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pode ser explicado simplesmente pela genérica tripla interação entre sujeito, tempo e
espaço. Essa tripla base, além de explicar o campo de estudo da história, pode fundamentar
uma série de outros campos, como a geografia e até mesmo a biologia, num exagero. A grande
questão é que, nessa hipótese, para história, o enfoque particular se encontra no sujeito, suas
interações internas, e mais secundariamente como estas se encontram temporalmente. Ou
seja, bem mais que definir a interação entre tempo e espaço; ou tempo e sujeito; ou até que
seja estas três unidade genéricas juntas; a história busca principalmente entender o sujeito em
relação a si próprio, a seu coletivo, e como isso se encaixa no tempo apenas a título de
organização. Portanto, falar sobre história é falar também sobre os sujeitos da atualidade, que
mesmo sem plena consciência, são sujeitos históricos e tem todo uma estória pregressa que
desemboca na organização presente da sociedade.
Mas apesar de assim posto, essa noção “sujeitista” por vezes não é tão intuitiva. O que
acontece muitas vezes é que a análise fria dos fatos levam a crer, erroneamente, que a história
se faz de marcos estáticos. O que evidentemente é falso, uma vez que tais “pontos críticos”
são completamente imotivados no sentido temporal (pelo menos em menor escala); a grande
importância sempre está na interação entre os sujeitos históricos. Tanto fazia se a abolição
fosse em 1888 ou em 1884; se fosse assinada pela Princesa Isabel ou por Dom Pedro II; estes
foram completamente acidentais. As coisas, na grande maioria das vezes, se constroem em
base, em âmbito menor; e escalonam até que se fazem um ponto visível no varal
historiográfico. E como já citado aqui, um ótimo exemplo desse processo, que erroneamente é
visto apenas pelo ponto resultante, é o fim da escravidão no Brasil.
Na década de 70, muito inspirado na obra o “Quilombo dos palmares” de Edson Carneiro,
emerge um movimento ainda pequeno em Porto alegre e no Rio Grande do Sul para tal
mudança. A nova proposta de data de homenagem a causa negra se encontrava no dia 20 de
novembro, o dia em que morre Zumbi dos Palmares; um verdadeiro símbolo da luta negra real.
Rapidamente o movimento foi aderido , e em 78, o recém fundado Movimento negro
Unificado também começa a reclamar tal data como o verdadeiro dia representativo da
liberdade negra.
Inicialmente, seria cobrar demais que negros recém afeitos a liberdade representassem ideais
e tivessem um modus operandi próximo ao que se considera justo nos dias de hoje. O
movimento negro nasce no popular, no básico, sem reinvindicações maiores; inicialmente na
forma de uma imprensa especializada (em São Paulo principalmente). Essa imprensa surge e se
insere o, basicamente, no “meio negro” , como o “militante” José Corrêa Leite, fundador do
jornal “Clarim D’alvorada”, define. Meio este que ,na verdade, não se tratava de nada mais
que o mesmo “mundo” que os brancos viviam, só que pintado de preto. Bailes; clubes; a
questão do emprego; da disputa de vagas com imigrantes; casos da cidade em geral. Mas tudo
isso a partir do ponto de vista do negro; e do mesmo modo: para anegro. Especialmente sobre
a questão do emprego: nasce daí uma verdade particular e identitária, que distinguia, mesmo
que ainda de uma forma um tanto inconsciente diametralmente a posição do negro.
A grande questão do negro, factualmente, no início do século XX, era fugir do estigma da
vadiagem, tão destrutivo ao passo que desconsiderava a presença do próprio. Como se fosse
“inerentemente vagabundo”, logo o seu status era apenas sua culpa, e logo sua opinião não
tinha validade nenhuma. Mas claro, a “sociedade superior”, baseada no próprio estigma e em
uma serie de teorias raciais sem fundamentos sérios, simplesmente preferia perdurar tal
segregação que hipocritamente criticava. Nesse contexto surge a imprensa negra, que muitas
vezes denunciava casos de segregação em vagas de emprego; acerto de contas; e termos
afins. Mas a imprensa por si só não tem uma moeda política, apesar da voz; e assim, quanto
mais se passava, mais cresciam os anseios por um movimento organizado, “de carteirinha”. É
nesse contexto, mais como uma associação atuante em causas operárias, que surge o primeiro
movimento negro brasileiro: a Frente Negra Brasileira.
A Frente Negra Brasileira, FNB, foi fundada em 1931 por Arlindo Veiga, Guaraná Santana ,
José Correia Leite, entre outros nomes já atuantes na imprensa negra. O principal traço e
inovação que esse movimento traz a “causa negra” , é sua essência militante e política. Como
grande parte da pregressa imprensa negra, a visão sobre o próprio negro difere um pouco as
conceituações mais atuais. Quase todos os “movimentos” negros pré e durante a década de
30 tinham assumido uma postura positivista. Acreditavam que o negro não precisava
necessariamente reconstruir sua identidade, assumir e reivindicar aceitação dos hábitos e da
cultura; mas sim se adaptar, progredir nas regras da sociedade. E assim a FNB progrediu; muito
atrelada aos movimentos populistas de seu tempo, a própria política de Vargas; e apesar de
todas as contradições postumamente engendradas sobre isso, fato é que foi importante tal
postura. A FNB mostrou que o negro , antes “inerentemente” vadio , podia muito bem se
adaptar aos “usos e costumes” da sociedade dominante; e não só isso, mas como ainda sim se
destacar politicamente. Em síntese, foi um movimento a seu tempo, e que por último não só
se marcou como tal, mas elevou nomes importantes que ainda marcariam a luta negra no
brasil.
Umas das figuras importantes que se engendrou na aurora do FNB , foi o gigantesco ativista e
dramaturgo Abdias do nascimento. Ele , viria a ser um dos principais fundadores do Teatro
experimental do Negro, o TEN; como também do respectivo jornal institucional , O Quilombo.
Se por um lado o Teatro estimulava o senso artístico , e de certa forma também instruía e
educava; o jornal politizava os assinantes, e se utilizava de uma nova abordagem que
permearia todo o ativismo negro. Diferentemente da imprensa negra inicial, do FNB, o TEN e
seu jornal O Quilombo, organizado de 48 a 51, abriam um espaço de debate racialmente
misto, com tanto autores negros, como brancos. Claro, falando em prol e positivamente sobre
a causa. Nessa celeuma , célebres autores como o grande Gilberto Freyre escreveram ao
jornal. A proposta, no fundo, era estabelecer nem uma identidade exclusivamente africana;
nem uma identidade exclusivamente brasileira, como fizera a FNB por exemplo; mas sim
estabelecer uma identidade afro-brasileira. Não mais desconhecendo a cara da negritude,
simplesmente se adaptando ao cenário; mas se introduzindo como uma mistura particular, e
que é tanto brasileira como qualquer outro costume. A questão então do movimento negro na
década de 40 e 50 não era mais a introversão e expurgação negativa de “maus hábitos”, mas
sim uma extroversão identificatória e plural, que buscava reclamar um espaço digno a
semente africano. Portanto, já na década de 50 vemos o movimento negro se delimitar nos
moldes atuais.
Infelizmente , com o golpe militar de 64, a pauta racial foi drasticamente apagada do debate. O
Tem acaba em 61, já com o florescer dos ânimos golpistas e durante o golpe, praticamente
não se existe uma movimentação nesse sentido. Mas já com o “afrouxar” das rédeas
militares , no final da década de 70 , começam a “reaparecer” no debate nacional estas
reinvindicações, que de fato nunca pararam de existir, só foram ensurdecidas pela ditadura. E
nesse cenário que surge e se delimita a forma mais moderna do movimento negro.
Em 78 surge no Brasil um movimento preponderante e essencial ao entendimento da questão
racial atualmente: nasce o Movimento Negro Unificado. Encabeçado por, entre outros, mas
distintamente, Lélia Gonzáles. A partir de uma grande liderança feminina, a questão racial
começa a ganhar transversalidade. Finalmente começa a ser levado em consideração o fator
triplo de classe, raça e gênero. E até hoje, pelo menos em essência, é assim que o movimento
negro se apresenta: indissociável a questão social; e ainda, mais timidamente, a questão de
gênero.
Vemos assim que a “causa negra” no Brasil teve seu processo histórico de evolução até chegar
no status atual. Inicialmente, um movimento até um tanto contraditório aos olhos atuais; mas
ainda sim indispensável. Tal como é até hoje; e provavelmente que ainda mudara de certa
forma. A história se progride assim, e tudo só terá fim quando se chegar a uma igualdade
minimamente razoável.