Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ISSN: 2236-532X
v. 5, n. 1 p. 191-205
Jan.–Jun. 2015
Artigos
Abstract: This article analyses the ways to conduct questions about racism in daily
activities of five public schools in São Paulo. The major obstacle is the effectuation
of the Law 10.639/2003 and this phenomenon is strongly pointed in the students’
reports. This aspect is overlooked by the teachers when they were asked about their
own experiences in the school.
27 Artigo relacionado à pesquisa “Racismo e educação: a Lei 10.639/2003 na rede estadual de São Paulo”, de-
senvolvida pelo núcleo Relações Raciais: Memória, Identidade e Imaginário (Programa de Estudos Pós-
Graduados em Ciências Sociais – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP), com o apoio
da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo – FAPESP. Muitas questões aqui discutidas integram os
relatórios da pesquisa mencionada.
28 Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC/SP) – São Paulo – Brasil – bernardo@pucsp.br
29 Núcleo Relações Raciais: Memória, Identidade e Imaginário (Programa de Estudos Pós-Graduados em
Ciências Sociais – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP) – São Paulo – Brasil – regi-
meiremaciel@yahoo.com.br
192 Racismo e educação: um conflito constante
Este artigo trata das relações entre racismo e educação no cotidiano escolar,
no contexto de implementação da Lei 10.639/2003. No ano de 2013, essa Lei, que
torna obrigatório o ensino da história e da cultura africanas e afro-brasileiras,
completou dez anos. As motivações para sua proposição, sem dúvida, estão as-
sentadas em fatos concretos que demandavam, pelo menos, a criação de disci-
plinas no ensino fundamental e médio necessárias à abordagem da temática
mencionada. Com isso, podemos afirmar que, no mínimo, o conhecimento dos
africanos e dos afro-brasileiros era insuficiente.
É possível argumentar ainda que as diretrizes curriculares trazidas no bojo
da Lei 10.639/2003 prometiam, no campo discursivo e jurídico, reconfigurar o
currículo tradicional e recompor as suas relações de poder. Esse processo res-
pondia às demandas sociais pelo reconhecimento e pela valorização da história
dos negros no Brasil. O combate ao racismo, assim, se daria na esfera de pro-
dução e difusão de valores fundamentais para incidir nos seguintes aspectos:
na construção de uma imagem positiva do negro; na inserção da história e da
memória negras nos livros didáticos e no currículo tradicional; na oposição ao
modelo eurocêntrico que funda o currículo oficial, entre outros. Não obstante
a sua importância política, a sua efetivação conta com um conjunto de ações
articuladas, visto que cabe ao poder público
Essa violência descrita pelo autor é o centro por onde gravitam as prerrogati-
vas da Lei: todas as escolas das redes pública e particular nos níveis fundamental e
médio devem implantar o ensino da história e da cultura africanas e afro-brasilei-
ras. Esse conteúdo, de um lado, desenvolveria a autoestima da criança e do jovem
negro e, de outro lado, possibilitaria à população não negra o conhecimento de
uma realidade que permanece oculta nas instituições de ensino. Esse conheci-
mento tem como objetivo o enfrentamento dos efeitos do racismo na sociedade,
considerando que no Brasil o racismo é não declarado, e por isso mesmo tem
produzido desigualdades para a população negra, que, consequentemente, desco-
nhece as causas dessa situação. Como diz Wieviorka (2008, p. 40),
A ação antirracista deve cada vez mais lutar para impor mudanças em ma-
téria de história, para introduzir a história das vítimas e dos vencidos na
narrativa histórica – o que, aliás, pode levantar problemas e suscitar debates
importantes, sobretudo sobre a relação entre história e memórias.
Racismo, em primeiro lugar, é referido como sendo uma doutrina, quer se quei-
ra científica, quer não, que prega a existência de raças humanas com diferentes
qualidades e habilidades, ordenadas de tal modo que as raças formem um gra-
diente hierárquico de qualidades morais, psicológicas, físicas e intelectuais. […]
além de doutrina, o racismo é também referido como sendo um corpo de ati-
tudes, preferências e gostos instruídos pela ideia de raça e superioridade racial,
seja no plano moral, estético, físico ou intelectual (Guimarães, 2004, p. 17).
30 O projeto UNESCO pretendia “[…] organizar no Brasil uma investigação sobre contatos entre raças ou gru-
pos étnicos, com o objetivo de determinar os fatores econômicos, sociais, políticos, culturais e psicológicos
favoráveis ou desfavoráveis à existência de relações harmoniosas entre raças e grupos étnicos” (Programme
of UNESCO Proposed by the Executive Board. Part II Draft resolutions for 1951. Paris, 1950, p. 40).
v.5, n.1 Teresinha Bernardo Regimeire Oliveira Maciel 195
31 Ver PAIXÃO, Marcelo; ROSSETTO, Irene; CARVANO, Luis M. Desigualdades de cor ou raça no sistema
de ensino brasileiro. Disponível em: http://www.nepo.unicamp.br/textos/publicacoes/livros/serie12/
Serie12_Art9.pdf. Acesso em: 20 set. 2013.
32 Bullyng vem do adjetivo bully, que em inglês significa valentão. Segundo Carvalhosa (2007), o conceito
de bullying escolar está associado a uma ação negativa, individual ou coletiva, que exponha o outro. Essa
ação negativa é entendida como intencional e constante e que cause, ou tente causar, danos morais, so-
frimento e mal-estar a uma pessoa. O bullying pode ser direto, em forma de agressões físicas, ou indireto,
a partir de agressões morais. Ambas as formas são consideradas violentas e prejudiciais para a vítima.
198 Racismo e educação: um conflito constante
A ênfase nos elogios direcionados aos alunos angolanos tira o foco das ques-
tões tratadas na pesquisa e aponta possivelmente para uma subestimação dos
demais alunos negros. No caso das escolas analisadas, a questão central é neu-
tralizar as manifestações racistas. Isso ocorre, principalmente, pelo silêncio que
se faz em torno do racismo e, consequentemente, pela negação da sua existência.
Todos os indícios de racismos identificados pela equipe de pesquisadores foram,
na maioria das vezes, apresentados como qualquer outro tipo de preconceito ou
como elementos que fazem parte do repertório da vida dos adolescentes. Além
disso, a naturalização aparece também quando o foco do diálogo sobre essas
questões se transfere para as situações vivenciadas por outros grupos sociais.
Em um trabalho sobre os processos de estereotipização de alunos negros numa
escola da periferia de São Paulo, Santos (2007) conclui que:
33 Os dados sobre os alunos referem-se a um universo de cinco escolas. Em uma escola não foi possível
coletar informações dos professores, por isso as informações sobre o corpo docente diz respeito apenas
a quatro escolas.
v.5, n.1 Teresinha Bernardo Regimeire Oliveira Maciel 201
Nos dados coletados contamos apenas com a alusão feita pelos alunos a
esse movimento quando mencionam suas preferências musicais. Mas se o
encaramos como expressão da negritude num sentido mais amplo, conforme
34 Para essa questão, os índices são: 60%, 51%, 43%, 40%, 65%.
v.5, n.1 Teresinha Bernardo Regimeire Oliveira Maciel 203
referência acima, supomos que o hip hop pode significar, no contexto das esco-
las investigadas, a quebra do silêncio em torno das condições de vida desses alu-
nos, da realidade ocultada pelo sistema escolar e da necessidade de construção
de ferramentas para sua superação. Ainda, esse movimento
[…] parece ser uma experiência participativa que atingiu várias dimensões.
Mais precisamente, tem implicações sociopolíticas/socioculturais que pe-
netram na periferia, especialmente no eixo São Paulo/Rio, trazendo novos
impulsos aos movimentos populares e denunciando as violências nas suas
múltiplas formas, especialmente a do racismo, das desigualdades sociais e
do autoritarismo (Bernardo, 2003, p. 168).
Referências
BERNARDO, Teresinha. Negras, mulheres e mães – Lembranças de Olga de Alaketu. 1. ed.
São Paulo/Rio de Janeiro, Educ/Pallas, 2003.
BERNARDO, Teresinha. Relativismo e racismo. Ponto e Vírgula – revista eletrônica
semestral do programa de estudos pós-graduados em ciências sociais da PUC-SP,
n. 1, 1º semestre de 2007.
BERNARDO, Teresinha. Nem tudo é relativo. In: BERNARDO, Teresinha; CLEMENTE,
Claudelir Corrêa (Org.). Diásporas, redes e guetos: conceitos e configurações no con-
texto transnacional. São Paulo, Logo/Educ, 2008.
CARVALHOSA, Susana Fonseca. O bullying nas escolas portuguesas. In: Bullying,
violência e agressividade em contexto escolar. Noruega/Portugal, Universidade de
204 Racismo e educação: um conflito constante
RAMOS, Ana Karina Sartori. Bullying – a violência tolerada na escola, 2009. Disponível
em: http://www.diadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/802-4.pdf. Acesso
em: 23 set. 2013.
SANTOS, Alexsandro do Nascimento. Adolescentes negros e não negros na escola:
identificando estereótipos. In: OLIVEIRA Iolanda, AGUIAR, Márcia Ângela da
Silva, SILVA, Petronilha Gonçalves, OLIVEIRA, Rachel. Negro e Educação 4: lin-
guagens, resistências e políticas públicas. São Paulo/Rio de Janeiro, Ação Educativa/
Anped, 2007.
WIEVIORKA, Michel. O racismo, uma introdução. Trad. FanyKon. São Paulo,
Perspectiva, 2007 (Debates 308; dir. J. Guinsburg).
WIEVIORKA, Michel. Mutação do racismo. In: BERNARDO, Teresinha; CLEMENTE,
Claudelir Corrêa (Org.). Diásporas, redes e guetos: conceitos e configurações no con-
texto transnacional. São Paulo, Logo/Educ, 2008, p. 27-40.