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INDÍGENA
Marilda Almeida Marfan
Organizadora
Vo l u m e 4
Brasília
2002
PRESIDENTES DO CONGRESSO
IARA GLÓRIA AREIAS PRADO
Secretária de Educação Fundamental
MARIA AUXILIADORA ALBERGARIA
Chefe de Gabinete
COMISSÃO ORGANIZADORA
Coordenadora: Rosangela Maria Siqueira Barreto
Renata Costa Cabral
Fábio Passarinho de Gusmão
Lívia Coelho Paes Barreto
Sueli Teixeira Mello
COMISSÃO CIENTÍFICA
Coordenadora: Marilda Almeida Marfan
Ana Rosa Abreu
Cleyde de Alencar Tormena
Jean Paraizo Alves
Leda Maria Seffrin
Lucila Pinsard Vianna
Nabiha Gebrim de Souza
Stella Maris Lagos Oliveira
CDU 371.13
Patrocínio: PETROBRAS
Apoio: Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 5
Iara Glória Areias Prado
SIMPÓSIOS
SIMPÓSIO 1 9
EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA DIVERSIDADE CULTURAL
Héctor Muñoz Cruz
SIMPÓSIO 2 19
POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL
Jean Paraízo Alves
Maria Helena Fialho
SIMPÓSIO 3 29
EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE CULTURAL E CIDADANIA: OS POVOS INDÍGENAS E A ESCOLA
Inge Sichra
SIMPÓSIO 4 41
EXPERIÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR INDÍGENA
Edivanda Mugrabi
Elias Renato da Silva Januário
Maria Inês de Almeida
Marilda C. Cavalcanti
SIMPÓSIO 5 61
AS ORGANIZAÇÕES DE PROFESSORES NO BRASIL:
RELAÇÕES COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AS ESCOLAS INDÍGENAS
Jaime Costódio Manoel
Cristóvão Teixeira Abrantes
PAINEL 1 71
A QUESTÃO INDÍGENA NA SALA DE AULA
Ana Vera Macedo
Rosani Moreira Leitão
Betty Mindlin
José Ribamar Bessa Freire
PAINEL 2 101
AS EXPERIÊNCIAS DOS CONSELHOS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
José Ademir Gomes e Jecinaldo Barbosa Cabral
Elias Renato da Silva Januário
PAINEL 3 107
O PAPEL DA ANTROPOLOGIA, DA LINGÜÍSTICA E DA PEDAGOGIA NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Judite Gonçalves de Albuquerque
PAINEL 4 113
POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS E A ESCOLA INDÍGENA
Wilmar da Rocha D’Angelis
Marcus Maia
PAINEL 5 129
LEGISLAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Luís Donisete Benzi Grupioni
Darci Secchi
Vilmar Guarani
PAINEL 6 145
OS ETNOCONHECIMENTOS NA ESCOLA INDÍGENA
Carlos Alfredo Argüello
José Augusto Laranjeiras Sampaio
Roseli de Alvarenga Corrêa
PAINEL 7 161
EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS
Jussara Gomes Gruber
Maria Cristina Troncarelli
Zélia Maria Rezende
Marlene de Oliveira
PAINEL 8 177
EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS
Eunice Dias de Paula
Terezinha Furtado de Mendonça
PAINEL 9 187
EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS
Bruno Kaingang
Arlene Bonfim
PAINEL 10 199
PRÁTICA DE SALA DE AULA NA ESCOLA INDÍGENA
Yolanda dos Santos Mendonça
Alzenira Felipe Marques
APRESENTAÇÃO
EDUCAÇÃO NO CONTEXTO
DA DIVERSIDADE CULTURAL
Héctor Muñoz Cruz
9
A educação no contexto
○
○
○
da diversidade
○
○
○
○
Héctor Muñoz Cruz
○
○
Universidade Autônoma Metropolitana/México
○
○
○
○
○
lidade, a natureza e, sobretudo, as conseqü-
Natureza e impacto
○
○
ências desse fenômeno extrapolam quase que
○
da diversidade
○
por completo a imaginação popular e as pes-
○
quisas mais rigorosas. Ainda assim, no pre-
○
○
sente trabalho procuro propor algumas impli-
○
Este país encontra-se completamente despreparado
○
e, em alguns casos, sem vontade de atender às cações dos aspectos contemporâneos da di-
○
○
emergência para lecionar. Esses professores têm assimilação e perda da diversidade cultural
○
poucas oportunidades para desenvolver uma e intelectual. Como interpretar essa tendên-
○
○
compreensão do que significa lecionar em uma cia? Quais são as dimensões e implicações
○
Gutiérrez, apud McLaren, 1995: 184. é de todo inadequado imaginar-se uma ana-
○
e a pesquisa científica sobre a heterogeneida- dade biológica no planeta, não é menos ca-
○
○
peram com tal impacto nas platafor mas opiniões podem ser emitidas.
○
○
que nos foi legado com dor por uma realida- dução na comunicação e na continuidade cul-
○
10
SIMPÓSIO 1
Educação no contexto da diversidade cultural
○
○
socioculturais dos sujeitos em relação às neces- migração, as políticas de preservação das lín-
○
○
sidades dos projetos globais. Em suma, há todo guas, culturas e identidades das populações
○
○
um campo a ser pesquisado no qual, entretan- originais adquiriram grande relevância, junta-
○
to, a maioria das preferências explicativas pro- mente com o fomento da comunicação
○
○
postas decorre de uma visão superficial e des- intercultural e multilingüística e a eliminação
○
○
critiva da diversidade. de ranços sociais e educacionais. Do ponto de
○
A esse respeito, as possibilidades de in- vista das ações governamentais, na realidade, 10
○
○
tervenção ou de prevenção implicam tarefas não existem no momento soluções harmôni-
○
○
tais como uma adequada compreensão da cas para o reconhecimento e a reconciliação
○
○
perda de diversidade, rechaçando-se a con- das particularidades culturais e lingüísticas nas
○
cepção de que seja uma condição normal do novas estruturas nacionais.
○
○
mundo moderno e uma efetiva potencializa-
○
○
ção dos recursos e das identidades culturais Assim, já não podemos considerar que os seres
○
humanos criam seu entorno técnico e econô-
○
das comunidades afetadas. As soluções e as
○
estratégias estão longe de serem universais. mico [...] a partir de agora são as indústrias cul-
○
○
As decisões e as opções são prerrogativas cla- turais (em particular o ensino, a assistência sa-
○
1999: 54).
○
(Ladefoge, 1992).
○
informais;
○
o conjunto social.
○
recentes sobre desenvolvimento social inclusi- • aumento das desigualdades nos sistemas
○
○
siderados;
○
as particularidades étnicas e lingüísticas à de- cial nas zonas rurais; aumento da lacuna
○
cíficas;
○
sigualdades.1
○
○
○
○
○
1
Nossos países devem optar por um desenvolvimento sustentável e pela paz, e construir uma democracia multiétnica e pluricultural, o que
○
○
significa que os Estados devem se esforçar para entender a diversidade. Essa corrente, em seu afã para criar novos paradigmas, resgata a
○
autoridade, a diversidade cultural, a interação com a natureza e a pluralidade de saberes como expressões enriquecedoras e não-problemá-
○
○
○
ção Fundamental ainda é deficitário (SEP,
○
compromisso com o
○
2000a e 2000b).
○
desenvolvimento educacional
○
As experiências sociais mais freqüentes da
○
○
diversidade (auto-integração, assimilação, mi-
As transformações na área da educação
○
gração e ressocialização) comprometem obje-
○
sempre apresentam um referencial sócio-his-
○
tivos e atividades no âmbito da tecnologia dos
○
tórico que pode impulsioná-las ou bloqueá-
○
meios de comunicação, a educação em geral, o
las. A situação da formação de professores no
○
ensino dos idiomas, o acesso ao trabalho em no-
○
marco do multiculturalismo contemporâneo
○
vas áreas, a democratização da justiça e a diversi-
○
não é exceção. Para educadores, funcionários
○
ficação dos serviços de informação e tradução.
○
e líderes de movimentos sociais, o debate so-
○
As situações conflitantes do multicul-
bre a educação, sensível à diversidade cultural
○
turalismo aprofundam a desilusão e a frustra-
○
das populações discriminadas, gira em torno
○
ção das comunidades no que se refere à vonta-
○
○
do direito e do reconhecimento do todo nacio-
de e à orientação políticas do Estado. As deman- ○
va (Unesco, 1997).
○
vocam.
○
2
A crise na educação de hoje tem gerado profundas discrepâncias sobre o papel da escola na sociedade. É grande a necessidade de ajustar-
○
se a questão educacional às necessidades da sociedade e, especialmente, de abandonar a concepção e os conteúdos da escola pública
○
tradicional. Assim, no que se refere às escolas, inicia-se o progressivo consenso social de que sua atribuição não se limita a ensinar as
○
○
crianças e a fornecer-lhes as habilidades básicas necessárias em uma sociedade tecnológica complexa, mas inclui também a solução do
○
dilema da discriminação social e da violência, a fim de proporcionar oportunidades às mulheres e às populações étnicas, visando à sociali-
○
zação de gerações de migrantes do campo para a cidade e para canalizar a transformação de políticas sociais.
○
12
SIMPÓSIO 1
Educação no contexto da diversidade cultural
vel à população envolvida. Até o momento, educação sensível à diversidade cultural e lin-
○
○
tem-se abusado de plataformas sociopolíticas güística (povos indígenas). A partir de seto-
○
○
e descritivas para corroborar a necessidade de res técnicos de projetos EIB, com apoio inter-
○
○
transformar o sistema, os modelos acadêmi- nacional, e, especialmente, de pesquisadores,
○
cos e as práticas escolares em relação à diver- tentou-se estabelecer um tipo de história
○
○
sidade. Mas talvez o melhor passo seja abrir científica das orientações principais ou, figu-
○
○
o u d e m o c ra t i z a r a g e s t ã o d a e d u c a ç ã o rativamente, paradigmas da Educação Indí-
○
multicultural plural para atrair o compromis- gena escolarizada, a fim de sustentar o cará- 12
○
○
so e a criatividade demonstrados por muitos ter progressivo e alternativo da doutrina
○
○
professores. intercultural bilíngüe.
○
○
Mas antes seria conveniente fazer duas
○
observações. Primeiro, essa preocupação tem
Impacto da diversidade
○
○
sua origem no desenho de ações e projetos de
○
lingüística e cultural no
○
desenvolvimento educacional inovadores e
○
desenvolvimento educacional
○
diferenciados promovidos por agências inter-
○
nacionais. As comunidades indígenas foram
○
○
Na educação escolarizada, parece verifi- mais receptivas a essas preocupações. E, se-
○
○
cacional, que permita vislumbrar as mudan- mas. As discussões paradigmáticas, até certo
○
○
ças socioculturais e as realidades escolares ponto, criam a ilusão de que os antigos pro-
○
4
atuais para discutir a reforma da educação, educacionais.
○
○
com novas tendências curriculares do siste- Mas também devemos reconhecer um as-
○
àqueles que dele necessitem. Da mesma for- tem a vontade política de influir no futuro da
○
○
ma, novas tecnologias surgiram para a elabo- sociedade e da identidade indígena, rede-
○
livro didático.
○
jetivos tradicionais de cobertura e igualdade gena e afro-americana dos atuais países lati-
○
celência acadêmica. 3
○
3
Utilizo nessa idéia a terminologia de Kelly (1985), ou seja, a adequação entre a formação escolarizada e o desenvolvimento socioeconômico
○
○
da comunidade.
○
4
○
As dificuldades relativas à educação bilíngüe, como o ensino do espanhol como segunda língua e a normatização ortográfica das línguas
○
indígenas, continuam pendentes e são atendidas por antigas práticas pedagógicas, típicas do paradigma bilíngüe. De certa forma, continu-
○
am a reinar, na pedagogia das escolas indígenas de 2001, concepções e práticas criadas há cinqüenta anos.
○
l í n g ü e é a s u b s t i t u i ç ã o i r re v e r s í ve l d o des e sua identidade. Por razões de política
○
○
paradigma bilíngüe bicultural. Anteriormen- mundial, assume-se o princípio do intercultu-
○
○
te, nos anos 1970, a doutrina da Educação In- ralismo dual ou polarizado, que circulou nes-
○
○
dígena bilíngüe e bicultural havia sido subs- ses ambientes educacionais com a bicultura-
○
tituída pela antiga proposta integracionista lização servindo de complemento à educação
○
○
dos anos 1930 chamada “educação bilíngüe”. bilíngüe. Entretanto, dadas a escassa experiên-
○
○
Apresento, no quadro abaixo, essa seqüência cia inovadora e a quase inexistente pesquisa
○
histórica. sobre a Educação Indígena àquela época, o
○
○
Na proposta gráfica acima, atribuímos gran- componente bilíngüe experimentou um de-
○
○
senvolvimento central, com princípios e
○
Quadro 1
○
tecnologia da lingüística aplicada. Como resul-
○
tado, prevaleceram a “castelhanização” e a
○
Paradigmas da Educação Indígena
○
escolarizada na América Latina monoculturalização dos currículos e da apren-
○
○
dizagem. A Educação Indígena não escapou à
○
A diversidade como problema Modelo democratizador ○
(educação bilíngüe)
○
crise e ao ranço planetário em matéria de edu-
cação, talvez com mais profundidade devido
○
○
A diversidade como direito Modelos liberais de capital humano A terceira orientação constitui a utopia ou a
○
do e o idioma hispânico.
○
5 Muñoz (2001a) e outros assinalam que não foi possível implantar essa política pública nos processos comunitários e escolares devido à
○
○
14
SIMPÓSIO 1
Educação no contexto da diversidade cultural
○
○
dade cada vez melhor” (SEP, 2000a: 11). cacional integral, aprendemos a identificar, a
○
○
Essas reorientações representam acordos e expandir nossa compreensão e também a
○
○
objetivos assumidos pelos Estados nacionais relativizar os discursos dos diferentes setores
○
com a corrente internacional de humanização sobre as políticas públicas, as quais decorrem
○
○
do desenvolvimento e aprofundam a moderni- de princípios e condições ideológicas para pro-
○
○
zação educacional, com componentes de igual- mover uma grande mudança educacional que
○
dade, qualidade e pertinência. busca estabelecer novos termos com o desen- 14
○
○
Com base nesse horizonte histórico não- volvimento econômico e político, no qual “a
○
○
linear, vale ressaltar a importância de que se democracia de nossos países encontrará na
○
○
trabalhe com uma perspectiva de processo educação intercultural bilíngüe um dos princi-
○
complexo e articulado em várias dimensões pais instrumentos para sua consolidação”
○
○
educacionais, assimetricamente relacionadas, (Cárdenas, 1997: 29).
○
○
cuja convergência ou divergência decorre do
○
Quadro 3
○
êxito ou da crise da educação em geral. A esse
○
respeito, sugiro que a transformação da edu- Objetivos globais de política educacional
○
○
cação orientada para o multiculturalismo plu-
○
○
relacionados à diversidade
ral advirá principalmente do nível das realida-
○
1. Aumento da cobertura
○
1. Aprimoramento da formação
○
2. Desenvolvimento de
○
problemas
○
○
○
educacional
○
responsabilidade política e
○
Política educacional,
○
Transmissão de qualidades
○
sistema
○
○
Ciclos participativos
○
○
○
das por meio de pesquisas científicas que nos mar-se com indicadores endógenos.
○
○
ajudam a compreender a situação multiétnica 4. A construção de um grande sistema edu-
○
○
e pluricultural do país. De sua parte, as insti- cacional exerceu uma influência negativa
○
tuições governamentais assimilaram e recria- sobre a condição do ensino. Apresenta-se
○
○
ram, dando-lhe forma, uma avançada política como um sistema complexo que não faci-
○
○
sociocultural do Estado, mas que não se tra- lita a transferência de suas funções, por-
○
duz em uma política congruente de governo, que dispõe de objetivos múltiplos, ime-
○
○
nem na necessária compreensão e aceitação diatos e imprecisos para atender à natu-
○
reza de seu objeto que é transformar se-
○
pela sociedade nacional.
○
res humanos pobres, marginalizados e
○
Podemos concordar ou não com essa pro-
○
discriminados.
posta analítica, mas o que não podemos evitar
○
○
é, por um lado, imaginar o desenvolvimento Todas essas características condicionam
○
○
educacional como um todo com componen- com grande força a forma pela qual o siste-
○
tes múltiplos e, por outro, definir de onde ○
○
ma reage às demandas sociais, assimila ou
advirão as tendências decisivas que promovam rechaça inovações e mudanças. Eis a propo-
○
○
1993: 19).
○
○
Sistemas educacionais
○
diferenciados
○
○
○
do dessa mudança.
○
cultural:
○
de gerou as principais dificuldades que os grande imprecisão no que se refere a seu alcan-
○
cia do ensino.
○
16
SIMPÓSIO 1
Educação no contexto da diversidade cultural
em uma tarefa necessária, a fim de explicar a HALE, Ken. On endangered languages and the safeguarding
○
○
of diversity. Language, v. 68, n. 1, p. 1-3, 1992.
variedade de casos concretos que compõe a re-
○
KELLY, Gail. Setting the boundaries of debate about
○
alidade das sociedades nacionais.
○
education. In: ALTBACH, Philip; KELLY, G.; WEIS, Lois.
○
Finalmente, as experiências conflitantes do Excellence in education. Buffalo, New York: Prometheus
○
multiculturalismo, o aspecto bilíngüe e a inte-
○
Books, 1985 p. 31-42.
○
gração das alterações socioculturais converte- LADEFOGE, Peter. Another view of endangered languages.
○
○
ram-se em tópicos bastante atuais nas institui- Language, v. 68, n. 4, p. 809-810, 1992.
○
ções oficiais e em comunidades e organizações LESOURNE, Jacques. Educación y sociedad. Los desafíos 16
○
○
del año 2000 . Barcelona: Gedisa, 1993.
sociais. Pouco a pouco, essas categorias vão
○
MCLAREN, Peter. La escuela como un performance ritual.
○
dando sustentação a um parâmetro de cidada-
○
Hacia una economía política de los símbolos y gestos
○
nia para a sociedade do futuro próximo, em que educativos. México: Siglo XXI, 1995.
○
se estabelecem novos problemas nacionais e se
○
MUÑOZ, Héctor. Los objetivos políticos y socioeconómicos
○
criam soluções recarregadas de valor democrá- de la educación intercultural bilingüe y los cambios que
○
○
tico e participativo. No momento, os fenôme- se necesitan en el currículo, en la enseñanza y en las
○
escuelas indígenas. Revista Iberoamer icana de
○
nos interculturais, o aspecto bilíngüe e a diver-
○
Educación , Madrid: Organização dos Estados Íbero-
sidade étnica estão servindo para criar novos
○
Americanos, 17: 31-50, 1998.
○
parâmetros para a discussão da reforma da edu-
○
○
. (Coord.). Un futuro desde la autonomía y la
cação, novas tendências curriculares do siste- diversidad. Experiencias y voces por la educación en
○
○
que tendem a oferecer Ensino Fundamental a Xalapa, 2001a. Coleção da Biblioteca da Universidade
○
○
assumir os diferentes setores da sociedade. MUÑOZ, Héctor; LEWIN, Pedro (Eds.). El significado de la
○
ALBÓ, Xavier. Competencias para una educación e História – Centro INAH, 1996.
○
○
intercultural bilingüe . Documento de consultoria para a SARTORI, Giovani. La sociedad multiétnica . Pluralismo,
○
Secretaria Nacional de Educação. Bolívia, 1996. Manus- multiculturalismo y extranjeros. Editora Madrid : Taurus,
○
○
CÁRDENAS, Víctor H. Desafíos para el futuro de los pro- SECRETARÍA DE EDUCACIÓN PÚBLICA. México en el foro
○
○
gramas de la Educación Intercultural Bilingüe, de cara mundial de educación Dakar 2000. México: Dirección
○
. Las lenguas indígenas dentro y fuera de la . México Jomtien + 10. Evaluación nacional
○
○
escuela. Discurso de abertura. In: II CONGRESO LATI- de “Educación para todos” . México: Dirección General
○
BILINGÜE (1997). Santa Cruz de la Sierra, Bolívia: TOURAINE, A. Iguales y diferentes. In: Unesco. Informe
○
GROS, Christian. Etnicidad, violencia y ciudadanía: algunos dos. Madrid, 1999. p. 54-63.
○
comentarios sobre el caso latinoamericano. IHEAL–Uni- UNESCO. Nuestra diversidad creativa. Informe de la
○
○
versidade de Paris III, Cátedra Patrimonial Ciesas– Comisión Mundial de Cultura y Desarrollo. Versão resu-
○
POLÍTICAS PÚBLICAS EM
EDUCAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL
Jean Paraizo Alves
19
Novos atores e novas
○
○
○
cidadanias: o reconhecimento
○
○
○
dos direitos dos povos
○
○
○
indígenas a uma educação
○
○
○
escolar específica,
○
○
○
diferenciada, intercultural
○
○
○
e bilíngüe/multilíngüe
○
○
○
○
Jean Paraizo Alves
○
○
SEF/MEC ○
○
○
○
○
Esse trabalho procurará demonstrar como línguas maternas e dos processos próprios de
○
○
os entrelaçamentos entre novos atores – or- aprendizagem, bem como o respeito, a valo-
○
○
– e políticas públicas têm produzido no Bra- sa forma, passou a ser assegurada aos povos
○
sil, nos últimos dez anos pelo menos, uma indígenas a prerrogativa de uma educação
○
○
uma concepção de cidadania que, sem abrir diferenciada. Os povos indígenas, de acordo
○
○
mão de valores caros a esta, abre espaço para com esses princípios, devem ter acesso, por
○
o respeito à diferença, possibilitando uma efe- meio da leitura e da escrita, tanto nas línguas
○
○
A Educação Escolar Indígena vem se con- cimentos produzidos pelo seu próprio grupo,
○
○
solidando na América Latina em estreita re- por outros povos originários e pela sociedade
○
bem como com as reformas educativas nacio- De acordo com Monte, a educação inter-
○
○
nais. Em anos recentes, adquiriu uma dimen- cultural bilíngüe possui uma importante base
○
○
são política e institucional significativa para em países cuja população indígena apresenta
○
as diversas etnias que podem ser percebidas peso demográfico significativo, como é o caso
○
○
tadas para a organização de currículos das e do México. Em países como o Brasil, a Costa
○
○
Estamos assistimos, portanto, ao aumen- car presença. Todos esses países, de uma for-
○
○
gena, seja por meio da sua inscrição em cons- institucionais e legais o direito a uma modali-
○
organismos internacionais, seja incorporada des indígenas que estão dentro de suas fron-
○
○
dígenas (cf. Muñoz, 1998). Entre inúmeros A educação intercultural bilíngüe passa a
○
direitos assegurados aos povos originários ter reflexos políticos e legais, principalmente
○
○
previstos em documentos de organismos in- a partir dos anos 1980, quando inúmeros pa-
○
○
20
SIMPÓSIO 2
Políticas públicas em Educação Indígena no Brasil
ções, introduziram alterações em seus orde- cepções nativas e as dos não-índios; pressionar
○
○
namentos constitucionais e legais. 1 o Estado no sentido de reconhecer de fato a es-
○
○
Além disso, pudemos assistir a uma in- pecificidade das escolas indígenas, regulamen-
○
○
tensificação das interações entre sociedades in- tando as prerrogativas de que estas deverão
○
dígenas e não-indígenas, tanto no âmbito na- gozar. Nesse sentido, pode-se afirmar que os
○
○
cional quanto no internacional, que acirrou o professores estão constituindo uma nova forma
○
○
processo de construção de novas estratégias de de liderança no interior dessas comunidades.3
○
negociação de direitos e intermediação de con- No Brasil, a Constituição Federal (1988) tra- 21
○
○
flitos, contribuindo para a criação de novos ato- çou um quadro jurídico novo para a regulação
○
○
res para atuar nessas instâncias e situações.2 das relações do Estado com as sociedades in-
○
○
Nas últimas três décadas, houve uma visí- dígenas contemporâneas. Rompendo com uma
○
vel explosão no número de organizações indí- tradição de quase cinco séculos de política
○
○
genas em toda América Latina. Só nos estados integracionista, ela reconhece aos índios o di-
○
○
da Amazônia brasileira, Albert menciona a exis- reito à prática de suas formas culturais pró-
○
○
tência de 183 organizações indígenas. Para ele, prias. O artigo 231 da Carta Magna afirma que
○
esse é um fenômeno que tem início, no Brasil, “são reconhecidos aos índios sua organização
○
○
principalmente a partir de fins dos anos 1980 e social, costumes, línguas, crenças e tradições,
○
○
ganha maior intensidade nos anos 1990. Fato- e os direitos originários sobre as terras que tra-
○
○
tadas facilidades na constituição dessas asso- O artigo 210 assegura às comunidades indí-
○
ciações como pessoas jurídicas, a partir de al- genas, no Ensino Fundamental regular, o uso de
○
○
terações no sistema constitucional do país após suas línguas maternas e processos próprios de
○
○
são das questões relativas ao meio ambiente e ensino bilíngüe em suas escolas. O artigo 215
○
aos direitos das minorias étnicas para o âmbito define como dever do Estado a proteção das
○
○
cional para a sociedade civil e para o desenvol- na-se, portanto, instrumento de valorização dos
○
○
e relevante ator social tem se firmado e renova- com isso, uma efetiva interculturalidade.
○
do sua importância: o professor indígena. Esse A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
○
○
professor tem desempenhado os seguintes pa- cional – LDBEN (Lei nº 9.394/96) determina, em
○
○
péis: promover o registro de sua cultura, atu- seu artigo 78, que caberá ao Sistema de Ensino
○
○
ando como intermediário cultural entre as con- da União, com a colaboração das agências fe-
○
○
○
○
1
Nesse particular, duas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foram de suma importância: a Convenção sobre a
○
Proteção e Integração das Populações Aborígines e outras Populações Tribais e Semitribais de Países Independentes (Convenção OIT nº
○
107, de 1957), que contém 37 artigos estabelecendo a proteção de instituições, pessoas, bens e trabalho dos povos indígenas, inclusive
○
○
com direito à alfabetização em línguas indígenas, e a Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes (Convenção
○
OIT nº 169, de 1989), que reconhece que cabe aos povos indígenas decidir quais são suas prioridades em matéria de desenvolvimento.
○
○
2
Leitão aponta, além da criação de organizações indígenas, a participação no processo eleitoral e o surgimento das primeiras lideranças
○
encarregadas de intermediar o contato com os não-índios, como é o caso do “cacique”, por exemplo (cf. Leitão, 2001). No que se refere a
○
esse assunto, Wolf menciona a noção de brokers como de fundamental importância para a compreensão das relações estabelecidas entre
○
○
grupos específicos e sociedades nacionais, por meio de agentes que atuam como mediadores culturais que poderão passar despercebidos,
○
caso cada tipo de grupo ou sociedade seja analisado de forma isolada (cf. Wolf, 2001: 124-38).
○
○
3
O Ministério da Educação criou a Comissão Nacional de Professores Indígenas, que tem por finalidade subsidiar a formulação de políticas,
○
○
○
índios, desenvolver programas integrados de seadas nas noções de pluralismo cultural e de
○
○
ensino e pesquisa para oferta de educação es- diversidade étnica, o que resulta em concepções
○
○
colar bilíngüe e intercultural aos povos indíge- pedagógicas específicas e novos referenciais
○
nas, com os objetivos de: curriculares.
○
○
• proporcionar aos índios, suas comunidades
○
○
e povos, a recuperação de suas memórias A escola indígena tem como objetivo a conquis-
○
históricas, a reafirmação de suas identida- ta da autonomia socioeconômico-cultural de
○
○
des étnicas e a valorização de suas línguas e cada povo, contextualizada na recuperação de
○
ciências;
○
sua memória histórica, na reafirmação de sua
○
• garantir aos índios, suas comunidades e identidade étnica, no estudo e valorização da
○
○
seus povos, o acesso às informações, conhe- própria língua e da própria ciência, sintetizada
○
○
cimentos técnicos e científicos da socieda- em seus etnoconhecimentos, bem como no
○
de nacional e demais sociedades indígenas acesso às informações e aos conhecimentos téc-
○
○
e não-índias. ○
nicos e científicos da sociedade majoritária e das
demais sociedades, indígenas e não-indígenas
○
criando a categoria da “escola indígena”, a car- tanto para que estas escolas sejam de fato in-
○
como elaboraram referenciais específicos para sistema oficial, quanto para que sejam respei-
○
○
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Assim sendo, para cumprir os princípios e
○
○
Indígenas (RCNEI), devem ter as seguintes ca- os objetivos estabelecidos pela legislação e pôr
○
○
(MEC, 1998). No Brasil, a Educação Escolar In- (MEC) tem se empenhado em desenvolver
○
○
dígena proposta tanto por organizações da so- ações e programas caracterizados pela descen-
○
○
ciedade civil quanto pelo Estado passa a se ori- tralização, pelo respeito ao processo de lutas e
○
○
○
○
○
○
○
4
O parágrafo 1º do artigo 9º da Resolução CEB/CNE nº 03/99 dispõe que “os municípios poderão oferecer Educação Escolar Indígena, em
○
regime de colaboração com os respectivos estados, desde que se tenham constituído em sistemas de educação próprios, disponham de
○
condições técnicas e financeiras adequadas e contem com a anuência das comunidades indígenas interessadas”.
○
22
SIMPÓSIO 2
Políticas públicas em Educação Indígena no Brasil
conquistas dos povos indígenas e pelo atendi- ro, tornando-se aptas a transitar com seguran-
○
○
mento de demandas que contemplem a educa- ça “em dois mundos e em duas culturas”. 5
○
○
ção intercultural e bilíngüe e que visem primor- Assim sendo, torna-se necessário que, nos
○
○
dialmente investir na formação inicial e conti- próximos anos, para cumprir o determinado
○
nuada dos profissionais de Educação Indígena, no artigo 62 da LDBEN, sejam feitos investi-
○
○
estimular a produção e a publicação de materi- mentos que possibilitem a formação, em ní-
○
○
al didático específico e divulgar para a socieda- vel médio e superior, dos professores índios. 6
○
de nacional a existência da diversidade étnica, Nesse sentido, é de fundamental importância 23
○
○
lingüística e cultural no país. a articulação entre o Ministério da Educação,
○
○
Como vimos acima, a Constituição Federal universidades, Secretarias de Educação, orga-
○
○
e a atual LDBEN asseguram o uso e a manuten- nizações não-governamentais, associação de
○
ção das línguas maternas e o respeito às formas professores indígenas e as próprias comuni-
○
○
próprias de aprendizagem das sociedades indí- dades, pois essa formação exige, além de uma
○
○
genas no processo escolar. O artigo 8º, caput, metodologia específica, profissionais alta-
○
○
da Resolução CEB/CNE nº 03/99 afirma o prin- mente qualificados. 7
○
cípio de que a atividade docente na escola in- Resta ainda salientar a importância da pro-
○
○
dígena será exercida prioritariamente por pro- dução de livros didáticos para uso nas escolas
○
○
fessores indígenas oriundos da respectiva etnia. indígenas do país, produzidos pelos professo-
○
○
Isso exige a elaboração de programas diferen- res indígenas e seus assessores. Uma formação
○
ciados de formação inicial e continuada de pro- de qualidade deve estar associada à produção
○
○
fessores. Essa formação deve fornecer aos pro- e à publicação de material didático que reflita
○
○
fessores índios as habilidades necessárias para e respeite a visão de mundo de cada povo in-
○
ficos para as suas escolas para o ensino bilín- Na elaboração desses materiais, os docentes
○
○
sistematização e incorporação dos conheci- tes formas de linguagem, partindo de seus co-
○
mentos e saberes tradicionais das sociedades nhecimentos étnicos e contando com a cola-
○
○
como o uso dos conhecimentos universais. A rial didático realiza-se com a publicação dos
○
○
escola é percebida por vários povos como o es- materiais didático-pedagógicos elaborados pe-
○
○
paço privilegiado em que as novas gerações são los professores índios, durante os cursos de for-
○
○
preparadas para enfrentar os desafios do futu- mação, apoiados pelo MEC ou por outros órgãos
○
○
○
○
○
○
5
De acordo com Leitão, “a aprendizagem da escrita da língua materna e dos conteúdos das tradições, na escola indígena, é uma necessida-
○
de, pois ela pode contribuir para reforçar os vínculos dos jovens com a cultura tradicional e formar uma identidade étnica comprometida com
○
os interesses da comunidade. Por outro lado, a escola também deve proporcionar o conhecimento da língua oficial e dos conteúdos que
○
○
servirão como base para a aprendizagem dos padrões de funcionamento da sociedade envolvente e de conhecimentos técnicos e científicos
○
6
O artigo 4 o da Resolução CEB/CNE nº 03/97 define que “o exercício da docência na carreira de magistério exige, como qualificação mínima:
○
I – ensino médio completo, na modalidade normal, para a docência na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental;
○
II – ensino superior em curso de licenciatura, de graduação plena, com habilitações específicas em área própria, para a docência nas séries
○
○
finais do ensino fundamental e no ensino médio; III – formação superior em área correspondente e complementação nos termos da legisla-
○
ção vigente, para a docência em áreas específicas das séries finais do ensino fundamental e do ensino médio. [...] § 2 o A União, os Estados
○
e os Municípios colaborarão para que, no prazo de cinco anos, seja universalizada a observância das exigências mínimas de formação para
○
7
No que diz respeito à formação continuada, o Ministério da Educação brasileiro está oferecendo o Programa Parâmetros em Ação de
○
○
Educação Escolar Indígena. Esse programa busca criar uma cultura de formação continuada no interior das escolas e sistemas de ensino,
○
bem como fomentar o estudo em grupo, a leitura compartilhada de textos e a reflexão, por parte dos profissionais da educação, acerca de sua
○
prática docente.
○
e entidades. Esses materiais passam por uma Bibliografia
○
○
análise quanto à qualidade pedagógica, lingüís-
○
ALBERT, Bruce. Associações indígenas e desenvolvimen-
○
tica e antropológica, realizada pela Comissão de
○
to sustentável na Amazônia Brasileira. Povos indíge-
○
Análise de Projetos de Educação Escolar Indí- nas no Brasil: 1996/2000. São Paulo/Brasília: Instituto
○
gena/MEC.
○
Socioambiental, 2001. p. 195-217.
○
O Ministério da Educação tem fomentado LEITÃO, R. M. Estudantes indígenas em escolas de bran-
○
○
ainda a divulgação da temática indígena para a co: expectativas e dificuldades. In: OLIVEIRA, Dijaci
○
sociedade nacional, buscando, com isso, com- David de et al. 50 anos depois: relações raciais e gru-
○
○
pos socialmente segregados. Brasília/Goiânia: MNDH/
bater a discriminação e o preconceito, ainda
○
Cegraf, 1999.
○
vigentes, em relação às sociedades indígenas, e
○
. O papel da educacão escolar na formacão
○
procurando valorizar a diversidade socio- de lideranças indígenas. 21ª Reunião Nacional da As-
○
cultural do país. A temática indígena, nessa
○
sociação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
○
perspectiva, deve ser abordada de maneira Educação, setembro 2000, Brasília: DAN/UnB, 2001
○
○
que crie condições para a reflexão sobre a ri- (Mimeo).
○
queza que a diversidade étnica possibilita, apro- ○
○
MINISTÉRIO DA EDUCACÃO. Diretrizes para a Política
Nacional de Educação Indígena . Brasília: MEC, 1993.
veitando a comporta de troca e aprendizado re-
○
Assim sendo, estamos assistindo a um pro- genas, 500 anos depois. Revista Brasileira de Educa-
○
cesso em que as organizações indígenas, junta- ção, Rio de Janeiro, n. 15, set./out./nov./dez. 2000.
○
○
mente com a recém-criada categoria dos pro- MUÑOZ, H. Los objectivos políticos y socioeconómicos de
○
mas educativas, possibilitam a construção de WOLF, Eric. Aspects of group relations in a complex society:
○
○
uma nova escola indígena e, portanto, de uma México. Pathways of power: building an anthropology
○
Press, 2001.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
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○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
24
SIMPÓSIO 2
Políticas públicas em Educação Indígena no Brasil
○
○
○
de políticas públicas em
○
○
○
Educação Escolar Indígena: uma
○
○
○
questão de direito e cidadania
○
○
○
25
○
○
Maria Helena Fialho*
○
○
○
○
○
Considerando o contexto atual, orientado sores Indígenas em Mato Grosso, nas áre-
○
○
pela nova legislação da qual destacamos o De- as de Ciências Sociais, Ciências da Mate-
○
○
creto nº 26/91, a Resolução nº 03/CNE/99 e a mática e da Natureza e Línguas, Literatura
○
e Artes, inicialmente por um período de
○
Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, a Funai,
○
por meio do Departamento de Educação, cinco anos. A Funai está também partici-
○
pando da discussão do 3º Grau Indígena
○
redefine seu papel como órgão indigenista fe-
○
○
em Roraima.
deral, o qual, além de zelar pelos direitos e in-
○
nicipais de Educação, organizações indígenas, mil estudantes fora das aldeias, cursando
○
decorrência da formação/capacitação de
○
senvolvimento das Sociedades Indígenas, no Pla- las nas aldeias só atende à 1ª fase do Ensi-
○
○
no Plurianual 2000/2003. Essas ações estão or- no Fundamental (1ª a 4ª séries). Esse apoio
○
sidades particulares.
○
professores indígenas. Além desses even- Funai mantém um total de 34 casas para
○
○
tos, a Funai firmou convênio com a Uni- indígenas que estudam em locais distan-
○
* Especialista em Línguas Indígenas Brasileiras, mestranda em Lingüística na UnB e chefe do Departamento de Educação da Funai.
○
acompanhamento e o desenvolvimento de zes, o acompanhamento pedagógico nes-
○
○
projetos específicos, os quais já estão sen- sas escolas ainda é precário. Falta pessoal
○
○
do viabilizados em alguns locais. Uma qualificado para assessorar os professores
○
grande preocupação do Departamento de na construção de uma metodologia de en-
○
○
Educação é com o ingresso desses estudan- sino coerente com as discussões realizadas
○
tes em escolas não-indígenas, levando em nos cursos de formação e que reconheça a
○
○
consideração os seguintes fatores: esses escola como um espaço de afirmação,
○
○
alunos se submetem a programas escola- revitalização e fortalecimento da cultura e
○
res que não estão associados à realidade da língua da etnia em questão e não so-
○
○
sociocultural e econômica vivenciada em mente como o lugar onde se “ensina” ou
○
○
suas comunidades; muitos não concluem se “aprende” a ler e escrever.
○
o ano letivo, desmotivados pela falta de
○
E, partindo do fato de que as secretarias
○
assistência pedagógica e financeira en- vivem situações diferenciadas, algumas já
○
quanto permanecem na cidade e pela difi-
○
estando mais envolvidas com a nova tare-
○
culdade de adaptação à escola; por ficarem
○
○
fa e outras em fase de estruturação, o De-
distantes de seus familiares e não partici- ○
tros importantes momentos sociais de seu atender da melhor forma possível às rei-
○
conceito e da discriminação por parte da de alunos nas escolas nas aldeias e, consi-
○
para suas comunidades nem sempre têm bem como os aspectos constitucionais, a
○
○
ses e outros problemas decorrentes dessa gunda fase do Ensino Fundamental nas al-
○
legislação referente aos direitos indígenas, teórico são os preceitos e os avanços da le-
○
e, brevemente, na Bahia.
○
colas e boa parte delas encontra-se com co específico. Em parceria com outras
○
escolas ainda contam com o professor não- para uso nas próprias escolas e/ou na co-
○
○
cola onde foi formado. Na maioria das ve- assuntos didático-pedagógicos relaciona-
○
26
SIMPÓSIO 2
Políticas públicas em Educação Indígena no Brasil
dos à arte e à cultura, para circulação en- dos temas pontuais, como: aspectos da legali-
○
○
tre as escolas nas aldeias. dade desde a Constituição de 1988; os princípi-
○
○
Com o objetivo de otimizar a aplicação os da Educação Escolar Indígena (bilingüismo,
○
○
dos recursos dessa ação e reordenar a gran- interculturalidade, diferença e especificidade)
○
de demanda de materiais apresentados dentro das diretrizes da política pública da Edu-
○
○
para publicação, o Departamento definiu cação Escolar Indígena; demandas locais; PPA
○
○
alguns critérios essenciais à publicação, en- – Plano Plurianual 2000/2003; fatores relevan-
○
caminhando as devidas orientações aos or- tes apresentados no Referencial Curricular Na- 27
○
○
ganismos interessados para que sejam apre- cional para as Escolas Indígenas (RCNEI); cur-
○
sentados os dados necessários à aprovação
○
rículos; temas transversais; e, dessa forma, de-
○
do material pelo Conselho Editorial, orga-
○
sencadeou uma avaliação coletiva da atuação
○
nizado na própria instituição, com técnicos
da Funai no processo, tanto em nível central
○
e especialistas experientes nessa área.
○
como regional. A continuidade da referida
○
Os critérios estabelecidos, entretanto,
○
capacitação será por meio de minicursos em
○
buscam garantir uma publicação de mai-
○
Antropologia, Lingüística, Sociolingüística, Po-
or qualidade, com a participação direta da
○
lítica Indigenista e Fundamentos Pedagógicos,
○
comunidade indígena, seja pela via esco-
○
áreas importantes para o trabalho de Educação
○
lar, seja por outros autores também indí- ○
genas, desde que o material sirva para uti- Escolar Indígena, inclusive com propostas de
○
○
lização pela escola e/ou pela comunida- cursos de graduação e/ou especialização a dis-
○
A Funai conta hoje com uma equipe de pro- Fazem parte da linha de pesquisa da Funai:
○
ções e por meio de experiências indigenistas lização de Línguas Indígenas. Assim, a Funai
○
○
genheiro civil da Funai, que se especializaram que precisam ser repensadas e mais bem dis-
○
○
nesse tipo de construção, o que muito tem va- cutidas, especialmente o contexto de diversida-
○
São esses especialistas que atuam na asses- bilingüismo e a especificidade, os quais são
○
○
e estão contribuindo de forma competente para passa de palavras-chave para os agentes que as
○
○
Além disso, esse quadro especializado está desenvolvidas nessa formação são descontex-
○
mais técnicos em educação intercultural que prática em que o período de formação não tem
○
○
atuam nos setores e/ou seções de educação das uma interface com a realidade escolar e a de-
○
○
unidades regionais da Funai e, no segundo se- manda das comunidades indígenas envolvidas.
○
mestre de 2000, realizou encontros regionais, Não se pode correr o risco de viabilizar a for-
○
○
contemplando todas as regiões que possuem mação do professor apenas para atender às exi-
○
○
escolas indígenas. Na ocasião, foram trabalha- gências legais e, sim, possibilitar que esse pro-
○
fissional seja pesquisador e autor de sua pró- atendimento à educação em suas terras. A todo
○
○
pria história, um interlocutor da comunidade, momento, informamos sobre as mudanças de
○
○
se considerarmos que escola e comunidade não papéis institucionais; apresentamos a legislação
○
○
são separadas e estanques, porém constituídas vigente, principalmente as diretrizes e metas,
○
numa única base socioeconômica e cultural, que são claramente atribuídas aos estados. Ade-
○
○
como uma luta pela auto-afirmação étnica e mais, intercedemos junto das Secretarias, su-
○
○
pela conquista da autonomia indígena. gerindo encaminhamento para os problemas
○
Vale ressaltar que a Funai, especificamente
○
identificados ou propondo parceria.
○
o Departamento de Educação, não tem inten- Portanto, entendemos que a implementa-
○
○
ção de atropelar ações de nenhuma outra insti- ção da política educacional para os povos indí-
○
○
tuição, muito pelo contrário, seu desejo é sem- genas é um processo longo e demorado, e que,
○
pre o de desenvolver um trabalho em parceria no entanto, as esferas competentes devem as-
○
○
e o de atender às reivindicações e necessidades sumir realmente o que regulamenta a lei. Cabe
○
○
das organizações indígenas, dos professores, destacar que a Funai, no seu papel institucio-
○
○
dos estudantes e das lideranças indígenas por ○
nal de zelar pelos direitos e interesses das co-
uma educação de qualidade. munidades indígenas, e compromissada com as
○
○
A Funai continua sendo, para os indígenas, sociedades indígenas, vem exercendo junto
○
○
um centro de referência, apoio, consulta e arti- dessas outras esferas a parceira, o apoio finan-
○
○
culação, dada a sua longa trajetória indigenista. ceiro, a assessoria técnica em cursos para pro-
○
como ao próprio departamento. São constan- cimentos adquiridos nessa prática de pesquisa
○
○
o saber indígena.
○
○
○
○
○
○
○
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○
○
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○
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○
○
○
○
○
SIMPÓSIO 3
EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE
CULTURAL E CIDADANIA:
OS POVOS INDÍGENAS E A ESCOLA
Inge Sichra
29
Educação, diversidade cultural
○
○
○
e cidadania Considerações
○
○
○
sobre a educação na Bolívia
○
○
○
○
○
Inge Sichra*
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
○
○
As relações entre povos indígenas e o Esta- do processo de subordinação e “cidadania” dos
○
do na Bolívia nos permitem entender a inter- povos indígenas andinos, oferece uma visão atual
○
○
culturalidade como um espaço de permanente do plurilingüismo e da multiculturalidade da so-
○ ciedade andina boliviana e indica certos riscos da
conflito em torno de temas como identidade ét- ○
○
nica, direito e diferença, afirmação cultural, ter- educação intercultural bilíngüe oferecida pelo Es-
○
○
ritório e nação. Esse conflito cristaliza-se prin- tado. Concluímos que só um enfoque de educa-
○
cipalmente na educação porque, “mais que uma ção intercultural de transformação poderá fazer
○
○
esfera pedagógica, ela é uma instituição políti- frente ao desafio da igualdade na diferença. Num
○
○
ca, social e cultural, um espaço de construção e plano mais concreto, resgatamos, também, algu-
○
e cultural
○
O espoliamento de terras
○
A luta pela escolarização indígena nos tem- ler e escrever em castelhano parecia ser um re-
○
○
munir-se de ferramentas para recuperar terras os índios do século XIX reivindicavam repre-
○
* Assessora, coordenadora de cursos de mestrado e docente na área da linguagem do Proeib Andes. As opiniões expressadas neste docu-
○
○
mento são de inteira responsabilidade da autora e não representam, necessariamente, as opiniões da GTZ ou da Universidade Maior de San
○
30
SIMPÓSIO 3
Educação, diversidade cultural e cidadania: os povos indígenas e a escola
altiplano e do vale exigiram educação para eli- trões diziam que o “único índio bom era o índio
○
○
minar o analfabetismo, que representava sua morto” (CSUTCB, 1991: 2).
○
○
meta mais urgente. A idéia era que a unifica-
○
○
ção da sociedade pela leitura e escrita em Nacionalismo para civilizar o índio
○
castelhano promoveria a igualdade entre as di-
○
Com a revolução de 1952, rebelião indígena
○
ferentes raças e grupos sociais” (Mesa et al.,
○
contra os latifundiários que inseriu o Movimen-
○
1999: 423).
○
to Nacionalista Revolucionário (MNR) no cená- 30
Surge, a partir daí, a identificação da esco-
○
rio político, propôs-se a criação de uma só na-
○
la com a aprendizagem do castelhano e a equi-
○
ção com uma só identidade. A história oficial
○
valência da aprendizagem do castelhano com
○
fala da opressão colonial do boliviano pela co-
○
o aprender a ler e escrever. Essa dupla equa-
roa espanhola, mas não do índio. O indígena
○
ção imprimiria uma característica inconfundí-
○
devia ser absorvido por todos os bolivianos em
○
vel à escola boliviana em toda a sua história.
○
nome de um Estado homogêneo. Assim, a es-
○
Até hoje, a escola “para todos” é vista como
○
colarização universal e gratuita devia ter a meta
○
símbolo de igualdade na sociedade e difusora
de “bolivinizar” os índios, ou seja, ensiná-los a
○
da leitura-escrita em castelhano como instru-
○
ler e escrever o idioma oficial do Estado, ensi-
○
mento de defesa.
○
○
○ nar-lhes coisas sobre seu país e fazê-los ter or-
gulho dele. O código educacional de 1955 esta-
A mestiçagem desafia
○
a separação de raças
○
No século XX, surge na Bolívia uma corren- alizada à população indígena, visando à sua
○
o intuito de “civilizá-lo” por meio da “castelha- mestiçagem era o mesmo da escola indígena de
○
○
nização” e alfabetização, para que ele possa in- origem mestiça, mas nesse caso como uma
○
o índio (que ainda era chamado por esse nome), Diante da ausência de espaço para o
○
○
Malverde e Canessa, 1995: 232). Essa escola dígenas e uma sociedade que os discriminou em
○
passados aprendessem o que quer que fosse. Marcha pelo Território e pela Dignidade, orga-
○
○
Eles afirmavam que “um índio letrado era um nizada por povos indígenas dos departamentos
○
índio rebelado”. Por isso havia muita repressão, amazônicos de Pando e Beni – as chamadas ter-
○
○
prisões e agressões contra lideranças que tenta- ras baixas (tierras bajas) da Bolívia –, percorreu
○
○
vam estabelecer escolas secretamente. Os pa- o país das planícies até o altiplano e forçou o
○
governo de Jaime Paz Zamora (1989-1993) e a cesso educacional deverá garantir a igualdade
○
○
população andina do país a se conscientizarem de oportunidades e uso, e nenhuma delas terá
○
○
da existência desses povos indígenas e de suas um tratamento preferencial, de modo que as
○
○
exigências territoriais. O Estado ratificou, em línguas maternas gozem do mesmo status que
○
1991, o Convênio nº 169 da OIT sobre povos in- o castelhano” (CSUTCB, 1991: 20).
○
○
dígenas e promulgou a respectiva lei. Além dis- No que se refere à característica intercultural
○
○
so, reexaminou sua política, concedeu direitos da educação, a proposta estabelece que:
○
territoriais a algumas etnias amazônicas e co-
○
○
meçou a falar em unidade na diversidade, igual- O currículo será intercultural e, portanto, aber-
○
○
dade na diferença e integração com respeito. to e voltado à afirmação da identidade cultural
○
e social dos educandos e à consolidação da cul-
○
Esse processo culminou, em 1994, com a intro-
○
dução de mudanças na Constituição Política do tura nativa das crianças [...]. Essa afirmação cul-
○
○
Estado, que passou a reconhecer a Bolívia como tural permitirá que a criança valorize sua cultu-
○
ra, desenvolva um maior respeito próprio e afir-
○
um país multiétnico e pluricultural. No artigo
○
○
me sua identidade, tornando-se um indivíduo
171 da atual Constituição, lê-se o seguinte: ○
nômicos e culturais dos povos indígenas que vi- Após quatro anos de trabalho prévio e com
○
reito às suas terras comunitárias de origem, ga- língüe, co-patrocinado pelo Unicef e pelo Mi-
○
○
táveis dos recursos naturais nelas existentes e barcou na Reforma Educacional, na Lei nº
○
Transformações em curso?
○
povos indígenas. Quanto à característica bilín- rural como improdutivo e atrasado, como um
○
maneira: “O tratamento dado a essas línguas rurais e seu modo de vida representam tudo o
○
○
(línguas nativas e castelhano) em todo o pro- que o discurso dominante procura superar. O
○
32
SIMPÓSIO 3
Educação, diversidade cultural e cidadania: os povos indígenas e a escola
Estado impulsiona a transferência tecnológica nalmente, existirão para eles próprios” (Ribei-
○
○
para transformar o meio rural e cria uma nova ro, 1989: 56).
○
○
lei de terras que permite a comercialização do As culturas indígenas representam o orgu-
○
○
chamado bem inerte (bien inerte, nas palavras lho da Bolívia. Elas têm conquistado espaço nas
○
do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, capitais e nos teatros e tornam-se produto de
○
○
1993-1997) na Bolívia. O consumismo é estimu- exportação quando estão devidamente “folclo-
○
○
lado pelos meios de comunicação, seguindo a rizadas” na forma de música e dança. Já os in-
○
máxima de Galeano: “quem não compra não dígenas são... um problema. 32
○
○
existe e quem não tem não é”. Desde o ano passado, a direção da CSUTCB,
○
○
A identificação da singularidade é estabe- liderada por Felipe Quispe Huanca, vem promo-
○
○
lecida por dois conjuntos de sistemas, um sis- vendo, por meio de ações políticas, uma revi-
○
tema de remanescentes culturais obsoletos e são do conceito de “indígena” na sociedade
○
○
um sistema de carências (Varese, apud López, boliviana, exigindo que o Estado assegure igual-
○
○
1996: 64). Por um lado, a economia de subsis- dade de condições econômicas e sociais ao
○
○
tência, baseada num sistema de reciprocida- povo aimara. Sem entrar no mérito de suas po-
○
de com forte controle social, o agrocentrismo, lêmicas ações e intervenções, o senhor Huanca
○
○
a personificação e deificação da natureza, a promoveu, em todo o país, uma discussão em
○
○
concepção cíclica do tempo e as demais carac- torno do espaço a ser ocupado pelos povos na-
○
○
terísticas culturais andinas não podem gerar a tivos. Sem dúvida alguma, ele trouxe à baila...
○
“pobreza”, rótulo imposto com o objetivo ób- As reformas da década de 1990 poderiam
○
○
vio de justificar ações desenvolvimentistas por implicar uma transformação radical de atitudes
○
○
parte dos financiadores que dirigem os desti- e uma afirmação do indígena, mas, acima de
○
cem-se, em primeira instância, suas deficiên- como modelo regional. No país como um todo,
○
cias, que resultam justamente da alienação à gerou ceticismo nos mesmos grupos que reivin-
○
○
qual ela foi exposta. É contraproducente essa dicavam uma educação inclusiva, que respei-
○
○
tida para qualquer intenção séria e efetiva de apenas entre indivíduos, mas também entre
○
○
por mais subjugada e alterada que a cultura de e jurídicas? Não haveria uma contradição cons-
○
○
Darcy Ribeiro nos fala de povos indígenas que enfrentam discriminação, racismo e desi-
○
○
como testemunhas, povos que dão testemunho gualdade e o léxico oficial da interculturalidade
○
do que conservaram deles próprios, das altas como algo que o Estado se compromete a fo-
○
○
ro: “Uma vez libertos da opressão representada Uma reforma educacional como a bolivia-
○
○
pela expectativa de assimilação dos Estados na poderia também implicar uma maior inci-
○
utilizadas contra eles, emergirão para as tare- nação, em vez de sua transformação. As orga-
○
○
fas de auto-reconstrução como povos que, fi- nizações indígenas percebem o caráter instru-
○
mental e mediador dos planos e programas; as Além do ideal constitucional
○
○
bases indígenas de algumas organizações iden-
○
de uma Bolívia multilíngüe
○
tificam seu objetivo oculto de minar a cultura
○
1
e multicultural
○
dos povos indígenas e dominá-los lingüisti-
○
camente, usando inicialmente sua língua ma-
○
○
terna, já que, tradicionalmente, a escolarização
○
A camisa-de-força da educação
○
era um cenário privilegiado para o glotocídio
○
(Green, 1996). intercultural bilíngüe
○
○
Inicialmente uma vitória, o caráter de polí-
○
A educação bilíngüe, considerada como um
○
tica estatal da educação intercultural bilíngüe modelo educacional adequado à diversidade lingüís-
○
○
(EIB) torna-se um “problema sério e permanen- tica, fica enriquecida em seu enfoque mediante a in-
○
te com efeitos práticos em propostas organiza-
○
clusão do aspecto intercultural que leva em conside-
○
cionais, porque as comunidades resistem, por
○
ração a pluralidade de conhecimentos e manifesta-
○
mais que a proposta seja boa, a qualquer pro- ções culturais e coloca “um educando concreto, de
○
○
grama do Estado” (Green, 1996: 1-2). Esse aler- ○
Educação Intercultural Bilíngüe de Santa Cruz do na demanda dos povos indígenas, das comu-
○
○
de la Sierra, Bolívia, em 1996, resume o proble- nidades de base (a partir da Conferência Mun-
○
quer ação do Estado, gerada pelo temor de que Jomtien em 1990) e não, como havia ocorrido
○
○
seus propósitos não correspondam às intenções até então, baseado em propostas elaboradas em
○
ceu nesse lado do mundo. “Quando se pensa no sidade cultural e lingüística começa a ser vista
○
○
Estado”, afirma Bourdieu, “suspeitar até demais como uma riqueza e não como um problema,
○
novo modelo de dominação pós-moderna es- cultural e lingüístico imediato, possa ser con-
○
○
trategicamente promovida por meio do reco- frontado com outras realidades e manifestações
○
CSUTCB, de caráter nacional (Green, 1996; esse modelo de educação e o diálogo intercul-
○
política partidária ( Walsh, 2000). Inicialmen- (1998: 208) formulam esse questionamento da
○
○
para um mercado de trabalho destinado a um inherent in transforming what has been and con-
○
○
grupo privilegiado – ao qual a maioria não terá tinues to be a tool for standardisation and
○
1
Em uma população de aproximadamente 6,4 milhões de pessoas, correções aplicadas ao censo de 1992 por Xavier Albó (1995, v.1, p. 19)
○
○
indicam que 38% delas usam o idioma quéchua, 26% usam o idioma aimara e 41% só usam o castelhano.
○
34
SIMPÓSIO 3
Educação, diversidade cultural e cidadania: os povos indígenas e a escola
O próprio caráter da escola concebida como dagogias e aos professores estabelecidos pelo
○
○
instituição fechada, como instrumento do Es- sistema estatal e questiona o avanço em dire-
○
○
tado e da ordem mundial a serviço da hegemo- ção à construção de um novo currículo amplo,
○
○
nia, suscita dúvidas. com base no eixo central da escola e da leitura-
○
Como a educação intercultural bilíngüe escrita, por tratar-se de um discurso circular: a
○
○
manteve as características da escola, a cultura flexibilidade dos currículos só é concebida no
○
○
indígena foi submetida a uma camisa-de-força contexto de uma escola, com espaço e tempo
○
que tende a desvirtuá-la e até desintegrá-la. segmentados. 34
○
○
Green (1996) fala da “fatalidade” da EIB em de- No caso da Bolívia, muitos professores que
○
○
corrência de suas características semelhantes às trabalham em escolas públicas lidam, em pri-
○
○
da escola de sempre: meira instância, com jovens que aspiram à as-
○
• professor formado ao longo de anos de re- censão social e a deixar para trás sua origem
○
○
clusão em instituições centralizadas e aca- rural e linhagem indígena. Ainda que mal re-
○
○
dêmicas com a missão de transmitir conhe- munerados e sem prestígio na sociedade domi-
○
cimentos;
○
nante, os inspetores educacionais ocupam um
○
• aula que reúne as crianças durante deter- espaço de poder como organismo sindical em
○
○
minadas horas em espaços fechados entre constante processo de reivindicação trabalhis-
○
○
partimentalizado, estabelecido com o intui- fessor tipicamente não faz parte da comunida-
○
○
a um fim específico ou purposeful learning enquanto aguarda sua transferência para esco-
○
turalidade discutida em todos os âmbitos, e se Por outro lado, a reforma educacional esta-
○
○
a educação intercultural pretende estender uma belece um currículo de vigência nacional (ou
○
nasça da raiz, a educação – e qualquer projeto rado dessa maneira tenha muito pouco de con-
○
○
Green denuncia a falta de senso crítico da como, onde, quando e com quem ensinar, sem
○
○
EIB em relação à escola, aos currículos, às pe- permitir o desenvolvimento de outras opções
○
ou programas educacionais contestatórios no ência comum da nação” (Dave, apud Bourdieu,
○
○
nível básico ou da formação de docentes. 1991: 49). Assim, leva a cabo uma missão
○
○
civilizadora, na qual a escola é a “capela da
○
○
Apoiando o caráter universal que a educação modernização” (Howard-Malverde e Canessa,
○
deve ter, é inquietante observarmos que embo- 1995: 234).
○
○
ra aceitemos o fato de que existem outras A escola é um elemento a mais do sistema
○
cosmologias, outras éticas de saber, outros sis-
○
de mobilidade social moldado pelos processos
○
temas axiológicos, quando chega a hora de cons- políticos e sociais e pelas condições de forma-
○
○
truir os projetos educacionais, deixamos esse
ção da nova economia e do mercado após 1952,
○
fato de lado (Green, 1996: 3).
○
cuja orientação se resume a “deixar de ser ín-
○
○
dio”. Essa situação persiste, como bem escre-
○
vem Hornberger e López (1998: 208).
○
O enfoque da assimilação entre os
○
○
protagonistas da educação
○
Although, in fact, only a small percentage of
○
○
cial mobility.
○
foram os seguintes:
○
casem como seus pais... Há pais de família que em suficiente medida, uma vez que os grupos
○
afirmando que ela os torna frouxos e os faz pa- educacional e a língua e cultura que ele repre-
○
○
rar de plantar e pastorear... Queremos que se- senta, eles também começarão a “colaborar
○
○
jam algo na vida, que não fiquem aqui como seus para a destruição de seus instrumentos de ex-
○
de vida, de seu apego à terra e à sua cultura, é num castelhano incipiente. Uma mãe analfabe-
○
mesmo que isso signifique romper com sua fa- que fazia questão de falar com seus filhos num
○
aproximar-se da periferia, do subcentro urba- afirmou: “O que posso ensinar a meus filhos?
○
○
no ou do centro urbano (Aronowitz, 1987). O Sou ignorante, não sei ler nem escrever”. Um
○
○
professor, juntamente com as demais autorida- professor com ampla experiência docente no
○
da cultura da metrópole. Ele percorreu pesso- intercultural bilíngüe: “Meus pais eram analfa-
○
○
almente esse caminho até se tornar um profes- betos... mas souberam me ensinar os valores do
○
36
SIMPÓSIO 3
Educação, diversidade cultural e cidadania: os povos indígenas e a escola
Quanto à diversidade lingüística, seu po- 51) caracterizam esse enfoque como a preten-
○
○
tencial não é reconhecido pelo professor. Pelo são de igualar oportunidades educacionais
○
○
contrário, eles acham que línguas indígenas para alunos culturalmente diferentes, o que se
○
○
na sala de aula e no território nacional pro- traduz na intenção de suplantar diferenças im-
○
vocam atraso. pondo formas culturais dominantes. A base
○
○
desse enfoque é a substituição do termo “de-
○
○
Os idiomas subjugam, porque, se eu sou um ficiência” por “diferença”, mantendo-se a con-
○
quéchua ou aimara e quero ir à universidade, vicção de que a pobreza se explica pelo fato de 36
○
○
não vou encontrar nenhum livro escrito em os diferentes grupos culturais não contarem
○
○
aimara ou quéchua. Portanto, minha vida vai fi- com as mesmas oportunidades para adquirir
○
car frustrada e vou ser forçado a trabalhar no
○
os conhecimentos e habilidades necessários.
○
campo. O que precisaram fazer com os gaúchos
O objetivo da educação será o de assegu-
○
na Argentina? Precisaram eliminá-los e, assim,
○
rar compatibilidade entre a dinâmica da sala
○
a Argentina começou a surgir como uma nação
○
de aula e a dinâmica cultural dos grupos de in-
○
que se entende, que fala um só idioma. Aqui é
○
divíduos “diferentes” do grupo cultural domi-
como a torre de Babel: todos falam idiomas di-
○
nante/majoritário que serve de referência na
○
ferentes e ninguém se entende e, por isso, a Bo-
○
escola. A idéia, em última análise, é desenvol-
○
lívia é tão desunida, não é mesmo? E parece que ○
é isso que o governo quer fazer: desunir os boli- ver sistemas de compensação educacional por
○
○
vianos (professor de Ensino Médio José Manuel meio dos quais o “diferente” possa desenvol-
○
As observações acima, que foram feitas que facilita o “trânsito” de uma cultura à outra
○
(idem, ibidem).
○
do em 1999, denotam uma postura pouco A ironia da educação boliviana é que ela não
○
○
e parecem ter sido feitas há séculos. qualidade de vida dos povos indígenas, e sim
○
ideal promovido nas leis, também surge com estabelecidas conforme os ditames da socieda-
○
○
dos Trabalhadores Rurais de Raqaypampa, Pro- Quem determinará que conteúdos cultu-
○
mentos dispersos em sua região (11 mil pes- Como diferenciaremos o culturalmente acei-
○
○
soas), por que a Central não impulsionava a tável do que as políticas de desenvolvimento
○
promulgação da lei, a reforma educacional não das necessárias para que o cultural na educa-
○
○
“chegava” ao norte da Província de Ayopaya, ção intercultural não se reduza à expressão ar-
○
ta foi a seguinte: fica longe demais, a cinco ção cultural e a justiça social dos povos indíge-
○
similação. García Castaño e outros (1999a: 50- dade nacional e internacional, de acordo com
○
sua própria concepção e a partir do fortaleci- los grupos dominantes que estruturam institui-
○
○
mento de sua identidade. Isso pressupõe uma ções sociais para manter ou aumentar esse con-
○
○
educação cuja natureza deve ser determinada trole. O que os grupos oprimidos, no nosso caso
○
○
pelos próprios indígenas, especialistas em sua os povos nativos, fazem é opor-se e lutar pelo
○
forma singular de vida. São eles, é cada povo controle dos recursos do poder, da riqueza e do
○
○
indígena, que devem definir como continuarão prestígio que existem na sociedade.
○
○
educando suas crianças e jovens e os mecanis- Concordamos plenamente com García
○
mos de seleção e formação de seus professores, Castaño e outros (1999b) quando afirmam que
○
○
livres das garras da escolaridade e do currículo impor culturas deficitárias sobre culturas
○
○
ocidental. É respeitando e valorizando o siste- não-deficitárias é uma prática de desigualda-
○
○
ma de reprodução de cada povo, de cada comu- de, não de diferença. A forma singular de
○
nidade, que a educação escolarizada pode as- adaptação de cada povo a contextos diferen-
○
○
sumir seu papel de facilitadora no processo de tes faz justamente a diferença entre os povos.
○
○
sua inserção na sociedade nacional e interna- A interculturalidade de modo geral e a edu-
○
○
cional, percebendo-se como agente de sociali- ○
cação intercultural bilíngüe em particular de-
zação e não de expulsão. vem fundamentar-se nessa diferença, e não
○
○
as. Persiste a falta de uma concepção clara do manos que as criaram (García Castaño et al.,
○
○
professores, endividados com os valores e pre- É de se esperar que o Estado, com seu apa-
○
○
os valores culturais desses mesmos povos são decisão que propiciem a transmissão da cul-
○
○
Qualquer ação de transmissão de cultura impli- entanto, o caminho para uma verdadeira edu-
○
res da cultura transmitida; em outras palavras, ração de sua perspectiva limitada e seu esta-
○
○
qualquer tipo de ensino deve gerar uma ne- belecimento no âmbito das comunidades in-
○
○
construir a cultura que deseja transmitir como que nelas existem. Por outro lado, como ex-
○
○
um valor, o que é logrado por meio do próprio posto acima, as organizações indígenas tam-
○
○
bilíngüe adequada a uma posição como a Não há dúvida de que o professor tem um
○
○
(García Castaño et al. , 1999a: 59-60), com base cação transformadora. E estamos convencidos
○
○
na teoria do conflito e na teoria da resistência. de que a visão geral aqui apresentada não in-
○
Segundo essas propostas, os grupos oprimidos valida os esforços que devem ser envidados no
○
○
(no nosso caso, os povos indígenas) não se aco- campo da formação dos professores para
○
○
38
SIMPÓSIO 3
Educação, diversidade cultural e cidadania: os povos indígenas e a escola
○
○
do Programa de Formação em Educação Inter- novos. O desafio é imbuir-se, como professor,
○
○
cultural Bilíngüe para os países andinos do que possa significar um modo de fazer edu-
○
○
(Proeib Andes) tem como fio condutor a iden- cação num mundo que articula as diferenças e
○
tidade questionada, resgatada e afirmada do não as combate.
○
○
estudante de origem indígena. Acreditamos Não podemos concluir esse documento sem
○
○
que o caminho para o fortalecimento das afirmar que enquanto perdure o desequilíbrio
○
potencialidades dos povos indígenas é a recu- sociopolítico e econômico dos grupos étnicos 38
○
○
peração de sua auto-estima e identidade e em relação a setores sociais dominantes, e en-
○
○
também da de seus professores. A educação quanto esses concebam e executem programas
○
○
intercultural oferece possibilidades para esse educacionais e se sintam no direito de respon-
○
complexo processo de conscientização étnica der às necessidades de aprendizagem dos po-
○
○
e lingüística. Essa educação intercultural deve vos indígenas a partir da sua própria visão e in-
○
○
ser adotada nos Centros de Formação de Pro- teresses, a interculturalidade será, na melhor
○
○
fessores, sejam eles Institutos Normais Supe- das hipóteses, um diálogo de surdos e, na pior,
○
riores ou Instituições de Ensino Superior. No um novo e sutil mecanismo de dominação, uma
○
○
entanto, não é um caminho fácil e tampouco passagem de uma só via.
○
○
conflito é inerente ao ser intercultural, que ALBÓ, Xavier. Bolívia plurilingüe. Guía para planificadores.
○
precisa reconhecer e conviver com o conflito, La Paz: Unicef, Cipca, 1995. v. 1-3.
○
○
ou intergrupal.
○
No Proeib Andes, identificamos a pesquisa AMADIO, Massimo. La cultura como recurso político:
○
deamento de processos de afirmação da iden- MOYA (Eds.). Pueblos indios, estados y educación. Lima/
○
○
tidade e também para gerar novas perspectivas Quito: PEED-P/ERA/EBI, 1989. p. 425-440.
○
preconceitos.
○
Finalmente, e como lição mais evidente, o Casa Chata, México, Año II, n. 3, p. 23-43, 1987.
○
○
professor deve lançar-se plena e resolutamen- BOURDIEU, Pierre. Systems of education and systems of
○
te nesse empreendimento intercultural, deixan- thought. International Social Science Journal, 19: 338-
○
○
cionista” da educação tradicional. Como des- MONTES DEL CASTILLO, Angel. La educación
○
○
taca López (2001), o caráter social da aprendi- multicultural y el concepto de cultura. In: GARCÍA
○
zagem, base da corrente pedagógica do cons- CASTAÑO, J.; GRANADOS MARTÍNEZ, A. (Eds.).
○
○
1999a. p. 47-80.
○
cente -estudantes e dos estudantes entre eles, Antolín; GARCÍA-CANO TORRICO, María. Racialismo
○
ralmente determinadas – e, além disso, relacio- la Comunidad Autónoma Andaluza y en los libros de
○
○
texto de la educación primaria. In: GARCÍA CASTAÑO; . La cuestión de la interculturalidad y la
○
GRANADOS MARTÍNEZ (Eds.). Lecturas para educación latinoamericana. In: Análisis de prospectivas
○
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GODENZZI, Juan Car los (Ed.). Educación e cas, 165: 148-159, 2000.
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interculturalidad en los Andes y la Amazonía. Cuzco: ZIZEK, Slavoj. Multiculturalismo o la lógica cultural del ca-
○
Centro de Estudios Regionales Andino Bartolomé de pitalismo multinacional. Estudios culturales. Reflexiones
○
○
EXPERIÊNCIA DO ENSINO
SUPERIOR INDÍGENA
Edivanda Mugrabi
Marilda C. Cavalcanti
41
O Ensino Superior Indígena
○
○
○
no Espírito Santo e o papel
○
○
○
da universidade
○
○
○
○
○
Edivanda Mugrabi*
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
○
O presente texto visa, a um só tempo, siste- ria, em seguida trataremos de enfocar o papel da
○
○
matizar a experiência de construção do Ensino Universidade Federal do Espírito Santo nesse
○
Superior Indígena no Espírito Santo e discutir os processo. Num terceiro momento, centramo-nos
○
○
limites e as possibilidades dessa construção. Em ○
○
nas idéias essenciais que estão sendo discutidas
um primeiro momento, apresentaremos sucin- em torno do formato das Licenciaturas que pre-
○
tamente uma retrospectiva da luta dos povos tendemos criar. À guisa de conclusão, apresen-
○
○
Tupinikim e Guarani em prol de uma educação tamos alguns dilemas e dificuldades que atraves-
○
sam o processo.
○
○
○
○
○
Os Tupinikim e os Guarani e a
○
○
educação escolar diferenciada escolar é antiga, mas ela se traduz em fatos a par-
○
○
Caieira Velha 150 708 tante para o povo Tupinikim, na medida em que,
○
Comboios 60 342
○
Irajá 62 262
○
Guarani
○
Boa Esperança 24 96
○
* Doutora em Educação pela Universidade de Genebra, professora do Departamento de Fundamentos e Orientação Educacional e do Mestrado
○
42
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena
tação Profissional para o Magistério de 1ª a 4ª Mais da metade dos alunos que concluem o
○
○
séries do 1º Grau – Formação Específica em 1º ciclo do Ensino Fundamental não prosse-
○
○
Educação Indígena. Esse curso foi fundado guem seus estudos. A taxa de índios que ascen-
○
○
nos princípios da interdisciplinaridade, da dem ao Ensino Médio é também extremamen-
○
interculturalidade e da participação dos edu- te baixa. Agregue-se a esses dados o número de
○
○
cadores e das comunidades indígenas em to- 25 alunos que freqüentam o Ensino Superior em
○
○
das as decisões das diferentes atividades pro- faculdades particulares cuja qualidade é duvi-
○
gramadas. Foram habilitados, em outubro de dosa e que não estão preocupadas com o pro- 43
○
○
2000, 37 índios (32 Tupinikim e 5 Guarani), jeto político das comunidades indígenas.
○
○
ampliando-se significativamente os quadros
○
○
para atuar na educação escolar, que até aquele
O papel da Universidade
○
momento encontrava-se irremediavelmente
○
Federal do Espírito Santo
○
nas mãos de professores não-índios (do total
○
○
de 19 professores apenas 4 eram índios).
(Ufes)
○
○
Com a formação de professores índios a
○
partir de 2000, há uma inversão significativa Na década de 1990, a universidade não se
○
○
na proporção entre professores índios e pro- envolveu com a questão da Educação Escolar
○
são índios. Essa apropriação nas mãos da instituição, revela bem o seu descaso para com
○
○
educação escolar pelos índios foi marcada os povos indígenas do Espírito Santo:
○
○
mia salarial.
○
Educação. As escolas existentes (uma em cada Com efeito, nenhuma das iniciativas em
○
(187 crianças) e do 1º ciclo do Ensino Fundamen- genas do Espírito Santo contou com a partici-
○
○
tal (309 crianças). Os alunos que concluem o 1º pação de professores representando a Ufes. Os
○
○
ciclo do Ensino Fundamental e desejam dar con- únicos dois professores universitários que atu-
○
aldeias para a zona urbana, havendo, dessa for- nível médio deram a sua contribuição por ou-
○
○
incontestes quan- a a
Ensino Fundamental (1 a 4 série) 309 ca da necessidade de a universi-
○
○
processo de for-
○
Total 770
○
○
○
dependências da própria universidade conta- venham a ser criados até o final deste ano e
○
○
vam com participação pouco expressiva dos que possam ser iniciados em março de 2002.
○
○
quadros universitários.
○
Nesse contexto institucional, ocorreu, em
O formato das licenciaturas
○
○
outubro de 1999, a primeira formulação do pro-
○
em grandes linhas
○
jeto de formação universitária de educadores
○
índios Tupinikim e Guarani, em resposta a um
○
As licenciaturas que estamos tentando cri-
○
edital da Capes, que reivindicava projetos ino-
○
ar na Universidade Federal do Espírito Santo
○
vadores para a melhoria da graduação. Infeliz-
○
priorizam uma formação diferenciada que
○
mente, o projeto não seduziu a equipe que fez a atenda à especificidade da cultura Tupinikim
○
triagem das diferentes iniciativas apresentadas.
○
e da cultura Guarani, sem renegar o conheci-
○
Em 2000, novos esforços foram feitos para que
○
mento das ciências tal como se constituíram
○
esse documento fosse discutido e aprovado pe- em suas áreas especializadas. Nosso grande
○
○
las instâncias universitárias. Num primeiro mo- ○
às demais instâncias universitárias. Por pressão etc.), mas que considere a especialização a par-
○
○
das lideranças indígenas, no final de 2000 o Cen- tir de uma nova abordagem do saber funda-
○
A partir de março de 2001, na qualidade de contra, estão sendo pensadas as idéias que
○
apresentaremos a seguir.
○
proposta curricular das licenciaturas. Desses teressados pautando-se por dois critérios es-
○
co das aldeias.
○
de apresentar a proposta em construção à co- ra plena de Pedagogia; nos três últimos anos, eles
○
○
cas e atraísse novas parcerias e novos profes- ciatura Plena em Ciências Sociais).
○
selho de Ensino e Pesquisa, uma vez que o sor indígena exige características específi-
○
○
detalhamento do currículo ainda não foi con- cas para responder de maneira adequada
○
44
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena
○
○
ciada bilíngüe e intercultural. A abordagem culturais. Serão estudadas as diversas formas
○
○
deverá levar em conta essas características, de conceber o espaço e o tempo a partir de
○
aprofundando conhecimentos que permi- uma perspectiva crítica, tentando apreender
○
○
tam uma compreensão mais abrangente do as relações complexas entre a estrutura polí-
○
fenômeno educativo em geral e em espe-
○
tica, ideológica e econômica de povos diver-
○
cial dos povos indígenas. O objetivo essen- sos, assim como suas relações com o espaço
○
○
cial dessa área é desenvolver conhecimen- (ambiente natural) em que vivem. As Ciências 45
○
tos e capacidades para compreender e par- Sociais pretendem dar conhecimentos e ins-
○
○
ticipar de maneira qualitativa e crítica no trumentos para compreender o social como
○
○
processo de educação em geral e da Edu- um todo a partir de suas diversas dimensões
○
cação Indígena em particular. Os conteú- (história, geografia, etnologia, sociologia, po-
○
○
dos das diferentes disciplinas serão trata- lítica etc.). Uma ênfase essencial será compre-
○
dos confrontando-se o universal com o par-
○
ender e questionar a história dos povos indí-
○
ticular das culturas Tupinikim e Guarani. As genas em relação à história de outros povos.
○
○
disciplinas de Fundamentos que serão es- Serão analisadas as características dos tem-
○
tudadas deverão considerar a Filosofia (te-
○
pos históricos e de diferentes fontes históri-
○
orias do conhecimento), a Sociologia da cas (memória oral, história escrita, arqueolo-
○
○
tória da Educação.
○
estudo do Português como língua majoritá- Ciências Naturais. Essa área do conheci-
○
○
ria do país, o Tupi como língua dos ances- mento propõe uma abordagem sistêmica
○
vista a história do contato das línguas indí- tivos às Ciências Naturais. As problemáti-
○
Neste último caso, será de fundamental im- nidades indígenas serão agrupadas em
○
○
portância o estudo da influência das línguas grandes eixos temáticos, tais como, o ensi-
○
um saber sobre a língua portuguesa do Bra- Terra e Universo; Seres Vivos e Ambiente;
○
dos nesta área, englobando-se assim as dife- o curso devem incorporar os princípios te-
○
Ciências Sociais. Essa área terá como um dos cias Naturais e sua afinidade com a Educa-
○
○
○
terão como ponto de partida o contexto es- mental.
○
○
pacial, histórico e cultural das comunidades A área de Línguas e Linguagens habilitará o
○
indígenas. O ensino da Matemática visará ao
○
cursista ao trabalho com as línguas Tupi ou
○
desenvolvimento do pensamento numérico, Guarani, mas os cursistas terão uma formação
○
algébrico, geométrico; da competência mé-
○
complementar em língua espanhola (como lín-
○
trica; do raciocínio que envolva a proporcio-
○
gua estrangeira) e em diferentes linguagens (li-
○
nalidade; do raciocínio combinatório, esta-
terária, artística, imagética etc.).
○
tístico e probabilístico. Será garantido o aces-
○
A área de Matemática visa à formação de
○
so ao conhecimento matemático, igual àque-
○
professores de Matemática.
○
le fornecido às comunidades não-indígenas,
○
mas com uma abordagem centrada na A área de Ciências Naturais visa à habilita-
○
ção de professores de Ciências para o Ensino
○
Etnomatemática. A matematização dos pro-
○
blemas privilegiará as questões de moradia, Fundamental, e de Biologia para o Ensino Mé-
○
○
alimentação, saneamento, trabalho, saúde, dio; uma formação complementar será dada em
○
○
vestuário, comércio e espaço vivenciadas ○
Física e Química.
pelas comunidades, visando à elaboração de A área de Ciências Sociais terá como focos
○
○
proposta incluirá conteúdos de três grandes grafia e habilitará os cursistas para o trabalho
○
go de todo o curso.
○
lidades letivas:
○
○
3.210 horas, prevendo-se, no entanto, aprovei- ministradas nas aldeias, as quais ocorrerão
○
○
tamento de cerca de 1.260 horas da primeira li- ao longo do ano, prevendo-se uma carga-
○
Tabela 3
○
○
○
Carga
○
Ciências Ciências
○
total
○
○
Pedagogia
○
1 a a 4 a série
○
○
Habilitação
○
Habilitação
○
Línguas
○
○
Habilitação
1.400 300
○
3.210
Ciências Naturais
○
○
Habilitação
○
Ciências Sociais
○
○
46
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena
nas escolas com as atividades do curso de ses deverão passar por um processo de re-
○
○
formação (preparo de seminários, leituras, conhecimento e de avaliação na esfera do
○
○
pesquisas solicitadas etc.). MEC. Ora, pelo que se sabe até a presente
○
data, a Secretaria de Educação Superior
○
○
(Sesu) não dispõe de pessoal competente
○
Será prevista uma bolsa de estudos para os para lidar com a educação diferenciada. O
○
○
cursistas e uma bolsa de pesquisa para os pro- reconhecimento dos cursos levará em con-
○
fessores que atuarem no curso.
○
ta variáveis interculturais? Que parâmetros 47
○
serão considerados para avaliar os conteú-
○
○
dos mínimos de cada licenciatura? Somen-
Dificuldades e dilemas
○
○
te as diretrizes curriculares dos cursos con-
no processo de criação das
○
vencionais, tais como estão sendo definidas
○
○
atualmente? Os conteúdos mínimos defini-
licenciaturas
○
dos para o Exame Nacional dos Cursos? O
○
○
À guisa de conclusão, gostaríamos de levan- “Provão”, a que certamente os alunos da
○
○
tar algumas dificuldades e dilemas que deve- educação superior diferenciada serão sub-
○
metidos, será diferenciado? Pensamos que
○
riam ser superados para facilitar o processo de
○
formação dos educadores Tupinikim e Guarani. a Coordenação-Geral de Apoio às Escolas
○
○
Sem pretensão à universalização, pensamos que Indígenas deveria articular-se com a Sesu
○
to dos cursos.
○
cação. Até hoje, não tem havido nenhum pendentemente de ter tido uma formação
○
não têm sido formuladas leis e portarias que horária necessária para tratá-los convenien-
○
do, tal como prescreve a Constituição Fede- mente, os cursos de Letras, nas universida-
○
ral. Isso gera problemas de diferentes or- des brasileiras, habilitam para o ensino da
○
○
dens. Um dos mais sérios, que pode com- Literatura, de uma Língua Estrangeira e da
○
ção de cursos, é a alocação de recursos fi- curso aparece como prioridade a habilita-
○
○
nanceiros. Os recursos destinados à Educa- ção em Língua Indígena. Como então con-
○
cação não pagou cerca de R$ 16.509,00 aos étnica e cultural preconizado pela Constitui-
○
formadores que atuaram no curso de Ma- ção de 1988 trouxe à baila uma questão con-
○
○
gistério nos anos 1999 e 2000. Ora, isso com- trovertida: como deve ser o relacionamento
○
prio MEC. As universidades brasileiras têm vivência com os povos indígenas passou a ser
○
autonomia para criar novos cursos, mas es- da sociedade brasileira” (Silva, 1999: 12). Essa
○
○
posição nega, no entanto, o princípio da ção, estamos prevendo seminários de for-
○
○
interculturalidade e não contribui para a su- mação da equipe que vai atuar no projeto,
○
○
peração do etnocentrismo. O curso univer- nos quais tentaremos discutir a questão da
○
sitário será um palco extraordinário para ín- interculturalidade, do bilingüismo, da inter-
○
○
dios e não-índios operacionalizarem o con- disciplinaridade etc. Alguns desses seminá-
○
ceito de interculturalidade, que aparece nos rios serão realizados nas dependências da
○
○
documentos oficiais, mas que tem sido fon- Ufes e outros serão realizados nas próprias
○
○
te de confusão nos planos teórico e prático. aldeias indígenas, para facilitar a imersão
○
dos professores nas questões propriamente
○
Perspectiva bilíngüe versus currículo
○
intercultural. Um currículo verdadeiramen- culturais.
○
○
te intercultural implicaria a adoção de um A pesquisa norteando o processo ensino-
○
○
ensino bilíngüe, ou seja, a estruturação do aprendizagem. Em nosso projeto, a pesqui-
○
processo ensino-aprendizagem baseada na sa é considerada como uma modalidade
○
○
estratégia da alternância de línguas, o que privilegiada na formação dos professores e
○
○
não é possível nas condições concretas ○
dos alunos índios. Ela visa uma melhor
atuais. A língua de ensino de todos os con- compreensão das comunidades e dos pro-
○
○
gua indígena terá a função de disciplina ticos e ambientais que as circundam. Os re-
○
status particular, na medida em que o Tupi importante a ser utilizado por todos os ato-
○
○
constitui para eles um objeto de conheci- res implicados na proposta. Resta, no en-
○
○
aprender o Tupi como uma língua estran- estarão dispostos a re-aprender seus obje-
○
○
Bibliografia
○
relativas ao ensino ou não valorizam o en- COTA, M.-G. Educação escolar indígena: a construção de
○
sino formal de conteúdos da cultura ociden- uma educação diferenciada e específica, intercultural e
○
○
tal para os índios. No caso concreto dos pro- bilíngüe entre os Tupinikim do Espírito Santo. Vitória,
○
fessores da Ufes, eles não têm a prática do 2000. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do
○
○
isso, à primeira vista, aparece como um de- nas no Brasil e a questão educativa. Caxambu: Anped,
○
1999.
○
48
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena
○
○
○
cursos de licenciatura
○
○
○
específicos para a formação
○
○
○
de professores indígenas*
○
○
○
49
○
Elias Renato da Silva Januário**
○
○
○
○
○
○
Preliminares 1988 abre um novo contexto na educação es-
○
○
colar voltada para os povos indígenas, fazen-
○
○
O processo de educação escolar entre os do surgir propostas que passaram a conside-
○
ameríndios do Brasil, iniciado com a chegada
○
rar a diversidade étnica e cultural dos índios
○
dos colonizadores portugueses, estabeleceu brasileiros, respeitando a cultura, a língua, as
○
○
uma ação educacional fundamentada nos va- tradições e os processos próprios de aprendi-
○
○
tendo os missionários jesuítas como os respon- Essa mudança de paradigma na relação en-
○
○
sáveis pela implementação da prática educaci- tre o Estado brasileiro e as sociedades indígenas
○
○
onal por meio da catequese. Essa ação educa- teve amplos reflexos no contexto da educação
○
○
cional tinha, entre outros propósitos, a submis- escolar, abrindo novas possibilidades de se pen-
○
são dos povos indígenas, revelando claramente sar uma nova escola indígena, longe das doutri-
○
○
ao republicano, contando também com a atu- onal disposta na Constituição Federal, acen-
○
cunho positivista em seus ideais educacionais. demais escolas do sistema de ensino brasilei-
○
○
Em outras palavras, a ação educacional volta- ro, incentivando uma educação bilíngüe,
○
○
a diversidade étnica e cultural existente no ter- Mato Grosso tem apresentado conquistas
○
○
ritório brasileiro, em favor de uma política significativas no que diz respeito à Educação
○
Somente a partir da segunda metade do sé- 1995, teve início a implementação de um am-
○
○
pensar a Educação Escolar Indígena distante dígenas, por meio do Projeto Tucum e do Pro-
○
viam embasado a prática educacional até en- qualificar uma considerável parcela dos índi-
○
○
tão. A promulgação da Constituição Federal de os de Mato Grosso que atuam nas aldeias, mi-
○
○
○
○
○
○
* Texto-síntese do Projeto de Cursos de Licenciatura Específicos para a Formação de Professores Indígenas, Governo do Estado de Mato
○
○
○
dígenas. dos das escolas das aldeias ou de outras, lo-
○
○
Não é tarefa fácil implementar um progra- calizadas em vilas e cidades circunvizinhas.
○
○
ma de Educação Escolar Indígena específico e A oferta de cursos superiores específicos
○
diferenciado, pautado pelos princípios da plu- para professores indígenas representa a possi-
○
○
ralidade cultural. Requer ousadia e determina- bilidade de atendimento adequado a essa cli-
○
○
ção por parte dos dirigentes do poder público entela, como também a continuidade do pro-
○
para que se consolide uma educação inter- cesso de formação dos atuais e dos novos pro-
○
○
cultural, bilíngüe e de qualidade, fundamen- fessores que comporão o corpo docente indí-
○
○
tada na percepção de outras lógicas, numa prá- gena em Mato Grosso.
○
○
tica pedagógica de valorização de calendários Apesar de tratar-se de uma antiga reivin-
○
e conteúdos curriculares de caráter indígena, dicação de povos indígenas, o acesso a uma
○
○
afastando-se, assim, da ação civilizatória e escola diferenciada e de qualidade foi abor-
○
○
integracionista presentes durante todos esses dado por políticos e educadores como uma
○
○
anos na prática da educação escolar brasileira ○
demanda de caráter individual, localizado e
voltada aos povos indígenas. transitório.
○
○
Apesar de tantas evidências quanto à ne- Com o advento da oferta de Ensino Médio
○
○
desenvolvidas no Brasil encontram-se ainda tos específicos (nos moldes do Tucum), a de-
○
em fase embrionária, quando não, trata-se de manda pelo Ensino Superior deixa de ser ex-
○
○
“cursos” desconexos e descontínuos. Urge, pectativa de alguns poucos, para tornar-se uma
○
○
a todas as sociedades indígenas que contem- tes, professores, agentes de saúde etc.
○
○
dos aos seus interesses. O Programa de For- um marco estratégico para que, a médio pra-
○
Grosso foi concebido e está sendo implemen- ensino e pesquisa voltado para os interesses e
○
○
tado a partir desse entendimento. Busca aten- necessidades das comunidades indígenas, a
○
○
der a todas as demandas educacionais, por exemplo de outras instituições de Ensino Su-
○
O perfil do professor
○
a ser formado
○
des docentes nas escolas das aldeias e os con- deve apresentar o seguinte perfil tipológico:
○
teúdos curriculares dos cursos são organizados ser um profissional competente, comprome-
○
○
de forma que acompanhem o progressivo de- tido, com postura ética, com reconhecimento
○
○
mação, impõe-se agora a organização de cur- professor a ser formado nos cursos de Licen-
○
○
em diversas escolas indígenas. Tal demanda mações sistematizadas em sua área de forma-
○
○
mente duzentos novos professores indígenas didáticos específicos para uso nas suas esco-
○
50
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena
○
○
postas curriculares adequadas aos níveis de da Funai de Cuiabá no ano de 1999, constatou
○
○
ensino e aos interesses das suas comunidades a existência de 53 estudantes indígenas cur-
○
○
(Grupioni, 1999). sando diferentes séries do Ensino Fundamen-
○
tal e Médio apenas na cidade de Cuiabá e
○
○
adjacências. Se considerados os que estudam
○
Justificativa do projeto
○
em outras cidades mato-grossenses (além de
○
Goiânia e Brasília), esse número chega a cen- 51
○
e dos cursos
○
tenas de alunos.
○
○
O Programa de Formação de Professores Portanto, o modelo de atendimento indi-
○
○
Indígenas de Mato Grosso está calcado numa vidualizado utilizado até aqui para acomodar
○
práxis pedagógica que respeita as formas tra- a demanda de Educação Escolar Indígena
○
○
dicionais de organização social e cosmológica deve ser imediatamente substituído por no-
○
○
dos povos ameríndios e os modos próprios vas estratégias que assegurem a oferta de en-
○
com que produzem e transmitem seus conhe-
○
sino regular nas próprias aldeias e garanta às
○
cimentos. Portanto, fundamenta-se na inter- sociedades indígenas o direito a uma educa-
○
○
culturalidade, trilha pelos caminhos da inter- ção específica, diferenciada e em todos os ní-
○
○
das expectativas dos povos indígenas, têm De forma sintética, podemos caracterizar
○
○
como ponto de partida e de chegada o que o perfil do professor indígena egresso dos cur-
○
○
pensam e o que esperam tais povos da edu- sos de Licenciatura como um educador capa-
○
○
cação escolar, e proporcionam o diálogo en- citado técnica, científica, étnica e culturalmen-
○
de em geral.
○
cessos históricos e atuais dos contatos inter- Portanto, os cursos de formação deverão
○
○
culturais e fortalecer a consciência de índios- expressar esse perfil e garantir uma práxis fun-
○
○
cidadãos que mantêm as suas culturas, lín- dada nos seguintes pressupostos:
○
nidades indígenas;
○
uma crescente demanda hoje atendida em es- • busca de respostas para os problemas e ex-
○
colas regulares nas cidades. Nos últimos anos, pectativas das comunidades;
○
○
tal fluxo tem assumido dimensões alarmantes, • compreensão do processo histórico de-
○
○
quer pela restrição da oferta de educação es- senvolvido pelas comunidades indígenas
○
reflexão mais apurada sobre o papel da educa- bem como do processo de incorporação
○
○
○
○
no trabalho docente nas escolas das al-
○
Os cursos de Licenciatura têm por objetivo
○
deias;
○
geral a formação e a habilitação de professo-
○
• debate acerca dos projetos de vida e de fu-
○
res indígenas para o exercício docente no En-
turo de cada povo.
○
sino Fundamental e em disciplinas específicas
○
○
do Ensino Médio, conforme a área de termina-
○
Do ponto de vista organizacional, os cursos
○
lidade em que fizeram opção.
○
terão a seguinte configuração:
○
Os objetivos específicos dos cursos expres-
○
• são concebidos como mais uma etapa do
sam uma dinâmica de formação de qualidade
○
Programa de Formação de Professores In-
○
crescente, ancorada na permanente relação te-
○
dígenas que se desenvolve em Mato Grosso
○
oria-prática, manifesta em três níveis de com-
○
e serão implementados com a participação
petência:
○
das universidades públicas, do poder públi-
○
• compreensão do processo de educação es-
○
co estadual e federal, de organizações não-
○
colar, dos seus limites e possibilidades,
governamentais e de representantes indíge- ○
nas;
○
terminalidade específica. O ciclo básico terá cífica em que atua como professor;
○
terminada comunidade.
○
• estudos presenciais (10 etapas intensivas): cenciando indígena articule a formação teóri-
○
1.900 horas;
○
1.250 horas;
○
○
Princípios curriculares
○
○
cas e da Natureza;
○
• Licenciatura Plena em Línguas, Artes e Li- mentos, habilidades, atitudes e valores que se-
○
○
52
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena
apreendidos pelos participantes dessa comuni- Assim concebidos, os cursos serão estrutu-
○
○
dade educativa especial (cursistas licenciandos, rados em duas etapas: uma de formação geral,
○
○
docentes, assessores, coordenadores). com duração de quatro anos, e uma de forma-
○
○
Por tratar-se de uma construção social e ção específica, com duração de um ano.
○
culturalmente situada, e por envolver sujeitos A etapa de formação geral compõe-se de
○
○
históricos com diferentes pedagogias e formas dois núcleos curriculares que se articulam com
○
○
de organização, a práxis curricular deverá reve- o objetivo de proporcionar aos cursistas a com-
○
lar o seu compromisso com esses sujeitos e com preensão dos elementos construtivos da Edu- 53
○
○
as suas histórias, sociedades e culturas (SMED, cação Escolar Indígena e os conhecimentos ne-
○
○
1996). Portanto, os cursos de Licenciatura, cessários para a prática docente no Ensino Fun-
○
○
como ademais todo o processo educacional es- damental.
○
colar, não são entendidos como um espaço ho- • O primeiro terá como objeto a reflexão acer-
○
○
mogêneo de mera reprodução ou de plena li- ca dos processos pedagógicos que com-
○
○
berdade e criação humana. Como parte de um põem a práxis escolar e os projetos socie-
○
tários que a orientam.
○
processo aberto e flexível, traz em seu interior
○
tensões e conflitos de ordem étnica, política, • O segundo enfocará o tratamento dos con-
○
○
lingüística, entre outras, que expressam a dinâ- teúdos das diversas áreas do conhecimento
○
○
do Ensino Fundamental.
○
○
Estruturas curriculares
○
dos cursos
○
das escolas indígenas. Deve ser estabelecida a volvida no último ano do curso e terá como
○
○
1997) e dos “processos pedagógicos próprios” pesquisa teórica e/ou de campo numa das
○
○
(Diretrizes/MEC, 1993) dos cursistas e das suas áreas das ciências que compõem o currículo
○
○
sivamente para o aprofundamento de outros sistas farão a opção por uma das três termi-
○
pecífico, assim como de habilidades e atitudes reza; Ciências Sociais; ou Línguas, Artes e Li-
○
○
A incorporação nos cursos dos “conheci- monográfico que será apresentado como tra-
○
luz do contexto em que este se situa (RCNEI/ lendário específico, composto por duas moda-
○
○
pressar um “acordo intercultural” que define quais coincidindo com o período de férias e recessos
○
serão os conhecimentos de caráter geral e espe- escolares dos cursistas. A segunda, de ativida-
○
○
cífico de cada núcleo de estudo e as estratégias des cooperadas, nos períodos intermediários
○
○
mais adequadas para obter os melhores resulta- entre uma etapa intensiva e outra, possibilitan-
○
○
dos na aprendizagem. Tal acordo será construído do aos cursistas conciliar suas atividades docen-
○
e reconstruído em cada uma das etapas de pla- tes nas escolas com as atividades do curso de
○
○
○
○
docente e o processo de formação ocorrerão si- oritariamente à redação final da monografia, à
○
○
multaneamente, num contínuo exercício de sua apresentação e apreciação e à avaliação fi-
○
○
comunicação dialógica. nal do programa, dos cursos e dos cursistas.
○
○
Os estágios
○
Temáticas centrais
○
○
do primeiro ciclo supervisionados
○
○
○
O primeiro ciclo de estudos constará de oito Os estágios supervisionados compõem o
○
○
etapas letivas de caráter intensivo e de oito eta- currículo dos cursos e serão desenvolvidos
○
pas de estudos cooperados, pesquisa e ativida-
○
nas unidades escolares em que os cursistas
○
des docentes dos cursistas, desenvolvidas en- atuam como professores. Integram as ativida-
○
○
tre uma etapa intensiva e outra. des das etapas de estudos cooperados e con-
○
○
Cada semestre letivo é composto por uma tam com o acompanhamento regular das
○
das etapas letivas intensivas e uma de estudos ○
○
equipes de supervisão dos cursos. Tais equi-
cooperados, e terá uma temática central sobre pes atuarão regionalmente, conferindo unida-
○
○
riculares das três áreas de estudo. ticos desenvolvidos nas escolas, de tal forma
○
práxis pedagógica.
do segundo ciclo
○
○
O currículo do segundo ciclo de estudos es- dades vinculadas aos cursos de Licenciatura e
○
○
final de curso.
○
Para tanto, no final da oitava etapa letiva centes e pesquisadores que, em seus proces-
○
○
docentes daquela etapa, definirão a área de estudos relacionados com a temática indíge-
○
nas.
○
tureza; Ciências Sociais; ou Línguas, Artes e Li- Nessa perspectiva, beneficiam-se os profes-
○
○
teraturas) a partir da qual cada um desenvolve- sores indígenas e as suas comunidades, uma vez
○
○
rá a sua pesquisa e o seu trabalho final. No iní- que em seus estágios supervisionados poderão
○
Cada uma das áreas de terminalidade deci- pos de pesquisa e extensão universitária, asso-
○
○
dirá sobre a sua estratégia de trabalho, definirá ciando as suas atividades de campo com um
○
○
seus temas e problemas de estudo, os objetivos amplo e inédito programa de formação de pro-
○
e todos os demais itens que compõem a produ- Para efeitos da integralização dos cursos, o
○
○
Ao término da nona etapa letiva intensiva, gidos ao final do estágio supervisionado serão
○
o cursista deverá estar em condições de retornar avaliados com base no processo adiante descri-
○
○
programadas, incluídas, aí, uma versão prelimi- programa curricular dos cursos conforme qua-
○
○
54
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena
Tabela 4
○
○
○
○
Quadro-síntese do programa curricular e respectivas cargas horárias
○
○
○
Estudos Estudos Estágio
○
presenciais cooperados supervisionado Total (horas)
○
Semestre Temática
○
(horas) (horas) (horas)
○
○
1o Gênese 190 125 – 315 55
○
○
o
2 Tempo 190 125 60 375
○
○
o
3 Espaço 190 125 60 375
○
○
o
4 Cotidiano 190 125 60 375
○
○
o
5 Sociedade 190 125 60 375
○
○
o
6 Água 190 125 60 375
○
○
7o Território 190 125 60 375
○
○
o
8 Autonomia 190 125 60 375
○
o
9
○
Monografia 190 125 – 315
○
o
10 Monografia 190 315
○
125 –
○
1.250 420
○
○
○
○
○
ação fundamental da atual política de educação rísticas aqui apresentadas, além de recursos fi-
○
○
escolar. Trata-se da oportunidade de tomar de- nanceiros e esforços coletivos para a sua for-
○
○
cisões sobre o encaminhamento dos trabalhos, mulação, demanda uma ampla rede de profis-
○
No que diz respeito aos cursos de Licencia- preciso também que esses profissionais este-
○
○
tura, tal estratégia não é diferente. A avaliação jam dispostos a compartilhar suas experiênci-
○
mental para a tomada de decisões ao longo do seu fazer pedagógico para atender a uma “cli-
○
○
processo de desenvolvimento curricular e cons- entela” especial, qual seja, 200 professores in-
○
como um processo contínuo, em que todos os ocorre sempre antes do início de cada período
○
seus trabalhos, mas também os docentes dos to”. Dela participam, além da equipe coorde-
○
○
cursos, as etapas dos cursos, o projeto de for- nadora dos cursos, todos os docentes e asses-
○
tunidade de observar e avaliar os avanços e os duração média de uma semana (40 horas) e vi-
○
○
do, assim, definir as ações mais adequadas para viamente definidos) e as estratégias a serem
○
○
○
permanentemente as atividades programadas ções sociais de poder existentes, que estarão
○
○
para as etapas intensivas, os estágios supervi- tornando a universidade indígena uma realida-
○
○
sionados e os estudos cooperados, garantindo, de. O que se está garantindo hoje é a base para
○
assim, o cumprimento das diretrizes gerais do esse percurso, ao se criarem os instrumentos
○
○
projeto. Portanto, a etapa de formação e plane- teóricos e analíticos que permitam a compre-
○
○
jamento é parte fundamental do projeto de for- ensão dos conhecimentos do mundo ocidental,
○
mação, quer por responder às demandas ine- sem violentar a cosmovisão e os valores
○
○
rentes a cada período letivo, quer por formar e etnoculturais das diferentes etnias.
○
○
disponibilizar em nossas instituições um qua- A criação, num futuro próximo, de um cen-
○
○
dro de docentes e assessores especializados em tro de excelência indígena é fundamental, na
○
Educação Escolar Indígena. medida em que será um espaço de luta e de es-
○
○
tabelecimento de relações recíprocas de valo-
○
○
res, onde as culturas estarão se fortalecendo
Considerações finais ○
○
○
mutuamente e, principalmente, os povos indí-
A criação de cursos superiores específicos e genas estarão traçando, eles próprios, os seus
○
○
mento público da existência de outras identida- Cursos de Licenciatura Específicos para a Formação
○
inteligibilidade dos professores índios, que es- Professores Indígenas. Cuiabá, 1995.
○
56
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena
A formação universitária
○
○
○
para os povos indígenas na UFMG
○
○
○
○
○
Maria Inês de Almeida*
○
○
○
○
57
○
○
A partir da necessidade de uma formação tos Língua Indígena e Terra, as diferentes formas
○
○
universitária, explicitada pelos professores indí- de organização escolar (em que tempos e espa-
○
○
genas formados em Magistério pelo Programa de ços correspondem à lógica da aldeia e não à da
○
Implantação de Escolas Indígenas de Minas Ge- cidade), o material didático (livros, cartilhas, jo-
○
○
rais, propomos à Universidade Federal de Minas gos, vídeos, discos, CD-ROMs, feitos pelos pró-
○
○
Gerais (UFMG) a elaboração conjunta de um prios professores) e outros instrumentos peda-
○
projeto para criação de um curso experimental,
○
gógicos (constantes reuniões com as respectivas
○
específico e diferenciado, cujo eixo temático será comunidades, professores de língua e cultura
○
○
a Educação Intercultural e Bilíngüe. indígenas contratados para atuar na escola, de-
○
○
elaboração de um projeto de criação de um cur- exemplifica uma prática que, na realidade, apon-
○
○
so de graduação específico e diferenciado, com ta um caminho para uma forma mais eficiente
○
○
ensino presencial e a distância, para habilitação de conjugar tradições até agora conflitantes no
○
do da Educação de Minas Gerais concedeu o di- aram na chamada civilização ocidental por meio
○
○
ploma de Magistério (considerado Nível Médio da escrita alfabética, e os saberes que, no seio
○
Pataxó e Krenak, que, desde 1997, nas suas al- volver e a se transmitir oralmente, podem se co-
○
○
deias, já atuam em classes de 1ª a 4ª séries do locar em diálogo, desde que se criem instâncias
○
○
Esses professores foram formados por um Ao longo dos cinco anos de duração do cur-
○
○
nio com a UFMG, o IEF, a Funai, e com o apoio do dicalmente baseada na pesquisa e na experiên-
○
○
MEC, que teve por princípio básico a construção cia, a cada momento era repensada e reestru-
○
teórica e conceitual conjunta entre formadores, turada a partir de informações da prática auto-
○
○
formandos e respectivas comunidades, a partir da ral dos professores. Suas técnicas de ensino, suas
○
○
sentido de processo em direção à criação coleti- aldeia, suas práticas escriturais, seus contatos
○
Um dos aspectos mais significativos dessa docentes da UFMG; com técnicos de órgãos pú-
○
○
construção simbólica coletiva tem sido a auto- blicos; com os colegas de outras etnias; com edi-
○
marcas das diferentes tradições étnicas nos pro- novas que a criação da escola indígena transfor-
○
○
* Professora de Literatura Brasileira na UFMG. Coordenadora de formação dos professores Krenak e da área de Múltiplas Linguagens no
○
○
○
que reivindicam agora o direito de continuar essa estadual e federal.
○
○
experiência em direção à criação de um novo Em março de 2001, houve um encontro de
○
○
campo de estudos, qual seja a educação representantes dos professores indígenas com
○
intercultural bilíngüe, tão necessário, na nossa representantes da Secretaria de Educação e da
○
○
opinião, para a consolidação de um paradigma UFMG, e, por um dia inteiro, pensamos juntos
○
○
mais inclusivo para o desenvolvimento de uma sobre como iniciar o debate em torno desse pro-
○
forma brasileira de produzir pensamentos váli- jeto. Consideramos de fundamental importân-
○
○
dos, diante, por exemplo, da comunidade cien- cia a construção processual dessa proposta, para
○
○
tífica internacional. É um sonho que, para ser não corrermos o risco de perder a oportunidade
○
○
realizado, necessariamente, deverá ser incorpo- de criar algo novo: uma educação que seja fruto
○
rado pela universidade. Isso explica o enorme das parcerias estabelecidas com os sujeitos in-
○
○
interesse dos índios em se introduzirem nesse teressados e os professores da UFMG. Devemos
○
○
espaço privilegiado da pesquisa científica. considerar a enorme dívida social que o Estado
○
○
Pretendemos que essa elaboração se dê como ○
brasileiro tem com essas populações e a deman-
um processo que, ao mesmo tempo, defina o for- da e busca de uma saída com verdadeira auto-
○
○
mato do curso, atividades, cronogramas e parce- nomia por parte das nações indígenas, como
○
○
rias e seja em si mesmo parte da formação dos bem expressam as palavras de Marcos Krenak:
○
○
e os índios são os professores das escolas, por- um outro. Mas é preciso ter algum curso superior.
○
do projeto, em que os índios serão seus princi- vai ser mesmo um advogado e defender os direi-
○
○
pais agentes. Prioritariamente, será necessária a tos nossos? Existem outras pessoas com diferen-
○
aquisição de equipamentos de gravação de vídeo tes vontades também. Quantas vezes eu já che-
○
○
e áudio para que eles procedam ao diagnóstico guei perto de um parente lá e fiquei ouvindo ele
○
○
em cada uma das aldeias, visando a definir os falar: nós precisamos de um que lute por nós, que
○
universitária. O diagnóstico será uma atividade cisa do branco também, mas tem que ter alguém
○
○
se, na produção coletiva e original de material uns tratores que, quando quebra uma peça, tem
○
○
didático para as escolas indígenas, o que justifi- que buscar a tal peça lá num sei onde. Isso é por-
○
lação de telefones em todas as áreas, já que esse O branco chega lá e diz, vocês têm aqui um
○
○
será o instrumento principal dos módulos de projeto de tantos mil reais, o que vocês vão fazer
○
ensino a distância, viabilizando o contato dos com o projeto? Nós vamos fazer plantio, eles vão
○
○
professores com a equipe da UFMG, no mínimo lá para comprar adubo, não sei mais o quê, coisa
○
○
semanalmente. Essa articulação deverá se dar que nem sequer precisa. Nós mesmos temos de
○
58
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena
○
conhecer, de tomar conta, de fazer da nossa ma-
○
neira. Um técnico agrícola, um índio mesmo, pode tas de vanguarda é precisamente a tecnologia.
○
○
ser um agrônomo, isto é que é importante para nós. [...] O que ocorre é a viabilização, num grau sem
○
precedentes, das linguagens e procedimentos da
○
○
modernidade – a montagem, a colagem, a
Ensino bilíngüe
○
○
interpenetração do verbal e do não-verbal, a
○
A língua apresenta a oportunidade de um jogo sonorização de textos e imagens – em suma, a
○
○
na vida social. Sua representação, como mais um multiplicação do processo artístico. [...] Outro 59
○
fator relevante é a maior autonomia que a
○
bem simbólico, entre outros possíveis, não quer
○
exatamente comunicar. Serviria antes para acres- informatização pode proporcionar aos artistas.
○
○
À medida que estes possam ter a sua própria
centar mais uma regra no jogo da comunicação.
○
miniestação computadorizada, ou em que se as-
○
Mesmo a ressonância de um dado, uma cifra,
○
sociem a ilhas de produção e edição de outros
○
como “180 línguas faladas, no Brasil, além do Por-
○
artistas independentes para a realização de suas
tuguês”, veiculada pela mídia, modifica o contex-
○
experiências, terão muito melhores condições
○
to literário e cultural do país. Cria no leitor da in-
○
para resistir à convencionalização dos meios de
○
formação a expectativa de que novas formas apa- informação, cujos implementos técnicos até
○
○
recerão. Daí a possibilidade da presença de ou- aqui lhes foram negados. E para insistir na des-
○
tras vozes, outros corpos, outros textos. Esse foi ○
○
plantação das Escolas Indígenas de Minas Gerais, tos da linguagem convencional quer das máqui-
○
ao público brasileiro. Esses textos, ícones, prefi- Segundo esse autor, os textos produzidos a
○
guram a presença corporal de um novo inter- partir das novas formas escriturais escapam ou
○
○
locutor, que, no entanto, sempre esteve ali. Uma destoam de uma tradição milenar, do desenho
○
○
nova reaproximação é tentada. E somente o de- histórico que vem dos embriões mesopo-
○
○
senvolvimento dos diferentes estilos garantiria a tâmicos da escrita ou dos primeiros alfabetos
○
da sobreposição de uma forma por outra. Uma outra tradição, além da escrita alfabética,
○
○
O que, para nós, garante a relação intercultural, se coloca no espaço não-linear das novas
○
○
porque se encontra na sua base, é o diálogo entre mídias, estimulando o espírito em outras dire-
○
as diferentes vozes. Um projeto de curso cuja ções, rumo ao espaço aberto de uma outra ló-
○
○
tual e audiovisual, na autoria coletiva, no domínio Por que essa discussão nos interessa, quan-
○
○
das técnicas escriturais, eletrônicas e digitais nas do trabalhamos com a formação dos professo-
○
ca apenas pela necessidade de se viabilizar o aces- O que estamos propondo, de certa maneira,
○
○
so dos povos indígenas à universidade, mas, an- se integra a um esforço das próprias vanguardas
○
○
mente, novos conhecimentos e metodologias. tas limitações de uma cultura que só tardiamente
○
○
ajuda a fundamentar o ponto de vista de nossa são impostas por todas as instituições que as
○
○
que, emergindo mais claramente na década de (míticas, artísticas), linguagens, princípios mo-
○
○
rais e religiosos – possuem hoje um enorme ar-
○
Nem ciência, nem arte, talvez uma rede de
○
senal de conhecimentos tradicionais pratica-
○
trocas simbólicas, em que, de posse dos meios
○
mente intocados pelas relações interculturais, de comunicação, os diferentes povos, com suas
○
○
ainda que façam parte do enorme caldeirão em diferentes linguagens, poderão expressar seus
○
que se faz a mestiçagem no Brasil.
○
desejos.
○
○
○
○
○
○
A pesquisa na formação do professor
○
○
○
como parte da educação continuada
○
○
○
preparatória para o curso superior
○
○
○
○
○
Marilda C. Cavalcanti ○
○
Unicamp/SP
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
○
tério indígena, no contexto acreano, em curso desen- gências entre as etnias focalizadas.
○
○
Acre, este trabalho objetiva uma reflexão sobre a par- pesquisa etnográfica em desenvolvimento pelos
○
○
(Asheninka, Katukina, Kaxinawá, Manchineri, pesquisa do professor em sua formação, que, ge-
○
projeto coletivo de pesquisa sobre a sala de aula e Magistério. Se há aí um início de trabalho, relevan-
○
suas extensões. Esse projeto é parte da disciplina de te seria haver uma continuação no curso superior
○
○
Iniciação à Pesquisa. Neste trabalho, examina-se o indígena. Em resumo, propõe-se que a educação
○
○
projeto coletivo por meio de uma metapesquisa, vi- do professor indígena vá além da educação do pro-
○
sando à derivação de implicações para o Ensino Su- fessor não-índio (que, geralmente, não contempla
○
○
perior indígena no cenário brasileiro. espaço para pesquisa). Por outro lado, há pelo me-
○
○
A pesquisa, foco da metapesquisa, é uma nos duas questões para discussão: a) o perigo de se
○
etnografia escolar nas comunidades das diferen- “naturalizar” o fazer pesquisa pelo professor indí-
○
○
tes etnias envolvidas e será examinada a partir dos gena e a conseqüente obrigatoriedade da pesquisa
○
○
parte do desenho da pesquisa os olhares das co- Ensino Superior e o conseqüente peso colocado no
○
○
munidades, dos alunos de escolas indígenas, de professor indígena para que faça um curso de gra-
○
○
assessores não-índios em visita às aldeias e de téc- duação Em outras palavras, o que é importante, do
○
nicos da Secretaria da Educação. Como a pesquisa ponto de vista da sociedade dominante, pode não
○
○
ainda está em andamento, não será possível foca- o ser, do ponto de vista dos professores indígenas.
○
É importante apontar que os comentários que ção de se fazer um curso superior, surgem duas per-
○
○
faço são relativos somente ao contexto de pesqui- guntas: 1) Essa “obrigatoriedade” não corre o risco
○
sa focalizado, preparatório para o Ensino Superi- de apagar o pressuposto de que os professores in-
○
○
or. A situação pode ser muito diferente com ou- dígenas passaram pela Educação Indígena, educa-
○
○
tros povos indígenas em outros lugares do país. ção essa que prescinde da escola? 2) Qual é a rela-
○
Como acontece em trabalhos etnográficos, não se ção dessa “obrigatoriedade” com o mito do
○
○
AS ORGANIZAÇÕES
DE PROFESSORES NO BRASIL:
RELAÇÕES COM AS POLÍTICAS
PÚBLICAS E AS ESCOLAS INDÍGENAS
Jaime Costódio Manoel
61
A luta dos professores Ticuna
○
○
○
○
○
Jaime Costódio Manoel*
○
○
○
○
○
Resumo
○
região onde se concentra a maior parte da po-
○
pulação Ticuna que vive em território brasileiro.
○
○
A Organização Geral dos Professores Ticuna Bi- A OGPTB tem por objetivos principais de-
○
○
língües (OGPTB) foi criada em 1986, com o objetivo senvolver projetos e programas destinados à
○
de congregar os professores ticunas, lutar pela implan-
○
formação dos professores Ticuna, à preparação
○
tação de uma educação diferenciada nas escolas e pro- de materiais didáticos específicos, organizar
○
○
mover ações que garantam o cumprimento dos direi- propostas curriculares, além de outras ações
○
tos constitucionais assegurados aos povos indígenas.
○
que possibilitem maior autonomia pedagógica
○
Por meio dos cursos promovidos pela OGPTB, 225 pro- ○
○
e administrativa das escolas. A OGPTB vem lu-
fessores concluíram o Ensino Fundamental, dos quais
tando pela valorização da língua materna, da
○
cação diferenciada ainda não fazem parte das polí- segurados aos povos indígenas.
○
○
ticas públicas locais. Com isso, os professores ticunas Por meio dos cursos promovidos pela
○
duzir suas escolas com maior autonomia pedagógi- no Fundamental, dos quais 170 concluíram o
○
○
ca e administrativa, mesmo que a OGPTB tenha to- Ensino Médio (2º Grau – Magistério) em julho
○
○
mado várias providências no sentido de buscar mai- de 2001. Em julho de 2002, mais 35 professores
○
reúne-se na aldeia de Santa Inês para discutir gião, de cursos que oferecessem uma formação
○
○
ção. Mais adiante, em 1986, um grupo maior de Forçados pelo descaso e pelo abandono dos
○
○
professores reúne-se novamente, dessa vez para órgãos governamentais, que atuam direta ou indi-
○
Ticuna Bilíngües (OGPTB). Em 1993, a OGPTB de de aperfeiçoar seus conhecimentos e sua práti-
○
○
de Benjamin Constant, o Centro de Formação para iniciar um projeto específico que os levasse à
○
1994, cria seu próprio estatuto. o exercício do Magistério. Nesse tempo, 97% dos
○
○
Hoje em dia, a OGPTB congrega cerca de 260 professores não possuíam o 1º Grau completo, sen-
○
○
professores ticunas, que trabalham com 7.997 do que 30% do total exercia o Magistério há mais
○
alunos de 1ª a 4ª séries, em 103 escolas distribu- de dez anos e 32% encontrava-se na faixa de cinco
○
○
ídas nos municípios de Benjamin Constant, a nove anos de serviço. Os professores estavam
○
○
Tabatinga, São Paulo de Olivença, Amaturá e convencidos de que, para transformar a escola
○
* Representante da OGPTB na Secretaria de Educação do Município de São Paulo de Olivença/AM; membro da equipe de supervisão escolar.
○
62
SIMPÓSIO 5
As organizações de professores no Brasil: relações com as políticas públicas e as escolas indígenas
modo que eles próprios fossem os principais agen- na. Seus esforços se deram também no sentido
○
○
tes dessa mudança. de buscar sempre uma articulação com as pre-
○
○
Mas para levar adiante esse projeto, os feituras e suas Secretarias de Educação, assim
○
○
professores enfrentaram uma série de dificul- como com a Secretaria Estadual de Educação,
○
dades. A proposta do curso sofreu diversas promovendo reuniões, encontros regionais e
○
○
modificações para se adequar ao modelo tra- outras ações.
○
○
dicional exigido pelo Conselho Estadual de Fica evidente, portanto, que a transforma-
○
Educação. O curso teve de ser dividido em ção dessa escola e a autonomia dos professores 63
○
○
dois níveis e, para cumprir a carga horária não correspondem aos interesses políticos lo-
○
○
exigida, foram necessárias 15 etapas, realiza- cais; na maior parte dos casos, os princípios da
○
○
das no período das férias, ou seja, quase oito Educação Indígena não foram incorporados às
○
anos de curso. Enquanto a formação dos pro- políticas públicas locais. Assim, a implantação
○
○
fessores prosseguia, pois se tratava de uma de uma escola diferenciada, de qualidade, es-
○
○
situação emergencial, a OGPTB esperava a pecífica e pluricultural, como consta dos tan-
○
○
autorização do Conselho. O curso em nível de tos documentos oficiais, dependerá não somen-
○
1º Grau obteve essa autorização em 1996, e a te do esforço e da luta dos professores índios
○
○
do 2º Grau saiu somente no ano 2000. Foram no sentido de melhorar sua formação, desen-
○
○
anos de espera. Se de um lado havia um am- volver métodos e conteúdos específicos ou pro-
○
○
para estabelecer uma nova política de Educa- uma mudança mais rigorosa na postura das ins-
○
○
ção Escolar Indígena no país, de outro, havia tituições às quais estão vinculadas as escolas
○
○
movimento e na adequação de suas estrutu- que sua luta de tantos anos venha a ter o reco-
○
○
Até hoje a mudança no quadro da Educa- possam existir como Escolas Ticuna.
○
Premiações da OGPTB
○
cia da língua materna na escola, a importância da Prêmio Destaque do Programa Gestão Pú-
○
○
presença do professor índio na escola, a impor- blica e Cidadania – 2000, conferido por
○
○
○
○
indígenas de Rondônia e noroeste
○
○
○
de Mato Grosso: relações com
○
○
○
políticas públicas de educação e
○
○
○
as escolas indígenas
○
○
○
○
○
Cristóvão Teixeira Abrantes
○
○
Opiron/RO
○
○
○
○
Durante a década de 1970, foram realiza- Em busca de alternativas viáveis que so-
○
○
das as primeiras assembléias e a estruturação ○
lucionassem os problemas, foram organiza-
de diferentes organizações indígenas no país, dos os primeiros encontros regionais de pro-
○
○
visando à defesa das terras e dos direitos dos fessores, visando ao intercâmbio cultural, à
○
○
reuniões da União das Nações Indígenas da proposta que resolvesse a atual situação.
○
ção conquistou e reuniu grande número de genas, ou Encontros de Educação Escolar In-
○
○
povos indígenas em defesa de seus direitos dígena, propiciando o debate com ênfase na
○
caráter regional ou dos povos indígenas co- res não encontravam nas escolas implantadas
○
○
meçaram a surgir. É na mesma década de 1970 em suas aldeias uma resposta às suas expec-
○
No final da década de 1980, surgem as pri- e Sul do Amazonas (Cunpir), juntamente com
○
○
cional específica para a Educação Escolar In- zação da I Assembléia de Professores Indíge-
○
○
de e a importância de uma mudança nos mo- ção dos Professores – Magistério Indígena –
○
○
delos de escola implantados pelos órgãos go- Projeto Açaí, planejada para os meses de ju-
○
○
em suas aldeias. Os currículos escolares não isso gerou um clima de angústia e temor en-
○
○
a vida cultural do povo e não levavam em con- perspectiva de a Secretaria de Estado de Edu-
○
○
sideração os seus conhecimentos e seus pro- cação não realizar as etapas previstas ou
○
construídos a partir da experiência milenar, ferido Projeto. Em vista disso, pode-se afirmar
○
○
64
SIMPÓSIO 5
As organizações de professores no Brasil: relações com as políticas públicas e as escolas indígenas
○
sidade de institucionalização do movimento
○
de professores indígenas em Rondônia acon- não pretende, como representante de um gru-
○
○
teceram nesse evento. po hegemônico no poder, fortalecer e instru-
○
○
No estado de Rondônia, a organização dos mentalizar grupos “minoritários” capazes de
○
professores se efetiva a partir do momento em construir uma contra-hegemonia. Por isso, a
○
○
que eles têm a oportunidade de se encontrar importância da participação dos professores
○
○
durante a realização dos cursos de formação na escolha e seleção dos quadros de profissi-
○
onais que vão trabalhar nos cursos de forma- 65
○
inicial.
○
Em março de 1999, ocorreu o I Encontro de ção de professores indígenas.
○
○
Professores Indígenas de Rondônia e Noroes- A política de educação implementada pe-
○
○
te de Mato Grosso, deliberando a criação da las Secretarias não tem considerado o fato de
○
Organização de Professores Indígenas de a escola representar um elemento novo na or-
○
○
Rondônia e Noroeste de Mato Grosso (Opiron), ganização social dos povos indígenas de
○
○
o que representa um marco importantíssimo Rondônia, e os atuais modelos de atendimen-
○
○
na história da Educação Escolar Indígena no to têm interferido e modificado hábitos cul-
○
Estado. A partir da realização da primeira as- turais do sistema tradicional de educação,
○
○
sembléia, adotaram a sistemática de realiza- obrigando-os, de certa forma, a viverem em
○
○
ção dos encontros (duas vezes ao ano) confor- função da escola, acarretando, portanto, uma
○
○
me programação das etapas do Curso de For- inversão de papéis – em vez de a escola ser
○
mação Inicial – Projeto Açaí, executado pela adaptada à vida do povo, é exatamente o con-
○
○
Secretaria de Estado de Educação em parceria trário, o povo é que tem de se adaptar à vida
○
○
zem parte do Núcleo de Educação Escolar In- que a escola se apresente como um corpo es-
○
○
Nesse cenário político, a trajetória que os veria ser, então, um espaço para a discussão
○
desde o reconhecimento por parte da Secreta- periências de vida às quais eles estariam ex-
○
○
ria de Educação, até a efetivação de seus con- postos devido ao contato” (Capacla, 1995: 58).
○
○
mente estabelecido nas relações da população histórica dos órgãos governamentais respon-
○
○
nacional com os povos indígenas. Assim, ta- sáveis pela implementação das políticas pú-
○
○
chados de incapazes por essas instâncias, es- blicas para a Educação Escolar Indígena, foi
○
○
tão provando o contrário do que deles dizem, necessário viabilizar mecanismos e instânci-
○
mostrando que há formas diferentes de ensi- as legais que garantissem às sociedades indí-
○
○
nar e aprender e que a seleção dos conteúdos genas a participação nas decisões relaciona-
○
○
não deve partir das Secretarias. Essa consciên- das à educação escolar para o seu povo. Des-
○
○
cia é resultado de um processo de muito tra- sa forma, foi surgindo a necessidade objetiva
○
balho e luta dos professores, mediante a par- de criar organizações de professores indíge-
○
○
O sucesso da escola indígena está intima- de construção das políticas para suas escolas.
○
○
mente ligado aos cursos de formação de pro- Acredita-se que a organização e a efetiva
○
fessores, uma vez que, por meio deles, os pro- participação dos professores juntamente com
○
○
fessores terão instrumentos para promover suas comunidades vão, de certa maneira, de-
○
○
contrapartida, sabe-se que nunca foi interes- criação da Opiron, passaram a perceber que
○
○
se do Estado assegurar essa qualidade e mui- as decisões sobre Educação Escolar Indígena
○
○
to menos o diferenciamento de modelo, já que não são meramente técnicas, mas, sobretudo,
○
políticas. Por isso, faz-se necessário se orga- turais específicos. Essa autonomia é extensi-
○
○
nizar para participar e decidir. va a qualquer comunidade, uma vez que não
○
○
Durante a realização das assembléias, os só os povos indígenas são violados com as
○
○
professores foram percebendo que seria pos- políticas públicas.
○
sível a criação de mecanismos de participação, Para se fazer uma educação verdadeira-
○
○
ainda que em sistemas tão fechados e cristali- mente indígena, com características próprias
○
○
zados, nos quais as decisões mais importantes de cada povo em Rondônia, é indispensável a
○
ficam nas mãos de tão poucas pessoas. participação efetiva de todos os segmentos
○
○
Mesmo com a criação da Opiron e o reco- envolvidos, sobretudo dos professores e de
○
○
nhecimento dos professores da necessidade suas comunidades, para que se possa formu-
○
○
de participar das discussões acerca da educa- lar uma política estadual que venha contribuir
○
ção escolar, a presença e a participação indí- para a construção de uma educação diferen-
○
○
genas (professores e lideranças) nas discus- ciada e de qualidade para os povos indígenas.
○
○
sões em torno da educação ainda têm sido Como as organizações dos professores in-
○
○
muito inexpressivas. Esse fato ocorre devido ○
dígenas podem intervir nos órgãos responsá-
à dificuldade que os professores enfrentam veis pela execução das políticas de educação
○
○
para se deslocar de suas aldeias até a cidade, que interferem nas relações sociais do grupo
○
○
pelo difícil acesso, e às limitações financeiras e nos processos próprios de elaboração dos
○
○
ação vem sendo mantida pelas administra- Mesmo reconhecendo o esforço e a serie-
○
○
ções como estratégia de exclusão das popu- dade nas intenções dos envolvidos direta e in-
○
○
das políticas públicas. Não estou defenden- ferenciais Curriculares Nacionais para a Esco-
○
○
das ligando as aldeias aos centros urbanos uma ampla discussão, com a participação de
○
○
nem o paternalismo estatal no sentido de doar representantes indígenas e orientado por es-
○
so de construção das políticas públicas. Mas nar se há pistas que apontem para efetivas
○
○
defendo uma política séria, de forma que os mudanças, de forma que os povos indígenas
○
para a autonomia, porque prima pela cons- dadeiramente diferenciada, que leve em con-
○
○
trução de uma nova relação dos povos indí- sideração os processos próprios de ensino e
○
○
Educação Escolar Indígena, na busca da me- para os povos indígenas correspondem aos re-
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lhoria da qualidade de vida de seus respecti- ais interesses das comunidades indígenas?
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vos povos. O impacto gerado, embora gra- Elas têm contribuído para o processo de cons-
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cia de intervenções externas e, por fim, sen- Do ponto de vista avaliativo, esses ques-
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sibilizados com seus problemas e conscien- tionamentos devem fazer parte das reflexões
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atuarão sem perder de vista seus valores cul- professores e assessores estejam repensando
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SIMPÓSIO 5
As organizações de professores no Brasil: relações com as políticas públicas e as escolas indígenas
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tização e implementação das políticas públi-
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essa prática de reflexão e avaliação constan- cas de Educação Escolar Indígena. Penso que
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tes, o risco de errar será, potencialmente, ao estabelecerem essa relação com os seus
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menor. parceiros diretos e indiretos – governamen-
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Pelo fato de a Educação Escolar Indígena, tais e não-governamentais – poderão discutir
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como modalidade de ensino, apresentar sin- com autonomia e autoridade uma educação
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gularidades educativas, heterogeneidade ét- escolar pautada em suas diferenças e espe-
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nica e, ainda, em função da problemática le- 67
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cificidades.
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vantada, trabalha-se com a hipótese de que o
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modelo de Educação Escolar Indígena im-
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plantado pelos órgãos governamentais e não-
Bibliografia
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governamentais para os povos indígenas não
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tem contemplado o universo socioeconômico,
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cultural e lingüístico desses grupos, anulan- ABRANTES, Cristovão Teixeira. A educação escolar in-
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dígena em Rondônia e o processo educacional dos
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do a construção de uma escola com um perfil
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Cinta Larga: uma abordagem sociocultural. Monografia
indígena. Pelo contrário, vem desagregando
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apresentada em curso de especialização. Porto Ve-
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progressivamente os processos próprios de
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lho: UNIR, 1998.
ensinar e aprender desses povos. CAPACLA, Marta Valéria. O debate sobre a educação in-
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Exatamente por tratar-se de uma institui- dígena no Brasil (1975-1995): resenhas de teses e
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ção responsável pela socialização do saber livros. Brasília/São Paulo, MEC – Mari/USP, 1995.
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formal, em que há seleção desses saberes, par- SECCHI, Darci (Org.). Ameríndia : tecendo os caminhos
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indígenas estabelecer novas relações com es- Roraima e Acre, a partir dos seus encontros anuais.
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