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Universidade Estadual de Goiás (UEG)

Campus Anápolis - Unidade Universitária de Ciências Socioeconômicas e


Humanas (CSEH)
Graduação em História (Licenciatura)

Anápolis, 01 de novembro de 2021 (01/11/2021)


Graduação em História (Licenciatura)
Disciplina: História Antiga
Docente: Renata Christina
Discente: Marcos Vinicius Alonso Pires

Sobre a história inicial (origem), domínio selêucida e ocupação romana, além de


questões extra-históricas no que se refere ao povo hebreu
A história antiga dos hebreus: a origem do povo, a provável “saga” inicial e a formação
da antiga Israel, Judá e demais nominações de reinos hebraicos são processos históricos
difíceis de se tratar em termos científicos. A barreira inicial é clara: qual é a principal
fonte? A bíblia, um texto religioso. Outras fontes existem? Sim, mas são poucas e mais
fracas, em termos sociais, que a primeira. Então em um entendimento cientificista de
história, tal fonte naturalmente contaminada de ideologia, ou até teologia por dizer
melhor, será uma fonte imprecisa e irreal; logo o diametral problema em falar sobre
uma história inicial do povo hebreu.
Mesmo assim, o normativo é especular em cima deste terreno fofo; pois, na grande
maioria dos casos, se trata do único a se pisar. Alguns, naturalmente, fazem porque
estão, conscientes ou não, imbuídos de certa fé, de certa construção social. Outros
entendem, que mesmo defronte problemas basais, a bíblia é um documento histórico; e
lidar com estes problemas faz parte do que concerne o ofício do historiador. E outros
ainda, a contramão da escassez, desconsideram e desvalidam por completo qualquer
especulação com base na problemática, mas única fonte bíblica.
Tomo aqui como norte a segunda acepção, considerando da bíblia não fatos no que diz
respeito a história inicial do povo hebreu; mas ideias e concepções relativamente
anacrônicas, que tem como plano de fundo uma “história verdadeira”.
Nesse sentido, em primeiro lugar devemos distinguir até que ponto se trata apenas de
mito, e a partir de que ponto pode-se especular algo. Os estudiosos (cientificistas) do
tema são categóricos: não há quase nada, ou nada, de crível no que infere o período dos
patriarcas, do êxodo, da peregrinação do deserto e do estabelecimento em Canaã.
Naturalmente, por especulação tudo é possível; e sempre há de ter fontes secundárias
que por x ou y detalhes “comprovem” que tais relatos são verdadeiros. Mas em nível de
resultados críveis, estas narrativas bíblicas são apenas bíblicas; quase nada (ou nada)
pode se especular de forma séria.
Os fatos bíblicos só começam a se mostrar potencialmente históricos quando se referem
as narrativas do período monárquico inicial. Já temos, a esse tempo, uma fonte crível,
mesmo que indireta, que comprove a existência de um reino, ou um povo (não
necessariamente um estado legal), referido como “Israel” (não nessa forma,
evidentemente). Trata-se da estela de Merneptá, que cita o dito. Além disso as provas
arqueológicas já corroboram a algo.
Não obstante, a narrativa bíblica inicial é completamente calcada em si, logo de caráter
teológico. Se Saul, Davi e Salomão existiram, aí está uma grande questão. O caso de
Saul é o pior, se na bíblia é insignificante, nada tem a seu favor por outras provas. Já
Davi e Salomão são prováveis: recentemente se achou uma estela, tardia, que comemora
a derrota de um rei da “Casa de Davi”; e a arqueologia relata sítios em que existem
construções datadas do período salomônico, cuja correspondência se encontra no fato da
Bíblia alegar prosperidade arquitetônica das respectivas regiões no tal período. Mas
tudo isso é ainda muito incerto, conquanto não é aonde está a importância da análise.
O que importa de fato nessa narrativa inicial é o entendimento cultural; e não cultural do
tempo que se propõe a narrar, mas do tempo em que se constrói a narrativa. O velho
testamento, escrito entre meados da segunda metade do segundo milênio; e meados da
segunda do primeiro, disserta, nas entrelinhas, mais sobre a construção da identidade de
um povo do que sobre fatos. É a história mestre da vida, sem compromisso com o
contar, mas com lições, de caráter moral, ao presente de um povo. E isso, essa
construção historiográfica, é, até hoje, um signo essencial de identificação do povo
Hebreu (Ou Judeu, considerando-os como principais e únicos remanescentes).
No que se refere a história do povo Judeu, ou hebreu em sentido amplo, pode-se
deflagrar certa caricatura. Mesmo um “leigo” possivelmente dissertará, caso
questionado, sobre uma pretensa “história de perseguições”. É flagrante a influência do
“romance bíblico” nessa consciência difusa, e mesmo sob a luz do cientificismo, tal
construção ainda é pujante perante uma “realidade histórica crítica”. E isso não algo a se
opor, mas a se entender.
Essa consciência cultural-histórica conjecturada, mesmo que deturpada do crível, serviu,
tanto na antiguidade, como em eras históricas mais recente, como uma arma de
resistência do Povo Hebreu. Notavelmente, pode-se considerar que sem tal consciência,
ainda embrionária a certo tempo, a cultura hebraica não teria sobrevivido e prevalecido
como fez com tal manto ideológico.
Um notável exemplo de tal resiliência gerada a partir de ideais culturas é observado na
revolução dos Macabeus. Após anos de recorrentes humilhações, ainda sim a semente
cultural hebraica não é exterminada. Pelo contrário, é fortificada em certos círculos
diante a tentativa de helenização. E o que a princípio se mostra como um “massacre
cultural”, em que como visto em outros casos da história, tende a terminar quase sempre
na total extinção da cultura “colonizada”; diante da já estruturada cultura hebraica,
acaba por formar círculos políticos radicados ainda mais conservadores quanto à cultura
original. O surgimento dos fariseus, um grupo “extremista”, diante a um provável
domínio impiedoso, evidencia o poder da conjecturada consciência hebraica já no
século II a.C.
A revolução dos Macabeus pode ser tida como um norte aqui, mas é apenas mais um
exemplo de resistência histórica dos hebreus. Evidenciada tanto em fatos da
antiguidade, como na resistência da cultura diante o domínio assírio, o subsequente
exílio ( o cativeiro babilônico) e a manutenção da sociedade perante uma série de outra
culturas que foram suseranas, como os Persas e o Macedônicos; como também em fatos
pós-antiguidade, da memória recente, notavelmente perseguições contemporâneas ao
povo Judeu.
Mas voltando a antiguidade, se por um lado os esforços estrangeiros, por mais que
destrutivos a início, foram incapazes de extinguir a unidade hebraica, de um outro lado
os próprios conflitos internos foram capazes de segmentar a sociedade. As questões
essenciais que surgem pós-revolução dos Macabeus predizem a ruptura de uma antiga
unidade hebraica, relativamente coesa, e anunciam a separação em classes culturais
mais recentes: é o prelúdio da distinção entre Judeus e Cristões.
Esse conflito ideológico, antes de se extraviar, ganhar corpo e se transformar em um
conflito declaradamente religioso; a princípio é político. A prosperidade da Judeia pós-
selêucida, independente e hebraica, não se perdura muito justo porque os grupos sociais
que surgem na égide da revolução logo começam a se organizar em partidos. E onde há
absolutismo e há também partidos políticos, há naturalmente conflito. A monarquia
absolutista tem como prerrogativa básica a homogeneidade, não aceita diferenças e caso
haja, há guerra. O processo de vassalagem, portanto, da Judeia fragmentada entre
Hircano e Aristóbulo, perante o” pai romano” que veio arrumar a casa, é um processo
natural. Caso contrário, ou um grupo se sobrepujaria perante o outro por vias próprias,
sem o “papai Pompeu” por trás; ou estes iam se autodestruir, e consequentemente
destruir a própria Judeia. Em qualquer um dos casos, o território estaria exposto a
dominação externa.
Vemos portanto, até aqui, o seguintes pontos: 1) A dificuldade de pôr em termos
científicos e factuais a história inicial do povo hebreu; 2) a importância da análise, já
que é impossível se tirar algo de crível, extra-histórica da Bíblia e dos fatos narrados;
3) Nessa mesma análise, o entendimento da construção de uma cultura a partir de uma
história idealizada , que mesmo indiretamente acaba por influir em fatos históricos
posteriores; e 4) o entendimento que da mesma forma que essa construção social acaba
por fazer resistir a cultura hebraica em relativa coesão; por ser algo interpretativo, acaba
também por dividir internamente a própria unidade do povo hebreu.
Tendo isso tudo em mente, pode-se partir para outras análises portando-se um plano de
fundo bem consolidado. Notavelmente, o alvorecer do cristianismo, a religião mais
impactante em toda a história mundial. Na produção desse texto, evidentemente, foram
excluídos alguns fatos que corroborariam na mesma construção; mas a título prático é
isso. A história é bem mais complexa do que pensa-se a início; e o historiador, mais
que enunciar fatos e listar feitos, deve construir e conversar sobre a própria construção.

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