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O acúmulo de tensões na Península Coreana: desgaste e

fragilidade das relações bilaterais


Lorena de Sousa Oliveira

O ano de 2010 representou uma escalada de conflitos coreanos. Com o


afundamento da corveta Cheonan em março e os ataques em novembro a Ilha
Yeonpyeong, as relações entre as duas Coreias voltam a estar no topo da agenda
internacional. Como parte de um panorama maior do processo gradual de acúmulo de
tensões, estes incidentes articulam-se com as movimentações de política interna e com a
dinâmica regional.

Após o cessar fogo em 1953, as Coreias envolvem-se em ocasionais confrontos


militares, sendo a maioria casos de espionagem que, majoritariamente, causaram
mortes. A participação dos Estados Unidos também está presente em diversos
incidentes, como em janeiro de 1968, no qual um navio espião norte-americano é
apreendido pela Coreia do Norte. Em 2009, chega-se a travar uma pequena batalha ao
sul da fronteira marítima. No entanto, os disparos do dia 23 de novembro deste ano
contra a Ilha Yeonpyeong no Mar Amarelo, que ocorreram em um momento de
crescente tensão regional, foram considerados o mais grave incidente desde a Guerra
das Coreias.

O que se constata é um movimento ondulatório dos confrontos militares. Por não


ter existido um tratado de paz e sim um armistício, a Guerra das Coreias permaneceu
sem uma solução militar definitiva, pois não houve um fechamento diplomático e,
tecnicamente, os dois países ainda permanecem em guerra. Mesmo sendo atividades
cíclicas, a freqüência e a intensidade desses picos de embates tornam-se preocupantes.
Ademais o frágil equilíbrio da região está cada vez mais abalado pelo processo gradual
de acúmulo de tensões. O poder das forças armadas norte-coreanas, juntamente com os
treinamentos nucleares realizados pelo país, deixou o governo de Kim Jong-il mais a
vontade para realizar planos ousados na sua tradicional diplomacia de barganhas. O
questionamento posto é até quando as tensões poderão ser administradas rumo a um
arrefecimento não beligerante.

A clara fragilidade do equilíbrio entre Coreias é permeada por fatores regionais e


de política interna que são determinantes na configuração de instabilidade atual das
relações bilaterais coreanas, além do peso indiscutível do papel das grandes potências
influentes na região: Rússia, Japão, e especialmente China e Estados Unidos. Além da
falta do desenlace diplomático definitivo em 1953, os picos de agravamento das
relações inscrevem-se no cenário da estratégia norte-coreana de ganho de recursos
financeiros ou concessões.

A Coreia do Norte desenvolve uma política de barganhas que busca atenção


internacional por meio da demonstração de força. Os ataques estabelecem um artifício
dissuasivo para a defesa de seus interesses, em um movimento racional nem sempre tão
articulado com o governo chinês, principal aliado do regime de Pyongyang. Todavia, no
panorama de agravamento crescente das tensões, tais artifícios usados por Kim Jong-il
não surtem mais um efeito tão imediato, como é retrato o fim da sunshine policy.

A instabilidade política de Pyongyang torna o caminho diplomático ainda mais


difícil. Apesar da racionalidade baseada na obtenção de concessões e favores, os passos
internos do governo não são facilmente discernidos pelos observadores externos. A
provável sucessão de Kim Jong-il por seu filho Kim Jong-un abre um período incerto
sobre o futuro da política interna e da conjuntura regional. As movimentações de março
e novembro na península coreana, nas quais o Norte deferiu os primeiros atos, são vistas
como uma possível medida para conseguir maior apoio das Forças Armadas pela
evocação do orgulho militar.

A Coreia do Sul, longe de ser um ponto de equilíbrio na situação atual, torna-se


gradativamente mais dependente do governo norte-americano. Os exercícios militares
com a participação dos Estados Unidos realizados no Mar Amarelo foram vistos como
uma provocação pelos norte-coreanos. A medida, que almeja demonstrar o apoio
americano à Coreia do Sul e dissuadir o vizinho do Norte, pode transformar-se no
gatilho para os conflitos armados. Por outro lado, o governo norte-coreano afirma não
valer à pena reagir, fazendo a ressalva de que não admitirá qualquer incursão no seu
território.

As tensões na península deixam as relações coreanas separadas por uma linha


tênue entre a troca de hostilidades e um real confronto militar. A resposta armada é uma
alternativa, entretanto o foco está em uma resolução diplomática. Um cenário
beligerante traria custos estratégicos, financeiros e militares elevados. As possibilidades
extremas, tanto do surgimento de um conflito quanto da unificação, parecem distantes e
pouco prováveis, por não existir tais perspectivas nem pela parte coreana nem pela parte
das grandes potências envolvidas.

Se por um lado, há dificuldades de conseguir uma resolução pacífica em curto


prazo, e por outro, a guerra seria muito dispendiosa e pouco atraente, o enfraquecimento
do regime norte-coreano emerge como estratégia plausível. A queda do regime seria um
aspecto facilitador para a estabilização regional, que poderia frear o processo de
acúmulo de tensões.

Perante o quadro atual, o apaziguamento possivelmente será alçando mais uma


vez, embora sem a garantia de que será duradouro, já que em retrospectiva histórica
observa-se o caráter cíclico deste episódio, e os fatores que desencadeiam esse
movimento oscilatório ainda estão presentes. A nova rodada de tensão surge no
momento delicado da sucessão do governo de Pyongyang, que pode abrir novos
horizontes para a política norte-coreana marcada pela rebeldia e imprevisibilidade. O
mal-estar crescente na região aponta para um desfecho mais amigável se feito com um
aumento de cooperação e negociações, que em grande medida pode ser facilitado pela
mudança governamental da Coreia do Norte.

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