a ACS instalou máquinas
para promover sondagem de solo e da água
Localização Geográfica: UTM 230566710/9749528

Foto 19 – 17 Março de 2008

Canos dispersos pelo chão, em área desmatada para ins-


talação de máquinas de perfuração do solo, em áreas de
plantio ou de colocação de roças das comunidadesde Ba-
racatatiua e Mamuna
Localização Geográfica: UTM 230566605 / 9750554

Foto 20 – 17 Março de 2008

Área de roças entre Baracatatiua e Mamuna invadida e


desmatada pela AEB, para perfuração por máquinas para
sondagem de solo e água, no período de janeiro e feve-
reiro de 2008
Localização Geográfica: UTM 230567146 /9751314

Foto 21 – 17 Março de 2008.


Sondas

As sondas com a marca da “ATECH” MULTISPECTRAL LTDA.


datadas de dezembro de 2007, estão localizadas bem no centro do povoado
de Mamuna, mais conhecido como “sítio”. São duas sondas: uma instalada
na frente da escola da comunidade e a outra em frente à igreja evangélica. A
sonda de Baracatatiua está instalada no centro do povoado defronte da casa
do Sr. Raimundo.

45
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:58 Page 46

“Sonda de sinalizadoras de satélites” com a marca da


ATECH e da MULTISPECTRAl LTDA. Instalada no
meio do povoado de Baracatatiua, com data de dezembro
de 2007.
Localização geográfica: UTM 230565766/9752572

Foto 22 – 23 janeiro de 2008.

Sonda de sinalizadoras de satélites” com a marca da


ATECH e da MULTISPECTRAL LTDA. Instalada em
frente à escola do povoado de Mamuna, com data de de-
zembro de 2007
Localização geográfica: UTM 230566534 / 9748884

Foto 23 – 23 janeiro de 2008.


Sonda de sinalizadoras de satélite com a marca da
ATECH e da MULTISPECTRAL LTDA. Instalada em
frente à igreja evangélica do povoado Mamuna, com data
de dezembro de 2007
Localização geográfica: UTM 230566645 / 9748880

Foto 24 – 24 janeiro de 2008.

Máquinas de sondagem e perfuração

Depois da intrusão das terras das comunidades de Mamuna e Bara-


catatiua pela ACS, ocorrida entre janeiro e março de 2008, tornou-se usual
se deparar nestas áreas com uma série de máquinas e equipamentos de uso
das empresas terceirizadas pela ACS. Tanto próximo aos locais de plantio e
demais práticas agrícolas, quanto nas áreas de extrativismo registra-se a ins-
talação destas máquinas, motores, sondas, bombas de sucção e demais equi-
pamentos mecânicos.

46
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Bombas de sucção localizadas em área de roça desmatada


por trator das empresas contratadas pela ACS/AEB para
facilitar o acesso de máquinas de escavação e sondagem
dentro das terras das comunidades de Baracatatiua e Ma-
muna.
Localização geográfica: UTM 230566758/9750446

Foto 25 – 19 Março de 2008.


Máquina instalada às margens de estrada vicinal aberta de
forma ilegal em áreas de roças, entre os povoados de Ma-
muna e Baracatatiua, intrusadas pela ACS/AEB no perío-
do de janeiro a março de 2008.
Localização geográfica: UTM 230566766/ 9750488

Foto 26 – 20 Março de 2008.

Máquina para realizar sondagem de terra e de água insta-


lada dentro das terras de Mamuna e Baracatatiua, em área
de roça das duas comunidades.
Localização Geográfica: UTM 23056156/ 9749 1423

Foto 27 – 17 Março de 2008.

Máquina de perfuração em área de roça das comunidades


de Baracatatiua e Mamuna, que foi desmatada por tratores
de empresas contratadas pela ACS.
Localização geográfica: UTM 2305566936/ 9751008

Foto 28 – 18 Março de 2008.

47
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:58 Page 48

RECURSOS HÍDRICOS AMEAÇADOS PELA AÇÃO PREDATÓRIA DAS


EMPRESAS A SERVIÇO DA ACS

Na área intrusada pela ACS/AEB existem inúmeros rios e igarapés


que as famílias das comunidades quilombolas utilizam para os afazeres da
vida cotidiana, incluindo-se nascentes com água potável. Com a abertura de
picadas, que passam sobre os leitos dos rios e atingem também em alguns
casos as suas matas ciliares e com desmatamentos realizados próximos às ca-
beceiras de cursos d’àgua, registra-se uma ação predatória. Segundo os mo-
radores, os rios estão com sua correnteza prejudicada, já está ocorrendo
certa diminuição do fluxo de água em pleno inverno ou período chuvoso. Os
moradores atribuem o fato ao desmatamento próximo às margens dos rios,
à derrubada das matas ciliares e à abertura de estradas próximas às nascentes
dos rios, que estariam comprometendo os olhos d’àgua.

Rio da Mamuna: Verificamos que a nascente do rio da


Mamuna encontra-se ameaçada pela proximidade da aber-
tura de estradas vicinais com desmatamentos realizados
de forma ilegal pela ACS. Segundo os dispositivos legais,
os mananciais sempre devem ter uma área de conservação
para fins de proteção e não podem ser comprometidos
por obras de engenharia, dado que há o risco de assorea-
mento e de contaminação. As matas ciliares também não
Foto 29 – 20 Março de 2008.
podem ser desmatadas, porquanto isto representa “crime
ambiental”.
Localização geográfica: UTM 230565519/9750176

Rio Petiua: Registramos picos abertos manualmente, pelas


empresas terceirizadas pela ACS, que passam sobre o leito
do Rio Petiua. As picadas, além de passarem sobre o leito
deste rio, passam em áreas de babaçuais, onde foi verifi-
cado o corte de pequenas palmeiras ou “palmeiras jo-
vens”. Trata-se de uma ação predatória com sérias
implicações, uma vez que o extrativismo do babaçu, em
combinação com a agricultura e a pesca, constitui uma
atividade básica para a dieta alimentar e para a reprodução
física das unidades familiares.
Localização geográfica: UTM 230567401/9751206

Foto 30 – 19 Março de 2008.

48
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:58 Page 49

Verificamos a ocorrência de desmatamentos às margens


do Rio Petiua, feitos manualmente por trabalhadores das
empresas contratadas pela ACS, para abrir picadas. Veri-
ficamos também desmatamentos para abertura de estra-
das a menos de 100 metros do curso d’àgua do referido
rio. Tem-se uma destruição da mata ciliar em vários tre-
chos, provocando assoreamento, tornando as águas turvas
e impróprias para o consumo pelas famílias de pescadores
Foto 31 – 18 Março de 2008. da praia de Petiua e Mamuna.
Localização Geográfica: UTM 230567521/9751140

Depoimento:

“É porque quando chovia antes, a água do rio é assim: podia chover


pouco, a água continuava todo tempo limpa! mas agora não, agora qualquer
chuvinha que der a água suja toda que a gente fica sem água. Então quando
a água tá limpa a gente tem que abastecer em casa, deixar a água guardada
pra poder ficar utilizando, porque qualquer hora, se der qualquer chuvinha
suja e antes não sujava. Podia dar chuva não sujava tão rápido como agora,
porque agora escorre água da estrada pro rio, pra cabeceira do rio. Ai suja
todos os rios outros. Quando dá uma chuvinha pronto, a água fica toda suja”
(Maria Jose Lima Pinheiro 25-04-08)

DESTRUIÇÃO DE CAMINHOS E TRILHAS QUE SERVIAM DE COMUNICAÇÃO


ENTRE POVOADOS

Os moradores das comunidades constroem historicamente, dentro


do seu território, caminhos e trilhas que facilitam seu deslocamento para de-
terminados locais, como rio, praia, babaçual, área de plantio, pesca e mesmo
para os povoados próximos. Estes caminhos antigos que os moradores usam
habitualmente, para encurtar as distâncias, estão sendo destruídos por tra-
tores ou ficando completamente obstruídos, com a abertura de estradas e pi-
cadas pela ACS. A malha de picadas, para fins do empreendimento da ACS,
além de estar destruindo as referências geográficas tradicionais, redesenha a
paisagem local, gerando tensões entre as famílias das comunidades quilom-
bolas, face ao estranhamento dos novos percursos, que lhes estão sendo im-
postos. O seu direito de ir e vir encontra-se ameaçado e os direitos que
emanam da servidão pública foram inteiramente desrespeitados.

49
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Perfuração por máquinas para sondagem de solo e água


no meio do antigo caminho que liga Baracatatiua e Ma-
muna. O mesmo caminho ainda serve como base para vá-
rias demarcações em forma de picadas que começam a
um quilômetro do núcleo do povoado Mamuna e depois
seguem em várias direções, retalhando a área.
Localização geográfica: UTM 230566651/9751576

Foto 32 – 17 Março de 2008.

Local onde estrada, aberta por tratores das empresas ter-


ceirizadas pela ACS, interrompe o caminho antigo que os
moradores usavam para terem acesso ao rio Petiua e à
praia de Petiua.
Localização geográfica: UTM 230568101/974893

Foto 33 – 19 Março de 2008.

Destruição de trilhas e caminhos antigos: piquete cravado


no meio do antigo caminho usado pelos moradores para
diminuir o tempo de viagem entre as duas comunidades.
Este piquete está colocado ao final de uma das estradas
secundárias, recentemente aberta.
Localização geográfica: UTM 230566824/9750440

Foto 34 – 20 Março 2008.

DEVASTAÇÃO DE RECURSOS FLORESTAIS E SEUS EFEITOS SOBRE A DIETA


ALIMENTAR E A RENDA FAMILIAR

Dentro das áreas das comunidades atingidas há inúmeros recursos


florestais, utilizados no dia-dia pelos moradores, que servem para comple-
mentação alimentar e mesmo como fonte de receita, como é o caso da ex-
tração das amêndoas de babaçu e do tucum, da carnaúba e dos bacurizeiros,
dentre outros. Esses recursos florestais encontram-se ameaçados pela intru-

50
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são da ACS/AEB, iniciada em fins do ano de 2007. Caso persistam estes


atos de devastação, as famílias das comunidades remanescentes de quilom-
bos, que mantêm um uso sustentável dos recursos, terão afetada gravemente
sua reprodução física.

Palmeira de Babaçu: Palmeiral usado pela comunidade de


Mamuna na coleta do coco babaçu para a produção de
azeite, produção de complementos alimentares (farinha
do mesocarpo), ração para animais, confecção de artesa-
nato, utensílios domésticos e produção de carvão da casca
do coco após a quebra e a extração da amêndoa.
Localização geográfica: UTM 230567353/9751198

Foto 35 – 18 Março de 2008.

Tucum: Desmatamento, por tratores, de tucum utilizado


pela comunidade de Mamuna, para produção de óleo ve-
getal para a complementação da renda e para confecção
de esteiras e artefatos domésticos.
Localização geográfica: UTM 230566994/9750550

Foto 36 – 19 Março de 2008.

Carnaúba: Carnaubal utilizado pelos moradores de Ma-


muna para extração de óleo vegetal. Este óleo à base de
carnaúba é destinado à complementação da renda fami-
liar, bem como a produção de cera. É chamado de “leite”.
Localização geográfica: UTM 23056735/9748972

Foto 37 – 20 Março de 2008.

51
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:58 Page 52

Bacurizeiro. Desmatamento: derrubada de um bacurizeiro


pelas empresas terceirizadas pela ACS. As famílias qui-
lombolas de Mamuna e Baracatatiua utilizam o fruto do
bacurizeiro como complemento alimentar e como fonte
de receita. A destruição desta espécie, tal como no caso
das demais, afeta diretamente a dieta alimentar das famí-
lias e a renda familiar.
Localização geográfica: UTM 230567113/9751108

Foto 38 – 18 Março 2008.

AMEAÇA DE ACESSO A OUTROS RECURSOS NATURAIS

Com a abertura de estradas, picadas, clareiras e demais atos preda-


tórios perpetrados nas áreas de Mamuna, Baracatatiua e Brito já se torna
possível estimar os impactos causados às famílias quilombolas e a proporção
dos danos ambientais e culturais. Estes atos constituem uma ameaça à repro-
dução física e social das comunidades, limitando o acesso aos recursos na-
turais imprescindíveis para seu modo de viver. Encontram-se ameaçados
tanto o acesso à praia, aos igarapés, aos portos, aos manguezais, às baixas,
quanto à água, aos peixes, aos mariscos e aos produtos extrativos, entre ou-
tros. Em decorrência, encontram-se sob ameaça: áreas de roças, babaçuais,
juçarais, buritizais, plantas medicinais, rios e espécies da fauna local. De igual
modo acham-se sob ameaça os cemitérios.

Praias. As praias são utilizadas pelos moradores da região


para uma série de atividades como: pesca, coleta de ma-
risco, lazer. O acesso a elas tem se tornado cada vez mais
restrito, dificultando o exercício de atividades produtivas
tradicionais.
Localização geográfica: UTM 230567735/9751118

Foto 39 – 20 Março de 2008.

52
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:58 Page 53

Igarapés. Os igarapés são imprescindíveis para os mora-


dores das comunidades ameaçadas de deslocamento com-
pulsório pela ACS/AEB, para a construção de sítios de
lançamentos comerciais e áreas institucionais. Os igarapés
ajudam a manter o equilíbrio ambiental e a dieta alimentar
das comunidades. Com as ações predatórias verifica-se
uma evidente ameaça sobre os recursos hídricos, demons-
trando que a experiência de assoreamento do Rio de Pe-
Foto 40 – 19 Março de 2008.
pital, a partir do deslocamento compulsório de povoados
em 1986 e da implantação de agrovilas, ainda não foi as-
similada pela ACS
Localização geográfica: UTM 230567823/9751086

Portos-local de escoadouro da produção familiar. Local


de comunicação e de diferentes circuitos de troca, que
serve como ancoradouro para barcos e canoas de pesca-
dores.
Localização Geográfica: UTM 230567886/9750842

Foto 41 – 20 Março de 2008.

Área de Roça. As áreas destinadas à roça: os moradores


das comunidades destinam toda área agricultável, fora do
núcleo populacional ou dos chamados “sítios”, para a agri-
cultura e/ou extrativismo e/ou atividades de coleta. A de-
vastação dos locais de colocação de roças e das capoeiras
desorganiza a organização social comunitária e gera uma
insegurança com a possibilidade de virem a escassear, ou
mesmo faltar, alimentos básicos.
Foto 42 – 18 Março de 2008. Localização Geográfica: UTM 230568255/9749146

Manguezais: As áreas de manguezais, além de se constitu-


írem em berçário para reprodução de aves, peixes e maris-
cos, são utilizadas, dentre outras atividades, para a coleta
de marisco, caranguejo, sururu e para a pesca artesanal.
Localização Geográfica: UTM 230567616/9748428

Foto 43 – 20 Março de 2008.

53
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Extrativismo: As práticas de extrativismo resultam em


produtos como: azeite de coco babaçu e óleos vegetais de
tucum, carnaúba e mamona, que são imprescindíveis na
dieta alimentar e para a renda das unidades familiares.
Localização Geográfica: UTM 230566367/9748990

Foto 44 – 19 Março de 2008.

Baixas: As chamadas “baixas” ou zonas de várzeas onde


predominam práticas de coleta de juçara e buriti utilizados
sazonal e intensivamente pelas famílias das comunidades
quilombolas.
Localização Geográfica: UTM 230556046/9762138

Foto 45- 18 de Março de 2008.

Mariscos : O jurupeua, marisco encontrado nas praias das


comunidades, agora ameaçadas pelos atos de intrusa-
mento da ACS/AEB.
Localização Geográfica: UTM 230567740/9751114

Foto 43 – 20 Março de 2008.

Plantas Medicinais: Dentre as espécies afetadas tem-se di-


versos tipos de cipós usados pelas famílias quilombolas
na produção de remédios caseiros e que são encontrados
próximos aos centros dos povoados.
Localização Geográfica: UTM 230565520/9701170

Foto 47 – 20 de Março de 2008.

54
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:58 Page 55

Animais e Aves. Garças podem ser encontradas nas áreas


de manguezais e igarapés utilizados pelos moradores nas
áreas cujo acesso e uso estão ameaçados.
Localização Geográfica: UTM 23056752/9758684

Foto 48 – 18 de Março de 2008.

Depoimento:

“Eu fiquei com problema de saúde de tanto pensar, de tanto imaginar


com toda essa área tirada com problema, meu marido já doente sem poder
trabalhar, que a gente aqui utiliza é a pesca. Meu filho que está crescendo,
como é que eu vou sustentar essas crianças eu fiquei preocupada minhas
plantações será que ainda vale apenas continuar molhando o que vai acon-
tecer com esse lugar meu Deus do céu, o que vai acontecer com a nossa
vida. Então é um problema que mexe psicologicamente com a gente, mexe
com muito pai de família, não mexe é com as crianças porque não sabem o
que está acontecendo na verdade, mas com o pai de família que pensa que
se preocupa mexe demais entendeu?” (Maria Jose Lima Pinheiro 25-04-08)

AÇÕES DIVERSAS DE INSTALAÇÃO DAS EMPRESAS DENTRO DAS


TERRAS DE BARACATATIUA E MAMUNA, QUE EVIDENCIAM UMA
TENTATIVA DE CONTROLE EFETIVO E PERMANENTE DA ÁREA.

Acampamento ou guarita montado pela ACS dentro da


área de Mamuna para guardar máquinas e equipamentos
e controlar o acesso dos moradores e pessoas às estradas
e picadas abertas de forma ilegal.
Localização Geográfica: UTM 230566711/9750408

Foto 49 – 20 de Março de 2008.

55
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:58 Page 56

Cabana, para guardar máquinas e equipamentos, instalada


ao lado do acampamento.
Localização Geográfica: UTM 23056700/9750400

Foto 50- 20 de Março de 2008.

Máquina instalada às margens de estrada ilegal aberta por


trator entre os povoados de Mamuna e Baracatatiua. Ao
fundo tem-se uma noção das formas de desmatamento,
que estão sendo realizadas pelas empresas contratadas
pela ACS.
Localização Geográfica: UTM 230567145 / 9751318

Foto 51- 17 Março de 2008.

Piquete. Desmatamento manual para colocação de pique-


tes dentro das áreas de roça de Mamuna e Baracatatiua
invadidas pela ACS.
Localização geográfica: UTM 230566867/9750456

Foto 52- 19 Março de 2008.

Motor de sucção em área desmatada por trator para en-


trada de máquinas e equipamentos de sondagem de solo
e água em área de roças de Mamuna e Baracatatiua.
Localização Geográfica: UTM 23566936/9751008

Foto 53- 18 Março de 2008.

Poço aberto a partir de perfuração por máquinas em área


de roças, entre Baracatatiua e Mamuna, desmatada por
trator.
Localização Geográfica: UTM 230567118/9751110

Foto 54- 20 Março de 2008.

56
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:59 Page 57

Perfuração para sondagem de solo e água realizada em


área de roça inteiramente desmatada, por trator entre Ba-
racatatiua e Mamuna.
Localização Geográfica: UTM 230567148/9751316

Foto 55– 20 Março de 2008.

TRÂNSITO DE VEÍCULOS COMPACTANDO TERRENOS


EM ÁREAS DE PLANTIO.

Estrada ilegal aberta por trator por onde pessoas estran-


has às comunidades se movimentam tanto caminhando,
quanto utilizando veículos. Esta clareira da foto foi feita
dentro da área de roças entre Baracatatiua e Mamuna. Às
margens das estradas é possível notar as marcas evidentes
do desmatamento recente.
Localização Geográfica: UTM 230567881/9749032

Foto 56- 22 janeiro de 2008.

Caminhão da “GEOCRET”, empresa terceirizada pela


ACS/AEB para realizar perfuração na área invadida dos
povoados de Mamuna e Baracatatiua, transitando por es-
trada aberta ilegalmente.
Localização Geográfica: UTM 2305661762/9750402

Foto 57– 22 janeiro de 2008.

TENTATIVA DE COLOCAÇÃO DE PIQUETE NA COMUNIDADE DE BRITO:


Vide foto 62-Localização geográfica: UTM-23054867/9755079

Depoimento:

“E nós vamos sair daqui pra ir pra lá fazer o que? Em São Luis não
tem mais espaço não nas periferias porque o governo não deixa mais fazer
palafitas né? Tá encontrando dificuldade pra fazer uma melhoria naquela Li-

57
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:59 Page 58

berdade porque muitos não querem sair dali(...)então nós estamos com esse
problema sério, nós enfrentamos eles, dissemos pra eles não vir mais. Tanto
é que eles tiraram o marco que eles botaram no pé do poste ali, as pressas e
não voltou mais até agora(...)Pra gente sair daqui só se o governo acabar
logo com nós, mais vai ficar alguém pra anunciar pro mundo inteiro o que
o governo brasileiro fez com nós.” (Leonardo dos Anjos. Z. 23-01-2008 ).

MOVIMENTO DE RESISTÊNCIA: PARA FREAR A DEVASTAÇÃO


AS COMUNIDADES ESTÃO SENDO FORÇADAS A ADOTAR
MEDIDAS DE PROTEÇÃO.

Diante de tantos abusos e desrespeito por parte da ACS/AEB, que


não se retirou do território das comunidades remanescentes de quilombos
nem mesmo depois de ser multada por crime contra o meio ambiente pelo
IBAMA, as famílias das comunidades de Brito, e principalmente Mamuna,
que têm sido as mais prejudicadas - já que mais de 90% dos desmatamentos
foram feitos em suas terras - se viram forçadas a tomar medidas para pro-
teger as terras que tradicionalmente ocupam seus lugares habituais de mo-
radia e frear a devastação. As principais medidas adotadas foram: entupir as
picadas, seja nos caminhos, seja nas áreas de capoeiras e de roças, instituir vi-
gilância na estrada que leva à área, visando controlar o acesso às comunida-
des de Baracatatiua e Mamuna, e ainda: arrancar piquetes, proibir acesso de
carros, máquinas, equipamentos e pessoas estranhas às comunidades.
Registramos todas estas medidas, porquanto elas traduzem medidas
concretas que traduzem o direito constitucional das comunidades remanes-
centes de quilombos aos recursos naturais estratégicos e imprescindíveis à
sua reprodução física e social.

Entupir picadas
Entupir picadas. Picada, em área de capoeira aberta ma-
nualmente por trabalhadores contratados da AEB, entu-
pida pelas famílias do povoado de Mamuna em março de
2008
Localização Geográfica: UTM 230566717/9750156

Foto 58- 18 Março de 2008.

58
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Picada - aberta manualmente por trabalhadores contrata-


dos pela ACS/AEB, às margens do caminho que liga Ma-
muna a Baracatatiua - entupida pelas famílias da
comunidade de Mamuna. As picadas ficam a menos de
um quilômetro das casas dos moradores de Mamuna.
Localização Geográfica: UTM 230566701/9750106
Foto 59- 18 Março de 2008.

Instituir “Guarda”

“Guarda”: local, onde moradores da comunidade de Ma-


muna se abrigam, para controlar o movimento de pessoas
estranhas e impedir a entrada de veículos, máquinas e
equipamentos.
Localização Geográfica: UTM 230563743/9449172
Foto 60- 20 Março de 2008.

Arrancar piquetes

Poste da comunidades de Brito onde famílias quilombolas


exigiram que trabalhadores contratados por empresas a
serviço da ACS retirassem piquete de demarcação em ja-
neiro de 2008.
Localização Geográfica: UTM 230564867/9755079

Foto 61- 20 Março de 2008.

Farol velho: praia do povoado de Brito local onde mora-


dores impediram a colocação de piquetes demarcatórios
por trabalhadores de empresas a serviço da ACS, em ja-
neiro de 2008.
Localização Geográfica: UTM 230564868/9755068

Foto 61- 20 Março de 2008.

59
quilombos_alcantara:Livor2 4/3/2009 09:59 Page 60

PROIBIÇÃO DE ENTRADA DE VEÍCULOS, EQUIPAMENTOS E


PESSOAS ESTRANHAS A COMUNIDADES

Portão de controle instituído pelos moradores de Mamuna


para impedir a entrada de trabalhadores, máquinas, veícu-
los e equipamentos nas áreas de roças já invadidas e devas-
tadas.
Localização Geográfica: UTM 230563743/9449172

Foto 63- 20 Março de 2008.

Depoimento:

“Ai o pessoal todo mundo começou a se mover e se mobilizou e


fomos entrar em ação pra realmente dar uma parada em tudo que estava
acontecendo, porque não tinha condições, a gente tava perdendo, achando
que eles estavam fazendo alguma coisa que não estava devastando nem aca-
bando com tudo como eles fizeram e ai foi que aconteceu, todo mundo se
movimentou, todo mundo se mobilizou. Aí o pessoal começou a ver o que
estava perdendo, o que ia perder se não levantasse, botasse o pé no chão e
deixasse roça de mão, porque o que adianta cuidar hoje de roça e não cuidar
da estrada e amanhã não ter lugar pra fazer a mesma roça que tem hoje. Aí
o pessoal começou e todo mundo foi e barrou, e botou eles pra fora. (Maria
Jose Lima Pinheiro 25-04-08”)
“Agora aqui nós vamos dizer, porque quando o engenheiro Leonardo
perguntou vocês têm o documento da terra, vocês têm esse documento que
a terra é de vocês? Nós temos! E esse documento tá na mão de vocês? Esse
documento anda com a gente! Anda com vocês? Anda! Porque o documento
somos nós, nós somos o documento da terra, nós somos o documento da
terra, sabe por quê? Porque aqui que a gente sobrevive. Ó eu tenho uma tia
com oitenta e poucos anos, a mãe dela já morreu bem idosa, minha avô.
Então quantos anos não têm povo aqui neste lugar morando? Esse docu-
mento somos nós! Somos nós que temos que lutar resistir e nós vamos re-
sistir. Agora nossa briga esta acirrada mesmo com o governo agora daqui pra
frente ninguém vai dar espaço pra nada, se for preciso a gente divide o pão

60
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todo dia mas nós vamos manter aquilo ali até o governo mostrar o brilho
dele pra gente.”( Militina Garcia Serejo. 19-03-2008 )
“A danificação que eles estavam dando em toda área, o medo de per-
der toda área que nós temos, a praia, tudo, porque se eles fizessem o sítios
deles que eles querem o que ia acontecer?depois deles fazer o empreendi-
mento ai a gente não tinha mais chance. A nossa chance seria essa agora, ba-
rrar enquanto tinha tempo, entendeu? porque se a gente barrar enquanto
tinha tempo ai a gente conseguia, mas depois que eles botasse, fizesse alguma
coisa ai o negócio ficaria mais difícil pra nosso lado e então foi o momento
que a gente e as pessoas que não estavam mobilizadas, as pessoas que não
participavam da reunião tava completamente desinformados, tá enten-
dendo?, Eu, pelo menos, quando falava pra essas pessoas olha pessoal vocês
já imaginaram morar aqui dentro da Mamuna sem poder ir a praia, sem
poder pegar peixe, sem poder roçar. Como vocês vão viver? Eu sempre mos-
trava o ponto estratégico mesmo como deveria que tudo isto ia perder, nin-
guém confiaria neles, que eles diziam que a gente não ia perder o acesso a
praia que a gente ia viver normalmente que isso não aconteceria que nin-
guém acreditasse nisso porque isso jamais ia acontecer, entendeu?. Ai quando
a pessoa viu, o pessoal viu que realmente iam perder tudo isso aqui que eles
tinham direito que o difícil deles era acreditar que eles tinham direito, que po-
diam fazer isso” (Maria Jose Lima Pinheiro 25)
“Lula está chegando a São Luís por esses dias, tá entendendo? E eu
diria o seguinte (...) eu não queria que ele viesse aqui eu queria o seguinte que
ele ouvisse pelo menos três pessoas daqui, tá entendendo? Eu não queria que
ele viesse aqui! Que o tempo seria muito pouco, entendeu? Seria um percurso
muito grande, mas que ele recebesse três pessoas daqui pra ele ouvir, pra ele
ouvir mesmo ouvir de nós, saber como nós vive, do que nós vivemos e o quê
que nós quer. A gente não quer nada de mais, a gente só não quer é aumentar
a fila dos sem terra e nem a marginalidade e a violência em Alcântara e em
São Luis, porque, eles tirando isso aqui da gente, é o que vai acontecer que-
rendo ou não é o que vai acontecer. Se eu tivesse a oportunidades de falar
com o presidente eu queria dizer de cara para ele, cara a cara pra ele. Presi-
dente, é o seguinte, a Dilma Roussef como ela tá querendo se candidatar, ela
jamais era pra dar uma pincelada dessas que ela deu! De querer tirar nossa
terra pra fazer um projeto, ela tá prejudicando famílias e famílias, crianças e

61
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crianças. O senhor tá lutando pra tirar a miséria e a pobreza e o senhor não


tá tendo conhecimento suficiente do que esta acontecendo dentro da Ma-
muna, porque tirando aquele pedaço de terra da gente é continuar aumentar
a pobreza do Brasil entendeu? Porque a gente vai viver de que? Vai cultivar
o que? A gente não é assalariado a gente não é assalariado a gente vive é
disso” (M J 25-04-08 ENTREVISTA com moradora da Mamuna)

ANEXO I

Cadastro das Oficinas de Consultas para Titulação segundo as Comunida-


des-Pólo. STTR/MABE/MONTRA/ AMPA
Nº Pólos N º de Quilombos Nº de Famílias
01 Barreiro (Curuçá) 10 129
02 Arenhengaua 09 420
03 Oitíua 10 541
04 Pavão 09 232
05 Peroba 18 418
06 Itapuaua 06 248
07 Canelatíua 07 104
08 Santa Maria 15 496
09 Agrovila I (Espera) 19 478
10 Agrovila II (Peru) 13 489
TOTAL 10 116 3.555

Comunidades Quilombolas que fazem parte do pólo Barreiro e quanti-


dade de representante por comunidades.
Comunidades Número de Representantes
Curuçá 06
Iguaíba 04
Boa Vista 04
Barreiro 04
Santa Bárbara 04
Remédio 04
Timbiras 04
Santa Rita 04
Burdão 03
Porto do Meio 04

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São Francisco 01
Jordoa 04
Salina 04
Total Participantes 50

Comunidades Quilombolas que fazem parte do pólo Arenhengaua e


quantidade de representantes por comunidades.

Comunidades Número de Representantes


Arenhegaua 07
São Mauricio 06
Tiquara 02
São Raimundo 06
Cajuba 06
Porto de Baixo 06
Jerussú 06
Cujupe 07
Porto Novo 04
Total Participantes 50

Comunidades Quilombolas que fazem parte do pólo Oitiua quantidade de


representantes por comunidades.

Comunidades Número de Representantes


Oitiua 17
Traquai 02
Quiriritiua 05
Castelo 05
Segurado 05
Novo Belém 05
Marmorana 01
Cajapari 02
Cajueiro 05
Itaperai 03
Total Participantes 50

Comunidades Quilombolas que fazem parte do pólo Pavão e quantidade


de representantes por comunidades.

Comunidades Número de Representantes


Pavão 15
Conceição 09
Baixa Grande 05

63
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Tapiranga 05
Santo Inácio 10
Mocajubal 03
Centro de Vovó 03
Total Participantes 50

Comunidades Quilombolas que fazem parte do pólo Itapuaua e quanti-


dade de representantes por comunidades.

Comunidades Número de Representantes


Itapuau 13
Perizinho 10
Santana dos Caboclos 10
Esperança 03
Bacurejuba 02
Itaaú 12
Total Participantes 50

Comunidades Quilombolas que fazem parte do pólo Peroba e quantidade


de representantes por comunidades.

Comunidades Número de Representantes


Peroba de Cima 06
Samucangaua 05
Iririzal 04
Ladeira 03
Janã 03
Codó 03
Corre Fresco 05
Prainha 03
Praia de Baixo 03
Engenho 03
Vai com Deus 02
Florida/Forquilha 05
Terra Mole 05
Total Participantes 50

Comunidades Quilombolas que fazem parte do pólo Canelatiua e quanti-


dade de representantes por comunidades.

Comunidades Número de Representantes


Canelatiua 22
Bom Viver 05

64
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Aru Novo 03
Mato Grosso 05
Retiro 05
Itapera 10
Total Participantes 50

Comunidades Quilombolas que fazem parte do pólo Santa Maria quanti-


dade de representantes por comunidades.

Comunidades Número de Representantes


Santa Maria 10
Tacaua 02
Aguas Belas 02
Brito 05
Mamuninha 03
Ponta D`areia 08
Vista Alegre 02
São João de Cotes 13
Mãe Eugenia 01
Canavieira 03
Rio Verde 01
Total Participantes 50

Comunidades Quilombolas que fazem parte do pólo Agrovila I (Espera) e


quantidades de representante por comunidades.

Comunidades Número de Representantes


Espera 04
Trajano 04
Cajueiro 07
Ponta Seca 04
Caicaua 02
Manival 07
Paquatiua 04
Só Assim 05
Peptal 07
Vila Valdeci 02
Mangueiral 04
Total Participantes 50

65
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Comunidades Quilombolas que fazem parte do pólo Agrovila II (Peru) e


quantidade de representantes por comunidades.

Comunidades Número de Representantes


Peru 10
Marudá 08
Rio Grande 07
Rio do Pau 05
Mutiti 02
Mocajubal 03
Periaçu 04
Mamuna 06
Baracatatiua 03
Quero ver 02
Total Participantes 50

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PARTE II

ESTUDO DE SOBREPOSIÇÃO ENTRE O TERRITÓRIO DAS


COMUNIDADES QUILOMBOLAS E AS
ÁREAS PRETENDIDAS PELA
AGENCIA ESPACIAL BRASILEIRA (AEB)

Equipe de elaboração

Davi Pereira Junior

Auxiliares técnicos:
Sebastião Cosme Almeida Ramos
Maria do Nascimento Carvalho
José Weberth Ramos Ribeiro
Inácio Silva Diniz

Orientação:
Alfredo Wagner Berno de Almeida
Cynthia de Carvalho Martins

ALCÂNTARA,
abril de 2008
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ESTUDO DE SOBREPOSIÇÃO

O estudo de sobreposição que ora apresento é resultado de trabalho de


campo no território das comunidades quilombolas de Alcântara, localizadas
nas áreas pretendidas pela Agência Espacial Brasileira (AEB), ligada ao Minis-
tério da Ciência e Tecnologia (MTC) para a implantação do Centro Espacial
de Alcântara (CEA). A AEB objetiva a construção de “sítios de lançamentos”
comerciais de artefatos espaciais, bem como a implementação de “áreas ins-
titucionais”, com vistas a cumprir o acordo celebrado entre os governos do
Brasil e da Ucrânia, no ano de 1999, que resultou na criação de uma Empresa
Binacional denominada Alcântara Cyclone Space (ACS). Em consonância
com estes objetivos os empreendimentos pretendidos pelo Ministério da Ciên-
cia e Tecnologia em combinação com o Comando da Aeronáutica irão se con-
cretizar com a implantação do Centro de Lançamento de Alcântara (CEA).
O Centro Espacial de Alcântara será um empreendimento com fina-
lidade distinta daquela do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Na
prática será um novo empreendimento, já que a finalidade será para fins co-
merciais, ou seja, servir como base de aluguel, da qual outros países poderão
lançar artefatos espaciais que estão fora do controle do estado brasileiro. O
CEA não será de utilidade pública como o CLA, entretanto a AEB pretende
implantá-lo dentro de uma área que foi desapropriada para fins de utilidade
pública.
Em 1980, através do decreto n° 7.820 de 12 de setembro o governo
do Estado do Maranhão desapropriou 52 mil hectares de terras quilombolas
para fins de utilidade pública visando a implantação do Centro de Lança-
mento de Alcântara. Essa área foi ampliada em 1991 pelo governo federal
para 62 mil hectares o que representa mais da metade das terras do municí-
pio de Alcântara8.Essa medida de implantação do CLA culminou na retirada
de forma compulsória de 312 famílias quilombolas em 1986 e 1987.

8 O município de Alcântara possui uma área correspondente a 114 mil hectares.

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O novo empreendimento se encontra fora da área de 8.700 hectares,


que hoje seria pretendida pelo CLA e pelo acordo de salvaguarda tecnoló-
gica. Além disso, cabe reiterar, a área pretendida pelo empreendimento será
utilizada por outros paises e portanto, ficará relativamente fora do controle
do governo brasileiro. Os empreendimentos previstos para fins estritamente
comerciais colocarão em risco mais de uma dezena de comunidades, junta-
mente com centenas de famílias que utilizam o sistema de uso comum9 da
terra e dos recursos naturais existentes. O território para as comunidades
quilombolas é símbolo de sua identidade coletiva, constituindo-se em local
sagrado e imprescindível à sobrevivência dos grupos nele existentes.
A área pretendida pelo governo brasileiro para a construção dos “sítios
de lançamentos” e das “áreas institucionais” destinadas à infra-estrutura de
apoio aos mencionados sítios, é justamente a correspondente aos locais utili-
zados pelas comunidades para suas principais atividades econômicas de so-
brevivência quais sejam: a agricultura, a pesca e o extrativismo. Além destas há
uma série de outras atividades que as comunidades ficarão impedidas de pra-
ticar, como cerimônias e rituais de sentido religioso. Os obstáculos à utilização
por completo dos recursos naturais de seus territórios ocupados ao longo de
séculos e forjados por muitas lutas e dificuldades colocam em risco a repro-
dução física e cultural das comunidades. Ademais elas ainda estariam ameaça-
das de eventuais deslocamentos compulsórios como pretende o projeto da
AEB. Já foram submetidos a este procedimento moradores de outros povoa-
dos, que foram deslocados de forma compulsória quando da implantação do
CLA para as chamadas agrovilas10 na década de 80. Os erros parecem se repetir.
A eventual consolidação do CEA acarretará além de danos materiais às co-
munidades, prejuízos imateriais que jamais poderão ser mensurados, reparados
ou recuperados devido ao deslocamento forçado do seu local de origem.

9 Segundo o antropólogo Alfredo Wagner : os sistemas de uso comum podem ser lidos como fe-
nômeno fundado historicamente no processo de desagregação e decadência de plantaons algodoeiras
e de cana-de-açúcar. Representam formas que emergiram da fragmentação das grandes explorações
agrícolas, baseadas na grande propriedade fundiária, na monocultura e nos mecanismos de imobilização
da força de trabalho (escravidão e peonagem da divida). Compreendem situações em que os próprios
proprietários entregaram, doaram formalmente ou abandonaram seus domínios face à derrocada eco-
nômica com a queda do algodão no mercado internaciona no início do século XIX. In: “Terras de qui-
lombo, terras indígenas, “babaçuais livres”, “castanhais do povo”, faxinais e fundos de pasto: terras
tradicionalmente ocupadas”.- 2ª Ed, Manaus: PPGSCA-UFAM, 200. p.144.

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As famílias remanejadas no século passado, ainda hoje não têm direito


sequer de zelar pelos seus mortos nos antigos cemitérios, pois são proibidas
pelo CLA de entrar nas antigas áreas. Desde então tem sido constantes as
violações dos direitos étnicos e territoriais, bem como as ameaças sucessivas
que sofreram e ainda sofrem.
Toda essa área pretendida pela AEB, juntamente com seus recursos
naturais e atividades desenvolvidas, é imprescindível para a reprodução física
e social dos moradores de comunidades quilombolas de: Vista Alegre, Vila
Valdecir, Mamuna, Retiro, Brito, Baracatatiua, Mamuninha, Areia, Tapera,
entre outras apresentadas na tabela mais adiante. Essas comunidades encon-
tram-se em situação de risco. Caso o projeto de ampliação da atividade es-
pacial brasileira, agora com fins comerciais, se concretizar, poderá levar à
retirada dos moradores dessas comunidades e inviabilizará suas áreas de cul-
tivo. Além disto, provocará grave tensão social, visto que os moradores des-
sas comunidades não poderão mais ter acesso pleno ao território utilizado
ao longo de vários séculos e aos recursos naturais essenciais à sua sobrevi-
vência. Pode-se acrescentar a isto prejuízos incomensuráveis, tanto materiais,
como imateriais, visto que os chamados “sítios”, como as ditas “áreas insti-
tucionais”, incidem diretamente sobre os territórios de direito das comuni-
dades quilombolas, que tem sido utilizados secularmente por elas para
práticas de roça, extrativismo e pesca.
Os povoados diretamente atingidos com a perda de seus locais de
roça, de coleta e de pesca e ainda dos manguezais, babaçuais, juçarais, buri-
tizais e praias, com suas respectivas posições e coordenadas, registradas a
partir do trabalho de campo, totalizam 21 (vinte e um), perfazendo um total
de 408 (quatrocentos e oito) famílias, conforme se pode verificar na tabela
a seguir apresentada:

10 São conjuntos habitacionais projetados e construídos pelo governo brasileiro para transferência com-
pulsória de 321 famílias de 32 povoado na década de 80 do século passado, quando da implantação do CLA.

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Tabela 1

Comunidades Quantidades de Famílias Coordenadas Geográficas em


UTM
Aru Novo 03 230561752
9758684
Baracatatiua 15 230565766
9752572
Bom Viver 10 230560436
9757114
Brito 33 230564936
9755342
Canelatíua 54 230561752
9758684
Cema 04 230560687
9748930
Folhau 04 230558067
9754116
Ibiramipiua 02 230555045
9758240
Mamuna 67bbb 230566367
9748990
Mãe Eugenia 01 230554551
9757150
Mamuninha 06 230557717
9751610
Mato Grosso 08 230559595
9756846
Porto do Aru 03 230561339
9757742
Bom viver 10 230560436
9757114
Retiro 06 230560239
9760110
Rio Verde 06 230555200
9761680
Santa Maria 114 23557636
9754152

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Taua 05 230557754
9751630
Tapera 20 230563218
9757880
Vila Valdecir 18 230556046
9762138
Vista Alegre 22 230557636
9761822

Qt. de Comunidade: 21 Numero de Famílias: 408

Fonte: oficinas de consultas; STTR, MABE, MONTRA, AMPA- 2007

POR QUE O ESTUDO DE SOBREPOSIÇÃO?

A idéia de se fazer o estudo de sobreposição em alguns povoados do


município de Alcântara surgiu com realização das oficinas de consultas11
promovidas pelo MABE12, STTR13 e AMPA14, durante o segundo semestre
do ano de 2007, junto às comunidades negras rurais quilombolas alcanta-
rense atingidas pelo Programa Espacial Brasileiro. Durante as discussões nas
oficinas de consulta surgiram vários questionamento com relação à falta de
clareza do mapa apresentado pela AEB. No decorrer deste processo proce-
demos a observações e análise dos mapas contidos na proposta da AEB de
agosto de 2006, apresentada às comunidades e suas entidades representati-
vas. As principais dúvidas consistiam na ausência no mapa de alguns povo-
ados que ficam na região. Ausência absolutamente injustificada. A proposta
não possui maiores detalhes sobre a quantidade de terras a ser utilizada pelos
chamados “sítios de lançamento comercial” e das áreas classificadas como

11 As Oficinas de consulta constuíram-se em espaços de discussões organizados pelas comunidades


angidas pelo Decreto de agosto de 1991 e suas endades representavas com o objevo de discur a
criação de um instrumento associavo com vista a receber o tulo colevo do território pertencente a
essas comunidades quilombolas de Alcântara em consonância com o Laudo Antropológico do professor
Alfredo Wagner Berno Almeida, e determinação do Ministério Publico Federal.
12 Movimento dos Angidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE).
13 Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTRA).
14 Associação dos Moradores do Povoado Arenhengaua.

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“institucionais”. Tão pouco esclarece quais as áreas a serem utilizadas: seriam


aquelas tomadas de fato dos moradores? Há sempre a incerteza, na cabeça
de todos os moradores, se não tentarão arrebatar autoritariamente as terras
tradicionalmente ocupadas pelas comunidades quilombolas. Não diz quantos
povoados, nem quantas famílias de fato seriam diretamente atingidos com
o empreendimento. Essas dúvidas produzem incertezas e consistem nos ele-
mentos norteadores deste trabalho de discernimento que objetiva mapear o
potencial dos antagonismos a partir de desinformações deliberadas.
O estudo de sobreposição dividiu-se, deste modo, em dois momentos:
o primeiro momento foi subdividido em duas fases de laboratório. A pri-
meira no âmbito do CESC/UEMA, na sala do GESEA, e a segunda no la-
boratório de produção de mapas do Projeto Nova Cartografia Social da
Amazônia (PNCSA)–, tendo como principal referência para análise e refle-
xão a “Proposta para Consolidação do Centro Espacial de Alcântara”, ela-
borada pela AEB. O segundo momento centrou-se nas verificações in loco
a partir de viagens de campo e contatos com lideranças e moradores das co-
munidades.
Na primeira fase do primeiro momento procedeu-se, além da análise
da proposta da AEB, à leitura do laudo antropológico de Alcântara. A pro-
posta da AEB prevê duas etapas para implantação do CEA: uma de “com-
plementação da infra-estrutura do CLA/CEA” e outra de “implantação dos
sítios de lançamentos comerciais e das áreas institucionais”. Contém 37 pá-
ginas e uma base cartográfica15 ilustrativa do chamado “plano diretor” do
Centro de Lançamento de Alcântara. Além disto, apresenta: dezoito questões
de “esclarecimentos”; sete mapas (baseado em mosaico de imagens do Iko-
nos do dia 10/05/2005 na composição de bandas R4 G5 B3), que ilustram
as pretensões da AEB dentro do território das comunidades quilombolas. Os
dois primeiros mapas trazem oitos polígonos, sendo que três deles indicando
os locais pretendidos para as instalações dos “sítios de lançamentos” comer-
ciais, três indicando os locais das “áreas institucionais” que servirão de apoio
aos “sítios de lançamentos” comerciais, um com a atual área ocupada pelo
CLA e uma pretendida para a infra-estrutura.

15 Vide anexos

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O outro viés de análise foi o laudo16 resultante da perícia antropoló-


gica elaborada em Alcântara, no decorrer do ano de 2002, pelo antropólogo
Alfredo Wagner Berno de Almeida por solicitação do Ministério Público Fe-
deral. O laudo responde a treze quesitos elaborados pelo MPF (MA) e se
constitui num amplo estudo que analisa e traça o surgimento e o processo
de construção da identidade coletiva e do território das comunidades qui-
lombolas alcantarenses. O laudo traz também uma preciosa base cartográfica
de todo território pertencente às comunidades quilombolas de Alcântara,
localizando cada uma delas, inclusive as que foram deslocadas compulsoria-
mente pelo CLA, e suas respectivas áreas de uso. Este mapa contrasta viva-
mente com aqueles produzidos pelo CLA e pela AEB que, usualmente,
ignoram a localização precisa das comunidades e omitem suas áreas de uso,
notadamente as roças, como se tratasse de um “espaço vazio”.
O princípio basilar do que denominamos de estudos de sobreposição
no território das comunidades quilombolas de Alcântara consiste no estudo
comparado das duas bases cartográficas: a fornecida pela proposta da AEB
e aquela do laudo antropológico das comunidades quilombolas de Alcân-
tara.
Depois da leitura minuciosa das bases cartográficas da AEB e do
laudo antropológico de Alcântara, decidimos digitalizar as bases transfor-
mando-as em imagem no formato JPG. O uso do Arc Gis 9.2 nos possibi-
litou o processo de digitalização e transformação dos polígonos contidos
nos mapas da proposta da AEB em shp (shape file), podendo assim ser
transportados e usados na mesma base cartográfica do laudo antropológico
de Alcântara. Projetamos as áreas correspondentes aos polígonos da Pro-
posta da AEB no mapa do laudo, permitindo uma primeira noção visual das
dimensões dos impactos da implantação do CEA nos territórios das comu-
nidades quilombolas de Alcântara. O resultado podemos conferir no mapa
a seguir.

16 O Laudo Antropológico foi editado e publicado pelo MMA em 2006 contendo 2 volumes intu-
lados “Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara

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MAPA I17
ÁREA PRETENDIDA PARA IMPLANTAÇÃO DO
CENTRO ESPACIAL DE ALCÂNTARA PELA AEB.
ÁREA INSTITUICIONAIS DE LANÇAMENTOS COMERCIAIS.

Fonte: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, 2008.

17 Os mapas presentes no texto foram produzidos no laboratório do Projeto Nova Cartografia Social
da Amazônia e são ilustravos, por isso não contém todas as convenções cartográficas. Os mapas com-
pletos estarão disponíveis em forma de anexos.

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O segundo momento do estudo se deu com a realização de viagens a


campo com o objetivo não só de verificação e de aplicação de técnicas de ob-
servação direta, mas também de visitar, conversar e entrevistar moradores,
centrando as atenções principalmente nas pessoas mais “velhas”, que pela
tradição oral remontam de memória os pontos limítrofes de cada área de
uso, e nas lideranças. As atividades principais consistiram em georeferenciar
todos os povoados que pela sobreposição dos mapas teriam seus territórios
diretamente atingidos pela construção do CEA.
O mapa abaixo foi reproduzido da proposta apresentada pela AEB
em agosto de 2006. Podemos observar as três áreas pretendidas para a loca-
lização das “áreas institucionais”, que estão representadas por figuras geo-
métricas na cor verde enumeradas de 1 a 3, de baixo para cima,.Paralelamente
às áreas estão representados os locais dos “sítios de lançamentos” comerciais
também através de figuras geométricas nas cores amarela, azul e rosa enu-
meradas também de 1 a 3 respectivamente, além da área atualmente ocupada
pelo CLA e mais uma área pretendida para infra-estrutura. Quanto aos povo-
ados o mapa mostra somente a indicação de dez núcleos populacionais cor-
respondentes aos povoados em meio a um verdadeiro labirinto constituído
por áreas destinadas aos “sítios de lançamento” e às “áreas institucionais”.

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MAPA II
CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCÂNTARA (CLA)
CENTRO ESPACIAL DE ALCÂNARA (CEA)

Fonte: Proposta da AEB/2006.

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AS “ÁREAS INSTITUCIONAIS” E OS “SÍTIOS COMERCIAIS”


E SEUS IMPACTOS PARA AS COMUNIDADES
QUILOMBOLAS ALCANTARENSES

Segundo proposta da AEB de agosto de 2006, as ditas “áreas institu-


cionais”, constituir-se-ão em áreas de apoios operacionais e servirão para a
instalação de indústrias de alta tecnologia, universidades, residências, estabe-
lecimentos comerciais, institucionais (escolas e postos de saúde) e prédios
públicos.
As “áreas institucionais” seriam três, ocupando uma extensão de 2.690
ha, fora do perímetro utilizado pelo CLA. Da leitura dos mapas depreende-
se que a área pretendida pela Agência Espacial Brasileira para situar as “áreas
institucionais” coincide justamente com a área utilizada há vários séculos
por 21 comunidades quilombolas para cultivo da roça, extrativismo e outras
atividades produtivas. Significa dizer que a implantação dessas “áreas insti-
tucionais” de apoio aos centros de lançamentos comerciais levará as comu-
nidades à perda de suas áreas de agricultura e extrativismo, isto é, suas
principais atividades econômicas.
As figuras geométricas do mapa IV, na cor verde enumeradas de 1 a
3, representam as indicações dos locais onde a AEB pretende instalar as
“áreas institucionais”. Pode-se perceber que o mapa mostra apenas a locali-
zação do núcleo de povoamento, ou seja, pontos que indicam apenas os lo-
cais onde estão situadas as casas dos moradores e de alguns povoados
apenas, sendo que toda a área que os moradores em regra utilizam para prá-
tica da agricultura é negada no mapa. Além do mapa negar as áreas de roça
dos quilombolas nega também, outros povoados, que terão seus territórios
utilizados para a lavoura, atingidas com a implantação do empreendimento,
de acordo com o mapa elaborado pela AEB, os núcleos de povoamento até
seriam aparentemente preservados. Entretanto seus moradores ficariam sem
ter onde colocar roça e, por extensão, sem condições de sobrevivência.
Os povoados que terão seus territórios atingidos aparecem na tabela
I e no mapa II, elaborado no período de realização do Laudo Antropológico
do professor Alfredo Wagner.

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MAPA III
TERRITÓRIO DAS COMUNIDADES REMANESCENTES DE
QUILOMBO DE ALCÂNTARA - MA

Fonte: Laudo Antropológico/2002/2003.

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MAPA IV
CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCÂNTARA (CLA)
CENTRO ESPACIAL DE ALCÂNARA (CEA)

Fonte: Proposta da AEB/2006.

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Assim como no caso das “áreas institucionais”, segundo a proposta


da AEB, para garantir a implantação de projetos ligados à expansão do pro-
grama espacial brasileiro conjuntamente com outros países, será necessária
a construção de mais três “sítios de lançamentos” em uma área de 2.690 ha,
com restrição de acesso. Os sítios seriam para lançamentos comerciais, e se
localizariam exatamente entre as comunidades de Mamuna e Ponta D`areia,
tomando todo o cordão arenoso e a faixa costeira entre as duas comunidades
e impedindo o acesso das comunidades ao mar e conseqüentemente impe-
dindo centenas de famílias de terem acesso a essa área usada tradicional-
mente para a pesca e para a coleta de frutos, como o murici.
As áreas destinadas à instalação dos sítios de lançamento comerciais
são três e estão representadas no mapa II nas cores amarelas, azul e rosa e
enumeradas de baixo para cima de 1 a 3 e hachuradas. É importante observar
que os “sítios”, apesar de aparentemente evitarem os núcleos de povoamento
das comunidades próximas, tomam praticamente toda faixa costeira. O em-
preendimento planejado pela AEB ainda avança de forma significativa na
área de terra em direção ao continente, o que significa dizer que os morado-
res, além de sofrerem danos com a impossibilidade de acesso ao mar, ainda
arcarão com os prejuízos incalculáveis de ficarem impedidos de usarem áreas
de terras próximas à costa utilizadas na prática da roça e do extrativismo.
As “áreas institucionais” se localizariam, portanto, paralelamente aos
“sítios de lançamento comerciais”, ocupando as terras das comunidades des-
tinadas à agricultura e impedindo o acesso ao mar, levando as famílias qui-
lombolas à perda da autonomia dentro do seu território, visto que, os
empreendimentos implicarão na perda dos locais de coleta, caça, pesca e
roça.
A primeira das “áreas institucionais” situa-se, de acordo com o mapa
contido na proposta da AEB, nas áreas de cultivo pertencentes a Folhau,
Tacaua, Águas Belas*, Rio Verde, Galego, Corre Prata, Peri-Açu. Mamuna
e Baracatatiua. Essa “área institucional” serviria de apoio ao “sítio de lança-
mento comercial”, que se situaria na faixa costeira localizada entre Baraca-
tatiua e Mamuna, representado pela cor amarela no mapa VI. Este sítio
impediria o acesso ao mar das comunidades mais próximas, a exemplo de
Baracatatiua e Mamuna, além de diminuir significativamente a área de roça
nas proximidades da costa, como mostram os mapas a seguir.

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MAPA V
ÁREAS PRETENDIDAS PELA AEB PARA O SÍTIO I DE LANÇAMENTOS COMERCIAIS EM
ÁREAS DE ROÇA DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE ALCÂNTARA - MA

Fonte: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, 2008.

MAPA VI
SÍTIO DE LANÇAMENTO COMERCIAL I

Fonte: Proposta da AEB/2006

A segunda “área institucional” teria o objetivo de dar suporte ao se-


gundo “sítio”, representado na cor azul, ocupando a área destinada à lavoura
e por extensão inviabilizando a prática da implantação de roças pelos mora-
dores dos povoados: Santa Maria, Mato Grosso, Vila do Meio, porto do Aru,
Aru, Tapera, Bom Viver, Mamuninha e Canelatiua. O segundo “sítio de lan-

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çamento comercial” seria localizado entre Brito e Tapera dificultando o


acesso das comunidades ao mar, além de ocupar também significativa fatia
de terras próxima da costa utilizada nos tratos agrícolas.

MAPA VII
ÁREAS PRETENDIDAS PELA AEB PARA O SÍTIO II DE LANÇAMENTOS COMERCIAIS EM
ÁREAS DE ROÇA DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE ALCÂNTARA - MA

Fonte: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, 2008.

MAPA VIII
SÍTIO DE LANÇAMENTO COMERCIAL II

Fonte: Proposta da AEB/2006

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A terceira e última das “áreas institucionais” serviria de suporte ao


“sítio de lançamento comercial” número três, de cor rosa no mapa X, ocu-
pando as áreas de lavouras dos povoados: Vila Valdecir, Vista Alegre, Areia,
Retiro, Canelatiua, Rio Verde, São Miguel, Vila Maranhense, Centro do Ale-
gre, Ponta de Areia e Mãe Eugênia. Já o “sitio” tomaria toda área costeira
entre Canelatiua e Areia, impedindo o acesso ao cordão arenoso e ao mar
dos moradores de comunidades próximas, além de ocupar boa parte de ter-
ras tradicionalmente usadas na agricultura, como mostra o mapa abaixo.

MAPA IX
ÁREAS PRETENDIDAS PELA AEB PARA O SÍTIO III DE LANÇAMENTOS COMERCIAIS EM
ÁREAS DE ROÇA DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE ALCÂNTARA - MA

Fonte: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, 2008.

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MAPA X
SÍTIO DE LANÇAMENTO COMERCIAL II

Fonte: Proposta da AEB/2006

Importa chamar a atenção que, com esse empreendimento assim pro-


jetado, a Agência Espacial Brasileira se apropriaria de toda faixa de costa
que dá para o Atlântico a nordeste do município de Alcântara. Sublinhe-se
que a parte da costa atlântica, anteriormente apropriada para a implantação
do CLA, até hoje é mantida sob acesso restrito, impossibilitando o acesso
dos antigos moradores.
O projeto prevê para esta referida área a instalação de três “sítios”
distintos com um objetivo comum; fazer a comercialização de serviços de
lançamentos de artefatos espaciais para paises estrangeiros. O empreendi-
mento do governo brasileiro tem como principal parceiro no lançamento
do Cyclone-4, o governo Ucraniano.
Na proposta da AEB, de agosto de 2006, apresentada às comunidades
quilombolas do município18, vale reiterar, os referidos “sítios de lançamentos

18 Esta Proposta, que, como já foi dito, foi apresentada às comunidades quilombolas de Alcântara
em 16 de julho de 2006 e reapresentada em setembro, foi considerada vaga, imprecisa e sem os deta-
lhamentos necessários, sendo em virtude disto recusada através da Resposta do MABE que é apresen-
tada em anexo.

86
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comerciais” se localizariam em uma importante faixa de terras para as comu-


nidades quilombolas por serem justamente áreas que garantem o acesso ao
mar. Assim sendo, o empreendimento causaria de imediato um duplo prejuízo
aos moradores dos povoados próximos aos “sítios” e de povoados vizinhos a
eles. Entre estes últimos cabe citar explicitamente os atuais moradores das
agrovilas que estão impedidos de acesso ao mar desde a implantação do CLA,
e que usam atualmente essa faixa de terra para conseguir chegar ao cordão
arenoso e daí praticar a pesca marítima. O empreendimento portanto resultará
por desarticulam toda uma rede de relações sociais consolidada entre os mo-
radores das comunidades com base na pesca e na agricultura, como demonstra
a passagem do Laudo Antropológico de Alcântara, a seguir apresentada:

As relações prevalecentes são quase institucionais e remetem para


uma rede de povoados, implicando numa divisão do trabalho e
serviços e num intercâmbio continuado entre os povoados. Por
intermédio delas é que se consolida um sistema de trocas equili-
bradas entre por exemplo, povoados mais próximos ao mar e a
igarapés maiores – que se dedicam principalmente a pesca e que
praticam a comercialização da produção através de seus inúmeros
portos e tem na agricultura uma atividade complementar - e os
povoados considerados “mais centrais”, distantes da beira e do
porto, que se dedicam principalmente aos tratos agrícolas.
(ALMEIDA 2006. p.154)

Os “sítios de lançamentos” além de impedir o acesso total à área do


litoral, ainda buscam se apropriar de uma parte importante da área usada na
agricultura, cerceando o direito dos moradores de livre acesso aos seus ter-
ritórios e aos seus recursos naturais básicos e provocando um efeito em ca-
deia que atinge a dezenas e dezenas de povoados. As famílias ficariam
impedidas de praticarem livremente suas atividades econômicas cotidianas
relacionadas à pesca, ao extrativismo e aos tratos agrícolas. Ter-se-ia, pois,
um efeito trágico já que as famílias sobrevivem e dependem da prática e das
relações desenvolvidas através destas atividades. Como assevera o antropó-
logo Alfredo Wagner, no mencionado Laudo Antropológico:

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Na própria organização social intrínseca aos povoados, verifica-


se certa inseparabilidade entre a condição de pescador e aquele
que lavra a roça. De toda maneira, a unidade familiar é também
a unidade de trabalho, seja na pesca, seja na agricultura, seja no
extrativismo, fazendo uso de tecnologias elementares e de instru-
mentos artesanais, bem como de práticas de cooperação simples
definidas por critérios de parentesco afinidade e vizinhança.
(ALMEIDA, 2006 p. 154)

Em virtude destas interdições e de seus evidentes prejuízos, as comu-


nidades tem adotado uma posição totalmente contrária à instalação das
“áreas institucionais” e dos “sítios comerciais”, como mostra o depoimento
abaixo de uma dirigente do MONTRA:

“A posição da comunidade é que a gente não aceita de jeito ne-


nhum, não aceita instalação de sitio porque se a gente aceitar a
instalação do empreendimento a gente vai ficar sem terra pra tra-
balhar e até mesmo sem espaço pra morar, porque o que a gente
ver no mapa é que o sitio de lançamento não deixa um espaço, só
um corredorzinho pra chegar na comunidade quer dizer o quê?
Que a gente vai ficar sem área, sem área pra trabalhar. Como é
nós vamos morar na zona rural sem ter terra pra trabalhar? Vai
se viver de quê? Só de olhar foguete sendo lançado né não tem
condição! Porque nós vamos só ficar olhando porque eles não
vão permitir nem que a gente se aproxime da área deles que dirá
pra ter oportunidade de emprego, todo mundo sabe que aqui não
tem pessoas especializadas pra isso (Militina Garcia Serejo.
ENTREV. 19-4-2008).

PRINCIPAIS ATIVIDADES ECONÔMICAS DAS COMUNIDADES:

Agricultura (prática da roça), Pesca e Extrativismo

• Locais e recursos utilizados sob forma de uso comum pelas


comunidades

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Tabela II
Locais e recursos utilizados sob forma de
Povoados
uso comum pelas comunidades
Mar, praia de Baracatatiua, babaçuais, baixa, igarapé do Bara-
Baracatatiua
catatiua, rio do Baracatatiua, manguezal
Manguezal, porto, riacho do Brito, igarapé do Brito baba-
Brito çuais, baixas, praia da Tapera, Canelatiua, igarapé do Baraca-
tatiua, praia do Brito e área de roça
Porto de Canelatiua, paria de Canelatiua, rio Canelatiua, iga-
Canelatiua rapé de Canelatiua, manguezais, baixas, babaçuais, juçarais,
buritizais, e toda área de roça
Rio da Mamuna, igarapé da Mamuna, praia da Mamuna,
manguezais, baixas, igarapé de Camarajó, babaçuais e área de
roça, dois portos três arrecifes, palmerá, pindovais, casa de
Mamuna
forno, casa de beneficiamento de babaçu e mamona, murici-
zais e guajuru, janaubeira, muréré, cipó de canoinha, Bacuri,
juçara e buriti, barcos, tucum, carnaúba (“tira leite”)
Manguezal, igarapé do Brito, babaçuais, baixas, igarapé do
Mamuninha
Baracatatiua área de roça

Manguezais, praia de Tapera, manguezal, praia de Canelatiua,


Tapera (Itapera)
Igarapé do Canelatiua, área de roça, praia do Brito, babaçuais

Igarapé do retiro, pequenos igarapés circunvizinhos, baixas,


Retiro manguezais, igarapé do pica-pau igarapé do Canelatiua, praia
do retiro área de roça, babaçuais
Igarapé do Retiro, riachos, ilhas Cambrista e Aruoca, praia de
Vista Alegre/Vila Valdecir Vista Alegre e mata circunvizinha, manguezais, baixas áreas
de roça, babaçuais

Áreas de Pesca

Para pescar utilizam os seguintes instrumentos: tarrafa, malhão, ca-


çueira, linha, muzuar ,sajubeira, puçar e sacundum. A maior parte destes ins-
trumentos de trabalho são confeccionados no âmbito das atividades
domésticas. Isto ressalta a autonomia das unidades familiares. Os principais
produtos consistem em diferentes espécies de peixes, em camarão, siri, su-
ruru, mariscos e outros frutos do mar encontráveis em toda extensão do li-
toral, praias, rios, manguezais e igarapés próximos, que são utilizados
cotidianamente pelos moradores das comunidades.

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Tabela III
Comunidades Locais de Pesca
Mar, praia de Baracatatiua, igarapé do Baracatatiua, rio do
Baracatatiua
Baracatatiua, área costeira entre Brito e Mamuna.
Porto, igarapé do Brito, praia da Tapera, Canelatiua, igarapé
Brito do Baracatatiua, praia do Brito e toda área costeira entre Ta-
pera e Baracatatiua.
Praia do Canelatiua, igarapé de Canelatiua e no litoral entre
Canelatiua
retiro e Tapera
Rio da Mamuna, igarapés da Mamuna, Camarajó e Caiuaua,
Mamuna arrecifes, praia da Mamuna, igarapés adjacentes toda área
costeira entre Baracatatiua e o antigo Peru.
Mamuninha Igarapés do Brito e Baracatatiua
Igarapé do Canelatiua, praia de Tapera pesca no Porto do
Tapera (Itapera)
Aru, praia do Brito
Igarapés: do Retiro e pica-pau e Canelatiua e toda área cos-
Retiro
teira entre o farol de Itacolumim e Canelatiua.
Praia de Vista Alegre, igarapé do Retiro, ilhas de Cambrista
Vista Alegre/Vila Valdecir e Aruoca, e área costeira entre Ponta D`Areia e o Farol de
Itacolumim.

RECURSOS NATURAIS UTILIZADAS SOB FORMA DE USO COMUM


PELAS COMUNIDADES PARA COMPLEMENTO DE
RENDA E ALIMENTAR:

Todos os recursos naturais elencados a seguir são utilizados rotineiramente sob


modalidades de uso comum pelos membros das comunidades quilombolas, como fonte
complementar, tanto de renda familiar, quanto alimentar. Dentre eles destacam-se os re-
cursos marinhos e manguezais, mangueirais, juçarais, buritizais, coqueirais, muricizais,
babaçuais, guajurú e cajuais.

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Tabela IV
Povoados Complemento de Renda Complemento Alimentar

Manguezais, coqueirais e baba- Manguezais, mangueirais, juça-


çuais, mar, igarapés praia guajuru, rais, buritizais, coqueirais, baba-
Baracatatiua bacuri, carvão, madeira, pindoba,
jurupeua, mesocarpo do babaçu, çuais, cajuais, mar, igarapés,
Carvão da casca do babaçu praia

Manguezais, coqueirais babaçuais,


muricizais, mar, mamona, igara- Manguezais, mangueirais, juça-
pés, praia e roça guajuru, bacuri, rais, buritizais, coqueirais, muri-
Brito
carvão, madeira, pindoba, juru- cizais, babaçuais, guajurú,
peua, mesocarpo do babaçu, Car- cajuais, mar, e roça
vão da casca do babaçu

Manguezais, coqueirais babaçuais,


muricizais, mamona mar, igarapés, Manguezais, coqueirais baba-
praia e roça guajuru, bacuri, car- çuais, muricizais, juçarais, buriti-
Canelatiua
vão, madeira, pindoba, jurupeua, zais, guajurú cajuais, mar ,
mesocarpo do babaçu, Carvão da igarapés, praia e roça
casca do babaçu

Manguezais, coqueirais, baba-


Manguezais, coqueirais babaçuais,
muricizais, mamona, mar, igara- çuais, cajuais, muricizais, juça-
pés, praia e roça, leite de janauba e rais, buritizais, guajurú mar,
cipó de canoinha, muréré, maris- igarapés, praia e roça, caran-
Mamuna
cos, juçara, buriti, guajuru, bacuri, guejo, sarnambi, siri, jurupeua,
carvão, madeira, pindoba, juru- Búzio, Aratu, maracuanim, me-
peua, mesocarpo do babaçu, Car- socarpo de babaçu, frutas,su-
vão da casca do babaçu
quinho
Manguezais, babaçuais, mar, igara-
pés, praia e roça guajuru, bacuri, Manguezais, babaçuais, juçarais,
Mamuninha carvão, madeira, pindoba, juru- buritizais mar, igarapés, praia e
peua, mesocarpo do babaçu, Car- roça
vão da casca do babaçu

Manguezais, coqueirais babaçuais,


muricizais, mamona, mar, igara- Manguezais, coqueirais baba-
pés, praia e roça guajuru, bacuri, çuais, juçarais, buritizais, murici-
Tapera (Itapera)
carvão, madeira, pindoba, juru- zais, cajuais, mar, igarapés,
peua, mesocarpo do babaçu, Car- guajurú, praia e roça
vão da casca do babaçu
Manguezais, coqueirais babaçuais,
mar, igarapés, praia e roça gua- Manguezais, coqueirais baba-
juru, bacuri, carvão, madeira, pin- çuais, buritizais, juçarais, mar,
Retiro
doba, jurupeua, mesocarpo do cajuais guajurú igarapés, praia e
babaçu, Carvão da casca do ba- roça
baçu

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Manguezais, coqueirais baba-


çuais, mar, igarapés, praia e Manguezais, coqueirais baba-
Vista Alegre/ roça guajuru, bacuri, carvão, çuais, juçarais, buritizais, murici-
Vila Valdecir madeira, pindoba, jurupeua, zais, cajuais, mar, igarapés,
mesocarpo do babaçu, Car- guajurú, praia e roça
vão da casca do babaçu

ATIVIDADES DE COLETA VARIADAS:

A atividade de coleta realizada pelas famílias quilombolas varia de


acordo com a safra e o período do ano, tal como apresentado na tabela:

Produtos Período
Babaçu “Ano inteiro”. “A safra é de setembro a março, mas a
quebra é todo tempo.”

Bacuri Janeiro e Fevereiro. “Inverno”

Buriti Agosto a Janeiro. “Verão”.

Caju Setembro a Dezembro. “Final do verão”.

Gujurú Novembro e Dezembro. “Final do verão”

Juçara Outubro a Março. “Final do verão e metade do


inverno”

Manga Novembro a Março. “Final do verão e metade do


inverno”.

Murici Dezembro e Janeiro. “Começo do inverno”.

Tucum Janeiro a Maio. “Inverno”

ÁREAS DE BABAÇUAIS:

Os babaçuais constituem uma paisagem comum e recorrente nas co-


munidades quilombolas de Alcântara. Insinuam-se próximo ao centro dos
povoados ou mais distantes deles.Desempenham um papel significativo no
dia-a-dia das famílias quilombolas já que tudo que a palmeira de babaçu pro-
duz é aproveitado pelos moradores das comunidades. Assim, da amêndoa é
extraído o azeite utilizado na culinária e para venda e a borra para alimenta-
ção dos animais domésticos; a casca é usada na produção de carvão, o me-

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socarpo é utilizado para complementação alimentar, da palha produzem uma


série de utensílios para auxilio nas tarefas do dia-dia. Há muitas casas cober-
tas com pindoba. Além disto, quando uma palmeira morre ela serve como
adubo.

Tabela V
Povoados Babaçu como fonte de renda Aproveitamento do Babaçu
Alimentação de animais, com-
plemento alimentar, produção
de carvão, produção de azeite,
Azeite, carvão e venda da
Baracatatiua coberta de casa, produção de
amêndoa
adubo, fabricação de utensílios
de uso diário e artesanato (cofo,
abano, mensaba, balaio)
Alimentação de animais, com-
plemento alimentar, produção
de carvão, produção de azeite,
Brito Azeite e carvão coberta de casa, produção de
adubo, fabricação de utensílios
de uso diário e artesanato (cofo,
abano, mensaba, balaio)
Alimentação de animais, com-
plemento alimentar, produção
de carvão, produção de azeite,
Canelatiua Azeite e carvão coberta de casa, produção de
adubo, fabricação de utensílios
de uso diário e artesanato (cofo,
abano, mensaba, balaio)
Alimentação de animais, com-
plemento alimentar, produção
de carvão, produção de azeite,
Azeite, carvão da casca
Mamuna coberta de casa, produção de
de coco, massa, mesocarpo
adubo, fabricação de utensílios
de uso diário e artesanato (cofo,
abano, mensaba, balaio)
Alimentação de animais, com-
plemento alimentar, produção
de carvão, produção de azeite,
Azeite, carvão e venda da
Mamuninha coberta de casa, produção de
amêndoa
adubo, fabricação de utensílios
de uso diário e artesanato (cofo,
abano, mensaba, balaio)

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Alimentação de animais, com-


plemento alimentar, produção
de carvão, produção de azeite,
Retiro Azeite e carvão coberta de casa, produção de
adubo, fabricação de utensílios
de uso diário e artesanato (cofo,
abano, mensaba, balaio)
Alimentação de animais, com-
plemento alimentar, produção
de carvão, produção de azeite,
Tapera (Itapera) Azeite e carvão coberta de casa, produção de
adubo, fabricação de utensílios
de uso diário e artesanato (cofo,
abano, mensaba, balaio)
Alimentação de animais, com-
plemento alimentar, produção
de carvão, produção de azeite,
Vista Alegre/
Azeite e carvão coberta de casa, produção de
Vila Valdecir
adubo, fabricação de utensílios
de uso diário e artesanato (cofo,
abano, mensaba, balaio)

ÁREAS DE MANGUEZAIS:

As áreas de manguezais além de se constituírem em berçário para re-


produção de aves, peixes e mariscos são utilizadas dentre outras atividades
para a coleta de marisco, caranguejo, sururu e a pesca artesanal.

Tabela VI
Comunidades Produtos

Baracatatiua Coleta de marisco, caranguejo, sururu

Brito Coleta de marisco, caranguejo, sururu


maracuanim, aratu, siri

Canelatiua Coleta de marisco, caranguejo, sururu, siri

Coleta de marisco, caranguejo, sururu, sir,


Mamuna aratu, maracuanim, peixe (bagre) turu,
ostra,sarnambi, caraça

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Mamuninha Coleta de marisco, caranguejo, sururu, siri

Retiro Coleta de marisco, caranguejo, sururu, siri

Tapera (Itapera) Coleta de marisco, caranguejo, sururu, siri

Vista Alegre/Vila Valdecir Coleta de marisco, caranguejo, sururu, siri

ÁREAS DE ROÇAS:

Compreendem as áreas de mato vizinhas aos povoados ou aos cha-


mados sítios, indo até determinado marco estabelecido pelo grupo, que in-
dica os limites com outros povoados próximos. Essas áreas agriculturáveis
são imprescindíveis para sobrevivência e reprodução física e social dos mo-
radores. Elas compreendem também os trechos encapoeirados com dife-
rentes idades, mantidos em descanso por dez anos ou mais, até serem
novamente cultivados . Além das roças convencionais, que são próximas dos
povoados, existem os chamados centros onde a produção seria mais expres-
siva, como narra Cíntia Serejo, do povoado Itapera:
“ o centro é onde a pessoa roça, lá ele faz uma casinha às vezes uma
casa de forno, quando a roça é longe ai lá mesmo ele faz a casa de forno ai
já trás só a farinha pra casa, ai eles chamam de centro, a gente chama de cen-
tro, ai uma parte tem um centro pra um canto outro pra outro ai os que
roçam mais próximo do sítio da comunidade ai traz pra casa não precisa
fazer casa de forno lá”. (Cíntia Serejo, moradora de Itapera)

Tabela VII
Povoados Produtos Limites de roça dos povoados.
Mandioca, milho, feijão, me- Brito (norte), Santa Maria, Folhau
Baracatatiua lancia, abóbora, quiabo, ma-
xixe, vinagreira, arroz e Mamuninha (leste) Mamuna (sul)
Mandioca, milho, feijão, me-
lancia, abóbora, mamona, Baracatatiua (sul), e Tapera, Cane-
Brito
quiabo, maxixe, vinagreira, latiua (oeste) Litoral (norte e leste)
arroz
Retiro (norte), Centro do Alegre
Mandioca, milho, feijão, me- (oeste) Mato Grosso, Vila do Meio
Canelatiua lancia, abóbora, quiabo, ma- (sul) Bom de Ver e Porto do Aru
xixe, vinagreira, arroz (sul, sudeste) Tapera e Litoral
(leste)

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Mandioca, milho, feijão, melan-


cia, abóbora, mamona, quiabo, Baracatatiua (norte), Corre Prata
maxixe, maxixe cabaça vina- e Águas Belas (oeste), área ocu-
Mamuna
greira, arroz, joão gomes, maca- pada pelo CLA (sul), Petiua e li-
xeira, gergilim, batata doce, toral (leste)
melão, pipino
Mandioca, milho, feijão, melan- Sua área de roça limita com os
Mamuninha cia, abóbora, quiabo, maxixe, vi- povoados de Brito, Itapera e
nagreira, arroz Santa Maria.
Mandioca, milho, feijão, melan- Canelatiua (ao sul), Vista Alegre
Retiro cia, abóbora, quiabo, maxixe, vi-
nagreira, arroz (oeste), norte e leste com a costa

Mandioca, milho, feijão, melan- Brito (leste e sul) Aru e Canela-


Tapera (Itapera) cia, abóbora, mamona, quiabo,
maxixe, vinagreira, arroz tiua (oeste) com o litoral (norte)

Milho, feijão, melancia, abóbora, Ponta D´Areia a (oeste), Retiro


Vista Alegre/
mamona, quiabo, maxixe, vina-
Vila Valdecir (leste) e São Miguel (Sul)
greira, arroz

Tabela VIII
Calendários das Roças:

Tipo de Roça Duração Periodo de Roçar Periodo de plantio


Roça de verão ou Sangal Um ano Junho/Julho Setembro
Roça normal Um ano e meio Outubro/Novembro Janeiro/Fevereiro

O QUINTAL:

O quintal é parte integrante do patrimônio individual sendo um com-


ponente e indispensável da casa de cada morador. O quintal, via de regra, é
utilizado para a criação de pequenos animais domésticos e para o cultivo de
plantas e ervas medicinais, pequenas hortas e arvores frutíferas, como mostra
a tabela a seguir:

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Tabela VIII
Povoados Criações Plantações

Limoeiro, cajueiro, laranja, tanja,


Porco, pato, manga, goiaba, acerola, banana, co-
Baracatatiua galinha caipira e queiro, murici, lima, amendoeira,
de angola mamoeiro, cajuzeiro, limãozinho,
urucu, cheiro verde, cebolinha

Limoeiro, cajueiro, laranja, tanja,


manga, goiaba, banana, coqueiro,
Porco, pato, murici, lima amendoeira, mamo-
Brito galinha caipira e
de angola eiro, cajuzeiro, limãozinho, urucu,
cheiro verde, cebolinha, pimentão,
tomate, pimenta cheirosa e ardosa

Limoeiro, cajueiro, laranja, tanja,


manga, goiaba, acerola, banana,
coqueiro, hata, cajá, murici, lima
Porco, pato, galinha
Canelatiua amendoeira, mamoeiro, cajuzeiro,
caipira e de angola
limãozinho, urucu, cheiro verde,
cebolinha, pimentão, tomate, pi-
menta cheirosa e ardosa
Limoeiro, cajueiro, laranja, tanja,
manga, goiaba, banana, coqueiro,
murici, lima, jaqueira, ata, pi-
Porco, pato, tomba, acelora, romã, capim
galinha caipira, limão, erva cidreira, siriguela, ca-
Mamuna
jumento, boi, vaca, rambola, tamarineiro, amendoeira,
burro mamoeiro, cajuzeiro, limãozinho,
urucu, cheiro verde, cebolinha, pi-
mentão, tomate, pimenta cheirosa
e ardosa

Limoeiro, cajueiro, laranja, tanja,


Porco, pato, manga, goiaba, banana, coqueiro,
Mamuninha galinha caipira e lima amendoeira, mamoeiro, caju-
de angola zeiro, limãozinho, urucu, cebo-
linha, pimenta cheirosa e ardosa

Limoeiro, cajueiro, laranja, tanja,


manga, goiaba, banana, coqueiro,
Porco, pato,
hata, murici, lima amendoeira, ma-
Retiro galinha caipira e
moeiro, cajuzeiro, limãozinho,
de angola
urucu, cheiro verde, cebolinha, pi-
mentão,

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Limoeiro, cajueiro, laranja, tanja,


manga, goiaba, acerola, banana, co-
Porco, pato, queiro, hata, cajá, murici, lima
Tapera (Itapera) galinha caipira e amendoeira, mamoeiro, cajuzeiro,
de angola limãozinho, urucu, cheiro verde,
cebolinha, pimentão, tomate, pi-
menta cheirosa e ardosa
Limoeiro, cajueiro, laranja, tanja,
manga, goiaba, acerola, banana, co-
Porco, pato, queiro, hata, cajá, murici, lima, ja-
Vista Alegre/
galinha caipira e queira amendoeira, mamoeiro,
Vila Valdecir
de angola cajuzeiro, limãozinho, urucu,
cheiro verde, cebolinha, pimentão,
tomate, pimenta cheirosa e ardosa

PLANTAS MEDICINAIS:

As comunidades quilombolas alcantarenses possuem um vasto co-


nhecimento sobre plantas com propriedades medicinais e isto certamente
requer um detido estudo farmacobotânico. Elas elaboram um sistema de
classificação específico sobre as diversas espécies, fruto de um conhecimento
acumulado a partir da experiência e da vivência. Este saber prático, a respeito
da utilidade de cada erva medicinal para a cura de doenças e para rituais re-
ligiosos, é indissociável da maneira de existir das famílias quilombolas.
Essas plantas tem sido usadas pelas comunidades para a cura de di-
versas doenças ao longo dos séculos. Este conhecimento específico tem sido
repassado historicamente de geração a geração, sendo um elemento cultural
na vida cotidiana dos moradores dessas comunidades. As plantas medicinais
são cultivadas principalmente nos quintais ou em jiraus próximos às habita-
ções. A maior parte delas, entretanto, encontra-se fora do mundo doméstico
e fazem parte da composição da vegetação encontrada nas matas e locais de
encapoeiramento, nas proximidades das comunidades. Não obstante existam
“especialistas” elas são de conhecimento difuso. Essas plantas também se en-
contram ameaçadas de desaparecimento e junto com elas todo um conheci-
mento prático das comunidades.Consultando-se os planos da AEB verifica-se
que este patrimônio genético, absolutamente ignorado, estaria condenado ao
desmatamento, isto é, à extinção. As plantas com propriedades medicinais
reconhecidas, usadas com mais freqüência, estão no quadro a seguir:

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PLANTAS E ERVAS MEDICINAIS


Coquinho, romã, casca de janauba, leite da urucuraneira, janauba, muréré, vas-
sourinha de botão, estopa, hortelãzinho de galinha, hortelã da folha grossa, erva
santa, enxuga, folha da jaca, chá de caboclo, capim limão, arruda, penicilina,
casca do cajueiro, salsa da praia, sete sandria, casca do cajuir, carobinha, língua de
vaca, pata de vaca, pente de macaco, erva cidreira, abranda, pentelho de mãe d’
água, boldo, caroço do bacuri, guananim, fortuna, azeite de tucum, pau pelado,
cabelo de velho, tentem, santa Quitéria, baba de maracanã, pião roxo, folha de
goiaba, folha de (limão, lima, tangerina, ata) pataqueira, óleo de buriti, azeite de
mamona, tapiririca, raiz de juçareira, folha de mamoeiro, cupim do mangue,
mangue branco, tapioca, fel de paca. Amescla.

O processo de construção do empreendimento da AEB implicará no


desmatamento de grandes áreas usadas pelas comunidades, causando o desa-
parecimento das já citadas plantas e ervas medicinais, além de levar ao desa-
parecimento de uma grande quantidade de animais e pássaros que compõem
a fauna local, como os citados na tabela abaixo pelos moradores das comu-
nidades atingidas:

Animais Pássaros

Paca, cutia, veado, porco do Sabiá, canário, curió, pipira,


mato, capivara, raposa, quati, rolinha, pedriz, juriti, jacu,
macaco, capijuba, xoim, burro, siriquara, nambu, surrulina, tona,
jumento, boi, cavalo, tatu, peba, maracanã, garça, guará, maçarico,
jabuti, coelho, porco gavião, andorinha, baiano,
cabeçudo
Certamente que esta listagem é apenas indicativa, assinalando as es-
pécies e os tipos de danos ambientais e culturais em questão.

SITUAÇÕES DE CONFLITO:

A primeira viagem para a realização da pesquisa sobre a sobreposição


coincidiu com o período em que havia a atuação de empresas contratadas
pela empresa binacional Alcântara Cyclone Space. A situação mais crítica
foi encontrada nos povoados de Mamuna e principalmente de Baracatatiua.

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Nestas duas comunidades as empresas estavam promovendo a colo-


cação de sondas sinalizadoras para satélites. No centro do povoado de Ma-
muna foram postas duas sondas, uma localizada em frente à escola e a outra
ao lado da igreja evangélica.
Em Baracatatiua as empresas estavam escavando uma série de poços
para fazer sondagem de água e solo na estrada vicinal que dá acesso ao po-
voado e abrindo novas estradas vicinais, que cortam as áreas destinadas para
roça e extrativismo pelas comunidades de Mamuna e Baracatatiua, além de
estarem percorrendo os igarapés e o litoral com lanchas voadeiras, sem mos-
trar nenhum tipo de autorização às comunidades.
Situação bem diferente foi encontrada em Brito onde dois funcioná-
rios de uma empresa tentaram demarcar e colocar sondas sinalizadoras no
povoado sem permissão da comunidade. Os moradores se reuniram e exi-
giram a saída dos funcionários e a retirada dos marcos que cortavam o po-
voado ao meio.
As empresas que ocuparam o território das comunidades quilombolas
de Alcântara, mais especificamente as terras entre as comunidades de Ma-
muna e Baracatatiua cometeram inúmeros equívocos. Toda terra que fica
entre Mamuna e Baracatatiua há séculos é tradicionalmente usada para a la-
voura e extrativismo pelas duas comunidades. A atuação dessas empresas
nessa área não vem respeitando as áreas destinadas às roças dos moradores
visto que na aberturas das estradas os tratores passaram por dentro de roças,
destruíram caminhos antigos que os moradores usavam habitualmente para
encurtar as distancias entres os dois povoados. Nem mesmo os marcos his-
toricamente usados para definir os limites de roça instituídos pelas duas co-
munidades foram respeitados. Durante a abertura de estradas vicinais, nem
os Paus Amarelos, que os primeiros moradores definiam como sendo sím-
bolo dos limites entre as comunidades quilombolas de Mamuna e Baracata-
tiua, foram respeitados, virando um monte de entulho devido à ação dos
machados e tratores das empresas e pessoas contratadas pela ACS.
O território entre Mamuna e Baracatatiua parece mais um labirinto de
estradas e picadas que leva os moradores mais antigos a se confundirem,
pois com o desmatamento e cortes efetuados dentro do território estes per-
deram a noção de espaço e dos caminhos de uso comum que levavam a
roças, rios, capoeiras e ao mar. Um bom exemplo é um caminho entre Ba-

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racatatiua e Mamuna usado por várias gerações e que foi interrompido pelos
tratores em vários locais chegando ao ponto de colocarem máquinas que
fazem sondagem bem no meio do caminho impossibilitando seu uso. O
mesmo caminho serve com base para várias demarcações em formas de pi-
cadas que começam a um quilômetro do núcleo do povoado Mamuna.
Alguns dos picos abertos pela ACS, não respeitaram nem mesmo o
leito do Rio Peitiua, que teve sua mata ciliar retirada nos pontos em que pas-
saram as picadas. Os moradores de Mamuna preocupados e revoltados com
a marcação e a destruição que estava havendo na área de roça da comunidade
entupiram alguns picos e fecharam a estrada. Realizamos uma etnografia
destes danos num trabalho aparte que enumera os casos de devastação am-
biental e os prejuízos provocados pelas empresas terceirizadas pela empresa
bi-nacional Alcântara Cyclone Space, entre novembro de 2007 e março de
2008.

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CONSIDERAÇÕES

No caso da implantação do Centro Espacial de Alcântara (CEA) per-


cebe-se que a invasão do território das comunidades quilombolas de Alcân-
tara foi perpetrada por uma empresa bi-nacional com caráter estatal, visto
que a Alcântara Cyclone Space (ACS) é uma empresa que resulta de um
acordo de cooperação entre o estado brasileiro e o estado ucraniano. Não
foram realizados estudos prévios e nem cumpridas as determinações legais,
não há licenciamento ambiental e nem qualquer estudo mais detido de ma-
peamento da área.
Se as ações da ACS porventura resultarem na implantação do CEA
cabe advertir que isto levará a um novo deslocamento compulsório de co-
munidades em Alcântara, repetindo o mesmo erro dos atos autoritários de
1986-87. Não se trata, entretanto, de uma mera repetição já que as conse-
qüências poderão ser mais graves para os moradores das comunidades qui-
lombolas, atingindo-as em cadeia. Melhor explicando: Alcântara é um
município que concentra a maior parte de sua população na área rural, sua
população tem um modo tradicional de usar a terra e os recursos naturais
nela existentes. Isto significa dizer que um novo deslocamento compulsório
das comunidades que se localizam nas áreas pretendidas pela ACS, causará
a desarticulação da estrutura e do modo de vida dos moradores das comu-
nidades de praticamente todo o município. Em virtude do aumento das pres-
sões sobre o restante do território alcantarense e seus recursos naturais,
pode-se antever uma grave crise. A escassez de recursos provocada pelos
primeiros deslocamentos, gerou uma tensão no uso dos mesmos recursos
por um número mais elevado de comunidades. Uma nova pressão demo-
gráfica sobre os mesmos recursos, já tidos como escassos, agravará o pro-
blema e poderá atingir níveis insuportáveis. As comunidades terão graves
problemas com a diminuição da produção de gêneros básicos à sua dieta ali-
mentar. As areias quartzosas e os solos frágeis mostram-se insuficientes para
abastecer as famílias residentes, caso haja uma pressão maior. Isto ficou evi-
dente no Laudo Antropológico com os cálculos de decréscimo da produção

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de arroz e farinha a partir dos deslocamentos compulsórios, que também


afetaram sensivelmente a pesca.
Diante dessa situação o desafio colocado às associações dos povoa-
dos, ao Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, ao Movimento
dos Atingidos pela Base (MABE) e às demais organizações de apoio centra-
se na garantia dos direitos territoriais e da manutenção da identidade coletiva
dessas comunidades tradicionais. No caso da implantação do CEA, percebe-
se que tal como no caso do CLA os direitos fundamentais estão sendo vio-
lados, a AEB e as empresas terceirizadas pela ACS repetem os erros
cometidos décadas atrás e geram temor e incerteza entre as comunidades
quilombolas. A diferença é que agora estas comunidades estão cientes de
seus direitos constitucionais e infraconstitucionais e sabem que não poderão
continuar a ser molestadas e a ter seus territórios intrusados e seus recursos
naturais devastados como se não existissem objetivamente, como se suas
áreas tradicionalmente ocupadas fossem invisíveis e correspondessem a um
suposto “espaço vazio”. A percepção destes direitos é que explica a mobi-
lização permanente pelo reconhecimento jurídico-formal das terras que tra-
dicionalmente ocupam e consiste no fundamento desta análise de
sobreposição demandada pelas entidades de representação das comunidades
atingidas pela base de lançamento de foguetes.

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ANEXOS
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Belém, FSM - 2009.

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