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1. INTRODUÇÃO
Acima, a autora já demonstra o quão conturbado foi o início republicano, causado pela
disputa de poder e pela derrubada dos militares, cedendo espaço para as oligarquias. Del
Priore (2010) também aborda outras revoltas e movimentos ocorridos na República dos
Militares e das Oligarquias. Além da citada, houve o Movimento de Canudos, na Bahia, uma
guerra que destruiu a cidade, na verdade, ofensivas do Estado e das elites locais, ressaltando-
se que Canudos, ou melhor, seu líder, opunha-se à República; a Revolta da Vacina no Rio de
Janeiro (1904); a Revolta da Chibata e o Contestado (1912) no sul do Brasil – todos
movimentos da sociedade, que, devido às situações precárias, lutaram por melhorias,
organizaram-se em comunidades e se rebelaram contra o Estado.
No início republicano, fomentou-se o processo de modernização que afetou a vida
cotidiana da população das capitais. Algumas, como o Rio de Janeiro, investiram nas
reformas urbanísticas, com demolições de casarões habitados por famílias pobres, construção
de avenidas, iluminação pública, mas isso apenas nos centros urbanos, o que provocou a
expulsão de parte da população de suas moradias, que sem ter para onde ir, muitas foram para
os morros. Nicolau Sevcenko (1984) afirma que
Esse processo de reforma urbana foi saudado com entusiasmo pela imprensa
conservadora, que a denominou de “a Regeneração”. Essa era a voz dos
beneficiários do replanejamento, aqueles que herdariam, para o seu impávido
desfrute, um espaço amplo, controlado e elegante, onde antes não podiam
circular, senão com desconforto e timidez. As vítimas são fáceis de
identificar: toda a multidão de humildes, dos mais variados matizes étnicos,
que constituíam a massa trabalhadora, os desempregados, os subempregados
e os aflitos de toda espécie que povoavam a cidade. A ação do governo não
se fez somente contra os seus alojamentos: suas roupas, seus pertences
pessoais, sua família, suas relações vicinais, seu cotidiano, seus hábitos, seus
animais, suas formas de subsistência e de sobrevivência, sua cultura enfim,
tudo é atingido pela nova disciplina espacial, física, social, ética e cultural
imposta pelo gesto reformador (SEVCENKO, 1984, p. 43).
Diante de tais questões suscitadas pelo autor, é possível considerar que o interesse do
Estado não era promover o bem social de todos e todas, talvez apenas da burguesia e dos
sistemas políticos e econômicos. No entanto, o mesmo Nicolau Sevcenko (1984) e José
Murilo de Carvalho (1987) apontam que houve movimentação de sujeitos insatisfeitos com as
ações do governo, como os soldados e a população rural e urbana. Mas onde estavam os
índios no início da República?
Para alguns, esse processo implica abolir o uso do livro didático nas aulas de
história. A nosso ver, isso exige cuidado, pois não é possível conduzir o
ensino dessas disciplinas sem texto escrito, a principal fonte e ferramenta do
processo de ensino aprendizagem de história. [...] Complementar o livro
didático e diversificar fontes historiográficas, como os paradidáticos, em sala
de aula são opções que não descartam ou consideram o livro como um “bode
expiatório”, culpado por todos os males do ensino, mas partem de um
pressuposto básico: o livro didático é uma das fontes do conhecimento
histórico e, como toda e qualquer fonte, possui uma historicidade e chama a
si inúmeros questionamentos (FONSECA, 2003, p. 55-56).
Partindo desse entendimento, entende-se que o livro didático é uma fonte necessária ao
trabalho docente, mas tal recurso precisa ser problematizado. O tema da análise dos livros
didáticos do 9º ano do Ensino Fundamental na elaboração deste estudo surgiu da observação
de cada um, em busca de indícios da história indígena no início do período republicano.
Foram seis livros observados e analisados, todos originados da biblioteca do Centro
Educacional Machado de Assis, escola estadual localizada no município de Teixeira de
Freitas-BA. Dos seis livros, apenas um – PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino;
TREMONTE, Thiago (2009) – fazia parte da coleção escolhida pelos professores de história,
os demais, creio, faziam parte da amostra enviada pelas editoras para os professores
escolherem. Os livros foram:
I. APOLINÁRIO, Maria Raquel (Ed.). Projeto Araribá: História. 2. ed. São Paulo:
Moderna, 2007.
II. BRAICK, Patrícia Ramos. História: das cavernas ao terceiro milênio. 2. ed. São
Paulo: Moderna, 2006.
III. PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino; TREMONTE, Thiago. História e vida
integrada. 4. ed. São Paulo: Ática, 2009.
IV. AZEVEDO, Gislane Campos; SERIACOPI, Reinaldo. Projeto Teláres: História. São
Paulo: Ática, 2012. (Projeto Teláres: História).
V. RODRIGUES, Joelza Ester Domingues. História em documento: imagem e texto, 9º
ano. Ed. renovada. São Paulo: FTD, 2009. (Coleção História em documento: imagem
e texto).
VI. FIGUEIRA, Divalte Garcia. Para entender a história, 9º ano. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009.
Desses, apenas três abordam de forma explicita a história indígena, mas de forma bem
minimizada, e que requer um trabalho de pesquisa do professor. Este fato vai ao encontro com
o que diz Circe Bittencourt: “[...] a ausência de grupos indígenas ou de escravos e seus
descendentes, assim como trabalhadores em geral na História ensinada, é decorrente de uma
visão política e ideológica, mas, é preciso lembrar, referendada por uma concepção de
História” (BITTENCOURT, 2010, p. 199). Por meio da análise desses livros, foi possível
perceber uma reformulação em relação à concepção de história citada por Bittencourt (2010).
Nos seis livros há, por exemplo, a presença dos relatos dos movimentos sociais e revoltas que
ocorreram no início do período republicano, o que já demonstra a ocorrência de uma história
não mais puramente política e econômica, ainda que essas últimas se apresentem muito
evidentes no discorrer do conteúdo. Outra observação pertinente sobre esses livros é que eles
utilizam documentos diversos, como charges, fotografias, trechos de textos literários e jornais
da época. Como exemplo, o livro de número V apresenta a história indígena a partir de uma
imagem (DOC 02, p. 31), como podemos ver abaixo:
FIGURA 1
Índios Kaingang (também chamados Coroados)
Fonte: RODRIGUES, Joelza Ester Domingues. História em documento: imagem e texto, 9º ano. Ed.
renovada. São Paulo: FTD, 2009, p. 31. (Coleção História em documento: imagem e texto).
Nada mais além desse trecho, que fala da expulsão dos índios de suas terras por grandes
fazendeiros, fato que, pode-se deduzir, não ocorreu somente na região do Contestado. Quantas
outras ferrovias foram feitas? Quantos outros grandes fazendeiros enriqueceram nas terras de
povos indígenas? Quantos indígenas foram expulsos e/ou mortos em suas terras? Quantos
sujeitos históricos estão silenciados ainda? São muitos questionamentos para serem
respondidos, e respostas importantes para a reescrita da história nacional.
O terceiro livro que aborda a história indígena é o de número IV, esse livro é composto
por unidades temáticas, o assunto de República é discutido na Unidade 1, que tem como tema
a Cidadania. Na abertura do assunto, nas páginas 10 e 11, há uma abordagem sobre direitos e
deveres de todos os cidadãos e o pequeno texto termina discorrendo: “[...] nesta unidade
estudaremos como a cidadania foi exercida nos anos iniciais da República no Brasil”
(AZEVEDO, 2012, p. 11). Nesta parte inicial, dentre outras imagens, há a fotografia (ano de
2012) de um grupo de indígenas protestando na praça da Matriz, em Porto Alegre (RS), contra
a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte no Pará. A ideia que se tem é que a
temática também será tratada no conteúdo estudado, mas os indígenas não aparecem no
decorrer da unidade.
Assim sendo, é importante destacar a maneira como os indígenas aparecem nos livros
didáticos citados e como isso pode ser trabalhado na sala de aula. No primeiro, numa imagem
que apresenta um grupo de indígenas no mato. Aqui, entraria o papel do professor, apontado
por Fonseca (2003), que pode fazer uso de outras fontes para desenvolver o que a imagem
sugere. A própria fonte da imagem está citada no livro didático, com endereço para pesquisar
sobre a história do povo Kaingang, sua história, quem foram no início republicano. É possível
problematizar por que os povos indígenas lutam por terras atualmente, apesar de a
Constituição Federal de 1988 lhes garantir o direito à terra.5
É no contexto desse conteúdo didático que questões sobre nacionalidade são colocadas,
mas ao se analisar quem são esses nacionais nos livros didáticos estudados, verifica-se que
eles são, de algum modo, os silenciados, os negros, os indígenas, as mulheres, as crianças, os
camponeses, os que não têm suas histórias efetivamente contadas, ou se são, é de forma
superficial, apenas com indícios. Silenciar a história de grupos humanos na Educação Básica
pode ser uma forma que o sistema dominante encontrou para não legitimar a luta desses
grupos, pois como as crianças e os adolescentes vão se identificar com esses grupos se não os
conhecem, ou, se os conhecem, é no papel de inferiorizado, de vítima, apenas.6
Os livros analisados ainda não contemplam na sua totalidade a história dos povos
indígenas, mas já os apresentam, pois até então havia um “vazio”. Os indígenas apareciam na
chegada dos europeus, no processo de colonização e depois sumiam, imortalizando a imagem
estereotipada dos indígenas e corroborando a ideia de não mais existirem, de assimilação. O
exemplo do livro IV ilustra os indígenas lutando na atualidade por seus direitos como
cidadãos brasileiros, e também já há uma presença dos indivíduos comuns, que eram
silenciados pela história elitista, como mulheres, crianças, negros e negras, e outros. É a
tendência de uma história social, não puramente econômica.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro:
FGV, 2010.
CANCELA, Francisco Eduardo Torres. De projeto a processo colonial: índios, colonos e
autoridades régias na colonização reformista da antiga capitania de Porto Seguro (1773-
1808). 2012. Tese (Doutorado em História Social) – UFBA, Salvador.
CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo:
FAPESP/SMC/Companhia das Letras, 1992.
PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. A Trajetória Histórica dos Botocudos. In: CUNHA, Maria
Manuela Carneiro da (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo:
FAPESP/SMC/Companhia das Letras, 1992, p. 413-430.
REGO, André de Almeida. Corte de madeiras e confinamento de populações indígenas: O
caso da Bahia do século XIX. Revista Crítica Histórica. Alagoas: UFAL, ano II, nº 4, 2011.
LIVROS DIDÁTICOS
AZEVEDO, Gislane Campos; SERIACOPI, Reinaldo. Projeto Teláres: História. São Paulo:
Ática, 2012. (Projeto Teláres: História).
BRAICK, Patrícia Ramos. História: das cavernas ao terceiro milênio. 2. ed. São Paulo:
Moderna, 2006.
FIGUEIRA, Divalte Garcia. Para entender a história, 9º ano. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino; TREMONTE, Thiago. História e vida integrada. 4.
ed. São Paulo: Ática, 2009.
APOLINÁRIO, Maria RAQUEL (Ed.). Projeto Araribá: História. 2. ed. São Paulo:
Moderna, 2007.
RODRIGUES, Joelza Ester Domingues. História em documento: imagem e texto, 9º ano.
Ed. renovada. São Paulo: FTD, 2009. (Coleção História em documento: imagem e texto).
Notas
1
Artigo elaborado durante o componente curricular: Laboratório do Ensino de História VI, Professora Mestre
Uerisleda Alencar Moreira.
2
Discente de Graduação em História da Universidade do Estado da Bahia – Departamento de Educação –
Campus X / Teixeira de Freitas-BA, e-mail: sari_nha_qp@hotmail.com.
3
Mestre em História Regional e Local, professora substituta da Universidade Federal da Bahia e da
Universidade do Estado da Bahia.
4
A referência completa dos livros didáticos será citada mais adiante.
5
A Constituição Federal de 1988, no artigo 231, trata da regulamentação do direito à terra dos povos indígenas,
o que não lhes dá a garantia efetiva do direito à terra, pois tal processo de reconhecimento é longo e burocrático.
6
Ao usar a palavra “apenas”, compreendemos que os povos indígenas foram vítimas desse sistema opressor e
capitalista e reconhecemos a sua luta de resistência.