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3 - O pequeno vampiro vai viajar

Angela Sommer-Bodenburg
Tradução do José Miguel Rodríguez Clemente
Ilustrações do Amelie Glienke

Tradução e Revisão: Milla Nebias


Formatação: Lívia Marina

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Este livro é para todos os amigos e amigas do pequeno vampiro... e para a Katja, que,
enquanto isso, aprendeu a ler (e, naturalmente, o que mais gosta de é ler histórias de
vampiros), e para o Burghardt Bodenburg, cujos tenros dentes se feito já um pouco mais
agudos.

Angela Sommer-Bodenburg

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Anton gosta de ler histórias emocionantes e assustadoras. Especialmente o encanta as
histórias de vampiros, cujo comportamento é plenamente consciente.

Rüdiger, O Pequeno Vampiro é um vampiro, pelo menos, cem e cinqüenta anos. O facto
de tão pequeno tem uma razão simples: como uma criança se tornou um vampiro. Sua
amizade com Anton Anton começou mais uma vez estar em casa sozinho. Houve de
repente o poyeto vampiro pouco sentado na janela. Anton tremia de medo, mas o
vampiro pouco ele disse que tinha "comido". Na verdade, Anton tinha imaginado
vampiros muito mais terrível e, após Rüdiger confessou sua predileção por histórias de
vampiros e seu medo do escuro, achou muito legal. Desde então a vida bastante
monótona de Anton tornou-se muito emocionante: O Pequeno Vampiro trouxe com ele
uma dupla camada para ele, e voaram juntos ao cemitério e à Schlottertein Cripta. Anton
logo encontrou outros membros da família de vampiros.

Desdentado é irmã mais nova de Ana Rüdiger. Eles ainda não subiram dentes de
vampiro, então ela é a única família de vampiros que se alimentam de leite. "Mas não por
muito tempo!" Ela qualifica. Ele também ler as histórias de horror.

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Fort Lumpi, Rüdiger irmão mais velho, é um vampiro muito irascível. Sua voz, às vezes
alto, às vezes estridente, mostra que ele está no ano de crescimento. A única coisa ruim
é que nunca vai deixar essa situação difícil, porque ele se tornou um vampiro durante a
puberdade.

Os pais de Anton não acreditam em vampiros. A mãe de Anton é uma professora, seu pai
trabalha em um escritório.

Tia Dorothee é o vampiro mais sanguinários de todos. Encontrá-la depois de deporem o


sol pode ser mortal perigosos.

O guardião do cemitério, Geiermeier, caça vampiros. Portanto, os vampiros mudaram


seus caixões para uma cripta subterrânea. Até à data, não Geiermeier sido capaz de
encontrar o buraco de entrada para a cripta.

Os parentes restante do Pequeno Vampiro Anton nunca conheceu pessoalmente. Mas ele
viu uma vez seus caixões no Schlotterstein cripta.

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Leitor de mapas
Era uma suave noite da primavera. As matas de jasmins despediam um doce aroma e
a lua banhava as casas da colônia de uma suave luz prateada.
Nesse momento o ponteiro grande do relógio da prefeitura se aproximava das doze, e
o relógio começou a tocar: um, dois...
O pequeno vampiro, que estava sentado na copa de um castanho, ia contando em voz
baixa:
—... sete, oito, nove.
As nove..., certamente não seria muito cedo para ir visitar seu amigo Anton. Era
provável que os pais do Anton houvessem tornado a sair, ao cinema ou a casa de algum
amigo, como faziam quase todos os sábados.
«Felizmente!», pensou o pequeno vampiro, pois só assim tinha sido possível que
Anton lhe acompanhasse em muitas de suas aventuras noturnas. Por exemplo, à festa
dos vampiros, em que Anton, disfarçado de vampiro, tinha dançado com ele, para que
outros não se dessem conta de que Anton era um ser humano. Que pinta tão graciosa a
do Anton dançando quando teve que pôr cara de apaixonado!
O pequeno vampiro riu sozinho. Lentamente foi tendo calor com suas meias-calças de
lã e debaixo das duas capas, das quais uma era para o Anton. Decidiu voar para a janela
do Anton e chamar.
As cortinas do quarto de Anton estavam fechadas, mas o pequeno vampiro encontrou
uma fresta através da qual podia observar o interior do quarto. Viu Anton sentado no
chão, inclinado à luz do abajur da escrivaninha sobre um grande mapa.
Com suas largas unhas o vampiro chamou no cristal e gritou colocando suas mãos ao
redor da boca:
— Sou eu, Rüdiger!
Anton levantou a cabeça. Seu rosto, que durante um instante tinha parecido
assustado, limpou-se. Foi até a janela e a abriu.
— Olá — disse. Por um momento pensei que era Tia Dorothee que tinha chamado.
— Com Tia Dorothee não tem por que se assustar hoje. Foi-se voando a um baile
popular — disse enquanto entrava no quarto.
— Para dançar?
— Seguro que não. Provavelmente estará à espreita em volta do local até que os
primeiros convidados comecem ir para casa. E então...
Proferiu uma gargalhada como um grasnido, e Anton pode ver suas presas: afiadas e
agudas como uma agulha. Como sempre, o deixou tremendo.
— Além disso, ela não suporta absolutamente pessoas — prosseguiu divertido o
vampiro. Da última vez tinham bebido tanto, que Tia Dorothee passou duas noites no
caixão com uma intoxicação etílica.
— Iiiiih — disse Anton em voz baixa.
Preferia que não lhe recordassem que os vampiros, e entre eles também seu melhor
amigo, alimentavam-se de sangue. Por sorte, Rüdiger sempre estava farto quando vinha
a sua casa.
O pequeno vampiro assinalou o mapa:
— Deveres?
— Não — disse Anton sombrio. Esta tarde fiu ver uma granja com meus pais. Aqui,
neste pobre vilarejo!
Assinalou um ponto no mapa, e o vampiro se inclinou para ler o nome do lugar:
— “Pequeno-Oldenbüttel”.

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— Sim, assim se chama o povoado — disse Anton. Meus pais vão passar uma semana
de férias, em uma granja!
— Sozinhos?
— Eu, naturalmente, tenho que ir com eles. “Para me restabelecer adequadamente”,
como diz meu pai. Longe do ruído da grande cidade, respirar ar puro do campo, ir
passear...
Ao pronunciar as últimas palavras sua voz soou tão colérica que o pequeno vampiro
teve que rir.
— Tão mau não será — opinou.
— Sabe o que diz?! — exclamou Anton, e sua cara ficou vermelha de raiva. Por toda
parte não há nada mais que vacas, galinhas cacarejando e cavalos relinchando! Ali não
se pode fazer nada!
— Possivelmente montar a cavalo...
— Ora, montar a cavalo! São cavalos de trabalho!
— Ou montar em trator.
— O que aborrecido! Eu gostaria de passar as férias em algum lugar onde se possa
fazer realmente algo. Mas em Pequeno-Oldenbüttel...
Furioso, passou o dedo pelo mapa.
— Escuta só como se chamam os povos vizinhos: Grande-Oldenbüttel, Totenbüttel,
Velho-Motten, Novo-Motten. O que é o que pode haver nesses vilarejos?
Saltaram-lhe as lágrimas e rapidamente esfregou os olhos com a mão para que o
pequeno vampiro não se desse conta disso. Seus pais planejavam uma semana de férias
e nem sequer se incomodaram em conhecer sua opinião! Escolhiam uma granja em uma
região perdida e ainda esperavam que ele se alegrasse disso!
Ah, ele sim teria sabido onde se poderia viajar! Por exemplo, a um balneário como é
devido, onde houvesse uma piscina e toda classe de restaurantes, cinemas, boates...!
Mas a última coisa em que pensaram foi nele e nas suas necessidades!
— Eu acho que deve ser bastante agradável — opinou o vampiro.
— Pois eu não! — disse Anton de mau humor.
Logo ficou perplexo. Tinha-lhe ocorrido uma idéia.
— Seriamente que acha isso? — perguntou.
— Pois sim. Os nomes das populações soam muito prometedores… Como se houvesse
ali vampiros! Talvez você conheça algumas delas, se ao anoitecer você atravessar o
cemitério de Totenbüttel!
— Eu? —disse enigmático Anton, e rindo ironicamente acrescentou: Nós!
O vampiro pôs uma cara de não entender nada.
— Como que nós?
— Muito fácil! — disse Anton. Você vai também! Contigo serão as férias mais
sensacionais da minha vida!
— Mas...
O pequeno vampiro tinha perdido a fala.
— Não disse que acha que seria muito agradável? — exclamou Anton.
— Para você, quis dizer.
— O que é bom para mim também é bom para você. Ou não somos amigos?
— Sim...
— E eu não te ajudei quando tinha proibição de cripta e estava com seu caixão na rua?
Acaso não te escondi no porão de minha casa?

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— Sim...
— Vê? E agora você pode fazer algo por mim!
O vampiro voltou a cara e começou a morder as unhas.
— Isto me pegou de surpresa — murmurou queixoso. Nós, os vampiros, não gostamos
de tomar decisões precipitadas!
— E quem disse que esta será? —exclamou Anton. Meus pais não irão até no próximo
domingo. Assim temos tempo de pensar em tudo tranqüilamente. Por exemplo, em como
vamos levar seu caixão até Pequeno-Oldenbüttel.
O vampiro encolheu os ombros.
— E se o perdermos pelo caminho? — gritou. Então estou ferrado!
— Em efeito. Por isso temos que planejar tudo meticulosamente. Poderíamos
possivelmente...
Nesse momento ouviram vozes na porta.
— Meus pais! — exclamou assustado Anton. Eles não voltam nunca cedo.
O vampiro tinha saltado de improviso ao beiral da janela, onde estava estendendo sua
capa.
— Volta amanhã de noite! — gritou-lhe Anton. Falaremos então de todo o resto.

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Nervos irritáveis

Anton fechou a janela, as cortinas e começou a dobrar o mapa. Sua mãe chamaria em
seguida, já que provavelmente teria visto luz por debaixo de sua porta.
— Anton, ainda está acordado? — perguntou, agora dando golpes na porta.
— Humm — grunhiu ele.
Ela entrou e lhe olhou surpreendida.
— Ainda não te despiste?
— Não.
— E aqui volta a ter um ar sufocante...
Com passos rápidos foi para a janela e a abriu de par em par.
— Antes de ir a dormir tem que deixar que ventile Anton. O ar viciado não é bom!
— Sim, sim — disse Anton, rindo por dentro.
Ao fim e ao cabo ela não podia saber que era a marca do aroma especial do Rüdiger o
que ela tinha sentido.
— Por que voltaram tão cedo? — perguntou.
— Seguro que você ainda tinha algo previsto.
— Não. Só queria...
—... ver um pouco a televisão, não é certo?
— Eu? Ver a televisão? Estive olhando o mapa!
Como de todas as maneiras não conseguia dobrá-lo corretamente, voltou a desdobrá-
lo sobre o chão.
— Queria saber o que há nos arredores próximos a Pequeno-Oldenbüttel.
— E o que encontraste?
— Totenbüttel..., isso sonha bastante interessante. Acaso haverá ali... vampiros?
— Vampiros, vampiros!
De repente a voz de sua mãe soou zangada.
— Você não deve ter nenhuma outra coisa na cabeça! Só as histórias de vampiros que
você lê o tempo todo!
Ela foi até a prateleira de livros e tirou os preferidos de Anton.
— Drácula..., A Vingança da Drácula..., Vampiros. As Doze Histórias Mais Terríveis...,
Na Mansão do Conde Drácula..., Gargalhadas da Cripta...
Um após o outro ia deixando cair os livros em cima da cama.
— Só lendo os títulos já me dá calafrios.
Cada vez que caía um livro na cama, Anton estremecia dolorido. Entretanto, não dizia
nada sobre isso para não irritar ainda mais a sua mãe; se não, possivelmente lhe tirasse
os livros.
— Tem os nervos irritáveis, né? — disse somente, enquanto agarrava os livros e os
colocava cuidadosamente na prateleira.
— Acaso você não? Se pudesse ouvir como te queixa e gritas às vezes enquanto
dorme!
— É porque estou sonhando com o colégio.
— Seja seja. Têm então uma Dorothee no colégio?
— Dorothee?
Anton ficou pálido.

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— A última noite gritava: «Tia Dorothee, por favor, não me morda!» Pode me explicar
isso?
— Bom, essa..., procurou em trancos e barrancos as palavras, essa é a senhora da
limpeza. Ela... tem uns dentes tão bicudos... E recentemente esqueci a sacola esportiva
na classe e voltei a entrar, e então... então ela me olhou com seus dentes bicudos de
uma maneira que...
Tinha começado realmente a suar durante seu relato. Sua mãe simplesmente ria
incrédula.
— Tal e como te conheço, você não moveria um dedo por uma bolsa de esporte
esquecida.
— Havia dinheiro dentro — disse rapidamente.
Que sua mãe tivesse que descobrir sempre suas intrigas! Ele podia elaborar as coisas
mais incríveis, mas apesar disso sempre lhe descobria. Só servia uma coisa: dizer a
verdade.
— Bom.
Tomou ar profundamente.
— Tia Dorothee é a tia do Rüdiger, o pequeno vampiro, da Ana a Desdentada e do
Lumpi o Forte. Além disso, ela é o vampiro mais perigoso da família von Schlotterstein.
Durante um momento sua mãe esteve muito desconcertada para poder responder.
Logo seus olhos começaram a jogar faíscas, e exclamou:
— Já não posso suportar mais essas eternas histórias de vampiros!
— Papai, ao que parece, sim — opinou Anton.
— Por quê?
Anton assinalou com uma inclinação de cabeça a porta entreaberta.
— Acaba de ligar a televisão. Precisamente pôs em um filme de vampiros: Drácula, O
Caminhante Solitário.
O som da televisão chegou suave até eles.
— Está desconfiadamente bem informado — disse a mãe.
Ele notou como ficava vermelho. Naturalmente não podia reconhecer que já, durante
toda a tarde, alegrou-se pelo filme.
— Então é verdade.
— O que?
— Que queria ver a televisão. E se nós não tivéssemos chegado cedo...
— Mas, mamãe! — indignou-se Anton.
— Sim, sim — disse a mãe. Só que desta vez não tem saída, porque agora vai trocar
de roupa e ir para cama.
— Sim — grunhiu Anton, tentando pôr uma cara compungida.
Entretanto, teve que morder os lábios para não rir: sua mãe, ao que parecia, tinha
esquecido que ele tinha uma televisão no quarto!

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Maus livros

Durante o café da manhã do dia seguinte seu pai disse:


— E então agora tem vontade de ir à granja?
— Humm — murmurou ambiguamente Anton.
— Não podia imaginar outra coisa — declarou o pai.
Serviu-se de outra xícara de café e disse apaixonadamente:
— O sonho de todo menino da cidade grande é: subir às árvores, construir cabanas,
caçar com confeti, caminhadas noturnas...
Anton levantou surpreso a vista de seu prato.
— E vamos fazer essas coisas? Eu pensava que só queriam passear.
Os pais trocaram um olhar.
— Naturalmente, sobre tudo passearemos — disse então o pai. Realmente nós
gostaríamos de descansar. E as caças com confeti são possivelmente algo muito
exaustivo para nós.
Quando viu a cara de decepção do Anton acrescentou rapidamente:
— Mas na granja há muita diversão para você. Pode ajudar a dar de comer aos
animais, ir ao campo com o granjeiro... E, além disso, há também os filhos da família.
Não tem o menino a mesma idade que você?
— Anton é um ano mais novo — disse a mãe.
— Ora, esse — disse Anton, negando com um gesto. Esse só se interessa pelos
cavaleiros. Contou-me que tem quinhentos em seu quarto.
O pai riu.
— Então fazem um bom casal. Ele tem seus cavaleiros, você tem seus vampiros!
Anton ofegou. Isso sim que era monstruoso! Equiparar cavaleiros com vampiros!
— Os cavaleiros desapareceram já faz séculos! — exclamou. A cavalaria forma parte
da mais sombria Idade Média!
— Mas, há vampiros ainda? — perguntou mordaz a mãe.
— Naturalmente que não — disse, reprimindo com esforço a risada. Os vampiros só
existem nos livros... Nos maus livros — completou. Ou não?

Como viajam os vampiros? Com isso Anton esteve quebrando a cabeça no domingo
inteiro. Mas em lugar de uma solução só lhe ocorriam sempre novas dificuldades. O
problema começava com o fato que os vampiros têm que dormir sempre em seu próprio
caixão. Ou seja, que só podem viajar se levarem com eles seus caixões. Mas, como? Em
uma mala não cabia. E levar o caixão debaixo do braço enquanto voava tampouco podia
fazê-lo um vampiro.
«E se o enviassem como bagagem?», pensou Anton. Ele tinha lido no jornal que às
pessoas que morriam durante as viagens eram levadas de volta a sua cidade natal no
caixão. Só que, não desconfiariam os empregados do trem se ele, Anton, entregasse um
caixão como bagagem?
Suspirou. Se ao menos tivesse alguém com quem pudesse falar sobre isso! Mas para
seus pais tinha que manter tudo em segredo; e o pequeno vampiro não queria que lhe
importunasse com problemas.
O olhar do Anton caiu sobre seus livros: Não haveria nenhuma história em que um
vampiro viajava e que ele pudesse aprender como organizá-lo?
Sim: Drácula..., o livro do Bram Stoker! Ali o Conde Drácula queria transladar-se
desde seu castelo da Transilvania até a Inglaterra!

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Excitado, Anton agarrou o livro da prateleira. Fazia já um par de meses que o tinha
lido e não podia lembrar de todos os detalhes. Mas ainda sabia que nos preparativos da
viagem cinqüenta grandes caixas faziam um papel importante. O livro começava com as
descrições do jornal do Jonathan Harker, um advogado da Inglaterra a quem Drácula
tinha chamado a seu castelo.
«30 de junho, pela manhã...», leu Anton, «a grande caixa estava ainda no mesmo
lugar, muito próxima ao muro; a tampa já estava em cima, mas ainda não estava presa;
os pregos estavam metidos na madeira e só teria que cravá-los mais... Levantei a tampa
e a apoiei na parede... Ali jazia o conde, mas parecia como se sua juventude houvesse
voltado de novo... a boca estava mais vermelha que nunca, pois sobre os lábios havia
gotas de sangue fresca... Enquanto escrevo isto ouço abaixo, no passadiço, o ruído de
pés que se arrastam e o estrépito de pesadas cargas, pelo visto as caixas cheias de
terra. Ouço martelando algo; é a caixa que estão pregando...»
A caixa... era o caixão do Drácula. Mas para que necessitava ele as outras caixas?
Para que não pudessem lhe encontrar tão facilmente? Com uma só caixa podia acontecer
facilmente que fosse aberta por alguém, mas com cinqüenta... «Não é má idéia», pensou
Anton admirado. Desgraçadamente, Rüdiger e ele não podiam tomá-lo em consideração,
pois eles nem tinham limusines para colocar as caixas nem iriam fazer uma viagem em
navio.
Já começava a escurecer. O pai do Anton veio e trouxe um prato com sanduíches e um
copo de leite.
— Mamãe pensa que já é hora de dormir — disse, colocando o prato junto ao Anton
em cima da cama.
Com curiosidade, inclinou-se tentando ler o título do livro.
— Histórias de vampiros? — perguntou.
— Tenho que resolver um problema — declarou Anton com muita dignidade, fechando
o livro. Deixou-o em cima de seu travesseiro com o dorso para cima e agarrou um
sanduíche de queijo.
— Possivelmente possa me ajudar — disse.
— Eu?
— Você trabalha em uma casa de venda por correspondência, não?
— Sim...
— Muitas vezes você tem que enviar coisas.
O pai riu.
— Efetivamente.
— Tenho um amigo — disse Anton — que gostaria de enviar algo.
— Ah! Sim? O que?
— Uma caixa. Aproximadamente assim de grande — Anton estendeu os braços.
Possivelmente inclusive maior ainda.
— Bastante volumosa, não? — opinou o pai.
Não parecia levar muito a sério a pergunta de Anton.
— E o que é que o seu amigo tem na caixa? Pérolas? Ouro? Pedras preciosas?
Zangado, Anton apertou os lábios.
— Acreditava que iria me ajudar.
— É o que vou fazer! Mas, defiitivamente, tenho que saber de que classe de transporte
se trata.
E dirigindo o olhar ao livro do Anton acrescentou:
— Também poderia ser um caixão de vampiro, não? E nós não faturamos coisas
assim. Nós somos uma empresa decente.

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No primeiro momento, Anton temia seu pai poderia ter algo suspeito, mas depois
percebi que ele só queria provocar. Então, ele também tinha razão de ser sincero!
Disse sarcástico:
—Que pena! É que realmente se tratava de um caixão de vampiro.
Naturalmente, seu pai não acreditou em uma palavra.
— Em um caso assim, brincou, seu amigo deveria dirigir a uma funerária.
Foi para a porta.
— Pelo resto, mamãe e eu vamos passear — disse.
— Ficarão fora muito tempo? — perguntou Anton surpreso.
— Quando voltarmos espero que você esteja dormindo — respondeu o pai. Amanhã
tem colégio.
— você acha que posso esquecer?

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Muftí Super

«Isto cai como uma luva!», pensou Anton quando pouco depois de seus pais saíram
chamaram brandamente à janela.
Contente, correu a um lado das cortinas..., e ficou gelado.
Fora, no batente, havia alguém amontoado lhe olhando com os olhos muito abertos, e
embora a figura estivesse na escuridão e tinha sua capa até o queixo, Anton acreditou
reconhecer claramente que não era o pequeno vampiro. Seria Tia Dorothee? Percorreu-
lhe um pânico gelado, e fechou depressa as cortinas.
Então voltaram a chamar e uma voz clara exclamou:
— Sou Anna!
A irmã pequena do Rüdiger! Aliviado, mas também um pouco zangado, Anton abriu a
janela e a deixou entrar.
— Tem que me assustar assim? — grunhiu.
Anna alisou a capa rindo. À clara luz do abajur de sua escrivaninha ele se deu conta de
que o pequeno e redondo rosto dela tinha um aspecto inusitadamente rosado. Seus
cabelos estavam penteados e separados do rosto com dois prendedores.
— Só queria ver se conhecia outras garotas-vampiro — disse brincando. Se você, por
exemplo, tivesse exclamado «Olá, Julia!», não o convidaria para a minha festa de
aniversário como vampiro.
— Festa de aniversário como vampiro?
— Um dia como hoje eu me converti em vampiro — esclareceu orgulhosa. Meu
aniversário, por assim dizê-lo. O único dia festivo que conhecemos nós, os vampiros.
Olhe o que me deu de presente Rüdiger.
Tirou de debaixo de sua capa um livro gastadíssimo de tanto lê-lo e o mostrou.
— É muito interessante!
— Sei — respondeu Anton, que conhecia perfeitamente o livro: era Dentadas
sangrentas, e o tinha emprestado ele ao pequeno vampiro fazia um par de semanas.
— Como? Conhece-o? — perguntou Anna.
— Não, não, disse rapidamente, só acreditava.
—E Lumpi me deu de presente os prendedores para o cabelo — contou ela.
«Não parecem muito novos», pensou Anton, «mas assim e tudo é amável por parte do
Lumpi haver dado algo a sua irmã».
— E agora o presente mais formoso! — disse ela. O tenho posto, mas não pode vê-lo.
— Não posso vê-lo? — assombrou-se Anton.
— Só... cheirá-lo.
— Ah, vá!
Então não tinha se equivocou quando acreditou sentir em Anna um aroma
estranhamente penetrante.
— Um perfume novo? — perguntou.
— Exato! — exclamou. Especial para mim: “Muftí Super”.
Anton tragou saliva. O “Muftí Elegante” que Anna tinha usado antes já era mau, mas o
“Muftí Super” cheirava a queijo do Harz, pés suados e bombas fétidas.
— E que mais lhe deram de presente? — perguntou rapidamente, antes que ela
pudesse lhe perguntar se gostava do perfume.
Ela titubeou, e um sorriso embaraçoso apareceu em seu rosto.
— Só lhe direi isso se não rir!

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Levou a mão para debaixo de sua capa e tirou uma chupeta. Era uma chupeta
alargada e já bastante roído, com uma embocadura branca e suja e uma argola através
da qual passava um cordão de sapato.
Anton teve que morder a língua para não rir. Anna com chupeta! Isso era ridículo!
Ela o tinha observado temerosa. Mas ficar sério e ao contrair bem sua face dolorida,
porque lhe doía a língua, ela suspirou aliviada.
— É para o cuidado dos dentes — esclareceu. Todos os vampiros adolescentes devem
levá-lo para que os dentes dianteiros fiquem pequenos e as presas fiquem bem largas.
Anton se sobressaltou. Até agora ela tinha sido Anna a Desdentada e se alimentava de
leite.
— Sairão-lhe então presas? — perguntou.
— Bom, sim, disse escapando, um pouco..., mas só usarei minha chupeta a maior
parte do tempo no caixão, acrescentou rapidamente, e se não, só quando quiser.
Ela voltou a fazê-la desaparecer sob sua capa.
— Mas agora temos que sair voando! — disse energicamente.
— E aonde?
— À cripta, naturalmente!
— À cripta? — exclamou desconcertado Anton. E o que vamos fazer ali?
— Celebrar meu aniversário como vampiro — disse Anna alegremente.
Ele notou como seu coração pulsava mais de pressa. Festas de aniversário ele
conhecia; eram divertidas e boas. Mas festas de aniversário como vampiro... Seguro que
eram horríveis.
Acaso Anna teria já dentes de vampiro e quereria prová-los nele na cripta? Sentiu-se
muito estranho, e teve que apoiar-se com ambas as mãos no tampo da escrivaninha.
— Eu..., eu não posso de maneira nenhuma — balbuciou. Tenho que esperar ao
Rüdiger.
— Mas ele já está na cripta!
Deu-lhe uma segunda capa que tinha mantido oculta debaixo da sua.
— Agora vêem! — disse. Se não, Lumpi vai se impacientar.
— Lumpi também participa?
— Seguro — repôs Anna. As festas de aniversário como vampiro são sua paixão.
— E os O... outros parentes ? — perguntou Anton. Tia Dorothee e Wilhelm o Tétrico e
Hildegard a Sedenta e Sabine a Horrível e Ludwig o Terrível?
— Partiram todos.
Produziu-se uma pausa. Anton observou indeciso a capa comida pelas traças e com
aroma de podre que tinha em suas mãos, enquanto, Anna subia ao beiral da janela.
Devia realmente voar com ela?
De qualquer forma, ali encontraria Rüdiger, que, sendo o aniversário como vampiro de
sua irmã, seguro que não iria a sua casa embora eles tivessem combinado. E já não
ficava muito tempo para o domingo seguinte.
— Está bem — disse com voz rouca, colocou por cima a capa e subiu para onde estava
Anna em cima do beiral da janela. Depois ela estendeu os braços e saiu voando.
Ele a seguiu inseguro.

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No ar

Como sempre que levava uma capa de vampiro e podia voar, Anton tinha uma
estranha pressão no estômago. Titubeando, moveu acima e abaixo os braços e olhou de
esguelha com temor para baixo, onde, desde seis pisos de altura, os carros pareciam
brinquedos de meninos.
Mas logo sentiu que o ar lhe levava. Seus movimentos se fizeram mais potentes, seus
impulsos mais regulares. Era como se nadasse..., só que muito mais fácil e com muito
menos esforço.
— Voa já como um autêntico vampiro — disse Anna, que se deslizava tranqüilamente
junto a ele.
— Seriamente? — disse ruborizando.
Embora com toda segurança ela o havia dito com boa intenção, lhe sobressaltou uma
desagradável sensação para ouvir suas palavras: Acaso estaria começando a
transformar-se em vampiro?
Por outra parte, sabia que um ser humano só podia converter-se em vampiro ao ser
mordido por um deles...
Sua suspeita de que Anna pudesse querer provar nele seus novos dentes na cripta
voltou a despertar, e a olhou temeroso de soslaio. À luz da lua produzia um efeito
curiosamente estranho. Seu rosto reluzia como uma flor branca sob seus escuros
cabelos. Seus lábios estavam ligeiramente abertos, e ele viu seus dentes, pequenos e
redondos como pérolas. Não pôde reconhecer as presas, se é que realmente lhe tinham
saído. Não estaria ele se convencendo de seus temores?
— Cuidado! —Anna lhe tirou de seus pensamentos.
Esteve a ponto de não ver a chaminé que me sobressaía diante deles. No último
momento pôde desviar no vôo.
— Tem que prestar mais atenção! — disse Anna com recriminação. O ar está cheio de
perigos. Ali detrás, por exemplo, vejo tia Dorothee.
— Queee, o que? — gaguejou Anton.
Por causa do susto se esqueceu de mover os braços. Anna lhe agarrou pela capa antes
que pudesse cair do alto.
— Voa para um baile dos bombeiros — lhe tranqüilizou. Isso me contou ela.
Suspirou aliviado. Agora já não tinha que temer que Tia Dorothee aparecesse de
surpresa na cripta enquanto eles celebravam ali o aniversário da Anna como vampiro!
Ante eles estava o velho e desmoronado muro do cemitério. Rodeava a parte traseira
e abandonada do cemitério, em que havia cruzes e lápides derrubadas entre a erva, que
chegava à altura do joelho, e pela qual só raramente se perdia algum visitante. Aqui se
tinham construído os vampiros da família von Schlotterstein sua cripta subterrânea para
estar seguros frente à perseguição do Geiermeier, o guardião do cemitério.
Anna voou lentamente com o passar do muro espreitando intensamente na escuridão.
Anton, que a seguia a certa distância, perguntou sussurrando:
— Vê o Geiermeier?
Ela negou com a cabeça.
— Provavelmente estará em sua casa cortando estacas de madeira — disse ela azeda.
Atravessaram o muro e aterrissaram diante de um alto abeto. Anna levantou
rapidamente uma pedra coberta de musgo que estava oculta ao amparo do abeto. Era a
entrada à cripta.
— Vêem — sussurrou ao Anton.

1
Logo desapareceu no interior de um estreito poço. Anton se deslizou detrás dela e
voltou a correr a pedra sobre o buraco.

1
Folgazões
Golpeou-lhes um aroma de mofo e do “Muftí Super”, que ao Anton quase deixou sem
respiração. Baixou as escadas detrás da Anna com as pernas frouxas; o coração,
enquanto isso lhe saía pela boca.
Por que tinha sido tão idiota de ir com ela? Haveria outra ocasião para falar com o
Rüdiger. Aqui embaixo estava a mercê do Lumpi..., do Lumpi e de todos outros
vampiros, que podiam retornar a qualquer momento..., ou acaso estariam já lhe
espreitando?
Mas à luz das velas só viu o Lumpi e ao Rüdiger, que estavam jogados em seus
caixões. Os outros caixões estavam fechados.
Anton respirou: então era verdade que os parentes partiram... De todas as formas,
pareceu-lhe aconselhável ser precavido, e por isso ficou parado no último degrau, ali
onde estava mais escuro.
Anna correu por volta dos dois caixões abertos e gritou indignada:
— Vadios! Não tinham prometido que iam preparar tudo para minha festa de vampiro?
Rüdiger se levantou do caixão pondo uma cara compungida.
— Meu livro estava tão interessante... —disse.
— E Lumpi?
— Dormiu.
— E minha festa de aniversário como vampiro? Não iam juntar os caixões e enfeitar a
cripta?
— Sim, disse tímido Rüdiger, já tínhamos começado.
— E então?
— Então ficaram os olhos em negro e teve que deitar-se.
— Seu truque de sempre! — protestou Anna. O que vai pensar Anton de nós agora?
— Anton? — perguntou surpreso Rüdiger. Ele está aqui?
— Sss, sim — disse Anton, dando um par de passos temerosos para o interior da
cripta. Mas posso ir embora agora mesmo — balbuciou. Po... por mim não precisa se
incomodar.
— Só faltava isso! — exclamou Anna furiosa. Não, você fica. Um convite é um convite.
Vêem Rüdiger, temos que despertar ao Lumpi!
— Despertar ao Lumpi?
Rüdiger olhou-a apavorado.
— Já sabe como fica se lhe incomodam quando está dormindo!
— Já estou acordado! — grunhiu então uma voz rouca, e o rosto cinzento do Lumpi
apareceu do caixão. Com a animação que estão fazendo...
Seus olhos, que estavam no interior de dois profundos ocos, estavam meio fechados.
— Vocês certamente não ouviram falar do que é ter consideração — bufou.
Rüdiger se apressou a lhe ajudar a sair do caixão.
— É só pelo aniversário como vampiro da Anna, disse tentando lhe tranqüilizar, e pelo
Anton.
— Como pude esquecê-lo!? — exclamou Lumpi, e de repente sua voz soou
absolutamente amigável. Nossa visita!
Dirigiu-se para o Anton com um amplo sorriso, abraçou-lhe e grasnou:
— Cordialmente bem-vindo!
Anton se havia posto pálido como um morto. Cordialmente..., isso só podia significar
uma coisa: sangue!

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Garras de depredador

Mas não podia pensar em fugir: Lumpi era muito maior e mais forte que ele, e suas
mãos lhe seguravamm como se fossem parafusos de banco.
Anton viu sua tez branca muito próxima, os vermelhos grãos no queixo e na ponta do
nariz, os olhos perigosamente brilhantes com escuras sombras, por debaixo a larga boca
com as presas imaculadamente brancas e salientes. E cheirou o fôlego sepulcral do
Lumpi... Pior que o «Muftí Super»!
Ia desmaiar em seguida, pressentia-o. Mas então Anna se colocou junto ao Lumpi,
puxou por sua capa e disse:
— Se fica tão alegre que Anton esteja aqui também poderia demonstrá-loo arrumando
rapidamente a cripta para ele.
— Arrumar a cripta? — opinou desanimado Lumpi. Isto dá muito trabalho.
Ao dizer isto olhou fixamente ao Anton.
— Folgado — respondeu Anna, mas tão baixo que Lumpi não o ouviu.
— Tem um bonito pulôver — disse ao Anton. Pura lã, não?
— Não… não sei — gaguejou Anton, dando um passo para trás.
Lumpi tinha segurado o pulôver, examinando o tecido.
— Ou é de fibra artificial? Deixe-me adivinhá-lo: quarenta por cento de lã pura e
sessenta por cento de fibra artificial! Tenho razão?
De um forte puxão atraiu para si Anton e puxou para abaixo a gola do pulôver
deixando descoberto o pescoço de Anton. Este viu, como em umae névoa, cabeça de
Lumpi se aproximar... inclinando-se sobre seu pescoço...
Gritou aterrorizado.
Lumpi deixou cair às mãos em seguida.
— Por que te excita? — grunhiu. Só queria ler a etiqueta atrás do pulôver.
Voltou para seu caixão com passos mesurados e se sentou no bordo.
— Além disso, tinha razão — disse. Quarenta por cento de lã pura e sessenta por
cento de fibra artificial.
Dito isto, tirou de debaixo de seu travesseiro uma lixa de unhas e começou a lixar as
largas e arqueadas unhas de sua mão esquerda. Ao ver aquelas garras de depredador
Anton ficou de cabelo em pé.
Lumpi parecia completamente concentrado em seu trabalho. Em seus lábios havia um
sorriso entusiasmado, e uma e outra vez se detinha para observar suas unhas, que se
foram afiando cada vez mais.
— Vocês podem começar — disse com uma voz suave.
Sua tarefa o deixou tão ocupado que nem sequer levantou a cabeça.
— Começar o que? — exclamou Anna.
— A arrumar a cripta.
— Mas... — ia protestar Anna, mas Rüdiger lhe dirigiu um olhar suplicante agitando a
cabeça com veemência.
Ele andou rapidamente até os cinco caixões que estavam de pé apoiados na parede da
esquerda e se dispôs a juntá-los para utilizá-los como assentos. Anna lhe ajudou a
agarrá-los fazendo chiar os dentes.
— Posso A... ajudar? — perguntou Anton.
— Você não, disse Anna, mas...
— Sim? — disse Lumpi aguçando o ouvido. Quem?

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— Eu, naturalmente — disse Anton com serenidade.
«Não irrite Lumpi!», pensou. Colocou-se aos pés do último caixão, que devia pesar
muito, porque Anna e Rüdiger só podiam movê-lo com grande esforço. Reconheceu com
terror que aquele era o caixão de Tia Dorothee... Acaso estaria ela ainda dentro?
Anna notou sua confusão, pois disse em voz baixa:
— Dentro estão as jóias da família. Tia Dorothee as protege como às meninas de seus
olhos. Antes de sair voando ela coloca sempre as jóias em seu caixão.
— E pesam tanto as jóias?
— O que te acha? Tudo é de ouro!
— É os vampiros usam jóias?
— Se querem lhe gostar da alguém... Além disso, nós utilizamos as jóias como
reserva. Em momentos de necessidade trocamos às vezes alguma jóia por dinheiro em
efetivo. Ao fim e ao cabo os vampiros não podem abrir uma conta bancária.
— Né! O que estão cochichando?
Essa era a voz áspera do Lumpi.
— Estavam falando de mim, verdade?
— Não, não — disse rapidamente Anna. Falávamos da disposição dos assentos. Dois
caixões servirão de mesa e os outros três de bancos. Está bem assim?
— Há dito três bancos? Mas se somos quatro!
Lumpi refletiu. Depois exclamou contente:
— Naturalmente! Anton e eu nos sentaremos em um caixão!
— OH, não! — escapou ao Anton.
— Por que não? —perguntou Lumpi.
Havia tornado a deixar a lima de unhas no caixão e se levantou.
— Possivelmente joguemos adivinhações. Assim te poderia soprar.
— Pre... preferiria me sentar ao lado da Anna — gaguejou Anton. Ao... ao fim e ao
cabo é seu aniversário como vampiro.
— Como quiser — disse zangado Lumpi, deu a volta e se meteu em seu caixão. Eu, de
todas maneiras, não tinha terminado de lixar as unhas.
Voltou a ressonar o ruído da lixa de unhas ao arranhar.
— Tão melhor — disse Anna mordaz. Assim ao menos haverá um caixão para cada
um. Vêem Anton!

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Comer e beber

Anna pôs a mão no ombro de Anton e lhe conduziu até o rincão onde iam sentar.
— Agora vamos ficar à vontade! — disse ela contente.
Como se ali, a quatro metros clandestinamente e em companhia do imprevisível
Lumpi, pudesse sentir-se a vontade!
Anton se sentou angustiado no caixão que estava mais próximo à saída da cripta,
enquanto que Anna tomou assento no caixão que havia a seu lado.
— Certamente tem sede — disse ela. Acredito que nas festas de aniversário há muitas
coisas de beber e de comer, não?
— Humm, humm — disse Anton assentindo.
— Vê-o!? — disse ao Rüdiger, que estava apoiado na parede lendo seu livro.
Deixou-o cair surpreso.
— Que bom que ainda temos bebidas! — suspirou ela. Por favor, Rüdiger, traz-nos
isso.
—B... bebidas? — gaguejou Anton.
O que é o que poderia ter para se beber em uma festa de vampiros? Pensou,
estremecendo, em garrafas de cristal transparente cheias de sangue até o bordo...
Mas o que Rüdiger colocou diante dele nos caixões convertidos em mesa eram caixas
de leite e cacau: vinte caixas, ou mais. Estavam nos pés do caixão da Anna, metidas em
três bolsas já bastante cobertas de pó.
— Bom, o que te parece? — perguntou orgulhosa Anna.
Anton olhou fixamente e sem falar o montão de caixas, que tivessem podido encher
uma pequena leiteria.
— Eu... — murmurou.
«Não tenho sede», queria acrescentar, mas preferiu não dizer nada para não zangar a
Anna.
Ela tirou de uma das bolsas uma palha partida e a meteu no buraco, previamente
furado, de uma caixa de cacau.
Satisfeita, entregou a caixa ao Anton.
— Prova-o!
— Obri... obrigado.
Agarrou a contra gosto a caixa, que, apesar de que estava escrito «Bebida de Cacau.
Sempre Fresca e Rica», não tinha uma pinta muito apetitosa; ao contrário: o pacote
tinha uma fina camada de pó e suas quinas estavam afundadas.
— E vocês? — perguntou. Não tomam nada?
Anna e Rüdiger trocaram um olhar, rindo entre dentes.
— Anna já não toma leite — esclareceu Rüdiger.
— Não toma leite? — disse Anton. Mas...
— Nem cacau tampouco — completou Rüdiger.
— Então, para quem são tantas caixas?
— Para ti — respondeu Anna.
— Todas?
— Bom... —disse Anna sorrindo vergonhosa. Em princípio eram para mim, mas
agora...

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Não seguiu falando, mas sim voltou rapidamente a cabeça. Anton ainda teve tempo de
ver como ela estava mais corada.
Então voltou a lembrar do assunto da chupeta que ela devia levar para que lhe
saíssem umas presas muito largas. Ou seja, que ela... converteu-se em vampiro!
Notou como lhe tremia na mão a caixa de cacau. E os vampiros também o viram. Pois
logo, pareceu-lhe que todos lhe olhavam fixamente. Inclusive Lumpi tinha deixado de
lixar as unhas.
— Por que não o prova? — exclamou, e sua voz soou ameaçadora.
— Já... já o provo — gaguejou Anton, e deu uma forte chupada com a palha.
A ponto esteve de cuspir o cacau por quão nauseabundo era seu forte e picante aroma
de sabão! Mas então seu olhar caiu nos vampiros, que lhe observavam espectadores.
— Muito RI... rico — gaguejou.
— Homem! — grunhiu Lumpi. Faltaria mais!
E Rüdiger acrescentou:
— Ao fim e ao cabo, Anna guardou a muito tempo as caixas só para você!
Anna sorriu adulada.
— Definitivamente, já não as necessito.
E ao Anton disse:
— Quando terminar de beber isso avisa, valeu? Então te darei outra caixa.
Anton assentiu fracamente.
Ficava mau ante a idéia de ter que tragar mais daquela beberagem podre. Mas já
sabia o que ia fazer: Faria como se bebesse para assim poder ficar toda a noite com uma
caixa!
Anna se levantou, alisou sua capa e retirou o cabelo da cara.
— E agora, disse, uma vez que solucionamos o problema da comida e da bebida,
começa a parte alegre da festa!

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Carreiras de caixões

— OH, sim! — disse impaciente Lumpi, saindo de seu caixão. Com o que começamos?
— Sim. Com o que começamos?
Anna se voltou para o Anton e lhe olhou interrogativamente.
— O que vocês jogam nas festas de aniversário?
Anton titubeou. Um inofensivo jogo de grupo poderia ser, dadas as circunstâncias,
mortalmente perigoso se jogava com vampiros em uma cripta!
Não podia ser de maneira nenhuma um jogo que se tivessem que apagar velas. Não
poderia ver o que faria Lumpi na escuridão!
Nem de esconderijo... Havia o perigo de que Anton tivesse que meter-se em um
caixão!
— Corrida de sacos — disse finalmente.
— Corrida de sacos?
Anna enrugou o nariz.
— Isso parece aborrecido.
— Também me parece — corroborou Rüdiger. Além disso, não temos sacos.
— Um momento — exclamou Lumpi. Isso me dá uma idéia. Corrida de sacos, corida
de sacos... Já o tenho: Corrida de caixões!
— Corrida de caixões?
A voz da Anna seguiu sem soar especialmente entusiasmada.
— Sim! Colocaremos vários caixões um detrás de outro, com intervalos de diferente
longitude, e então teremos que saltar de caixão em caixão sem cair. Quem conseguir
terá ganho!
— Isso é tudo? — disse de mau humor Anna.
— Já verão!
Lumpi pôs as tampas a seu caixão e ao do Rüdiger. Depois começou a preparar a pista
de obstáculos. Em primeiro lugar pôs seu próprio caixão, cujo único adorno era uma «L»
rodeada por um dragão com duas cabeças.
Logo seguiram o caixão do Rüdiger e o da Anna, ambos sem nenhum adorno e muito
menores que o do Lumpi.
Ao final do percurso pôs um grande caixão com asas douradas nos lados. Esse era —
acreditava recordar Anton — o caixão do Hildegard a Sedenta, a mãe do Lumpi, Rüdiger
e Anna.
Os dois primeiros caixões estavam bastante juntos um do outro, conforme pareceu ao
Anton. Mas a distância entre o segundo e o terceiro caixão já era maior. O espaço que
havia entre o caixão da Anna e o do Hildegard, entretanto, pareceu-lhe enorme.
— Eu não conseguirei pular nunca — murmurou.
— Tampouco tem por que ganhar sempre — disse cáustico Lumpi.
Tirou uma caixa de fósforos de debaixo de sua capa, agarrou três fósforos e fez com
elas partes de diferente tamanho. Logo colocou os fósforos entre os dedos de sua mão
esquerda, de tal maneira que todos pareciam iguais de comprimentos.
—Tira você primeiro — disse, assinalando ao Anton com uma inclinação de cabeça.
Uma vez que todos, exceto Lumpi, tinham tirado um fósforo, compararam a longitude
de suas partes. Rüdiger tinha o mais curto e iria começar.
Conseguiu facilmente saltar do primeiro caixão ao segundo. Mas ao dar o segundo
salto se enrolou em sua capa e caiu ao chão.

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Levantou-se lentamente e se preparou para dar o último salto. Desta vez tampouco o
conseguiu. Chocou-se contra a parede do caixão do Hildegard a Sedenta. Voltou
coxeando, arrastando sua perna direita e mais pálido ainda do habitual.
— Um ponto — anunciou Lumpi.
Agora era a vez de Anton.
Saltou sem dificuldade do caixão do Lumpi ao do Rüdiger. A distância que havia até o
seguinte caixão, o da Anna, já era maior. Mas o conseguiu.
— Bravo, Anton! — exclamou Anna.
— Psst! — disse lúgubre Lumpi. Não vale dizer nada!
Já só ficava um caixão... Anton respirou profundamente e saltou. Seus joelhos
golpearam contra a madeira.
— Ai! — gritou.
Retornou à saída com a cara contraída pela dor.
— Dois pontos — disse Lumpi.
Agora seria Anna. Parecia pequena e quebradiça com sua ampla e muito larga capa
que lhe chegava quase até os tornozelos. Anton notou como seu coração pulsava mais
depressa... Por ela!
Então saltou ligeira como uma pluma. Já tinha superado os dois primeiros obstáculos.
«Tome cuidado!», ia exclamar Anton quando ela passou assobiando pelo ar; aterrissou
no último caixão..., e escorregou.
— Má sorte — disse Lumpi somente. Dois pontos, como Anton.
— Mas eu sou menor! — disse com arrogância.
Enquanto isso, Lumpi tinha subido em seu caixão e flexionava os joelhos para relaxar.
Comparado com Anna era tremendamente grande, tinha ombros largos e panturrilhas
musculosas.
Não era nenhum milagre que saltasse facilmente de caixão em caixão. Quando chegou
ao último levantou os braços e exclamou com júbilo:
— Lumpi, o melhor saltador de caixões de todos os tempos!
— Pudera! — grunhiu Anna.
— Disse algo? — disse Lumpi, fingindo ser afável.
Seus olhos, entretanto, olhavam tão funestos como sempre.
— Não, não — disse rapidamente Anna.
— Anna só queria dizer que sabe saltar muito bem — assegurou Rüdiger. Não é certo?
Lumpi se estirou e respirou profundamente.
— Com minha alimentação e modo de vida...
Ao dizer isto olhou fixamente o pescoço do Anton, e sem dar-se conta deixou ao
descoberto seus terríveis dentes.
— Né! — exclamou Anna. Agora estamos jogando, Lumpi!
Lumpi encolheu os ombros. Retirou à vista a contra gosto.
— De que? — perguntou de mau humor.

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«Ratinho, Di pip»
— Eu sei um jogo — disse o pequeno vampiro.
— Você? — disse incrédulo Lumpi.
— Sim.
— E como se chama?
— «Ratinho , Di pip.»
— iPip, pip!
Lumpi deu golpezinhos na frente.
— Esse jogo você inventou.
— Não — disse Anton. Esse jogo existe realmente.
— E como o conhece? — repreendeu Lumpi ao Rüdiger.
— Bom...
Rüdiger fez uma pose de importante e pigarreou.
— Os meninos estavam sentados em círculo...
— Que meninos?
— Os meninos que estavam naquela casa que parecia tão cálida e confortável. Eu
estava escondido no beiral da janela, olhando morto de fria e fome. No meio do círculo
havia um menino com os olhos tampados. Deu um par de voltas sobre si mesmo e logo
se sentou nos joelhos de outro. «Ratinho, Di pip!», disse. O menino respondeu com voz
alta e clara: «pip». E então o menino dos olhos tampados tinha que acertar nos joelhos
de quem estava sentado.
Lumpi pareceu gostar do jogo, pois em sua cara se estendeu um sorriso.
— Não está mal seu «Ratinho, pip, pip» — opinou. Mas quero ficar no meio!
Jogou mão sob sua capa e tirou um lenço negro. Estava cheio de buracos de traças.
— M... mas se pode ver através dele — murmurou Anton.
— E o que? —vaiou Lumpi. É por acaso quer que eu caia?
— Nnn..., não. Só que as regras do jogo...
— Ora, regras! — disse Lumpi, rechaçando com um gesto qualquer outra objeção.
Mais vale que me ponham o lenço.
— Em seguida — disse Rüdiger.
Subiu a um caixão e atou o lenço no cangote do Lumpi.
— Começamos? — grunhiu Lumpi.
— Agora mesmo.
Rüdiger empurrou com esforço os dois caixões que tinham servido de mesa até a
parede. Anna ficou de pé rindo burlonamente.
— Você sim manipula bem — disse ela.
— Por quê? — respondeu Lumpi. Ele não propôs o jogo?
Através do lenço sua voz soava apagada e lúgubre. Rüdiger fazia gestos visíveis com
as mãos para Anna para que não discutisse com o Lumpi. Mas Anna fazia como se não
entendesse.
— Tivesse podido arrastar os caixões tranqüilamente — disse ao Lumpi. Ao fim e ao
cabo você é o mais forte.
— Em efeito! — disse Lumpi com orgulho. Mas não por isso têm que fazer todo o
trabalho. Além disso..., se me segue provocando contarei a Tia Dorothee que Anton
esteve aqui.
— O que? — escapou ao Anton.

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Olhou aterrorizado para Anna, mas ela sacudiu quase imperceptivelmente a cabeça.
— Não são mais que palavras — sussurrou ela.
Contente com o efeito de suas palavras, Lumpi deu um par de passos cautelosos.
— Estão preparados? — perguntou.
Anna e Anton se sentaram rapidamente no caixão de Tia Dorothee. Rüdiger tomou
assento no caixão do centro.
— Agora — exclamou.
Lumpi se aproximou lentamente. Oferecia um aspecto terrível: sob a peluda juba
estava, em seu rosto, o lenço comido pelas traças e seus fortes e peludos antebraços
apareciam debaixo da larga capa. Mantinha as mãos estendidas para diante e movia seus
compridos e ossudos dedos procurando aqui e lá..., como se tivesse dificuldades para
medir seu caminho. Anna, Rüdiger e Anton sabiam perfeitamente que podia ver tudo
através dos buracos do lenço!
Ao princípio, pareceu que ia sentar se nos joelhos do Rüdiger. Anton respirava já
quando Lumpi, dando uns passos vacilantes, deixou de lado ao Rüdiger e ficou diante
dele. Logo se deu a volta e se sentou nos joelhos do Anton.
Anton teve a sensação de que ia asfixiar..., pelo muito que pesava Lumpi e por quão
penetrante era o aroma de mofo que despedia!
— Ratinho, Di pip!
— Pip!
— Mais alto!
— Piiip!
— É Anton! — exclamou Lumpi, tirou o lenço da cara e olhou triunfante ao redor.
Ganhei algo agora?
— Não. Mas pode atar o lenço em Anton — disse Rüdiger.
Rodeou colérico com o lenço a cabeça do Anton e o amarrou.
De repente pegou um grito. Foi um grito tão dilacerador que ao Anton entraram
calafrios por todo o corpo.
— Minha unha! — chiou. Partiu-se!
Ficou olhando fora de si seu dedo indicador esquerdo.
— Minha formosa, minha grande unha! Protegi-a e cuidei semana após semana! Que
orgulhoso estava! E agora... — soluçou.
Então olhou para Anton com olhos acesos.
— E tudo por sua culpa!
— Po... por minha culpa?
— Sua cabeça tem a culpa, sim senhor! — uivou o vampiro. Seu melão, sua cabeça
quadrada, sua cabeça oca, sua estúpida e mais que estúpida moleira!
Correu para seu caixão, tirou a lima de unhas e começou a lixar grosseiramente sua
unha.
— Você mesmo tem a culpa — disse Anna. Se não sabe fazer um nó...
— Como diz? — estalou Lumpi. Assim me agradece por haver ficado tanto tempo na
cripta? E só para que tivesse um formoso aniversário como vampiro! Mas agora
terminou!
Bufando de raiva voltou a atirar a lixa de unhas ao caixão e se foi esbarrancado para a
saída da cripta.
— Os irmãos maiores tinham que estar proibidos! — gritou-lhe Anna.
Mas Lumpi não respondeu. Ouviram ranger a pedra..., logo tudo ficou em silêncio.

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O preceito é o preceito
— Agora estragou todo o ambiente! — queixou-se Anna.
— Por que tiveste que discutir com ele?! — disse o pequeno vampiro.
— Por quê? — exclamou Anna. Porque não posso suportar aos tiranos caseiros!
— Poderíamos seguir celebrando os três — propôs timidamente Anton para reconciliá-
los.
E possivelmente agora, sem o Lumpi, podia ser ainda muito melhor...
Mas Anna sacudiu fortemente a cabeça.
— Não!
Tirou os passadores do cabelo e os colocou colérica sob sua capa.
— O que mais eu gostaria de é ir ao cinema.
— Ao cinema? — disse surpreso Anton. Mas o cinema já começou faz muito, e, além
disso, os meninos não deixam entrar.
Anna, teimosa, adiantou o lábio inferior.
— Então iremos a uma boate.
— Mas ali... — começou Anton.
«Tampouco nos deixam entrar», ia dizer, mas com isso só iria conseguir irritá-la mais.
— Não tenho dinheiro — disse rapidamente.
— Dinheiro? Não há problema!
Foi para o caixão de Tia Dorothee e tirou a tampa. Apareceu uma velha arca
carcomida. Anna a abriu e tirou um par de moedas de ouro. À luz das velas brilhavam e
reluziam tanto, que Anton quase perdeu a respiração.
— Há suficiente com isto? — perguntou ela.
Antes de que Anton pudesse responder, Rüdiger se havia interposto e havia subtraído
de Anna todas as moedas de ouro.
— Isso vai contra os preceitos! — trovejou ele. As moedas de ouro devem ser
unicamente para casos de necessidade.
— E este não é um caso de necessidade? — gritou. Primeiro me arruínam a festa de
aniversário como vampiro e logo, quando quero ir a uma boate para tirar ao menos
algum partido do aniversário, vai você e não me deixa agarrar as malditas moedas de
ouro!
— O preceito é o preceito — repôs Rüdiger, voltou a deixar as moedas de ouro na arca
e a fechou cuidadosamente.
Logo voltou a pôr a tampa no caixão de Tia Dorothee.
Anna agitou os punhos irada.
— Você, você..., camelo!
Rüdiger riu burlonamente.
— Camelo..., que bonito!
— Toco lambido, grosseiro!
As lágrimas saíram precipitadamente de seus olhos.
Imediatamente deu a volta e saiu correndo para a saída.
— Já tenho bastante — exclamou. Vou!
— Anna — disse Anton assustado.
— Rüdiger te levará para casa — soluçou ela; logo desapareceu.

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No caso dos vampiros é diferente

Uma fria rajada de ar percorreu a cripta, fazendo ondular as velas. Anton tiritou.
lembrou-se de que seus pais só iriam dar um passeio. Não teriam retornado fazia já
muito tempo e notado que sua cama estava vazia?
— Me... me leva, verdade? — perguntou temeroso.
— Se esperar... —disse o pequeno vampiro.
Foi até seu caixão, tirou a tampa e se deitou nele.
— Depois desta exaustiva festa necessito antes um descanso.
— Mas eu tenho que ir a casa agora! — protestou Anton.
O vampiro bocejou.
— Não precisa tanta pressa.
Agarrou seu livro e o folheou até encontrar a página correta.
— Ah! A história do Mrs. Lunt é tão emocionante!... — disse entusiasmado. Agora vou
justo pela passagem onde o marido está sentado na poltrona e aparece esse aroma...
riu entre dentes.
— Sabe o que era o que cheirava assim?
Anton, naturalmente, conhecia aquela história das Vampir-Stories, do Hugh Walpole.
O aroma procedia do Mrs. Lunt, que levava um ano morta. Apesar disso negou com a
cabeça.
— Esqueci-o.
— Eu nunca esqueço o que li — afirmou o vampiro.
— Você, em lugar disso, esquece de devolver os livros.
— Ah! Sim? Quais?
— Dentadas Sangrentas. Inclusive o deste de presente a Anna apesar de ser meu!
— Só o emprestei.
— Anna, entretanto, disse-me que você o tinha dado por seu aniversário como
vampiro.
— E o que? Amanhã já passou seu aniversário como vampiro e então o peço de volta.
— Mas se lhe deste de presente o livro...
— É que no caso dos vampiros é diferente.
— Isso é uma puta merda!
Embora com isso Rüdiger lhe deixasse furioso..., ele não podia calar-se ante tais
injustiças!
Mas o vampiro acariciou aborrecido a coberta do livro.
— Poderia agora me deixar continuar lendo? — resmungou.
— Ou... um momento — exclamou Anton com voz excitada.
Agora veria se o vampiro era um amigo de verdade ou não!
— Temos que falar das férias.
A expressão do rosto do vampiro se transformou repentinamente. Desapareceu sua
careta áspera e começou a rir ironicamente. Tranqüilamente perguntou:
— Por quê? Se estiver tudo claro.
— O que quer dizer com isso? — perguntou surpreso Anton.
— Isso quer dizer que me decidi ir.

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Anton ficou sem fala durante uns segundos.
Logo exclamou:
— De verdade que vai? OH, Rüdiger!
Com grande entusiasmo estendeu os braços e correu para o vampiro.
— É um amigo de verdade!
— Não é certo? — sorriu o vampiro satisfeito consigo mesmo. Ao contrário que Lumpi,
que convidou ao Jórg a nossa cripta.
— A que Jórg?
— Jórg o Colérico. Aquele que ganhou na festa dos vampiros o prêmio ao aroma.
— Ah, esse!
Anton se lembrava muito bem do calvo e hercúleo vampiro que se passeou fátuo e
arrogante pelo cenário deixando-se cheirar pelos membros do jurado.
—Não tinha ganho uma manta guateada para o caixão? — perguntou.
—Efetivamente! —disse o pequeno vampiro, fazendo chiar os dentes.
Foi ao caixão do Lumpi e tirou um pano de lã negro.
— Mas agora o deu de presente ao Lumpi. Porque parece que Lumpi tem sempre os
pés muito frios.
— Que agradável? — riu ironicamente Anton. Será emprestado! No caso dos
vampiros...
Mas Rüdiger não prestou atenção a sua observação. Com um gesto furioso tirou
também do caixão do Lumpi uma cadeia de relógio, uma cigarreira, um alfinete de
gravata que tinha uma pérola e um pente de bolso.
— Olhe! Tudo é do Jórg o Colérico! E Lumpi, em sinal de agradecimento, convidou-lhe
à cripta. Uma semana inteira, a partir do sábado de noite... E eu lhe tinha contado que
não posso me encontrar com o Jórg o Colérico!
— E por que não? —perguntou Anton.
— Porque poderia me reconhecer.
Anton sacudiu a cabeça sem entender nada.
— E por que não deve te reconhecer?
— Foi faz seis semanas — começou o vampiro. Eu voava já de volta ao cemitério
quando vi pela rua um homem jovem e aparentemente repleto de sangue. Ainda não
tinha comido muito e meu estômago começou a fazer um ruído terrível. Então aterrissei
um par de passos detrás dele e deslizei a seu lado. Então, de repente, saiu do matagal
que tinha ao lado um forte grunhido. Era Jórg o Colérico, que estava ali espreitando e
agora pensava que eu lhe ia surrupiar a presa. Veio para mim vermelho de ira. Eu pus-
me a correr e Jórg me seguiu. Antes que pudesse me alcançar, entretanto, escorregou
em um coco de cão e caiu. Escapei rapidamente por um buraco que havia na sebe
enquanto ouvia grunhir ao Jórg detrás de mim: «Já te apanharei uma noite destas! Vou-
te fazer cinzas!»
O vampiro se interrompeu e ficou olhando sombrio fixamente para diante.
Anton, pelo contrário, teve que morder lábios para que sua alegria não fosse notada.
Tinha esperado muitas coisas...: a habitual indiferença do vampiro, seus eternos suspiros
e queixas, centenas de desculpas..., mas não que estivesse disposto a ir com ele tão
facilmente. E não só isso: o medo de Jórg o Colérico faria que não voltasse a voltar atrás,
pois agora ele mesmo se via obrigado a esconder-se em algum lugar. Agora só ficava um
problema: como ia chegar o pequeno vampiro com seu caixão a Pequeno-Oldenbüttel?
Mas o vampiro parecia ter pensado também nisso.

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— O melhor é que irmos de trem — opinou. Você me traz alguma roupa sua e então
viajaremos como duas pessoas completamente normais. Eu sempre quis ir de trem, e
não ir só voando a todos os lugares.
— E seu C... caixão?
— O envolveremos em papel de presente.
O vampiro riu entre dentes.
— Acaso sabe você se há algum trem que vai para Pequeno-Oldenbüttel? — perguntou
Anton.
— Não há? — exclamou o vampiro.
— Nessa velha cidade não têm nem trilhos — disse Anton.
O vampiro pôs uma cara de desconcerto.
— Nisso não tinha pensado absolutamente — murmurou.
Mas seus olhos voltaram a iluminar-se em seguida e exclamou:
— Então nos iremos para cidade vizinha. Em todo caso terá que te informar com
exatidão da comunicação de trens que há!
— Eu? — disse Anton. Quer dizer nós! Você também vai a Pequeno-Oldenbüttel, não?
— Sim. Mas a um vampiro ninguém dá informação — respondeu tímido Rüdiger.
— Então iremos os dois voando até a estação! — disse Anton.

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Fantasmas no quarto de Anton

Meia hora depois, Anton e o pequeno vampiro aterrissavam na frondosa copa da


castanheira que havia diante da casa do Anton.
— Sua janela está aberta — sussurrou o vampiro, que via melhor na escuridão.
— Espero que meus pais não tenham chegado ainda — murmurou Anton.
Nesse momento abriram o portal da casa. Anton reconheceu à senhora Puvogel, que
levava da correia ao Susi, seu gordo cão-salsicha. Susi ficou parada, levantou o focinho e
farejou. Logo começou a ladrar.
— Pssst! — fez a senhora Puvogel.
Mas Susi seguiu ladrando e atirou da correia: queria ir para a castanheira!
O pequeno vampiro deslizou intranqüilo de um lado a outro em cima de seu ramo.
— Acredito que é melhor eu ir voando — grunhiu.
Energicamente acrescentou:
— Não esqueça: no sábado no velho muro do cemitério! E traga um par de objetos
teus!
— E você, seu caixão! — respondeu Anton.
O pequeno vampiro estendeu sua capa e saiu voando dali.
A senhora Puvogel jogou um olhar temeroso às janelas das moradias ao redor; logo
arrastou ao Susi para os matagais do parque de correio. Quando ela tinha desaparecido,
Anton foi voando até seu quarto e fechou atrás de si a janela.
Sob a porta viu que havia luz. Teriam retornado já seus pais? Ou se esqueceu de
apagar a luz?
Tirou apressadamente a capa por cima da cabeça e a escondeu no armário debaixo de
suas velhas bermudas de couro, que nunca usava, e a jaqueta que lhe tinha feito sua
avó. Enquanto isso escutou com atenção.
Não era essa a voz de sua mãe, ali, na cozinha? Deixou aberta uma fresta de sua
porta e então pôde entender o que estava dizendo:
— Digo-te que em sua cama não está!
A voz de sua mãe soou preocupada.
— Então estará no banheiro — contrapôs seu pai.
— Não! Ali já olhei.
— Então seguro que está em sua cama.
— Não! No quarto tampouco está.
— Então será que não olhaste bem.
— Como que não olhei bem?! — exclamou indignada a mãe. Olhe você mesmo!
— Está bem!
Anton ouviu seu pai empurrando para trás a cadeira e ficando de pé. Anton se meteu
em sua cama de um salto e subiu a manta até o queixo.
Imediatamente ouviu abrir a porta.
— Vê-o?!
Essa foi a voz sussurante de seu pai.
— Está dormindo!
A mãe avançou um par de passos dentro do quarto e ficou junto à cama. Embora
Anton mantivesse os olhos fortemente fechados sentiu que estava sendo observado a
fundo de cima abaixo. Mas seus sapatos, os jeans e o pulôver estavam bem tampados!

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— Que estranho...! — vacilou ela. Podia jurar que a cama estava vazia.
— Equivoca-se simplesmente...!
— Mas a janela..., antes estava aberta...
— Isso é só sua imaginação.
Anton teve que morder a língua para não rir. Sua mãe era muito mais desconfiada que
seu pai! Felizmente, seu pai conseguia quase sempre aniquilá-la com sua suposta
experiência do mundo e seu conhecimento do ser humano, de modo que ela não tinha
conseguido até agora descobrir seus segredos, quer dizer, os do Anton. Também desta
vez pareceu ter êxito, pois ela se voltou para a porta e a fechou brandamente atrás de si.
Mas no corredor disse de repente:
— Sua roupa não estava ali!
Ao Anton quase lhe parou o coração. Não podia sequer imaginar o que poderia passar
se voltassem outra vez e lhe descobriam na cama completamente vestido...
Mas seu pai somente riu.
— Você está sobrecarregada de trabalho, Helga. Vê fantasmas.
— Se você o diz... — disse ela ofendida.
Os passos se afastaram. Logo acenderam a televisão.
Anton se levantou aliviado, acendeu o abajur de sua escrivaninha e se despiu. Colocou
os sapatos juntos diante da cama e pendurou na cadeira o pulôver e as calças.
Normalmente não era tão ordenado. Mas pensou que possivelmente sua mãe voltasse a
olhar e riu ironicamente.
Colocou o pijama, apagou a luz e voltou a deitar comodamente sobre o travesseiro.
Agora podia pensar outra vez, com calma, no que o empregado da ferrovia havia dito.

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No pátio da estação

Enquanto o pequeno vampiro ficava fora, escondido sob um abeto, Anton atravessou o
pátio da estação, que, felizmente, estava vazio, dirigindo-se ao guichê dos bilhetes.
— O que quer, pequeno? — disse o homem que estava detrás do guichê.
— Queria uma informação — declarou Anton em voz alta, tragando seu aborrecimento
pelo «pequeno».
— E o que gostaria de saber?
— A que hora sai no próximo sábado um trem para Pequeno-Oldenbüttel?
— Isso tenho que verificar. Pela manhã ou pela tarde?
— De noite. Por volta das nove.
O homem abriu um livro e o folheou.
— Como se chama o lugar?
— Pequeno-Oldenbüttel.
Finalmente sacudiu a cabeça.
— Para ali não vai nenhum trem.
— Não?
Anton ficou completamente pálido.
— Mas eu tenho que ir para lá!
— Possivelmente possa te deixar na cidade mais próxima. Sabe como se chama?
— Grande-Oldenbüttel.
O homem voltou a procurar em seu livro. Finalmente o fechou sorrindo satisfeito e
disse:
— Aqui está! Grande-Oldenbüttel: saída 20.42, chegada 21.35. Diga-me, isto não é
um pouco tarde para você?
— Tarde? Nnn, não. Meu irmão vem comigo.
— Ah, bom. É maior que você, não?
— Muito maior — riu Anton entre dentes.
— Então nada pode sair mal — opinou o homem.
Anton agadeceu e foi para a saída, repetindo em voz baixa as horas de saída e
chegada. Pouco antes de chegar, entretanto, ficou parado. O que teria querido dizer o
homem com «então nada pode sair mal»? Teria acontecido algo por alto o pequeno
vampiro e ele ao fazer seus preparativos de viagem?... Algum perigo que pudesse lhes
ameaçar no trem noturno?
Pensou que o melhor era perguntar ao homem mesmo, e assim voltou caminhando
lentamente ao guichê dos bilhetes.
— Aposto algo que esqueceu as horas de saída e chegada — disse amavelmente o
homem. Olhe, apontei-lhe isso aqui.
— Obrigado — murmurou Anton, guardando surpreso a folha. Queria lhe perguntar
algo mais.
— Sim?
— O que quis dizer você antes com «então nada pode sair mal»?
— Só tinha imaginado o que é que aconteceria se dois homenzinhos como você
viajassem sozinhos de noite no trem.
— Po... pois o que? — balbuciou Anton.
— O revisor é certo que suspeitaria.

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— Por quê?
— Os dois poderiam ter fugido de casa.
Anton se calou confundido. Nisso não tinham pensado absolutamente Rüdiger e ele!
— Mas isso a ti não tem por que preocupar-se! — disse o homem.
— por quê?
— Seu irmão é maior que você, não?
— Grande não é... — respondeu sombrio Anton. Só maior.
— Tem mais de dezoito anos?
— Humm.
— Vê-o?! Então realmente nada pode sair mal. Seu irmão só tem que levar sua
carteira!
— Ca... carteira? — gaguejou Anton.
— Para poder identificar-se!
— Ah, sim..., claro!
Anton chegou bastante confundido fora, ao abeto.
— Está tudo em ordem? —perguntou o pequeno vampiro.
— Se tiver um carteira...
— O que é um carteira?
— Um documento aonde põe que você é Rüdiger von Schlotterstein, nascido...
— Tenho-o! — interrompeu-lhe o vampiro.
— De verdade?
— Naturalmente!
Ao Anton lhe tirou um peso de cima.
— Então na sábado te traga sem falta sua carteira! Ouve-me?
— Claro — disse o vampiro. De todas as maneiras está no caixão...
Anton voltou a suspirar profundamente, logo lhe fecharam os olhos e dormiu.
Não soube que sua mãe havia entrado em seu quarto e, perplexa, olhava fixamente
suas roupas.

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Fazendo a mala

— Você já está completamente nervoso! — disse a mãe do Anton na sábado seguinte


durante o café da manhã.
— Ah! Sim? — grunhiu Anton.
Encontrava-se realmente estranho..., mas não pelas malas que tinham que fazer em
seguida, nem tampouco pela viagem que faria com seus pais no dia seguinte cedo para a
granja. O que tanto lhe preocupava era a viagem de trem que fariam o pequeno vampiro
e ele ao anoitecer.
Nem sequer os pãezinhos que havia trazido seu pai da padaria hhe caiam bem.
— Tem que comer algo, Anton!
— Sim!
Desinteressado, bezuntou um pãozinho com manteiga. Mordeu uma parte pequena e o
mastigou por um bom momento.
— Não esta doente por acaso? — disse a mãe.
— Não! —exclamou sobressaltado.
Seus pais queriam aproveitar a ocasião e ir aquela noite outra vez ao cinema antes de
partir a Pequeno-Oldenbüttel no dia seguinte. Entretanto, se acreditavam que ele estava
doente, possivelmente ficariam em casa... E isso não podia ocorrer de maneira nenhuma!
— Só estou um pouco cansado — disse metendo precipitadamente o meio pãozinho na
boca. Comerei outros dois! Posso?
— Naturalmente!
Depois do café da manhã ficou deitado em sua cama com dor de estômago.
— Anton! Está fazendo a mala? — exclamou seu pai.
— Sim — respondeu em voz baixa.
— Não esqueça suas coisas de banho!
— Não.
Anton se levantou devagar. Veio-lhe à memória o lobo do conto, cuja barriga tinham
enchido de pedras os sete cabritinhos e que ia à fonte e exclamava: «O que é o que salta
e estala continuada em minha barriga?»
Colocou a mala em cima da cama e começou a guardar seus livros favoritos:
Vampiros. As doze Histórias MaisTerríveis, Na Mansão do Conde Drácula, Histórias de
Vampiros para Iniciados. Em cima deles pôs roupa de baixo e meias três-quartos, duas
camisetas de manga larga, dois pulôveres, um pijama e seu traje de banho.
— Já terminei! — exclamou em voz alta.
— Já? — respondeu sua mãe do banheiro. É suspeito que tenha demorado tão pouco!
Seguro que esqueceste a metade das coisas!
— Absolutamente não! — respondeu obstinado, fechando as fechaduras de ambos os
lados da mala.
Ouviu sua mãe vindo pelo corredor. Entrar no quarto, conforme pareceu ao Anton,
com um sorriso bastante sabichão.
Assinalou a mala fechada.
— Não pode ter guardado muitas coisas — opinou ela.
— O suficiente — assegurou Anton.
— Também seu pijama?
— Claro.
— E roupa de baixo?

1
— Sim.
— E calças largas? —perguntou.
Sem esperar a resposta do Anton foi para o roupeiro e olhou dentro.
— Brrr, isto cheira a mofo! — queixou-se. Tem que arejar seu armário, Anton!
Anton reprimiu uma risada entre dentes. Sabia de onde vinha esse aroma: da capa do
Rüdiger, que estava debaixo de suas calças tirolesas!
Entretanto, sua mãe tinha descoberto agora os jeans novos do Anton, que estavam
ainda pendurados no cabide.
— Por que não os colocaste? — perguntou.
— Me... me esqueci — gaguejou Anton.
— Vê-o?! Disse que tinha esquecido algo! Menos mal que eu olhei!
— Sim — grunhiu Anton.
Mal podia lhe contar que não tinha metido as calças na mala de propósito, porque
queria levá-la aquela noite ao pequeno vampiro.
— Então vamos guardá-los rapidamente — declarou a mãe, abriu a mala e colocando
dentro as calças.
— Guardaste as meias três-quartos? — perguntou jogando cuidadosamente a um lado
os objetos de vestir do Anton.
— Sim! — exclamou Anton, que tinha a sensação de que ia explodir de raiva de um
momento para outro. Coloca o nariz em toda parte! Agora para o Rüdiger o que vou l...?
Sobressaltado tampou a boca com a mão. Quase tinha falado!
Sua mãe o olhou de soslaio.
— Acaso queria emprestar suas calças novas a algum amigo do colégio?
— Não..., que... quero dizer sss, sim — gaguejou. E... ele ia me dar a sua em troca.
Isso não era certo, mas se sua mãe lhe punha, por assim dizer, a desculpa na boca...
— Ele ia desgastar, acrescentou isso resolvido, porque eu não gosto das calças tão
novas.
— Como se não pudesse gastá-los você mesmo! — protestou a mãe sacudindo com
desaprovação a cabeça. Acredito que o melhor será que eu leve sua mala. Se não, ainda
vais colocar esses livros de terror. E vamos para descansar!
Fechou decidida os fechos da mala e guardou a chave no bolso da calça.
— Mas, mamãe... — protestou Anton.
— Já é muito tarde — disse sorrindo, e se foi para a porta com a mala.
Anton pensou se devia dizer que tinha esquecido colocar seu grosso pulôver
norueguês para que ela tivesse que abrir outra vez. Mas então pensou que ela, de todas
as formas, ficaria de pé diante dele e tampouco conseguiria as calças para o Rüdiger.
Merda! Felizmente não tinha metido na mala Drácula, o livro que estava lendo então.
Agarrou-o da prateleira e se tombou na cama.
Os acontecimentos sobre o navio da Varna que ia levar à Inglaterra as caixas do
Conde Drácula lhe fascinaram em seguida, tanto, que esqueceu de tudo o que lhe
rodeava...: os jeans, a mala fechada e, também, o problema sem resolver de que calças
ia levar aquela noite para o pequeno vampiro.

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Ambiente de marcha

Às sete e meia o pai do Anton estava terminando de arrumar-se no corredor. Tinha


posto seu traje de cheviot verde escuro, uma camisa verde e uma gravata amarela.
— Helga, quanto tempo vais demorar ainda? — exclamou impaciente.
— Cinco minutos — respondeu a mãe do banho.
— Que elegante está! — opinou Anton, que estava apoiado na porta do quarto. Só
para ir ao cinema?
— Depois também vamos dançar — esclareceu o pai.
O coração de Anton pulsou com alegria: então seguro que não retornariam para casa
antes de meia-noite! Mas, naturalmente, não podia deixar que seu pai se desse conta
que aquilo fazia para seus planos!
— Tanto tempo ficarão fora? — disse com fingida decepção. Sempre me deixam
sozinho!
— Já encontrará algo para te entreter!
— E como?
— Com a televisão, suponho.
— Então, deixa-me?
— Bom, até as dez..., ao fim e ao cabo está de férias.
— OH, que bem! — fez como se estivesse alegre.
Se soubesse que ele não ia sentar naquela noite diante da televisão, a não ser no
compartimento de um trem...!
A mãe do Anton saiu do banheiro. Tinha colocado uma blusa branca e umas calças
negras de seda. Feito cachos no cabelo.
Enquanto colocava seu casaco disse a Anton:
— E não fique lendo até muito tempo, vale?
— Papai disse que posso ver a televisão.
— Ah! Sim? O que é o que vai ver?
— O que..., o que vou ver? — gaguejou Anton.
Ele nem sequer tinha sido cuidadoso, e como normalmente sempre sabia com
exatidão, ela provavelmente poderia suspeitar.
— Um programa de variedades — disse rapidamente. Com concurso de perguntas e
respostas.
— Não há nenhum filme de medo? — perguntou ela, que ainda desconfiava.
— Não! — assegurou ele, e teve que rir ironicamente.
Hoje não precisava de nenhum filme para ter medo!
— Mas às nove e meia vai à cama. Amanhã saímos de férias e tem que estar
descansado.
— Papai disse às dez.
— Está bem.
Eram quinze para as oito quando seus pais partiram. Já estava escurecendo. Tinha
combinado com o pequeno vampiro as oito no cemitério. Se fosse rápido podia estar lá
em dez minutos. Portanto, ainda tinha cinco minutos.
Cinco minutos para procurar uma calça para o pequeno vampiro, colocar a capa que
estava em seu armário em uma bolsa e guardar os bilhetes...

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A nova roupa do Rüdiger

Pouco depois das oito desembocava Anton no escuro caminho que conduzia ao
cemitério. Espessos matagais cresciam de ambos os lados e pareciam estirar seus ramos
para ele. Ouviam-se estalos e rangidos.
De repente Anton deu um grito: algo brando passou ao redor de suas pernas e
desapareceu nos matagais com um som queixoso. Começou a correr.
Ao lado do caminho, semi-oculto pelos matagais havia um banco. Cheio de terror viu
que estava ocupado. Alguém estava ali sentado na escuridão... O coração de Anton
quase saía pela boca: seria Tia Dorothee?
Ao aproximar-se comprovou que eram duas pessoas sentadas no banco..., uma
paradinha que se abraçava e não emprestava a ele nenhuma atenção.
Passou apressadamente. Não respirou até que não apareceu ante ele o muro velho do
cemitério. Ali, ao amparo dos arbustos, tinha que estar o pequeno vampiro lhe
esperando!
— Rüdiger? — exclamou.
Houve um rangido de ramos nos matagais. Logo apareceu no caminho uma pequena
figura oculta por uma capa.
— Você? — disse surpreso Anton.
— Olá, Anton — disse Anna sorrindo.
— Eu... — murmurou procurando as palavras.
Não deveria perguntar em seguida pelo Rüdiger se não queria incomodar a Anna. Já
sabia quão sensível ela era.
— Eu..., né..., me alegro de te encontrar — disse esperando que soasse convincente.
— Seriamente?
Olhou-o radiante.
— Mais e se tivesse encontrado com o Rüdiger?
— Bom — disse esquivo. Em realidade fiquei de me encontrar com ele...
— Sei — sorriu ela. Já está te esperando. Só me mandou na frente, porque não queria
deixar seu caixão sem vigilância. Vêem!
Agarrou-lhe o braço e o levou entre os matagais para o muro do cemitério. Ali, à
sombra do muro, Rüdiger estava sentado em cima de seu caixão.
— Chegou tarde — disse com voz rouca.
— Não sabia que calças ia trazer — tentou explicar Anton. Os jeans que queria trazer
minha mãe os tinha metido na mala.
— E o que vou pôr agora? — grunhiu o pequeno vampiro.
Anton tirou envergonhado de sua bolsa de cânhamo as únicas calças que ao final tinha
podido trazer: as de tirolês, já que sua calça marrom de cheviot sua avó tinha levado
para remendar um joelho, e a calça negra de linho estava na tinturaria.
— Estes — disse, mantendo-os no alto agarrados pelo peitilho adornado com
bordados.
Anna, que estava a seu lado, riu entre dentes baixinho. Para ela, claramente, as calças
pareciam tão ridículos como para Anton.
— Não tinha outra — disse desculpou-se.
Mas o pequeno vampiro pareceu gostar das calças. Com seus fracos dedos passou a
mão sobre o áspero couro e os bordados.
— São bonitos — opinou.

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Anna riu mais alto.
— Seguro que está com inveja — disse ele cáustico. Mas estas são minhas calças!
Trouxe-a Anton para mim!
A pôs rapidamente.
Anton teve que colocar a mão na boca para não soltar uma gargalhada. Com sua cara
pálida como o giz, o cabelo caindo até os ombros, as calças de couro muito largas na
qual ele tinha envolvido sua capa, com o peitilho bordado e os suspensórios, que ficavam
largos em sua figura miúda, e com as magras pernas nas meias-calças furadas, o
pequeno vampiro parecia um espantalho.
«Talvez tivesse um aspecto menos terrível se colocar a jaqueta também», pensou
Anton. Ele tinha levado caso fosse preciso e igualmente o chapéu tirolês, que, segundo a
opinião de sua avó, pegava muito bem.
Procurou na bolsa e tirou a jaqueta.
— Também vai incluída, disse, se você quiser...
— OH, sim! — exclamou o vampiro.
A pôs rapidamente. Seu rosto se voltou radiante.
— Preciosa! — disse entusiasmado, dando voltas aos botões prateados que brilhavam
à luz da lua.
Anton dissimulou uma risada.
Anna riu entre dentes furtivamente.
— Parece um príncipe de carnaval!
— E o que? Você só tem inveja!
— Ainda tem algo — disse Anton, tirando o chapéu cogumelo com a pluma verde.
O vampiro ficou entusiasmado em seguida. Sorrindo feliz apertou o chapéu sobre seu
cabelo desgrenhado.
— Sempre quis ter um assim com pluma!
Deu uns passos orgulhosos ao redor do caixão enquanto Anton e Anna se olhavam
contraindo suas caras para não tornar a rir alto.
Anton parecia que comparado com seu aspecto «normal» do vampiro, Rüdiger, de
qualquer forma, produzia um efeito mais divertido. E isso possivelmente era muito
vantajoso quando viajassem no trem.

No trem... estremeceu ao lembrar que seu trem saía às 20:42! E seguro que com o
pesado caixão necessitariam dez minutos para chegar à estação.
— Nosso trem sai em seguida. Vamos, Rüdiger, ande pressa!
— Com tranqüilidade! — repôs o vampiro. Além disso, meu chapéu não está bem
posto.
— Mas vamos chegar tarde!
— Tolices! — grunhiu o vampiro enquanto arrumava constantemente o chapéu.
— Típico do Rüdiger! — vaiou Anna. Então levarei eu sozinha o caixão!
Dito isto levantou o caixão pelo centro. Suas pequenas e magras pernas pareciam
quase romper com o peso, mas levantou seus estreitos ombros e partiu. Anton correu ao
lado dela.
— Não quer que agarre?
— Não — sorriu. Já posso.
— Esperem! — exclamou o vampiro. Não posso ir tão depressa com o chapéu!

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Papel de presente (agradável)

Pelo caminho exclamou de repente o pequeno vampiro:


— Alto! Ainda temos que envolver o caixão em papel de presente!
— Então, você tem papel de presente?
— Não. Mas Anton sim tem.
Anton se sobressaltou.
— Como que eu?
— Porque assim o tínhamos combinado — grunhiu o vampiro—. Você tinha que trazer
algo de vestir... e o papel de presente.
Anton sacudiu fortemente a cabeça.
— Isso não é certo! Nós só tínhamos falado das coisas de vestir.
— Não disse eu por acaso que íamos envolver o caixão em papel de presente?
— Sim. Mas não que eu tinha que conseguir o papel.
— Ora! — disse colérico o vampiro. E o que vamos fazer agora?
—Possivelmente possam comprar o papel de presente na estação — opinou Anna.
— Não, disse Anton, ali não tem.
— Se não empacotar o caixão eu fico aqui! — ameaçou o pequeno vampiro.
— Com o Jórg o Colérico? — repôs Anton rindo ironicamente.
Desta vez não se deixaria amedrontar, pois sabia muito bem que o pequeno vampiro
tinha ir com ele!
— Não, não — trocou rapidamente de atitude o vampiro. Naturalmente que vou... Mas
meu caixão! — acrescentou com voz chorosa. Se alguém o encontrar, estou perdido!
Anna, enquanto isso, tinha estado dando voltas ao redor do caixão e o tinha
examinado por toda parte.
— Eu acredito que não parece absolutamente um caixão — opinou ela. Mas bem
parece uma caixa.
— Os marinheiros levam caixas assim — disse Anton.
— Mas eu não sou nenhum marinheiro — disse choramingando o vampiro.
— Realmente não tem pinta de marinheiro — riu Anna entre dentes, olhando seu traje
típico e o chapéu tirolês.
— Apesar disso pode ter uma caixa assim — disse Anton. E agora deveríamos seguir
de uma vez para não perder o trem!
Levou o caixão junto à Anna até o pátio da estação, que estava claramente iluminado.
— Se tudo fosse bem! — lamentou-se o pequeno vampiro, que lhes seguia com as
pernas tremendo.
Por puro medo, nem sequer se tinha dado conta de que levava o chapéu
completamente torcido na cabeça.
— Não poderia perguntar pelo menos? — disse para Anton suplicante depois de que
eles tivessem deixado o caixão no chão atrás de um arbusto.
— O que vou perguntar?
— Se não teriam papel de presente. Nas estações sempre há qui..., qui..., quiosques.
Anton olhou o grande relógio da estação. Faltavam dois minutos para as oito e meia.
— Está bem. Mas não tenha muitas ilusões.

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De mau humor por haver-se deixado convencer foi para o pátio da estação. Por que ia
haver precisamente hoje um quiosque aberto? No domingo passado estavam todas as
lojas fechadas.
No pátio da estação a primeira coisa que viu foi duas mulheres que estavam no guichê
dos bilhetes. Levavam uns loden verdes, chapéus típicos e sapatos de excursionista.
Teve que rir ironicamente: ficariam tão bem com o traje do Rüdiger! Se fossem no
mesmo compartimento poderia tomar aos três por um grupo típico!
Logo viu que a loja de em frente estava iluminada. Havia um homem sentado atrás do
cristal aberto.
— Tem papel de presente? — perguntou Anton.
— Tinha algo, disse o homem, mas não sei se tenho ainda...
Abriu uma gaveta, olhou dentro e sacudiu a cabeça.
— Devo ter vendido.
— Mas ali, na prateleira... — exclamou Anton, que tinha descoberto um cilindro de
papel colorido.
O homem se deu a volta.
— Isso é papel para armários — disse.
— Não me poderia vender isso.
— Com isso ia forrar minhas prateleiras.
— Por favor!
O homem titubeou. Agarrou o cilindro e o observou.
— Por mim... — disse logo. O modelo, ao fim e ao cabo, parecia-me muito berrante.
— Bem! — alegrou-se Anton. E quanto custa?
Menos mal que tinha levado dinheiro!
— Nada — disse o homem. Dou-lhe de presente isso... E a corda também.
Tirou da gaveta um papelão com corda verde.
— Obrigado — disse surpreso Anton. Se voltar a necessitar papel de presente seguro
que voltarei aqui!
— Melhor não — disse o homem. O próximo papel para armários colocarei nas
prateleiras!

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Caixão enfaixado

—Tem o papel de presente? — resplandeceu o pequeno vampiro quando viu Anton


retornar com o cilindro de papel e a corda.
— Humm — grunhiu somente Anton.
Agora não tinha nenhuma vontade de explicar a diferença entre papel de presente e
papel para armários. Em lugar disso lhe pôs o cilindro na mão e disse:
— Toma!
— O que? Eu? — exclamou o vampiro.
— Você não queria embalar seu caixão?
— Mas... — olhou a Anna procurando ajuda — ... eu sou muito torpe. Seguro que
rasgo o papel.
— Então terá que te esforçar — disse Anton rindo ironicamente saboreando a sensação
de superioridade que tinha de repente.
— Ajudá-lo-emos — disse Anna.
Levantou um extremo do caixão.
— Tem que enrolar o papel sempre dando voltas, esclareceu, como se quisesse pôr
uma atadura.
— Sim, sim — resmungou o vampiro.
Começou a desenrolar o papel com um gesto ofendido. Ao fazê-lo, o chapéu escorreu
até a cara. Tinha uma pinta tão graciosa que Anna e Anton tiveram que rir. Colérico, o
vampiro lançou o chapéu no chão.
— Podem rir! — exclamou. Mas me ajudar a empacotá-lo não!
— Como que não? — disse indignada Anna. Acaso não te mantenho levantado o
caixão?
— Mas Anton só está aí rindo burlonamente!
— Sem mim não teria tido papel para envolver — repôs impassível Anton.
Quantas vezes o vampiro ficou olhando sem fazer enquanto Anton tinha muito
trabalho para fazer?! Aquela vez, por exemplo, quando se instalou no porão da casa do
Anton e o pai disse que ia tirar dali as pranchas que ocultavam seu caixão! Com seu
cansaço e sua indiferença, o vampiro tinha-o levado próximo ao desespero! Agora Anton
estava à altura da situação..., mas apesar deste triunfo não queria aproveitar-se.
— Já te ajudo — disse conciliador. Fique ali!
O vampiro foi obedientemente para o outro lado do caixão e esperou até que Anton
lhe desenrolou o papel. Enquanto Anna mantinha o caixão no alto, o pequeno vampiro
recolhia o cilindro e desenredava o papel o suficiente para que Anton alcançasse e
pudesse passá-lo por debaixo do caixão. Anton desenrrolava outra tira e voltava a dar o
cilindro ao Rüdiger por cima do caixão. Assim empacotaram o caixão em pouco tempo.
Anna atou a corda ao redor do centro do caixão e fez um grande laço.
— Não tem uma pinta estupenda?
— Como um pacote de aniversário — opinou Anton.
O pequeno vampiro suspirou profundamente.
— Ninguém poderia imaginar que aqui há um caixão!
Com um sorriso satisfeito inclinou o chapéu e pô-lo de volta.
— Vamos? — perguntou.
— Eu não — disse Anna.
Anton se voltou para ela surpreso.

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— Não vem conosco até a plataforma?
Ela sacudiu a cabeça em silêncio. Seus olhos eram muito grandes e brilhavam úmidos.
— Boa viagem, Anton — disse em voz baixa. Até logo!
Dito isto, estendeu sua capa, e antes que Anton se recuperasse da surpresa ela já
tinha partido voando.
— Não me deseja nada — grunhiu o vampiro. E pelo visto tampouco vai voltar.
Anton teve que rir. Rüdiger von Schlotterstein estava... ciumento!
— Tudo fica para mim! — seguiu protestando o vampiro. Pelo menos podia ter levado
o caixão até o trem!
— Isso seguro que não o tem feito somente por ti — respondeu Anton.
— Como que por mim?
— Para que não caíssem sobre ela todos os olhares. Em definitiva, ela não leva um
disfarce como você.
— Ah, sim — lembrou o vampiro. Quase me tinha esquecido.
Cheio de orgulho olhou para baixo.
— Agora já não sou nenhum vampiro. Agora sou...
Fez uma pausa e logo disse com presunção:
— O fino Rüdiger von Schlotterstein o Formoso!
Anton reprimiu com dificuldade a risada.
— Temos que nos apressar —disse. O trem sai dentro de dois minutos.
O vampiro se assustou.
— Por todos os diabos! — exclamou correndo por volta de um dos extremos do caixão.
Vamos, Anton!
Anton ficou parado sem alterar-se.
— Diz-se «por favor»! — doutrinou ao pequeno vampiro.
— Bom: por favor! — disse o vampiro chiando os dentes. Vem agora?
— Está bem — disse condescendente Anton, e levantou o outro extremo do caixão.

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Já estão aqui todos os pássaros

Quando atravessaram o pátio da estação, o homem do quiosque estava ocupado em


ordenar as garrafas em cima da prateleira e lhes dava as costas.
A mulher do guichê dos bilhetes estava sentada inclinada sobre um livro no que
escrevia algo, e lhes olhou só brevemente sem nenhum sinal de estranheza ou de susto.
O estranho aspecto exterior do pequeno vampiro não pareceu chocá-la absolutamente.
Além disto, não se via ninguém.
Anton suspirou aliviado. A marcha pelo pátio da estação tinha imaginado como se
tivessem que acontecer as baquetas sendo observados com desconfiança por todos os
lados.
Também a plataforma que ia sair seu trem demonstrava que, claramente, preocupou-
se sem razão. Além das duas mulheres dos loden, que iam lentamente daqui para lá e
não lhes emprestavam atenção absolutamente, eles eram os únicos estavam esperando
o trem.
— Essas têm chapéus preciosos! — disse o pequeno vampiro assinalando às mulheres.
— Não deve ficar assim olhando! — contexto Anton. Se não, suspeitarão.
— É que seus chapéus são muito mais bonitos que o meu — disse zangado o vampiro.
Não levam uma pluma, a não ser franjas.
— Levam... o que?
— Franjas. Parece um pincel.
Agora Anton também olhou com curiosidade. Os chapéus foram adornados com uma
grossa e curta mecha de cabelo.
— Isso é cabelo de camurça — esclareceu. Uma espécie de cabra.
— Iiiih! Cabra! — exclamou. Os vampiros não gostam das cabras.
Acariciou delicadamente a pluma de seu chapéu.
— Mas de pássaros, sim, nós gostamos! Estão aparentados conosco.
Seu grito, ao que parecia, tinha assustado às duas mulheres. Ficaram paradas e
olhavam para eles com caras preocupadas.
Anton se colocou rapidamente diante do pequeno vampiro e começou a assobiar uma
canção: «Já estão aqui todos os pássaros...»
Pela extremidade do olho viu como as mulheres trocavam um olhar. Logo sacudiram a
cabeça sem compreender e reiniciaram seus passeios.
Nesse momento chegou o trem. Trovejava e retumbava, chiaram os freios. O vampiro,
fascinado, olhava fixamente os largos vagões.
— Um trem, um autêntico trem! — murmurou excitado.
— Se segue olhando muito tempo vai partir sem você — observou mordaz Anton.
Tinha visto que as duas mulheres já se subiram no primeiro vagão. O sempre pálido
rosto do vampiro ficou mais pálido ainda.
— Isso que não! — exclamou, agarrando o caixão pelo centro e o subindo no trem.
Anton só teve que correr atrás e manter aberta a porta do vagão.

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Busca de compartimento
— Conseguimos! — ofegou o vampiro depois de subir ao antepenúltimo vagão e ter
deixado o caixão junto à porta de entrada.
— Ainda não! — repôs Anton.
— Por quê?
— Aqui, no corredor, nós não podemos ficar.
O vampiro pôs cara de perplexidade.
— por que não?
— Porque por aqui passa muita gente. Temos que nos sentar em um compartimento.
Vou ver se há algum livre.
— E eu? — exclamou o vampiro com voz queixosa.
— Você espere aqui — determinou Anton.
— E se vier alguém?
— Então desaparece nos lavabos.
Anton assinalou a porta com o pôster do W.C.
— Fecha simplesmente por dentro. Chamarei três vezes quando voltar.
— E meu caixão?
— Caixão? Eu não vejo nenhum caixão! — riu ironicamente Anton. Ou está pensando
neste comprido pacote-surpresa envolto em um formoso papel de presente?
Mas o pequeno vampiro não estava para brincadeiras. Muito digno declarou:
— Eu não deixo sem vigilância meu caixão. Nem sequer em um...
Certamente ia dizer «trem», mas então o trem arrancou dando um puxão. O vampiro
cambaleou um par de passos e depois se sentou de costas em seu caixão
involuntariamente.
Surpreso e sem falar olhou para Anton, que custava a permanecer sério. «Mas
realmente, como ia saber o pequeno vampiro que tinha que agarrar-se na arrancada?»,
pensou Anton. Ao fim e ao cabo não tinha viajado nunca em ferrovia.
— O melhor é que fique aqui sentado até que eu volte, disse. Certamente não
demorarei muito.
— Humm — assentiu o vampiro.
Pareceu gostar de não ter que ficar de pé. Claramente estava confuso com o estalo
contínuo e barulhento do comboio em marcha.
— Mas ande depressa — rogou.
Anton abriu a porta que dava para os compartimentos. Eu queria ser como os heróis
de filmes de televisão: muito frio e descontraído. Ele abaixou o ângulo da boca e tentou
olhar frio e impassível ao longo do corredor, com passos lentos e andando como cowboy.
Logo ele teria nove e não poderia dar a impressão de ser fraco e pequeno no colégio!
Entretanto, Anton não podia entrada no cinema para ver qualquer filme. No primeiro
compartimento havia uma senhora ao lado da janela, que tinha a cabeça jogada para
trás e ao que parecia dormia. No segundo compartimento havia um homem lendo o
periódico, e Anton só pôde ver as suas pernas.
O resto dos compartimentos estavam vazios!
Anton se decidiu pelo quarto compartimento. «Em caso de subir alguém durante o
trajeto, seguro que ficassem em um dos compartimentos livres», pensou.
— Encontrou algum? — perguntou excitado o vampiro quando Anton retornou.
Anton sorriu com ares de superioridade.
— Vêem — disse.

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A salvo

O vampiro ficou de pé, jogando um olhar medroso ao chão que oscilava.


— Está longe?
Anton teve que rir ironicamente.
— Só quatro compartimentos mais adiante — disse.
O vampiro levantou suspirando um dos extremos do caixão. Anton agarrou o outro
extremo. Assim levaram o caixão, que para Anton pareceu mais pesado e volumoso que
nunca, através do estreito corredor até o interior de seu compartimento. Ali, Anton
fechou rapidamente a porta.
Agora estavam a salvo..., pelo menos no momento! Isso pareceu pensar também o
vampiro. Respirar profundamente afundou no assento suave e esticado.
— E seu caixão? — exclamou Anton.
— por quê?
— Não pode ficar de maneira nenhuma entre os assentos!
— Aonde vai então?
— Temos que colocá-lo no bagageiro.
O vampiro olhou perplexo por todo o compartimento.
— Bagageiro? Isso é aonde?
— A bandeja daí acima — disse Anton impaciente. Isso se chama bagageiro.
— Ah, bom. Se você o diz...
O vampiro tirou o chapéu, acariciou meigamente a pluma e o pôs no assento que tinha
ao lado. Logo cruzou suas magras pernas com toda a tranqüilidade do mundo.
— Pode muito bem colocá-lo acima — disse. Eu estou de acordo.
— Euuuu? — exclamou. Você acha que eu sozinho posso subir este trambolho de
caixão ali acima?
O vampiro lhe jogou um olhar condescendente antes de levantar-se cheio de
dignidade.
— Sim, isso pensava — disse enquanto agarrava o caixão e o colocava, ao parecer
sem esforço, no bagageiro. O vê? É facílimo.
— Mas você sempre te faz o fraco! — indignou-se Anton.
— Depende precisamente de se tiver tomado algo antes — disse o vampiro de acima.
Anton se estremeceu.
— Então, hoje já há Co... comeu...
— Efetivamente — respondeu o vampiro, lambendo-se ao lembrar-se disso. Ou tivesse
preferido que o fizesse aqui, no trem?
— Não, não! — exclamou Anton assustado.
Notou como ficava muito estranho. De repente teve a sensação de que havia algo
espreitando nos avermelhados olhos do vampiro, cujo olhar estava dirigido fixamente
para seu pescoço...
Mas não era o vampiro amigo dele?
Anton tragou saliva.
— Eu... né, trouxe uma coisa — gaguejou tirando uma caixa de cartão plaina do bolso
interior de sua jaqueta. «Captura o chapéu!»
— Captura o que? — perguntou o vampiro com voz rouca.
— Captura o chapéu — respondeu tímido Anton.

1
Mas o vampiro, para alívio do Anton, disse:
— O chapéu é bom! — e acariciou seu chapéu tirolês.
Quando Anton guardou o jogo em casa havia sentido-se um pouco estúpido: querer
jogar no trem à «Captura o chapéu» com um vampiro! Mas agora se alegrava de que
tivessem algo para passar o momento..., para que não ocorresse ao vampiro nenhum
disparate! Rüdiger assinalou o cartão.
— Pode ganhar aqui? — grunhiu.
— Naturalmente — apressou a assegurar Anton.
— Bem! Então, por mim, podemos começar.

1
Chapéu-vampiro

Anton se sentou frente ao vampiro no outro assento junto à janela. Tirou o tabuleiro
de jogo da caixa de cartão, colocou-o em cima da mesa dobradiça que havia entre eles e
assinalou os chapéus.
— Que cor quer?
O vampiro soltou uma gargalhada como um grasnido.
— O vermelho. Qual seria?
Pelas costas de Anton percorreu um calafrio. Mas não disse nada, mas sim pôs ao
vampiro na casinha vermelha do jogo os quatro chapéus vermelhos.
Ele ficou os chapéus amarelos na casinha amarela.
— E como se joga? — grunhiu o vampiro.
Anton disse:
— Verá.
Agarrou um chapéu vermelho e outro amarelo e os colocou no tabuleiro de jogo
deixando três casinhas entre elas.
— Poderá me capturar se agora tirar um quatro, esclareceu, assim.
Colocou o dado com o quatro para cima, agarrou o chapéu vermelho, avançou com ele
quatro casinhas e o pôs em cima do chapéu amarelo.
— Agora o amarelo está capturado!
O vampiro sorriu contente.
— E o que se faz com os capturados?
— Tem que tentar levá-los até sua casa — respondeu Anton assinalando a casinha
vermelha do vampiro.
— E o que passa com eles?
Os olhos do vampiro reluziam cheios de espera.
— Nada — disse Anton, desconcertado pela pergunta. Ao final se conta e vê quem tem
mais chapéus. E esse é o ganhador.
— Só contar? — disse decepcionado o vampiro. Os jogos de vocês, seres humanos,
não são precisamente muito interessantes!
— por quê? — perguntou Anton surpreso.
— Terei que inventar novas regras de jogo.
O vampiro assinalou o chapéu dourado que estava ainda na caixa de cartão.
— Para que serve esse?
— Nem idéia — respondeu Anton.
O vampiro agarrou o chapéu e lhe deu devagar voltas entre seus magros dedos.
— Tenho uma idéia — disse.
— Qual? —perguntou Anton.
— Este chapéu dourado — declarou o vampiro — será um chapéu-vampiro!
— Chapéu-vampiro?
Anton pôs cara de não entender nada.
— Todos os chapéus que este remoa..., né, capture, converter-se-ão também em
vampiros — disse Rüdiger rindo entre dentes. Até que ao final só fiquem em jogo
chapéus-vampiros. Não é estupendo?
— Bom, sim... — disse Anton esquivo.

1
A idéia do vampiro não lhe convencia.
— Poderíamos provar.
O vampiro lhe entregou rapidamente seus quatro chapéus vermelhos, de forma que o
Anton agora tinha oito. O vampiro colocou o chapéu dourado no centro de sua casinha
vermelha.
— Pode atirar você primeiro — disse afável.
Anton atirou: 6.
Agarrou um chapéu amarelo e avançou com ele seis casinhas.
Logo atirou o vampiro: 2.
— Né, isso não é justo! — indignou-se, querendo voltar a atirar.
— Sou eu quem jogo! — protestou Anton, agarrando o dado.
O vampiro, a contra gosto, avançou duas casinhas com seu chapéu.
Agora atirou Anton: 5.
O vampiro contou com o dedo indicador as casinhas que separavam os dois chapéus.
— Três... — murmurou. Já te tenho!
Atirou o dado: 6!
— Merda! — queixou-se avançando seis casinhas.
Anton mordeu os lábios para não rir e atirou: 3!
O vampiro ficou gelado.
— Ganhei! — exclamou com uma alegria pelo triunfo mal dissimulado.
A comissura dos lábios do vampiro começou, a estremecer.
— Ganhou? —exclamou com voz ameaçadora. Era uma armadilha!
— De maneira nenhuma! — disse Anton. Só tive mais sorte ao atirar o dado!
— Sorte! Sorte! — vozeou o vampiro olhando paa Anton com olhos reluzentes de
malícia. Quer que te ensine o que me parece seu estúpido jogo?
Dito isto, golpeou com tanta força o tabuleiro de jogo que saiu pelos ares e foi parar
ao corredor que havia entre os assentos. Os chapéus se dispersaram pelos assentos e o
corredor. O dado aterrissou diante da porta do compartimento.
O primeiro pensamento do Anton foi saltar colérico. Mas então disse que isso era justo
o que o vampiro queria, e, assim, ficou sentado tranqüilamente olhando pelo guichê. Lá
fora, enquanto isso, estava completamente escuro, e ele foi contando as luzes que iam
ficando para trás ao passar.
Como tinha previsto, sua aparente indiferença confundiu ao vampiro. Deslizava-se
inquieto de um lado a outro de seu assento observando ao Anton.
Depois de um momento perguntou:
— Não está zangado?
— Não — mentiu Anton.
Com oculta alegria acrescentou:
— Estou pensando somente se não deveria ir para outro compartimento.
— O que? — exclamou o vampiro. A outro compartimento? E o que será de mim
então?
Anton teve que rir burlonamente.
— Ao fim e ao cabo quão único fazemos é brigar. Seguro que você prefere estar
sozinho!
— Não! — gritou o vampiro.

1
Seus lábios tremiam e seus olhos vermelhos ondulavam.
— É que não sei absolutamente como tem um que comportar-se aqui no trem —
balbuciou.
— Efetivamente — assentiu Anton.
— E além disso, eu..., sem você estou completamente desamparado!
Anton sorriu adulado.
— Se for assim, disse astutamente, possivelmente devesse ser algo mais cortês
comigo.
— Serei-o — prometeu apressadamente o vampiro.
— Bem! — disse Anton. Então, o primeiro que tem que fazer é recolher as peças do
jogo.

1
Rüdiger delata

Uma vez que havia tornado a montar o jogo, o vampiro perguntou com uma cortesia
completamente incomum nele:
— Jogamos outra vez?
— Ora — disse Anton. Realmente não era muito interessante.
— Mas se jogarmos como você tinha proposto...
— Não. Contigo não tem nenhum sentido.
— Por quê?
— Porque você quer ganhar sempre.
—E u? — indignou-se o vampiro. Você começou! Você queria que contássemos quem
tinha a maioria dos chapéus.
— E quem perguntou se também se pode ganhar no jogo? — repôs Anton.
— Quem? Você, naturalmente! — disse o vampiro.
Com tanta desfarçatez Anton ficou sem fala durante um momento. Logo disse colérico:
— É exatamente igual a seu irmão Lumpi, que tampouco sabe perder!
Mas em lugar de sentir-se ofendido, o vampiro sorriu encantado.
— Você acha?
Entusiasmado acrescentou:
— Isso tinha que havê-lo ouvido Lumpi! Ele sempre diz que eu sou um degenerado. A
ovelha branca da família, por assim dizê-lo.
— Você? — disse cáustico Anton. Seguro que não!
— Sim, sim, isso diz ele!
O pequeno vampiro se recostou em seu assento e cruzou as pernas.
— Uma vez, Lumpi e eu tínhamos recebido do conselho familiar o encargo de dar um
castigo ao Geiermeir — contou. Tínhamos que ir a sua casa a meia-noite e tocar a
campainha. Brrr!
Tremia ao lembrar disso.
Anton podia imaginar como tinha se sentido o vampiro, pois ele também só pensava
com medo no guardião do cemitério, que estava possuído pela ambição de destruir aos
vampiros junto com suas tumbas. E, por isso, sempre levava consigo afiadas estacas de
madeira e um martelo quando caminhava de um lado a outro o cemitério.
— E então? —perguntou Anton.
— Então tinha que lhe atrair à entrada da casa. Tinha que gritar: «Senhor Geiermeier,
seu abrigo de madeira está queimando!» Lumpi tinha que lhe morder. Só um pouco,
como castigo. E eu tinha que escrever com tinta vermelha na porta:

As tumbas dos vampiros estão escondidas,


Geiermeier, mãos fora!

Anton tremia de espera.


— Sim, e então? —exclamou.
— Então...
O vampiro desfrutava visivelmente com a agitação do Anton.

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— Então toquei a campainha... Nada se move. Lumpi está a meu lado, escondido nos
matagais, e eu tenho os joelhos completamente frouxos. Toco a campainha outra vez. O
agudo tom ressona terrivelmente no meio do silêncio que reina ao redor...
— Né, não me deixe no suspennse! — exclama Anton.
— E de repente...: passos! Passos suaves e arrastados! Aproximam-se da porta.
Alguém tosse então. Encontro-me fatal...
— Eu também — murmurou Anton.
— Agora ouço a voz rouca do Geiermeier. «O que acontece?», pergunta. Uma
baforada de aroma de alho penetra pelas gretas da porta e me envolve em uma nuvem,
com o qual quase me deprimo. Quero falar, mas não posso. Então grita Lumpi: «Senhor
Geiermeier, seu abrigo de madeira está queimando!» Nesse mesmo momento a porta se
abre. Mas não é Geiermeier o que aparece diante de mim...
— Não?
— É um ser com olhos como carvões ardendo. Pega um grito que me chega até os
tutanos, dá um salto..., e posa sobre meu ombro!
Anton olhou fixamente ao vampiro com a boca aberta.
— Sobre seu ombro? Tão pequeno era?
O vampiro agachou a cabeça.
— Era um gato — disse envergonhado.
— Um gato? — surpreendeu-se Anton.
— Sim. O gato do Geiermeier. Ele tinha sido o suficientemente precavido para ficar de
pé à sombra da porta. Desta forma, só pude ver os reluzentes olhos de seu gato, que ele
tinha pego em braços. Quando Geiermeier se deu conta de quem estava na porta
agarrou o gato e o atirou contra mim.
Perdeu o fio. Em sua pálida frente havia pérolas de suor.
— Estava tão espantado, que saí correndo dali sem me voltar uma só vez. «Espera,
andrajoso, já verá como te agarro!», ouvi Geiermeier gritar atrás de mim, mas eu corri
mais depressa do que nunca o tinha feito.
— E como sabe que era um gato? —perguntou Anton.

— Lumpi me contou isso depois. Dos matagais pôde observar tudo sem que lhe
descobrisse Geiermeier... E após dizem que sou a ovelha branca da família, porque entro
em pânico por um gato.
Pôs uma cara tão triste, que Anton teve que rir.
— Eu também teria me assustado — tentou consolar ao vampiro. Além disso, parece-
me muito valoroso de sua parte te atrever a tocar a campainha do Geiermeier.
— Seriamente?
O vampiro voltava a sorrir.
— Seriamente! E todo mundo tem medo alguma vez.
— Inclusive um vampiro — disse o pequeno vampiro suspirando.

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Surpresa desagradável

O vampiro agarrou seu chapéu e o voltou a colocá-lo.


— Você é um amigo de verdade — disse com voz sonhadora. Isso já se vê ao me dar
de presente esta estupenda roupa.
Cheio de carinho passou a vista pela jaqueta típica e as calças que chegavam até o
joelho.
— Você me deu de presente isso, verdade?
— Agradável?
Anton teve que rir.
— Por mim, encantado! Mas não acredito que minha mãe e minha avó estejam de
acordo com...
Deteve-se e olhou a porta do compartimento.
— Não ouve nada?
— Não — disse o vampiro. Só esse horrível estalo contínuo!
— Alguém vem! — sussurrou Anton.
O vampiro se sobressaltou.
— Aqui?
— Possivelmente seja o revisor.
De repente veio à memória de Anton o que tinha querido lhe perguntar todo o tempo
ao vampiro:
— Leva o carteira?
O vampiro disse orgulhoso:
— Naturalmente! No caixão!
— No caixão? — gritou Anton.
O vampiro pôs cara de perplexidade.
— Ali é onde está mais seguro.
— OH, não! — queixou-se Anton levando a mão ao rosto.
Por que não havia lhe perguntado antes?
— E se vier o revisor e quiser ver sua carteira?
— Ah, vá.
Pouco a pouco parecia compreender o vampiro.
— Diz isto por que envolvemos o caixão...
— Exato! Então terá que tirar o papel e o revisor poderá ver que não é nenhum
pacote!
Os olhos do vampiro ficaram rígidos do susto.
— Você acha?
Seus lábios tremiam.
— E agora o que fazemos?
— Nem idéia — disse Anton antes que se abrisse a porta do compartimento e uma
senhora lhes olhasse pestanejando amavelmente.
— Têm algum lugar livre para mim? — perguntou.

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Giftich... con ch1

Anton e o pequeno vampiro se olharam assustados.


— Sim, ou seja... — começou Anton.
Tinha que evitar de qualquer forma que ela se sentasse em seu compartimento...
mas, como? Se era muito grosseiro existia o perigo de que se queixasse ao revisor.
—Sabe você...?
A senhora, evidentemente, tinha interpretado o hesitação do Anton de forma
completamente diferente.
Ela disse:
— Muito amável de sua parte! — e entrou.
Ao Anton quase lhe parou o coração.
— M... mas — gaguejou, e olhou ao pequeno vampiro procurando conselho.
Este observava com olhar áspero como a senhora colocava uma bolsa de viagem, uma
cesta e uma bolsa de plástico no bagageiro. Logo fechou a porta do compartimento e se
sentou no assento que havia junto à porta, a dois assentos do Anton.
Parecia não dar-se conta absolutamente do pouco desejada que era sua presença, pois
disse alegremente:
— Graças a Deus que vocês não fumam! Com vocês seguro que me vou sentir bem.
Sabem vocês? Eu ia sentada em um compartimento com duas senhoras, muito
simpáticas, mas em seguida começaram a fumar. E como eu não suporto a fumaça
preferi partir.
Ela riu e inspirou examinando o ar.
— Mas também aqui há um aroma estranho — opinou. Bom, serão os velhos
assentos!... Por certo, sou a senhora Giftich..., com «ch». E vocês?
— Nós?
— Sim, vocês.
Ela se voltou para o Anton e com curiosidade piscando os olhos.
— Não posso lhes ver bem — disse de repente. Tudo está tão impreciso...
Ela se levou a mão aos olhos.
— Meus óculos! — exclamou. Não me pus os óculos!
Começou a procurar nervosa em sua bolsa.
Anton mordeu os lábios, pois podia ver perfeitamente onde estavam seus óculos: o
extremo de uma das costeletas aparecia pelo bolso do peito de sua jaqueta!
Também o vampiro se deu conta e o indicou ao Anton com uma significativa inclinação
de cabeça.
— Onde estarão? — murmurava ela para si. Será que esqueci na casa de minha filha?
Sim, isso mesmo! Deixei-o lá!
Anton riu entre dentes em segredo. Ele se considerava um pouco infame por não lhe
dizer onde estavam seus óculos. Mas, por outro lado, para o vampiro e para ele era
muito menos perigoso ir no compartimento com alguém que não via bem.
Anton se atreveu também a examiná-la com mais detalhe. Que idade poderia ter?
Cinqüenta, sessenta? Seguro que era mais jovem que sua avó, que tinha já mais de
sessenta. Em qualquer caso lhe pareceu que não tinha aspecto de ser avó. Vestia uma
saia-calça, um lenço colorido no pescoço, um colar de pérolas e grandes brincos. «Seu
cabelo tão loiro só podia ser tingido», pensou ele.

1
A palavra giftig, se pronuncia de forma muito parecida a giftich, significa «venenosa».

1
Uma piada má

A senhora fechou sua bolsa e suspirou.


— Por sorte tenho uns óculos de reserva em casa!
Anton e o pequeno vampiro se olharam e sorriram com cumplicidade. Mas sua alegria
não durou muito tempo.
— Qual era seu nome? — perguntou a senhora.
— Meu... nome? — disse Anton jogando um olhar ao vampiro em busca de ajuda.
Mas este só encolheu os ombros desconcertado.
— Pois eu..., eu sou Anton Bohnsack — disse finalmente vacilando. E este..., este é
meu irmão, Rüdiger von Schlotterstein.
— Irmãos? Ah, que bem! Mas, por que têm vocês então dois sobrenomes distintos?
— Dois sobrenomes distintos..., né, sim...
Nisso não tinha pensado. Mas lhe ocorreu uma desculpa.
— Nossa mãe se casou duas vezes, sabe você? Meu irmão é filho do primeiro
matrimônio. Também é mais velho.
Anton tinha acentuado tanto o «muito» que ela perguntou divertida:
— Tanto? Que idade tem ele então?
Anton se assustou. O que ia responder?
— Quatorze — disse em seu lugar o vampiro com voz cavernosa.
— Quatorze? — repetiu ela rindo. Mas então posso lhes chamar de você! Como eram
então seus nomes mesmo? Anton e...
— Rüdiger — grunhiu o vampiro.
— Anton e Rüdiger! E eu que tinha acreditado que foram pessoas maiores...! Que
olhos ruins tenho! E como é que lhes deixam estar fora até tão tarde? Não se preocupará
sua mãe?
— Ela seguro que não — grasnou o vampiro.
Anton disse rapidamente:
— É que vamos a casa de nossa tia..., no campo.
— E aonde?
— A Pequeno-Oldenbüttel.
— A Pequeno-Oldenbüttel? — exclamou ela surpreendida. Então temos o mesmo
destino!
— Como? — perguntou assustado Anton. É que acaso vai você também a Pequeno-
Oldenbüttel ?
Ela riu.
— Não. Mas tenho que descer em Grande-Oldenbüttel, exatamente igual a vocês. Eu
vivo no Laumühlen, um povo vizinho.
— O que nos faltava — lhe sussurrou Anton ao vampiro.
— E como se chama sua tia?
— Que co... como se chama nossa tia?
Anton encolheu os ombros. Naturalmente, fazia muito que tinha esquecido o nome da
família cuja casa iriam passar as férias. Só sabia que viviam no número 13 da Rua Velha
do Povo... Mas, naturalmente, isso ele não ia dizer!
— De seu sobrenome já não me lembro — disse. Sempre a chamamos só Tia Inge.

1
Como presumivelmente em Pequeno-Oldenbüttel haveria várias mulheres com o nome
do Inge, a senhora provavelmente não se daria conta de que a estava mentindo.
—Inge, Inge... —refletiu ela—. Inge Piepenbrink?
Anton se mordeu a língua para não rir e sacudiu a cabeça.
— Não.
— Inge Grotenblom?
— Não.
— Bom, disse ela, é que tampouco me conheço tão bem aquilo. Ao fim e ao cabo,
Laumühlen está a trinta quilômetros de distância de Pequeno-Oldenbüttel.
Por fortuna! Anton sorriu ironicamente ao vampiro.
— Então certamente sua tia lhes recolherá na estação, não?
— Por... por que?
—P orque até Pequeno-Oldenbüttel há ainda dois quilômetros!
— Humm, sim...
Anton, procurando ajuda, olhou ao pequeno vampiro, que, entretanto, só fazia ranger
seus dedos nervosamente.
— Se não, ficarei encantada em levá-los a Pequeno-Oldenbüttel! Meu marido me
estará esperando na estação com o carro.
— Não, não, muito obrigado! — disse apressadamente Anton. Naturalmente que nos
recolhe nossa tia! Além disso, nosso presente, certamente, não caberia em seu carro.
Ao dizer isto assinalou o empacotamento caixão.
— Sim que é grande!
— É que também há muitas coisas dentro — esclareceu Anton. Tudo o que não pode
comprar no campo. Camisas, calças, escovas de dentes, meias três-quartos, loção de
barbear...
Interrompeu-se, porque já não lhe ocorria nada mais.
O vampiro, riu ironicamente, acrescentou:
—...e sangue! Sangre em garrafas, sangre em frascos, sangre em latas...!
— Como diz? — disse a senhora. Sangue?
— Meu irmão só está fazendo uma piada — esclareceu rapidamente Anton para
tranqüilizar à senhora.
— Com essas coisas não se brinca! — lecionou-lhe. O sangue é algo muito valioso!
Nosso suco vital! Mas, ao que parece, vocês, sendo meninos, não o entendem. Ou você
sabe porque necessita nosso corpo precisa de sangue?
— Para que necessita nosso corpo...?
Anton ficou parado. Olhou de esguelha ao vampiro.
— Não!
— Vê-o?! O sangue provê a nosso corpo de substâncias alimentícias e oxigênio. Eu sei
por que antigamente era doadora de sangue.
— Doadora de sangue?
De repente resplandeceram os olhos do vampiro e seus dentes bateram uns contra
outros.
— Então, você tinha um sangue bom?
Ela riu satisfeita de si mesma.
— Como não?! Eu sigo tendo ainda um bom sangue!

1
— Mas agora você já não doa mais, não? — perguntou o vampiro com voz rouca e
fanhosa.
— Não.
— Então estará você repleta de sangue!
— Sim.
Ela riu.
Felizmente, não pareceu perceber que o vampiro tinha descoberto os seus dentes de
predador terrível e agora, olhando em êxtase, levantou-se lentamente, centímetro por
centímetro, de sua sede.
Durante uns segundos Anton ficou apavorado. Logo saltou, prendeu o vampiro e lhe
apertou novamente em seu assento.
— Rüdiger! — exclamou lhe sacudindo.
— O que acontece? — perguntou preocupada a senhora. Seu irmão passou mau
porque falamos tanto de sangue? É algo sensível, não?
— Sim, sim — corroborou apressadamente Anton. Muito sensível. Sobre tudo seu
estômago. Provavelmente não comeu o suficiente.
— Ah, seu irmão tem fome! — disse ela. Se não for mais que isso...!
Ela ficou de pé e tirou sua cesta do bagageiro.
— De comer tenho de sobra!

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Janta para três

A senhora pôs um lenço branco nos assentos que havia entre ela e Anton e começou a
estender ante eles as coisas que levava na cesta: dois sanduíches de embutido, dois de
queijo, três ovos duros, duas maçãs, dois tomates, um tablete de chocolate com hortelã
e um recipiente térmico.
Tudo parecia tão apetitoso, que a boca de Anton se encheu d’água. Em casa, durante
o jantar, não tinha comido quase nada pela excitação: só chá e uma fatia de pão torrado.
Agora seu estômago roncava.
— Agarrem o que quiserem! — animou-lhes a senhora.
— Obrigado — disse Anton, agarrando um sanduíche de queijo.
— E seu irmão? O que quer ele?
— Ele? Um sanduíche de embutido!
O vampiro levantou as mãos defendendo-se, mas Anton lhe alcançou resolvido um
sanduíche de embutido.
— Agarra-o! — sussurrou. Não tem por que comer isso de verdade!
O vampiro observou cheio de repugnância o sanduíche que tinha na mão, entre cujas
duas metades se sobressaía uma grosa rodela de embutido.
— E o que vou fazer com ele? — perguntou.
Anton jogou um olhar preocupado à senhora antes de responder. Mas ela estava
ocupada em servir o café do recipiente térmico em um copo e não lhes emprestava
atenção.
— Simplesmente me devola — esclareceu sussurrando.
—Ah, bom!
O vampiro suspirou aliviado.
A senhora bebeu um sorvo de café e perguntou:
— Vocês gostam?
— Muito! — respondeu o vampiro.
Entretanto, devolveu o sanduíche ao Anton, que o comeu com deleite.
— Alegro-me! E sua mãe não lhes deu absolutamente nada?
— Nnn — disse Anton com a boca cheia.
Sacudiu incrédula a cabeça.
— Terei que cuidar de vocês, meninos!... Bom, agora me têm — acrescentou rindo.
Também podem chamar-me de Tia Gretel. Mas se não está tomando nada...!
— Sim, sim — disse Anton, que com o «Tia Gretel» tinha estado a ponto de engasgar-
se, e agarrou uma maçã.
— E Rüdiger? Já está farto?
Pestanejando insegura olhou em direção ao pequeno vampiro.
— Ainda não de tudo — repôs o vampiro com voz áspera.
— Só quer um tomate — disse rápido Anton.
— Só um tomate?
Tirou um prato de cartão de sua cesta.
— Apesar do morto de fome que estava seu irmão? Não! Vou-lhe confeccionar um
menu verdadeiramente estupendo!
Pôs no prato um ovo duro, uma maçã, um tomate, dois pedaçod de chocolate e o
segundo sanduíche de embutido. Logo o entregou ao Anton.

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— Toma! Isto lhe sentará bem a seu irmão!
Anton teve que morder língua para não rir.
O prato tremia em sua mão quando o deu ao pequeno vampiro.
— Obrigado..., Tia Gretel! — grunhiu o vampiro.
Colocou o prato sobre a pequena mesa ao lado do jogo de «Captura o chapéu» e fez
como se comesse enquanto passava escondido o chocolate ao Anton.
— E viajam sozinhos freqüentemente no trem? — perguntou a senhora.
— Nós? Não! — disse Anton.
— Tampouco a casa de sua tia?
— Nós normalmente vamos sempre voando — disse o vampiro, e riu grasnando.
— Seu irmão realmente é um brincalhão!
A voz da senhora soou um pouco chateada.
— Idiota! — bufou Anton ao vampiro.
Dirigindo-se à senhora disse:
— Não deve tomar-lhe tão a sério. É que está na idade do peru, diz nossa mãe.
Assentiu compreendendo.
— Ah, é por isso!
Ela não pôde ver como o vampiro, que se sentia ferido em seu orgulho, fazia caretas
de cólera.
— Mas isso passa — opinou ela. Dentro de um ano, o mais tardar, seu irmão se
converte em um simpático jovem.

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Só historia

—... como esse jovem do livro que estou lendo agora, esse advogado. Como se
chama?
A senhora tirou um livro de sua bolsa e o folheou, para voltar a fechá-lo em seguida
de mau humor.
— Ai, não posso ler absolutamente nada sem óculos!
O livro tinha despertado a curiosidade do Anton: sobre a encadernação negra
reconheceu um morcego! Estirou a cabeça e tentou ler o título.
— Hão-me dito que o livro é muito interessante — prosseguiu a senhora. É de minha
filha, que o leu inteiro em uma noite. Tráfico de um homem jovem, um inglês, ao que
mandam aos Cárpatos em viagem de negócios. Ali deve visitar um estranho conde em
seu castelo...
— Possivelmente o Conde Drácula? — exclamou Anton sem respiração.
Também o vampiro escutou com atenção.
Surpreendida perguntou:
— Conhece o livro?
— Um pouco — disse envergonhado Anton.
Ela não tinha por que inteirar-se de que era seu livro preferido!
— Também você gosta tanto ler livros emocionantes?
Sua voz cobrou um tom de entusiasmo.
— Eu e minha filha adoramos as histórias de terror, elas nos deixam completamente
loucas! Mas têm que ser horripilantes de verdade para que alguém sinta calafrios. Devem
ser lidas a noite quando estamos cansados, quando o vento sopra ao redor da casa e por
toda parte se ouvem rangidos e murmúrios inquietantes...
Soltou um suspiro de satisfação.
— Nós gostamos de ler especialmente histórias de vampiros. São tão... — procurou a
palavra adequada — ...tão românticas!
O Pequeno Vampiro caiu na gargalhada. Tendo que ser um vampiro não era nada
romântico!
— Isso também não são mais que histórias — grunhiu.
— Graças a Deus! - Ela riu. Essa é precisamente a beleza da coisa! Você pode ler as
coisas mais terríveis, mas ao mesmo tempo você sabe que é apenas uma fantasia.
— Só fantasia? — disse rouco o vampiro.
— Na realidade não há nem espíritos, nem fantasmas, nem vampiros...
— Ah! Sim? Você acha? — exclamou o vampiro.
A senhora riu.
— Você acha por acaso que há mortos que se levantam a noite de suas tumbas para
chupar o sangue dos seres humanos? Eu não!
O vampiro proferiu um suave grunhido ameaçador enquanto Anton fazia gestos
visíveis de que não se deixasse inquietar, mas sim permanecesse tranqüilo e sereno.
A senhora não pareceu advertir nada disso. Disse alegre:
— Ou já se encontraram alguma vez coma um vampiro? A um desses, pálidos como
mortos, maus, com afiados dentes de predador?
Ela se interrompeu, pois abriram a porta do compartimento. Entrou um homem de
uniforme e disse:
— Seus bilhetes, por favor!

1
O revisor

Um terror gelado percorreu Anton. Com os dedos trementes colocou a mão no bolso
da jaqueta onde estavam os bilhetes que ele tinha comprada na segunda-feira ao sair do
colégio. Por sorte tinha tido dinheiro suficiente no cofre.
— Toma — murmurou alcançando-lhe ao revisor, que os aceitou com uma inclinação
de cabeça.
«Espero que esteja tudo em ordem!», pensou angustiado Anton.
— Ou seja, vocês vão a Grande-Oldenbüttel, não?
Por cima do aro de seus óculos olhou primeiro para Anton e logo ao pequeno vampiro.
O vampiro, rapidamente, pôs o chapéu tão na frente que não podia reconhecer-se
muito de sua cara.
— Sim..., né, quero dizer, não — gaguejou Anton. Re... realmente vamos a Pequeno-
Oldenbüttel.
— A Pequeno-Oldenbüttel, seja seja — opinou o revisor.
Sua voz soou tão estranha, que Anton não sabia se só era uma das habituais piadas
de adultos..., ou se é que tinha suspeitas.
Para alívio dele, a senhora, que seguia procurando em sua bolsa, disse:
— Vão visitar sua tia.
— Conhece você aos dois?
Com voz rouca exclamou o vampiro:
— Mas se ela for Tia Gretel!
O revisor pôs uma cara surpreendida.
— Ah, vão vocês juntos!
— Sim, sim — disse distraída a senhora enquanto seguia revolvendo em sua bolsa.
— Bom, se for assim...! — disse o revisor. Também ficaria preocupado que dois
meninos desta idade estivessem sozinhos tão tarde!
Nesse momento a senhora suspirou aliviada.
— Ao fim o encontrei! — exclamou, entregando seu bilhete ao revisor.
Jogou-lhe uma breve olhada e o devolveu à senhora.
Ela disse diminuída:
— Me perdoe você que tenha demorado tanto! Mas esqueci meus óculos em casa de
minha filha.
— Seus óculos? — disse surpreso o revisor. Mas se as tem guardadas no bolso da
jaqueta!
Dito isto se voltou para a porta.
— Dentro de dez minutos paramos em Grande-Oldenbüttel! — disse ainda; logo
fechou atrás de si a porta do compartimento e se foi dali para a esquerda, na direção de
marcha.

1
Uma falsa imagem

— Meus óculos? No bolso da jaqueta? — disse incrédula a senhora. É isso certo?


Anton não deu resposta alguma. O só sabia uma coisa: O pequeno vampiro e ele
tinham que desaparecer antes que ela descobrisse seus óculos e os pusesse!
Já olhava nos bolsos laterais de sua jaqueta. Ali, de todas as formas, procuraria seus
óculos em vão, mas não podia demorar muito em ocorrer a ideia isso de olhar também
no bolso do peito...
— Temos que fugir! — sussurrou ao vampiro.
— Fugir?
O vampiro olhou intranqüilo de um lado a outro, da porta à janela.
— Para fora, ao corredor. O principal é sair daqui!
— E meu caixão?
— Levar-nos-emos isso, naturalmente.
O grito de surpresa da senhora interrompeu seu agitado sussurro.
— Aqui estão! — exclamou.
Sacudindo a cabeça tirou seus óculos do bolso do peito.
— E eu que acreditava realmente que estavam na casa de minha filha!
Tirou um lenço de seda de sua bolsa, jogou bafo na slentese começou a limpá-las.
Enquanto isso olhava ao Anton com seus olhos de vista débil e em disse tom severo de
recriminação:
— E vocês simplesmente me deixaram ficar assim! Apesar de que sabiam
perfeitamente onde estavam meus óculos! Em lugar de me ajudar riram de mim!
— Nós? Não!
Anton acabava de guardar as peças de seu jogo dos chapéus na bolsa de cânhamo.
— Vamos! — empurrou ao vampiro. Em seguida terá terminado de limpar seus óculos!
Ele ficou de pé e também o vampiro se levantou de seu assento.
— Sim, sim — disse a senhora. Divertiram-se muito comigo! Essa tia velha, pensastes,
vamos deixar que procure, de todas formas não pode ver bem...
— Não! — contradisse-a Anton enquanto descia do bagageiro, com o pequeno
vampiro, o pesado caixão. Nós também acabamos de ver agora seus óculos.
Ele estava seguro que não acreditaria.
Mas, de todas as formas, assim estava distraída e não pensava, no momento, em
terminar com sua ciumenta limpeza e colocar óculos! Se conseguisse enredá-la com a
conversação o tempo necessário, até que tivessem conseguido tirar o caixão do
compartimento, estariam salvos...
Isto pareceu ter êxito, pois ela seguia limpando suas lentes.
— Que? O acabam de ver?
Ela riu indignada.
— Sabiam desde o começo onde estavam guardados meus óculos.
Anton enquanto isso tinha aberto a porta do compartimento.
— Está-se fazendo uma imagem completamente falsa de nós — tentou distraí-la uma
vez mais.
— Agora!
Fez um sinal ao vampiro e juntos levantaram o caixão, que durante um instante
tinham deixado em cima da fila de assentos onde estava o vampiro.

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— Ah! Sim? Estou fazendo uma falsa imagem?
Sua voz tinha adotado um tom irritado.
— Isso vai trocar em seguida, quando lhes puder ver através de meus óculos!
Anton já tinha alcançado o corredor com a parte dianteira do caixão. Pelo contrário, o
vampiro, que levava o extremo traseiro, ainda estava no compartimento! Com um
pressentimento receoso Anton deu a volta... e viu como a senhora olhava fixamente ao
vampiro perplexa através das lentes de seus óculos. Ela abriu a boca para dar um
grito..., mas de seus lábios só saiu um sussurro afônico:
— Um vampiro, um autêntico vampiro...!
Logo desmaiou e ficou sentada imóvel, reclinada no assento.
— Está morta? — perguntou o vampiro.
— Não. Só desmaiada — disse Anton, que tinha ficado com as pernas completamente
bambas.
Freqüentemente tinha visto na televisão pessoas desmaiando, mas tão perto era algo
diferente...
— Venha, vamos! — sussurrou ao vampiro, observando estupefado o branco pescoço
da senhora que ficou descoberto quando o lenço deslizou para um lado. Ou prefere
esperar a que ela desperte e chame o revisor?
— Em seguida — disse o vampiro.
Apesar disso ficou de pé, como se tivesse criado raízes, dirigindo ávidos olhares ao
pescoço da senhora.
Anton se impacientava cada vez mais. Em qualquer momento podia vir alguém, um
viajante ou o revisor...
— Se ficar aí muito tempo — disse colérico— poderá ver como chega sem mim a
Pequeno-Oldenbüttel!
Essa ameaça pareceu sortir efeito: a cara do vampiro cobrou uma expressão diminuída
e de consciente culpabilidade.
—J á vou — disse.

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Nada como partir

Com cuidado, passaram o caixão pela porta, tentando inclusive não batê-lo em
nenhum lugar.
No corredor, Anton, que também levava sua bolsa de cânhamo, deixou com um
gemido o caixão e se esfregou os dedos doloridos.
— Eu gostaria de saber se você trabalharia tão duramente por mim — disse chiando os
dentes.
— Eu..., eu posso levar também o caixão só — disse rapidamente o vampiro. Só tem
que me dizer aonde!
Como Anton sempre justo o repreendeu, ele tentava desviar a atenção. Mas com as
pressas não podiam falar disso, e então Anton disse somente:
— À direita.
Como o revisor havia ido para a esquerda lhe pareceu que o melhor era que
corressem em direção oposta, se possível até o último vagão para descer por ali.
Com as pernas trementes e o olhar preocupado dirigida ao oscilante chão, o vampiro
levou seu caixão corredor abaixo. Em sua frente havia gotas de suor e os agudos dentes
batiam alto uns contra outros. Atrás da porta que Anton mantinha aberta, deixou o
caixão no chão com estrépito e se sentou em cima esgotado.
— Né, temos que seguir! — exclamou indignado Anton.
— Encontro-me mal — gemeu o vampiro.
— Quer por acaso que nos encontre o revisor?
— Não. Mas tudo está girando diante dos olhos.
Ao dizer isto, o vampiro pôs uma cara tão penosa, que Anton realmente ficou com
pena.
— Não posso ficar sentado enquanto isso?
— Humm — fez Anton indeciso.
De qualquer forma, no último vagão teriam estado mais seguros..., mas, por outro
lado, não podiam demorar já muito em chegar a Grande-Oldenbüttel, pois o trem já
estava mais devagar e de ambos os lados da via viu casas com janelas iluminadas.
— Está bem — disse. Mas não chame a atenção! — acrescentou.
Essa advertência, em realidade era completamente de mais, pois seguro que o
pequeno vampiro não faria nenhuma tolice. Mas, apesar disso, Anton achou por bem lhe
demonstrar, uma vez mais, que precisava de sua ajuda e que ele, Anton, podia
determinar como tinha que comportar o vampiro.
Rüdiger só lhe dirigiu um olhar furioso e não disse nada.
— Espero que em Grande-Oldenbüttel volte a ficar melhor — opinou Anton. Pois eu
sozinho não posso levar o caixão.
— Claro — grunhiu o vampiro. Quando tiver terminado este terrível barulho
cadenciado!
Efetivamente, o aspecto doentio do vampiro melhorou depois que o trem parou na
estação. Sem que Anton tivesse que lhe apressar ficou de pé e empurrou seu caixão para
a porta.
Anton, entretanto, tinha aberto a porta do vagão e assistiu de fora. Aliviado, ele
descobriu que seu carro parou na parte de trás da estação, bem longe do jardim, para o
qual um homem idoso estava caminhando para trás e para frente com um buquê de
flores na mão.
De frente para eles era um estacionamento de bicicletas, passando por uma estrada
estreita fronteira com densa vegetação rasteira. Até ali poderiam chegar rapidamente e

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quase sem perigo, desde que o vampiro não deixasse ao Anton na mão e lhe ajudasse a
levar o caixão!
Voltou-se para ele angustiado. Mas seus temores de ver outra vez o pequeno vampiro
amontoado em cima de seu caixão resultaram infundados: o vampiro já tinha levantado
seu extremo do caixão e só esperava que Anton agarrasse a parte dianteira.
— Está tudo em ordem? — perguntou com voz rouca.
Anton assentiu.
— Em frente há um caminho escuro. Ali estaremos seguros.
Quando tinham alcançado os matagais, Anton olhou outra vez para trás. Reconheceu à
senhora, que baixava lentamente os degraus do vagão do trem e era ajudada pelo
senhor do buquê de flores..., e mais adiante às duas mulheres que olhavam procurando
algo pela estação. Levavam casacos loden, chapéus típicos e sapatos de excursionista.
— OH, olhe, as duas! — suspirou. Mas agora nada como partir!
— Que duas? — perguntou o vampiro.
— As mulheres dos chapéus bonitos — respondeu mal-humorado Anton.
Pareceu-lhe que agora não tinham tempo de seguir conversando mais sobre ambas.
Era mais importante inteirar-se de aonde conduzia aquele caminho e como iriam chegar
a Pequeno-Oldenbüttel.
Anton ficou parado ao final do caminho.
— Temos que deixar aqui o caixão e olhar primeiro os arredores.
Anton teve que falar em voz muito alta, porque nesse momento arrancava o trem.
— Não devo deixar meu caixão sem vigilância! — indignou-se o vampiro. Nunca!
Melhor ficarei aqui sentado até que volte.
Isso ao Anton só podia lhe vir bem, pois sozinho poderia mover-se com maior
liberdade.
Rindo burlonamente disse:
— Mas não chame...
—... a atenção, seja seja — cortou-lhe a palavra o vampiro, um tanto chateado. Não
se preocupe, senhor professor superior!

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Em caminho para Pequeno-Oldenbüttel
Quando Anton seguiu andando, comprovou o que ele tinha presumido, o caminho
conduzia à rua. O que lhe surpreendeu é que não houvesse nenhuma cerca nenhuma
obstrução, nem sequer uma tela metálica atirada pelos chãos.
«Estas são precisamente as vantagens de uma estação pequena», pensou contente.
Tinha tido medo que tivessem que passar o caixão por um alto muro ou um alambrado
de espinheiros ou pior, que fosse necessário cruzar, depois de tudo, o pátio da estação.
A rua estava abandonada no meio do brilho das luzes. Só diante do pátio da estação
havia dois carros estacionados: uma limusine negra e uma caminhonete de cor azul
clara. A rua parecia terminar na estação, pois detrás da entrada tudo estava escuro.
No início da rua Anton viu um grande edifício, a «Hospedaria Laichgruber», conforme
pôde ler em um letreiro luminoso. A hospedaria estava em uma rua larga, provavelmente
a rua principal. Ali havia também dois letreiros indicadores.
«Velho-Motten, 12 quilômetros», leu Anton no pôster que indicava para a esquerda, e
em letras menores: «Pequeno-Oldenbüttel, 2 quilômetros».
«Laumühlen, 25 quilômetros», punha no pôster que indicava para a direita.
Anton suspirou aliviado: Agora sabia ao menos em que direção tinha que ir! E
comparado com a viagem no vagão do trem os últimos dois quilômetros até Pequeno-
Oldenbüttel seria um jogo de meninos! Um pouco fatigante possivelmente, com o pesado
caixão..., mas nem sequer a metade de enervante!
Anton ouviu os carros arrancarem de diante do pátio da estação. Escondeu-se detrás
de um grande abeto. De ali podia ver toda a rua sem que lhe vissem. Primeiro passou na
frente dele a limusine negra; ao volante ia o homem de idade. Junto a ele, com a cabeça
reclinada para detrás, reconheceu à senhora Giftich. O carro foi para a rua principal e
virou à direita.
Depois chegou a caminhonete azul claro. Conduzia-a uma mulher. No assento traseiro
estavam as duas mulheres dos trajes típicos. Anton viu que elas foram para a esquerda,
em direção a Velho-Motten.
Ainda ficou quieto um momento escutando. Da hospedaria lhe chegava uma confusão
apagada de vozes. Ao longe um carro tocou a buzina. Do outro lado do aterro ladrou um
cão.
«Fim de jornada na cidade!», pensou Anton. Por sorte, ninguém sabia que acabava de
chegar um vampiro! E se tudo desse certo, ninguém saberia!
Anton deu meia volta e voltou pelo mesmo caminho. O pequeno vampiro lhe estava
esperando impaciente.
— Já pensava que não voltaria — disse.
Anton teve que rir burlonamente.
— E o que teria feito sem mim? Procurar o cemitério da cidade?
O vampiro lhe jogou um olhar furioso.
— Melhor me ajude a levar o caixão — grunhiu.
E enquanto olhava de esguelha o pescoço do Anton, acrescentou ameaçador:
— Ou quer esperar ficar com fome?
— Fome? — assustou-se Anton. Mas se em seguida estamos em Pequeno-
Oldenbüttel... Só fica há dois quilômetros. Conseguiremo-lo em seguida.
— É que agora conhece o caminho?
— Sim.
— Está bem, vamos então!

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O vampiro agarrou o extremo posterior do caixão. Anton levantou o extremo anterior.
Assim levaram o caixão até a estrada. Ali Anton olhou a esquerda e direita; logo assentiu
com a cabeça ao vampiro.
— Vamos — sussurrou.
A porta da hospedaria estava aberta quando passaram na frente. Ressonava música a
todo volume, mas não se via ninguém. Anton se deteve na sombra de um carro que
estava estacionado diante da hospedaria.
— O que acontece? — sussurrou o vampiro. É que não sabe em que direção temos que
ir?
— Sim. Só estou pensando que lado da estrada é melhor.
O vampiro olhou para o outro lado.
— Aquele dali, naturalmente! Ali não há casas. Além disso, podemos nos esconder
entre os arbustos e os matagais no caso de vir um carro.
— Mas ir pela alta erva cansa muito — disse Anton.
Ele teria preferido ir por aquele lado da estrada que tinha calçada. Ao fim e ao cabo
ainda tinham que andar muito e já começava a doer as mãos!
Mas o vampiro disse decidido:
— Por ali é muito mais seguro!
— Se você acha... — disse Anton.
Cruzaram a estrada e seguiram andando em direção para Pequeno-Oldenbüttel.
Depois de um momento disse Anton:
— Tenho necessidade.
— Tem necessidade? — perguntou o vampiro. Do que? De descansar?
Anton pigarreou.
— Eu..., né, porque tenho necessidade.
Um carro se aproximava. Rapidamente deixaram o caixão no chão e se esconderam
detrás de um arbusto.
—Alguma vez tem necessidade? — perguntou Anton.
— E do eu teria que ter necessidade?
— Bom, tenho necessidade de fazer pi...
— Ah, vá!
Ao fim lhe tinha entendido o vampiro.
— Referia a isso! Não, eu isso o fiz por última vez aproximadamente faz cem anos.
— Seriamente? — surpreendeu-se Anton. Isso ocorre a todos os vampiros?
O vampiro lhe olhou rindo burlonamente.
— Pensava que a Anna não?
— Por que pensa na Anna? — ofendeu-se Anton.
Notou como ficava vermelho.
Rapidamente disse:
— Bom, vou! — e desapareceu detrás de uma árvore.
— Mas ande pressa!
Depois seguiram seu caminho. Logo as mãos do Anton ardiam e sentia os braços e os
ombros como se fossem de chumbo.
— Pode ainda? — perguntou o vampiro.
— Humm — disse Anton com voz oprimida.

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A alguma distância viu o pôster de Pequeno-Oldenbüttel. Até ali poderia agüentar!

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Em apuros!

Atrás do letreiro a estrada havia uma bifurcação. Anton leu o que punha nos pôsteres
indicadores: a «Estrada Nacional do Motten» seguia; a «Rua Velha da cidade» dobrava à
direita.
— Aqui está! — exclamou excitado.
— Quem? —perguntou desconfiado o vampiro.
— A rua que procuramos. Rua Velha, treze... É para ali que temos que ir!
A perspectiva de alcançar logo a meta de sua viagem proporcionou novas forças ao
Anton. Seguiu andando tão apressadamente que Rüdiger logo que podia lhe seguiu o
passo.
— Ali diante está a granja!
Anton sentiu como seu coração pulsava mais de pressa.
— Vê-a? O grande celeiro, o estábulo e, ao lado, a casa Branca.
— Como sabe com toda segurança que é essa a casa?
— Porque já estive aqui.
— E está completamente seguro?
— Sim.
— Então realmente já não te necessito para nada — declarou o vampiro.
Anton parou surpreso.
— O que quer dizer com isso?
— Muito simples. A última parte já posso fazê-lo sozinho.
— E eu?
— Você retorna para casa — disse com indiferença o vampiro.
Anton ficou sem fala durante uns segundos. Logo exclamou:
— Sozinho?
— Por que não? — fez como se estivesse surpreso o vampiro. Sem mim pode viajar no
trem com muito menos perigo...
— Mas já não há nenhum trem!
— Não?
— Não! Já tinha verificado.
O vampiro olhou ao Anton surpreso.
— Como vais voltar para casa então?
— Contigo! Trouxe a propósito a segunda capa, ainda a tinha de quando Ana me
trouxe.
— Trouxeste-te a capa? Isso é estupendo!
O vampiro riu com voz rouca.
— Então não necessita o trem para nada. Pode ir voando a casa!
— Você lhe dispõe isso de maravilha! — disse Anton zangado. Eu te trouxe até aqui,
ajudei-te a levar o caixão...
De repente notou que ainda estava carregando o caixão e deixou cair seu extremo na
erva, produzindo um estrépito.
— Ei! — gritou o vampiro.
—... e já nem sequer se importa em voar para casa comigo!

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— Tem que compreendê-lo — disse o vampiro sorrindo tímido. Eu aqui tenho também
que...
Fez uma pausa e logo grasnou:
—... me habituar!
— Você sempre pensa somente em ti! — disse amargo Anton.
— É que também, sendo vampiro, a gente tem que fazer isso!... Além disso, tampouco
é tão ruim voar sozinho — acrescentou. Eu, ao fim e ao cabo, faço-o todas as noites,
embora me assuste a escuridão.
— E como vou encontrar o caminho?
— Voa simplesmente seguindo os trilhos.
— E se alguém me ver?
O vampiro fez um gesto negativo.
— A estas horas as pessoas estão dormindo. Ninguém te verá.
— E se me encontro pelo caminho com Tia Dorothee?
— Então pensará que você é também um vampiro e te deixará tranqüilo.
Nesse momento chegou do estábulo um forte «beee». Sobre o pálido rosto do vampiro
apareceu um sorriso faminto e seus afiados dentes reluziram à luz da lua.
— Ouviste? — sussurrou. Uma ovelha! Uma ovelha viva e cheia de sangue!
Agarrou seu caixão e se dispôs a partir.
— Até manhã! — disse.
Logo desapareceu entre as árvores.
Anton ficou olhando-o. Como podia ter sido tão crédulo pensando que o vampiro lhe
acompanharia de volta para casa?! De qualquer maneira não era a primeira vez que o
vampiro lhe deixava na mão!
Cheio de medo pensou no comprido e solitário vôo de volta. Mas não havia outra
solução: tinha que consegui-lo! Tirou da bolsa a capa de vampiro e a pôs. Logo estendeu
os braços e saiu voando com movimentos inseguros..., como uma traça que se queimou
com um abajur.

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Falsa suspeita

— Anton, acordada!
Anton abriu os olhos. Confuso, perguntou-se de onde vinha a repentina claridade. Não
estava ainda voando através do céu noturno?
— Anton, ande pressa!
Era a voz de sua mãe.
— vamos tomar o café da manhã.
— Tomar o café da manhã? — murmurou Anton.
Mas ele tinha que ir voando para casa, sempre seguindo os trilhos...
Abriu-se a porta do quarto e sua mãe entrou.
— Anton! — disse em tom de recriminação. Vamos partir em seguida e você ainda
está na cama!
Anton pestanejou. Ou seja, que então já fazia muito que estava em casa!
— Papai já tem o café da manhã preparado, as malas estão no carro..., só estamos
esperando você.
— Sim, em seguida.
Anton se sentou com dificuldade. Doía-lhe todo o corpo, mas especialmente os ombros
e os braços. Sentia-os como se tivesse sustentado peso durante horas. Gemeu em voz
baixa.
— Uma noite de televisão é tremendamente exaustiva, verdade? — disse sua mãe.
— por quê?
— Nós não chegamos a casa até as duas, mas só estamos cansados a metade do que
você está.
— Que horas?
— Nove e meia.
— Nove e meia... — repetiu lentamente Anton, arranhando a cabeça.
— Diz a verdade: quanto tempo esteve vendo a televisão?
«Nada absolutamente», tivesse preferido responder Anton de acordo com a verdade.
Mas então teria que buscar-se outra explicação para seu sonho tão largo, e para isso
estava muito cansado.
— Até as onze — disse por fim.
— Tanto tempo! — exclamou indignada sua mãe. Havíamos-lhe dito expressamente
que só até as dez!
— Vocês vão tomar café da manhã? — exclamou o pai da cozinha.
—Anton esteve vendo a televisão até as onze! — gritou-lhe como resposta a mãe. O
que te parece isso?
— É..., estava tão interessante... — disse Anton.
— Interessante? O que é o que havia?
Anton se assustou. Não tinha nem idéia do que tinham posto na televisão a noite
anterior.
— Hei-o O... esqueci — murmurou.
— Vêm de uma vez? — exclamou o pai do Anton.
— Olharei o programa de televisão — anunciou a mãe. Que canal era?
— Né..., o segundo.

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A mãe de Anton tinha ido embora. "Eu desejo que não tenha passado um filme de
terror ontem", ele pensou. Se não, ele continuaria imerecidamente, a aumentar sua má
reputação junto a seus pais!
Levantou-se e se vestiu. Então se lembrou da capa de vampiro que tinha metido na
noite anterior debaixo do colchão. Fora como fora, tinha que levá-la para Pequeno-
Oldenbüttel..., mas, como?
Sua mala estava colocada desde fazia muito tempo no carro. E tampouco se podia
levar a capa posta. Indeciso, olhou pelo quarto. Seu olhar foi dar na mochila do colégio,
que estava junto a escrivaninha..., e então teve a idéia salvadora.
— Ouça, mamãe — exclamou. Posso levar a mochila do colégio? Eu gostaria de
aprender algo mais para o colégio.
— Em férias?
— Sim. Porque agora vou fazer um curso superior...
— Naturalmente que pode!
Ao Anton pareceu que a voz de sua mãe soava algo desconfiada. Isso nunca tinha
acontecido, dele querer levar seu material quando saia de férias escolares. E a
desconfiança dela estava bastante justificada: ele não queria realmente aprender nada
para o colégio!
Dobrou a capa. Acabava-a de esconder na mochila debaixo dos livros e dos cadernos
quando entrou sua mãe pela segunda vez no quarto. Observou com receio a mochila.
— E aí dentro há livros escolares?
Anton teve que reprimir uma risada zombadora.
— Claro!
— Posso vê-lo?
— Por quê?
— Porque tenho a suspeita de que você quer levar escondido desta maneira os livros
de vampiros a Pequeno-Oldenbüttel!
— Mas, mamãe! — protestou Anton.
— Sim, sim! E isso nós não queremos.
Anton meditou. Se ela queria olhar dentro da mochila, ele, de todas formas, não
poderia evitá-lo. Mas possivelmente tivesse sorte e não visse a capa!
Com uma sensação desagradável deu a mochila.
Ela tirou um par de livros e cadernos, leu os títulos e logo sacudiu incrédula a cabeça.
— Todos livros escolar — disse a meia voz. Então fui injusta contigo.
Anton riu satisfeito.
— Mas como cheira sua carteira! — acrescentou preocupada. A mofo!
Anton mordeu os lábios para não rir.
— Você acha?
Rapidamente fechou a mochila.
— Por certo — disse a mãe. Eu me surpreendi muito pelo seus gostos televisivos.
— Por quê?
— "Sábado: 20.15; «Coquetel de Operetas», 22.10; «Hoje», 22.15; «Os Alegres
Músicos Populares», até as 23.05" — leu no programa da televisão.
Anton notou como ficava vermelho.
— É que tinha vontades de ouvir música — disse tímido.
— De operetas e música popular? Isto sim que é novo!

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— Bom, é que... — pigarreou — papai diz que tem que ver de tudo.
— Sobre tudo digo que os ovos e o café vão esfriar se não vir em seguida.
— Já vamos — respondeu a mãe.
Ela foi à frente e Anton a seguiu.
Estava contente de haver escapado de suas atormentadoras pergunta.

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O ar do campo cansa

Durante a viagem a Pequeno-Oldenbüttel Anton tentou ler uma história em


quadrinhos. Mas logo as letras começaram a dançar diante de seus olhos.
— Anton vai dormir logo! — observou sua mãe, que ia ao volante e podia lhe observar
pelo espelho retrovisor.
— Isso é pelo ar do campo — opinou o pai, que estudava sobre Pequeno-Oldenbüttel e
arredores.
Anton teve que segurar a risada: apenas fazia um quarto de hora que tinham saído de
casa e o suposto ar «do campo» já tinha que lhe deixado cansado! Por outra lado, com
isso tinha uma desculpa ara nos próximos dias.
— Sim, exato — disse por fim. O ar do campo cansa.
Bocejou com atenção para reforçar suas palavras.
— Devem ser, mais pelo coquetel de operetas e os músicos populares — disse
zombadora sua mãe.
Anton optou por não responder nada. Melhor ler algumas páginas de seus quadrinhos.
Então ele fechou os olhos e dormiu.
Era de noite. Anton estava sentado no ramo de um grande carvalho descansando um
momento antes de seguir voando. Os trilhos da ferrovia brilhavam à luz da lua. Tudo
parecia tranqüilo e aprazível. Anton apoiou sua cabeça contra o tronco e fechou os olhos
durante um momento.
De repente lhe sobressaltou um alto «hip».
Olhou em volta assustado. Tinha algo para lá no banco? Ele encontrou um coelho que
desapareceu no mato. Então, algo estalou de entre as bétulas. O coração de Anton
começou a bater mais rápido. Alguém estava andando por lá! Novamente houve 'hip hop'
e imediatamente à esquerda da escuridão das árvores, uma figura com um longo manto
negro. À luz da lua Anton reconhecido tia Dorothee!
Percorreu-lhe um pânico gelado. Teria-lhe farejado já?
Mas Tia Dorothee parecia ter preocupações completamente diferentes. Ia
cambaleando-se de forma estranha, fazia de vez em quando «hip» e olhava confusa para
trás.
Anton ouviu como soltava impropérios:
— Bêbado, maldito, por sua culpa tenho que ir agora a pé!
Sua voz soava raramente arrastada.
Então Anton soube de repente por que ela se comportava ela de forma tão particular:
havia tornado a estar em um baile do povo..., naturalmente não para dançar, a não ser
para espreitar adiante do local. Ao que parecia, tinha ido dar com um homem que tinha
bebido muito..., tanto que ela agora não podia nem voar!
Anton teve que rir ironicamente.
Ele seguia rindo ironicamente quando o carro se deteve.
— Anton!
Essa era a voz de seu pai.
Anton olhou a seu redor cochilando.
— Onde estamos?
— Em Pequeno-Oldenbüttel.
Anton reconheceu a casa Branca, o celeiro grande, e a caminhonete azul claro que
estava diante do celeiro também a tinha visto uma vez: a noite anterior na estação de
Grande-Oldenbüttel! Ou seja, as duas mulheres dos trajes típicos eram, do mesmo
modo, hóspedes da granja!

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— O que faltava! — queixou-se.
— Há já algo que você não gosta? — perguntou zangada sua mãe.
Anton desceu com as pernas rígidas.
— Não, não! Parece-me tudo maravilhoso!
Jogando um olhar ao celeiro acrescentou:
— Além disso, apostaria algo que aqui há um vampiro!
— Seguro! — disse cáustica a mãe. Os vampiros são o mais importante.

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