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EDUCAÇÃO ESCOLAR

INDÍGENA
Marilda Almeida Marfan
Organizadora

Vo l u m e 4

Brasília
2002
PRESIDENTES DO CONGRESSO
IARA GLÓRIA AREIAS PRADO
Secretária de Educação Fundamental
MARIA AUXILIADORA ALBERGARIA
Chefe de Gabinete

COMISSÃO ORGANIZADORA
Coordenadora: Rosangela Maria Siqueira Barreto
Renata Costa Cabral
Fábio Passarinho de Gusmão
Lívia Coelho Paes Barreto
Sueli Teixeira Mello

COMISSÃO CIENTÍFICA
Coordenadora: Marilda Almeida Marfan
Ana Rosa Abreu
Cleyde de Alencar Tormena
Jean Paraizo Alves
Leda Maria Seffrin
Lucila Pinsard Vianna
Nabiha Gebrim de Souza
Stella Maris Lagos Oliveira

Edição: Elzira Arantes


Projeto Gráfico: Alex Furini
Editoração: José Rodolfo de Seixas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação: formação
de professores (1. : 2001 : Brasília)
Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação :
formação de professores: educação indígena. / Marilda Almeida
Marfan (Organizadora). __ Brasília : MEC, SEF,
2002.
204 p. : il. ; v.4

1. Formação de Professores. 2. Qualidade da Educação.


3. Educação Escolar Indígena. I. Título. II. Brasil.
Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Fundamental.

CDU 371.13

Patrocínio: PETROBRAS
Apoio: Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI)
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 5
Iara Glória Areias Prado

SIMPÓSIOS

SIMPÓSIO 1 9
EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA DIVERSIDADE CULTURAL
Héctor Muñoz Cruz

SIMPÓSIO 2 19
POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL
Jean Paraízo Alves
Maria Helena Fialho

SIMPÓSIO 3 29
EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE CULTURAL E CIDADANIA: OS POVOS INDÍGENAS E A ESCOLA
Inge Sichra

SIMPÓSIO 4 41
EXPERIÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR INDÍGENA
Edivanda Mugrabi
Elias Renato da Silva Januário
Maria Inês de Almeida
Marilda C. Cavalcanti

SIMPÓSIO 5 61
AS ORGANIZAÇÕES DE PROFESSORES NO BRASIL:
RELAÇÕES COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AS ESCOLAS INDÍGENAS
Jaime Costódio Manoel
Cristóvão Teixeira Abrantes

PAINÉIS – RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

PAINEL 1 71
A QUESTÃO INDÍGENA NA SALA DE AULA
Ana Vera Macedo
Rosani Moreira Leitão
Betty Mindlin
José Ribamar Bessa Freire

PAINEL 2 101
AS EXPERIÊNCIAS DOS CONSELHOS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
José Ademir Gomes e Jecinaldo Barbosa Cabral
Elias Renato da Silva Januário

PAINEL 3 107
O PAPEL DA ANTROPOLOGIA, DA LINGÜÍSTICA E DA PEDAGOGIA NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Judite Gonçalves de Albuquerque

PAINEL 4 113
POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS E A ESCOLA INDÍGENA
Wilmar da Rocha D’Angelis
Marcus Maia

PAINEL 5 129
LEGISLAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Luís Donisete Benzi Grupioni
Darci Secchi
Vilmar Guarani
PAINEL 6 145
OS ETNOCONHECIMENTOS NA ESCOLA INDÍGENA
Carlos Alfredo Argüello
José Augusto Laranjeiras Sampaio
Roseli de Alvarenga Corrêa

PAINEL 7 161
EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS
Jussara Gomes Gruber
Maria Cristina Troncarelli
Zélia Maria Rezende
Marlene de Oliveira

PAINEL 8 177
EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS
Eunice Dias de Paula
Terezinha Furtado de Mendonça

PAINEL 9 187
EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS
Bruno Kaingang
Arlene Bonfim

PAINEL 10 199
PRÁTICA DE SALA DE AULA NA ESCOLA INDÍGENA
Yolanda dos Santos Mendonça
Alzenira Felipe Marques
APRESENTAÇÃO

O Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação – Formação


de Professores, promovido pela Secretaria de Educação Fundamental do
Ministério da Educação (SEF/MEC), foi realizado em Brasília no período
de 15 a 19 de outubro de 2001.
O Congresso tratou, em seus simpósios, palestras, painéis, oficinas e
atividades paralelas, de uma das principais variáveis que interferem na
qualidade do ensino e da aprendizagem: a formação continuada dos pro-
fessores. Buscou propiciar aos educadores e profissionais da área, tanto
nas oito séries do Ensino Fundamental, quanto na Educação Infantil, na
Educação de Jovens e Adultos, na Educação Especial, na Educação Indí-
gena e na Educação Ambiental, informações e conhecimentos relevan-
tes para subsidiá-los em sua prática. Promoveu um balanço geral dos
principais avanços alcançados nos últimos anos, com a implantação de
políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade do ensino, e
enfatizou, de forma especial, os programas de desenvolvimento profis-
sional continuado e de formação de professores alfabetizadores, que fo-
ram debatidos sob diferentes óticas e pontos de vista.
O Congresso envolveu cerca de 3 mil participantes, incluindo, além das
representações municipais, um significativo número de autoridades, es-
pecialistas nacionais e internacionais e representantes de organizações
não-governamentais, privilegiando, quantitativamente, os representantes
dos municípios que procuravam desenvolver em seus sistemas de ensino
as políticas de formação continuada propostas pelo MEC, a saber: o Pro-
grama de Desenvolvimento Profissional Continuado – “Parâmetros em Ação”
e o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA.
Ao promover a organização desta publicação, a SEF faz um resgate de
todos os textos apresentados e entregues, em tempo hábil, pelos especia-
listas convidados e procura colaborar com aqueles profissionais da área
que valorizaram o evento e estão em busca de sua memória, ou que, por
diferentes razões, se interessam por reflexões e temas relativos à quali-
dade da educação e à formação dos professores, tais como: educação para
a mudança, transversalidade e interdisciplinaridade, educação escolar
indígena, livro didático, inclusão digital, alfabetização, organização dos
sistemas de ensino, educação inclusiva, escola reflexiva, enfim, compe-
tência profissional, o desempenho do professor e o sucesso escolar do
aluno, entre outros.
Como o público-alvo é muito diversificado, o volume de textos apre-
sentados muito grande, e como os principais eixos temáticos podem in-
teressar, de forma mais direta, a diferentes segmentos do Ensino Funda-
mental, os resultados do Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na
Educação – Formação de Professores foram organizados em quatro volu-
mes: os volumes 1 e 2 referem-se a temas mais gerais, relativos à Educa-
ção Fundamental como um todo, e incluem temas específicos referentes
à Educação Infantil, à Educação de Jovens e Adultos, à Política do Livro
Didático e à Educação Especial; o volume 3 trata da Educação Ambiental;
e o volume 4 é dedicado à Educação Escolar Indígena.
Embora incompleta, pela ausência de alguns textos, e observando que
em alguns casos só apresenta os resumos dos participantes, a presente
edição reflete a importante contribuição e a competência de nossos es-
pecialistas, tanto pelas palestras proferidas nos simpósios, quanto pelos
relatos de experiências contidos nos painéis, e incorpora 25 textos apre-
sentados por renomados especialistas internacionais.
Ressalta-se ainda que os textos contidos nesta publicação são de in-
teira responsabilidade de seus autores e retratam reflexões e pontos de
vista de cada especialista envolvido.
Com a presente publicação, a SEF/MEC espera que os resultados do
Congresso de Brasília possam ser amplamente divulgados e cheguem ao
alcance dos principais interessados: professores do Ensino Fundamen-
tal, diretores de escolas, institutos de formação de mestres, pesquisado-
res, universidades, enfim, todos aqueles ligados à produção, à reprodu-
ção, ao consumo e à transmissão do conhecimento, paladinos da cons-
trução de uma escola de qualidade para todos.

Iara Glória Areias Prado


Secretária de Educação Fundamental
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
SIMPÓSIOS
SIMPÓSIO 1

EDUCAÇÃO NO CONTEXTO
DA DIVERSIDADE CULTURAL
Héctor Muñoz Cruz

9
A educação no contexto




da diversidade





Héctor Muñoz Cruz



Universidade Autônoma Metropolitana/México






lidade, a natureza e, sobretudo, as conseqü-
Natureza e impacto



ências desse fenômeno extrapolam quase que


da diversidade


por completo a imaginação popular e as pes-


quisas mais rigorosas. Ainda assim, no pre-



sente trabalho procuro propor algumas impli-


Este país encontra-se completamente despreparado


e, em alguns casos, sem vontade de atender às cações dos aspectos contemporâneos da di-

necessidades educativas e sociais de sua população



versidade lingüística e cultural na teoria
educacional.

multicultural de estudantes. Como resultado da


escassez de professores multiculturais e Em todas as latitudes do planeta, verifi-



multilíngües, os professores recebem referências de ca-se um processo extremamente amplo de



emergência para lecionar. Esses professores têm assimilação e perda da diversidade cultural

poucas oportunidades para desenvolver uma e intelectual. Como interpretar essa tendên-

compreensão do que significa lecionar em uma cia? Quais são as dimensões e implicações

sociedade multicultural e multilíngüe. Ademais, os


para a humanidade? Um caso muito discuti-


programas de formação de professores continuam


do refere-se à angústia e ao deslocamento


centrados no ensino e na aprendizagem de modelos


que as línguas e culturas politicamente do-

de instrução monoculturais e fora de contexto.


minantes produzem sobre as línguas e cul-


Quem necessita ser crítico e reflexivo se o uso


turas indígenas locais (Hale, 1992; Ladefoge,


continuado de métodos, materiais e currículos


1992). Embora esse processo não esteja rela-


descontextualizados, “à prova de professores”, é a

cionado com a perda simultânea de diversi-


prática habitual nas escolas?


dade nos mundos biológico e botânico, não



Gutiérrez, apud McLaren, 1995: 184. é de todo inadequado imaginar-se uma ana-

logia ecológica. Se é dramático imaginarmos



O reconhecimento social, a documentação os perigos decorrentes da perda de diversi-



e a pesquisa científica sobre a heterogeneida- dade biológica no planeta, não é menos ca-

de das sociedades, os sujeitos e seus respec- tastrófico visualizarmos os perigos inerentes


tivos indicadores aumentaram paulatinamen- à perda de diversidade lingüística e cultural.



te nos últimos anos, tanto no âmbito global Entretanto, a preservação e a manutenção



q u a n t o n a s c o m u n i d a d e s p e q u e n a s. O das línguas e culturas continuam a ser um



multiculturalismo e as desigualdades irrom- tópico multifacetado sobre o qual diferentes


peram com tal impacto nas platafor mas opiniões podem ser emitidas.

sociopolíticas dos projetos globais, nacionais A partir de uma perspectiva sociolingüística



e étnicos, que converteram a diversidade e o (Muñoz e Lewin, 1996), as conseqüências da



multidirecionamento em descobertas sur- perda e da transformação da diversidade para


preendentes, fascinantes, porém conflitantes. parâmetros de uniformidade se refletem em



A diversidade e o multidirecionamento cons- três importantes dimensões da vida social: pri-



tituem dois fatores substantivos do presente meiro, modificam a funcionalidade e a repro-



que nos foi legado com dor por uma realida- dução na comunicação e na continuidade cul-

de multicultural abundante em pobreza, de- tural; segundo, enfoca-se a racionalidade ou



sigualdades e exclusões. O quê e o quanto sa- reflexividade em torno de modelos lingüísticos



bemos sobre a diversidade histórica? Na rea- e culturais dominantes; e, terceiro, diversifi-


10
SIMPÓSIO 1
Educação no contexto da diversidade cultural

cam-se e especializam-se as capacidades No novo cenário político e econômico, a



socioculturais dos sujeitos em relação às neces- migração, as políticas de preservação das lín-



sidades dos projetos globais. Em suma, há todo guas, culturas e identidades das populações



um campo a ser pesquisado no qual, entretan- originais adquiriram grande relevância, junta-


to, a maioria das preferências explicativas pro- mente com o fomento da comunicação



postas decorre de uma visão superficial e des- intercultural e multilingüística e a eliminação



critiva da diversidade. de ranços sociais e educacionais. Do ponto de


A esse respeito, as possibilidades de in- vista das ações governamentais, na realidade, 10



tervenção ou de prevenção implicam tarefas não existem no momento soluções harmôni-



tais como uma adequada compreensão da cas para o reconhecimento e a reconciliação



perda de diversidade, rechaçando-se a con- das particularidades culturais e lingüísticas nas


cepção de que seja uma condição normal do novas estruturas nacionais.



mundo moderno e uma efetiva potencializa-



ção dos recursos e das identidades culturais Assim, já não podemos considerar que os seres


humanos criam seu entorno técnico e econô-


das comunidades afetadas. As soluções e as


estratégias estão longe de serem universais. mico [...] a partir de agora são as indústrias cul-



As decisões e as opções são prerrogativas cla- turais (em particular o ensino, a assistência sa-

ramente exercidas por povos e falantes. A hu-




nitária e a informação) que criam novas repre-
sentações do ser humano e, por outro lado, des-

manidade é surpreendentemente flexível no


cobrimos que é possível inovar não apenas com


que se refere à preservação da diversidade.

o novo... mas também com o velho ( Touraine,


Enquanto diversas culturas morrem, sempre


1999: 54).

estão surgindo outras, fato que não apresen-


ta correlação direta com a etnia ou o idioma


A Unesco também tem contribuído para


(Ladefoge, 1992).

chamar a atenção para esse fenômeno. A enti-


Nesse contexto, a diversidade é conseqü-


dade adverte que os estados estão deixando de


ência da racionalidade humana para adap-


cumprir a política de Educação para Todos


tar-se e responder de forma criativa a tudo

( Jomtien) nos seguintes aspectos:


que a rodeia e às suas necessidades. Mas essa


• descuido no que se refere a aprendizagens


não é a meta das relações humanas ou da


informais;

educação. A diversidade pressupõe funções


• lentidão na redefinição das necessidades


de intercâmbio e de equilíbrio tanto para o

educacionais, particularmente no que se


indivíduo quanto para as interações de todo


refere a um conteúdo educacional que re-


o conjunto social.

flita a diversidade cultural;


Por outro lado, discussões mais ou menos


recentes sobre desenvolvimento social inclusi- • aumento das desigualdades nos sistemas

vo, pluralidade na política e interculturalismo educacionais: apenas os pobres, grupos


minoritários e não-capacitados foram con-


na educação em nosso continente colocam uma


siderados;

ênfase clara sobre a necessidade de vincularem-


se, efetivamente, as alterações socioculturais e • pouco desenvolvimento da educação ini-



as particularidades étnicas e lingüísticas à de- cial nas zonas rurais; aumento da lacuna

tecnológica, que reduz as possibilidades


mocratização e ao direito, à transformação em


de que as tecnologias de informação e co-


prol da qualidade e da pertinência da educa-


municação atendam a necessidades espe-


ção nacional e à luta contra a pobreza e as de-

cíficas;

sigualdades.1




1
Nossos países devem optar por um desenvolvimento sustentável e pela paz, e construir uma democracia multiétnica e pluricultural, o que

significa que os Estados devem se esforçar para entender a diversidade. Essa corrente, em seu afã para criar novos paradigmas, resgata a

autoridade, a diversidade cultural, a interação com a natureza e a pluralidade de saberes como expressões enriquecedoras e não-problemá-

ticas da humanidade (Cárdenas, 1995: 2-3). Cf. Touraine, 1999.



• e, por último, o financiamento da Educa- Diversidade, direito e



ção Fundamental ainda é deficitário (SEP,


compromisso com o


2000a e 2000b).


desenvolvimento educacional


As experiências sociais mais freqüentes da



diversidade (auto-integração, assimilação, mi-
As transformações na área da educação


gração e ressocialização) comprometem obje-


sempre apresentam um referencial sócio-his-


tivos e atividades no âmbito da tecnologia dos


tórico que pode impulsioná-las ou bloqueá-


meios de comunicação, a educação em geral, o
las. A situação da formação de professores no


ensino dos idiomas, o acesso ao trabalho em no-


marco do multiculturalismo contemporâneo


vas áreas, a democratização da justiça e a diversi-


não é exceção. Para educadores, funcionários


ficação dos serviços de informação e tradução.


e líderes de movimentos sociais, o debate so-


As situações conflitantes do multicul-
bre a educação, sensível à diversidade cultural


turalismo aprofundam a desilusão e a frustra-


das populações discriminadas, gira em torno

ção das comunidades no que se refere à vonta-


do direito e do reconhecimento do todo nacio-
de e à orientação políticas do Estado. As deman- ○

nal, reivindicações que não foram atendidas e,


das e as ações das alterações podem experimen-


portanto, encontram-se bloqueadas. Seria in-

tar um “viés comunitário e de identidade”


teressante estabelecer e criar o panorama des-


(Gross, 2000), se seus próprios objetivos forem


sa situação em nosso continente, como sugere


frustrados. Ou seja, não é seguro que a popula-


o relatório intitulado Nossa diversidade criati-

ção discriminada se aproprie das mudanças ju-


va (Unesco, 1997).

rídicas e institucionais favoráveis à construção


As alterações sociais e suas organizações


e à participação em uma sociedade mul-


(etnias, imigrantes, gêneros, idiomas, reli-


ticultural plural, devido ao fato de que essas


giões) pelejam e negociam com os governos fe-

percebem convergências entre as reformas


derais medidas como o status de sujeitos de


constitucionais e o neo-indigenismo do Estado


direito, a cidadania e a pertinência das políti-


com o ajuste econômico, a abertura neoliberal


cas públicas. Com efeito, os tempos políticos


e os custos econômicos e sociais que esses pro-


na América Latina indicam que essa negocia-

vocam.

ção será longa e não estará desprovida de con-


Em suma, a educação sensível à diversida-


dicionamentos ideológicos do temor de supos-


de é uma utopia recente e questão de justiça


tos privilégios diferenciados. Portanto, a aber-


para grande número de povos indígenas e afro-


tura e o pluralismo das políticas públicas cul-

americanos, bem como para movimentos so-


turais e educacionais, no curto prazo, depen-


ciais que começaram a materializar-se na últi-


derão mais de negociações políticas do que de


ma década, em novas bases jurídicas e em polí-


razões educacionais (qualidade, igualdade e


ticas públicas de educação escolarizada, rever-


pertinência). 2

tendo progressivamente um processo adverso


Entretanto, a introdução de uma propos-


na educação pública que remonta ao início do


ta educacional suscita exigências que não se


século XX. “Até o século XVII, acreditava-se que


satisfazem com as posturas ideológicas. A


a diversidade era a causa da discórdia e das de-


questão essencial é que se precisa de concep-

sordens que levavam os Estados à ruína. Assim,


ções sobre como opera uma mudança na edu-


acreditava-se que a saúde do Estado exigia


cação e quantos processos devemos integrar


unanimidade” (Sartori, 2001: 20-21).


para assegurar uma reforma efetiva e favorá-






2
A crise na educação de hoje tem gerado profundas discrepâncias sobre o papel da escola na sociedade. É grande a necessidade de ajustar-

se a questão educacional às necessidades da sociedade e, especialmente, de abandonar a concepção e os conteúdos da escola pública

tradicional. Assim, no que se refere às escolas, inicia-se o progressivo consenso social de que sua atribuição não se limita a ensinar as

crianças e a fornecer-lhes as habilidades básicas necessárias em uma sociedade tecnológica complexa, mas inclui também a solução do

dilema da discriminação social e da violência, a fim de proporcionar oportunidades às mulheres e às populações étnicas, visando à sociali-

zação de gerações de migrantes do campo para a cidade e para canalizar a transformação de políticas sociais.

12
SIMPÓSIO 1
Educação no contexto da diversidade cultural

vel à população envolvida. Até o momento, educação sensível à diversidade cultural e lin-



tem-se abusado de plataformas sociopolíticas güística (povos indígenas). A partir de seto-



e descritivas para corroborar a necessidade de res técnicos de projetos EIB, com apoio inter-



transformar o sistema, os modelos acadêmi- nacional, e, especialmente, de pesquisadores,


cos e as práticas escolares em relação à diver- tentou-se estabelecer um tipo de história



sidade. Mas talvez o melhor passo seja abrir científica das orientações principais ou, figu-



o u d e m o c ra t i z a r a g e s t ã o d a e d u c a ç ã o rativamente, paradigmas da Educação Indí-


multicultural plural para atrair o compromis- gena escolarizada, a fim de sustentar o cará- 12



so e a criatividade demonstrados por muitos ter progressivo e alternativo da doutrina



professores. intercultural bilíngüe.



Mas antes seria conveniente fazer duas


observações. Primeiro, essa preocupação tem
Impacto da diversidade



sua origem no desenho de ações e projetos de


lingüística e cultural no


desenvolvimento educacional inovadores e


desenvolvimento educacional

diferenciados promovidos por agências inter-


nacionais. As comunidades indígenas foram



Na educação escolarizada, parece verifi- mais receptivas a essas preocupações. E, se-

car-se a impossibilidade de construir-se um gundo, no curso dessa preocupação, enfren-



projeto de desenvolvimento coerente com tam-se antigos problemas da Educação Indí-


gena e, em tempo real, novos desafios e te-


uma visão plural diferenciada do setor edu-


cacional, que permita vislumbrar as mudan- mas. As discussões paradigmáticas, até certo

ças socioculturais e as realidades escolares ponto, criam a ilusão de que os antigos pro-

blemas desaparecem pelo simples fato de


das comunidades de base.


operar-se com novas categorias e modelos


Contamos com parâmetros bem mais


4
atuais para discutir a reforma da educação, educacionais.

com novas tendências curriculares do siste- Mas também devemos reconhecer um as-

pecto muito interessante: as diversas orien-


ma educacional e com ações institucionais


tações programáticas e metodológicas refle-


que tendem a oferecer Ensino Fundamental


àqueles que dele necessitem. Da mesma for- tem a vontade política de influir no futuro da

ma, novas tecnologias surgiram para a elabo- sociedade e da identidade indígena, rede-

finindo-se o papel da educação no grande es-


ração de material didático, especialmente do


forço para permitir a formação do maior nú-


livro didático.

Em geral, as propostas subordinam os ob- mero possível de indivíduos de origem indí-



jetivos tradicionais de cobertura e igualdade gena e afro-americana dos atuais países lati-

no-americanos (Lesourne, 1993; e Albó, 1996).


que dominaram a educação durante grande


parte desse século e privilegiam objetivos Em trabalhos anteriores (Muñoz, 1998 e



“pós-modernistas” de eficácia, produtividade, 2001b), sugeri que a história científica da Edu-



pluralismo cultural e, ocasionalmente, de ex- cação Indígena procura representar o desen-


volvimento progressivo da natureza indígena.


celência acadêmica. 3

Para fins de avaliação e planejamento, há Assim, até o momento, o resultado ideológi-



um certo interesse em tornar a história da co da aceitação da proposta intercultural bi-









3
Utilizo nessa idéia a terminologia de Kelly (1985), ou seja, a adequação entre a formação escolarizada e o desenvolvimento socioeconômico

da comunidade.

4

As dificuldades relativas à educação bilíngüe, como o ensino do espanhol como segunda língua e a normatização ortográfica das línguas

indígenas, continuam pendentes e são atendidas por antigas práticas pedagógicas, típicas do paradigma bilíngüe. De certa forma, continu-

am a reinar, na pedagogia das escolas indígenas de 2001, concepções e práticas criadas há cinqüenta anos.

l í n g ü e é a s u b s t i t u i ç ã o i r re v e r s í ve l d o des e sua identidade. Por razões de política



paradigma bilíngüe bicultural. Anteriormen- mundial, assume-se o princípio do intercultu-



te, nos anos 1970, a doutrina da Educação In- ralismo dual ou polarizado, que circulou nes-



dígena bilíngüe e bicultural havia sido subs- ses ambientes educacionais com a bicultura-


tituída pela antiga proposta integracionista lização servindo de complemento à educação



dos anos 1930 chamada “educação bilíngüe”. bilíngüe. Entretanto, dadas a escassa experiên-



Apresento, no quadro abaixo, essa seqüência cia inovadora e a quase inexistente pesquisa


histórica. sobre a Educação Indígena àquela época, o



Na proposta gráfica acima, atribuímos gran- componente bilíngüe experimentou um de-



senvolvimento central, com princípios e


Quadro 1


tecnologia da lingüística aplicada. Como resul-


tado, prevaleceram a “castelhanização” e a


Paradigmas da Educação Indígena


escolarizada na América Latina monoculturalização dos currículos e da apren-



dizagem. A Educação Indígena não escapou à

A diversidade como problema Modelo democratizador ○

(educação bilíngüe)

crise e ao ranço planetário em matéria de edu-
cação, talvez com mais profundidade devido

A diversidade como recurso Modelo de capital humano e de às desigualdades não-resolvidas. No fundo, a


(educação bilíngüe bicultural) superação da marginalização


escola pública indígena não se modificou.



A diversidade como direito Modelos liberais de capital humano A terceira orientação constitui a utopia ou a

(educação intercultural ou versus virtualidade que desejamos construir e que pode



multicultural bilíngüe) Modelos críticos de resistência caracterizar-se como o paradigma da diversida-



de como direito. Uma das circunstâncias relevan-


tes dessa educação alternativa é a negociação ou



de valor a três princípios: a centralização da


discrepância não concluída entre as instituições

cultura (etnia-identidade), o papel da educa-


educacionais e os movimentos e organizações


ção no desenvolvimento indígena e os proces-


indígenas. No quadro, essa discrepância é apre-


sos de gestão e comunicação.


sentada como a luta entre modelos neoliberais

De acordo com esses princípios, a primei-


de capital humano e modelos críticos de resis-


ra orientação admite a caracterização do para-


tência. Em todo o continente, pode-se observar


digma da diversidade como problema


essa contradição, que está detendo e desvir-


educacional e de desenvolvimento. Ou seja, tan-


tuando o desenvolvimento educacional nas re-

to a cultura como a língua indígenas são con-


giões interculturais. Os dois componentes


sideradas obstáculos à integração dos povos in-


cruciais dos modelos críticos de resistência pro-


dígenas à sociedade nacional. Com base em


postos pelas comunidades indígenas são a au-


concepções democratizadoras, flexibiliza-se o


tonomia e o controle endógeno, ou a autogestão

acesso à educação e à comunicação, mediante


da educação. Para citar um exemplo, a Nicará-


estratégias bilíngües de transição para o mun-


gua é o único país que adotou, há quinze anos, o


do e o idioma hispânico.

estatuto de autonomia na Constituição Política.5


A segunda orientação (educação bilíngüe


Em suma, o conjunto de reorientações da

bicultural) pode caracterizar-se como o para-


política educacional para populações indígenas


digma da diversidade como recurso. Com base


tem como principal meta lograr no Ensino Fun-


na idéia de permitir o acesso das maiorias à


damental: “A universalização do Ensino Funda-


educação e ao desenvolvimento industrial,


mental é o principal compromisso que assumi-

procura-se potencializar a qualificação do ca-


mos como mexicanos para garantir a viabilida-


pital humano, recuperando-se suas diversida-


de de uma nação [...]. A Educação Fundamen-






5 Muñoz (2001a) e outros assinalam que não foi possível implantar essa política pública nos processos comunitários e escolares devido à

ausência de um projeto integral de desenvolvimento educacional.


14
SIMPÓSIO 1
Educação no contexto da diversidade cultural

tal é a possibilidade de construirmos uma socie- A partir da ótica do desenvolvimento edu-



dade cada vez melhor” (SEP, 2000a: 11). cacional integral, aprendemos a identificar, a



Essas reorientações representam acordos e expandir nossa compreensão e também a



objetivos assumidos pelos Estados nacionais relativizar os discursos dos diferentes setores


com a corrente internacional de humanização sobre as políticas públicas, as quais decorrem



do desenvolvimento e aprofundam a moderni- de princípios e condições ideológicas para pro-



zação educacional, com componentes de igual- mover uma grande mudança educacional que


dade, qualidade e pertinência. busca estabelecer novos termos com o desen- 14



Com base nesse horizonte histórico não- volvimento econômico e político, no qual “a



linear, vale ressaltar a importância de que se democracia de nossos países encontrará na



trabalhe com uma perspectiva de processo educação intercultural bilíngüe um dos princi-


complexo e articulado em várias dimensões pais instrumentos para sua consolidação”



educacionais, assimetricamente relacionadas, (Cárdenas, 1997: 29).



cuja convergência ou divergência decorre do


Quadro 3


êxito ou da crise da educação em geral. A esse


respeito, sugiro que a transformação da edu- Objetivos globais de política educacional


cação orientada para o multiculturalismo plu-


relacionados à diversidade
ral advirá principalmente do nível das realida-

Objetivos globais Políticas gerais


des e práticas escolares específicas, na medi-


da em que se democratize a gestão educacio-


1. Aumento da cobertura

nal da sociedade civil e das comunidades de Igualdade, e do financiamento misto



base, mediante modalidades de participação suficiência, acesso 2. Abertura do sistema a todos


integral e controle comunitário, “porque o os setores



pluralismo afirma que a diversidade e a


1. Aprimoramento da formação

discordância são valores que enriquecem o de alunos e professores


2. Desenvolvimento de

indivíduo e também sua comunidade política” Qualidade


(Sartori, 2001: 19). habilidades para solucionar


problemas


Quadro 2 Retenção e funcionalidade


Eficiência interna flexível do sistema escolar


Inserção da diversidade no desenvolvimento



educacional Desenvolvimento social com



vínculos estreitos com


Dimensões do a cultura, a identidade,


desenvolvimento Metas e processos Eficiência externa o trabalho, a paz, a co-


educacional

responsabilidade política e

o direito de todos os setores


Política educacional,

Sociedade multicultural sociais


normatização

Transmissão de qualidades

Educação inicial e continuada


sociais compatíveis com o


Sistema educacional na formação de professores Valores pluralismo, a reciprocidade e a


Organização flexível do aprendizagem cooperativa



sistema

Modelos acadêmicos Comunicação intercultural


Essa idéia de desenvolvimento educacional


de formação (ensino/ (validade, discordância)


aprendizagem) Ética do pluralismo poderia nos levar muito longe se os debates


Ciclos participativos

científicos e sociais influenciassem a elabora-



ção de políticas e projetos educacionais cujos


Práticas e processos Ações e ideologias plurais das

destinatários sejam as populações indígenas e


escolares escolas e das comunidades no


que se refere à diversidade afro-americanas e os setores marginalizados.



A história, as teorias e as práticas dessas alte-



rações socioculturais são mais bem conheci- 3. Em matéria de avaliação, tende a confor-



das por meio de pesquisas científicas que nos mar-se com indicadores endógenos.



ajudam a compreender a situação multiétnica 4. A construção de um grande sistema edu-



e pluricultural do país. De sua parte, as insti- cacional exerceu uma influência negativa


tuições governamentais assimilaram e recria- sobre a condição do ensino. Apresenta-se



ram, dando-lhe forma, uma avançada política como um sistema complexo que não faci-



sociocultural do Estado, mas que não se tra- lita a transferência de suas funções, por-


duz em uma política congruente de governo, que dispõe de objetivos múltiplos, ime-



nem na necessária compreensão e aceitação diatos e imprecisos para atender à natu-


reza de seu objeto que é transformar se-


pela sociedade nacional.


res humanos pobres, marginalizados e


Podemos concordar ou não com essa pro-


discriminados.
posta analítica, mas o que não podemos evitar



é, por um lado, imaginar o desenvolvimento Todas essas características condicionam



educacional como um todo com componen- com grande força a forma pela qual o siste-

tes múltiplos e, por outro, definir de onde ○

ma reage às demandas sociais, assimila ou
advirão as tendências decisivas que promovam rechaça inovações e mudanças. Eis a propo-

a mudança educacional para o multiculturalis- sição submetida a debate: no domínio da



mo plural. Do sistema oficial? Das instituições educação, a forma de encarar ou de difundir


uma mudança é tão importante quanto o


que criam a política? Dos movimentos sociais


e étnicos? próprio conteúdo dessa mudança (Lesourne,



1993: 19).

Sistemas educacionais

Reflexões para concluir


diferenciados


Talvez um dos maiores desafios da educação


Sem a perspectiva de desenvolvimento


seja o de dar apoio concreto às alterações

educacional, a análise do sistema educacio-


introduzidas nas práticas educacionais. Sabemos


nal e de seu papel no tempo, do impacto e da


que o ensino modifica os princípios da política


evolução das instituições escolares e de for-


e produz resultados nem sempre compatíveis


mação pode privilegiar as questões de poder


com os princípios. Na minha opinião, uma das

e organização nas cúpulas das instituições


razões principais dessa lacuna reside na ausên-


educacionais, postergando o próprio conteú-


cia ou nas deficiências dos níveis de concreção


do dessa mudança.

do desenho curricular. De fato, as concreções


Os sistemas educacionais latino-ameri-


curriculares são promovidas e produzidas por

canos mostram quatro grandes disfunções


instâncias normativas ou técnicas do sistema


no que se refere à diversidade lingüística e


educacional descentralizado, o que tradicional-


cultural:

mente nunca assegurou a perspectiva e as ne-


1. A condução centralizada do sistema per-

cessidades dos atores diretos da educação.


mitiu a proposta de grandes objetivos, mas


É importante observar que a expressão “di-


revelou-se incapaz de conduzir harmoni-


osamente a mudança, e essa incapacida- versidade lingüística e cultural” esconde uma



de gerou as principais dificuldades que os grande imprecisão no que se refere a seu alcan-

ce e a sua referência teórica. Na realidade, cria


afligem na atualidade. Na realidade, fun-


ciona como um sistema burocrático e a ilusão de que fazemos referência a um campo



hierarquizado, com uma administração bem delimitado de problemas e métodos. Pe-


las pesquisas realizadas, sabemos que os resul-


onipresente que nem sempre compreen-


de as necessidades educacionais da comu- tados significativos se relacionam tanto com o



nidade e dos pais. nível teórico quanto com as técnicas de pesqui-



2. Não se logrou a democratização e a eficiên- sa e as aplicações desses conhecimentos, os


quais convertem a sistematização conceitual


cia do ensino.

16
SIMPÓSIO 1
Educação no contexto da diversidade cultural

em uma tarefa necessária, a fim de explicar a HALE, Ken. On endangered languages and the safeguarding



of diversity. Language, v. 68, n. 1, p. 1-3, 1992.
variedade de casos concretos que compõe a re-


KELLY, Gail. Setting the boundaries of debate about


alidade das sociedades nacionais.


education. In: ALTBACH, Philip; KELLY, G.; WEIS, Lois.


Finalmente, as experiências conflitantes do Excellence in education. Buffalo, New York: Prometheus


multiculturalismo, o aspecto bilíngüe e a inte-


Books, 1985 p. 31-42.


gração das alterações socioculturais converte- LADEFOGE, Peter. Another view of endangered languages.



ram-se em tópicos bastante atuais nas institui- Language, v. 68, n. 4, p. 809-810, 1992.


ções oficiais e em comunidades e organizações LESOURNE, Jacques. Educación y sociedad. Los desafíos 16



del año 2000 . Barcelona: Gedisa, 1993.
sociais. Pouco a pouco, essas categorias vão


MCLAREN, Peter. La escuela como un performance ritual.


dando sustentação a um parâmetro de cidada-


Hacia una economía política de los símbolos y gestos


nia para a sociedade do futuro próximo, em que educativos. México: Siglo XXI, 1995.


se estabelecem novos problemas nacionais e se


MUÑOZ, Héctor. Los objetivos políticos y socioeconómicos


criam soluções recarregadas de valor democrá- de la educación intercultural bilingüe y los cambios que



tico e participativo. No momento, os fenôme- se necesitan en el currículo, en la enseñanza y en las


escuelas indígenas. Revista Iberoamer icana de


nos interculturais, o aspecto bilíngüe e a diver-


Educación , Madrid: Organização dos Estados Íbero-
sidade étnica estão servindo para criar novos


Americanos, 17: 31-50, 1998.

parâmetros para a discussão da reforma da edu-


. (Coord.). Un futuro desde la autonomía y la
cação, novas tendências curriculares do siste- diversidad. Experiencias y voces por la educación en

ma educacional e ações por parte do governo contextos interculturales nicaragüenses. México:


que tendem a oferecer Ensino Fundamental a Xalapa, 2001a. Coleção da Biblioteca da Universidade

todos que dele necessitem. Esses fenômenos Veracruzana.


. Políticas y prácticas educativas y lingüísti-


não apenas enfocam o debate em torno do pa-


cas en regiones indígenas de México. Palestra proferi-


pel das instituições superiores na elaboração de

da no workshop Perspectivas de la Educación Bilingüe


políticas educacionais, mas também sugerem a


en Contextos Interculturales de México. México: Unesco,


questão sobre a responsabilidade que devem out. 2001b.



assumir os diferentes setores da sociedade. MUÑOZ, Héctor; LEWIN, Pedro (Eds.). El significado de la

diversidad lingüística y cultural . Investigaciones Lingüís-



Bibliografia ticas 2. Oaxaca, México: Universidad Autónoma Metro-



politana-Iztapalapa, Instituto Nacional de Antropologia


ALBÓ, Xavier. Competencias para una educación e História – Centro INAH, 1996.

intercultural bilingüe . Documento de consultoria para a SARTORI, Giovani. La sociedad multiétnica . Pluralismo,

Secretaria Nacional de Educação. Bolívia, 1996. Manus- multiculturalismo y extranjeros. Editora Madrid : Taurus,

crito. 2001. p. 31-48.


CÁRDENAS, Víctor H. Desafíos para el futuro de los pro- SECRETARÍA DE EDUCACIÓN PÚBLICA. México en el foro

gramas de la Educación Intercultural Bilingüe, de cara mundial de educación Dakar 2000. México: Dirección

al siglo XXI. Congreso de Educación Intercultural General de Relaciones Internacionales SEP–Unesco,



Bilingüe América Indígena. Antigua, Guatemala, 1995. 2000a.


. Las lenguas indígenas dentro y fuera de la . México Jomtien + 10. Evaluación nacional

escuela. Discurso de abertura. In: II CONGRESO LATI- de “Educación para todos” . México: Dirección General

NO-AMERICANO DE EDUCACIÓN INTERCULTURAL de Relaciones Internacionales SEP, 2000b.



BILINGÜE (1997). Santa Cruz de la Sierra, Bolívia: TOURAINE, A. Iguales y diferentes. In: Unesco. Informe

Dinapel, 1997. mundial sobre la cultura. Cultura, creatividad y merca-



GROS, Christian. Etnicidad, violencia y ciudadanía: algunos dos. Madrid, 1999. p. 54-63.

comentarios sobre el caso latinoamericano. IHEAL–Uni- UNESCO. Nuestra diversidad creativa. Informe de la

versidade de Paris III, Cátedra Patrimonial Ciesas– Comisión Mundial de Cultura y Desarrollo. Versão resu-

Conacyt, 2000. mida, Paris, 1997.













SIMPÓSIO 2

POLÍTICAS PÚBLICAS EM
EDUCAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL
Jean Paraizo Alves

Maria Helena Fialho

19
Novos atores e novas




cidadanias: o reconhecimento




dos direitos dos povos




indígenas a uma educação




escolar específica,




diferenciada, intercultural




e bilíngüe/multilíngüe




Jean Paraizo Alves


SEF/MEC ○



Esse trabalho procurará demonstrar como línguas maternas e dos processos próprios de

os entrelaçamentos entre novos atores – or- aprendizagem, bem como o respeito, a valo-

ganizações indígenas e professores indígenas rização e a preservação de suas culturas. Des-



– e políticas públicas têm produzido no Bra- sa forma, passou a ser assegurada aos povos

sil, nos últimos dez anos pelo menos, uma indígenas a prerrogativa de uma educação

nova escola indígena e conseqüentemente escolar intercultural, bilíngüe, específica e



uma concepção de cidadania que, sem abrir diferenciada. Os povos indígenas, de acordo

mão de valores caros a esta, abre espaço para com esses princípios, devem ter acesso, por

o respeito à diferença, possibilitando uma efe- meio da leitura e da escrita, tanto nas línguas

tiva interculturalidade. nativas quanto nas línguas oficiais, aos conhe-



A Educação Escolar Indígena vem se con- cimentos produzidos pelo seu próprio grupo,

solidando na América Latina em estreita re- por outros povos originários e pela sociedade

lação com a reforma do aparelho de Estado, envolvente (cf. Leitão, 1999).



bem como com as reformas educativas nacio- De acordo com Monte, a educação inter-

nais. Em anos recentes, adquiriu uma dimen- cultural bilíngüe possui uma importante base

são política e institucional significativa para em países cuja população indígena apresenta

as diversas etnias que podem ser percebidas peso demográfico significativo, como é o caso

em novas bases jurídicas e em discussões vol- da Bolívia, do Peru, do Equador, da Guatemala



tadas para a organização de currículos das e do México. Em países como o Brasil, a Costa

escolas indígenas e de formação de seus pro- Rica, o Panamá e a Venezuela, a educação


fessores. intercultural bilíngüe passou também a mar-



Estamos assistimos, portanto, ao aumen- car presença. Todos esses países, de uma for-

to da visibilidade da Educação Escolar Indí- ma ou de outra, asseguram em seus discursos



gena, seja por meio da sua inscrição em cons- institucionais e legais o direito a uma modali-

tituições, leis, declarações e convenções de dade específica de educação para as socieda-



organismos internacionais, seja incorporada des indígenas que estão dentro de suas fron-

ao discurso reivindicativo de movimentos in- teiras (Monte, 2000).



dígenas (cf. Muñoz, 1998). Entre inúmeros A educação intercultural bilíngüe passa a

direitos assegurados aos povos originários ter reflexos políticos e legais, principalmente

previstos em documentos de organismos in- a partir dos anos 1980, quando inúmeros pa-

ternacionais, os Estados passaram a prever, íses americanos, reconhecendo o caráter



tácita ou expressamente, o direito ao uso das pluriétnico e multicultural de suas popula-


20
SIMPÓSIO 2
Políticas públicas em Educação Indígena no Brasil

ções, introduziram alterações em seus orde- cepções nativas e as dos não-índios; pressionar



namentos constitucionais e legais. 1 o Estado no sentido de reconhecer de fato a es-



Além disso, pudemos assistir a uma in- pecificidade das escolas indígenas, regulamen-



tensificação das interações entre sociedades in- tando as prerrogativas de que estas deverão


dígenas e não-indígenas, tanto no âmbito na- gozar. Nesse sentido, pode-se afirmar que os



cional quanto no internacional, que acirrou o professores estão constituindo uma nova forma



processo de construção de novas estratégias de de liderança no interior dessas comunidades.3


negociação de direitos e intermediação de con- No Brasil, a Constituição Federal (1988) tra- 21



flitos, contribuindo para a criação de novos ato- çou um quadro jurídico novo para a regulação



res para atuar nessas instâncias e situações.2 das relações do Estado com as sociedades in-



Nas últimas três décadas, houve uma visí- dígenas contemporâneas. Rompendo com uma


vel explosão no número de organizações indí- tradição de quase cinco séculos de política



genas em toda América Latina. Só nos estados integracionista, ela reconhece aos índios o di-



da Amazônia brasileira, Albert menciona a exis- reito à prática de suas formas culturais pró-



tência de 183 organizações indígenas. Para ele, prias. O artigo 231 da Carta Magna afirma que


esse é um fenômeno que tem início, no Brasil, “são reconhecidos aos índios sua organização



principalmente a partir de fins dos anos 1980 e social, costumes, línguas, crenças e tradições,

ganha maior intensidade nos anos 1990. Fato- e os direitos originários sobre as terras que tra-

res internos e externos têm progressivamente dicionalmente ocupam, competindo à União


impulsionado o surgimento dessas organiza- demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos



ções indígenas. No âmbito interno, são apon- os seus bens”.



tadas facilidades na constituição dessas asso- O artigo 210 assegura às comunidades indí-

ciações como pessoas jurídicas, a partir de al- genas, no Ensino Fundamental regular, o uso de

terações no sistema constitucional do país após suas línguas maternas e processos próprios de

1988. Externamente, são mencionadas a exten- aprendizagem, garantindo, ainda, a prática do



são das questões relativas ao meio ambiente e ensino bilíngüe em suas escolas. O artigo 215

aos direitos das minorias étnicas para o âmbito define como dever do Estado a proteção das

global, a reorientação da cooperação interna- manifestações culturais indígenas. A escola tor-



cional para a sociedade civil e para o desenvol- na-se, portanto, instrumento de valorização dos

vimento sustentável e a proposição e a imple- saberes e dos processos próprios de produção


mentação de microprojetos locais (Albert, e reprodução da cultura, os quais formarão a



2001:195-217). base para o conhecimento dos valores e das



Além das organizações indígenas, um novo normas de outras sociedades, possibilitando,



e relevante ator social tem se firmado e renova- com isso, uma efetiva interculturalidade.

do sua importância: o professor indígena. Esse A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-

professor tem desempenhado os seguintes pa- cional – LDBEN (Lei nº 9.394/96) determina, em

péis: promover o registro de sua cultura, atu- seu artigo 78, que caberá ao Sistema de Ensino

ando como intermediário cultural entre as con- da União, com a colaboração das agências fe-



1
Nesse particular, duas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foram de suma importância: a Convenção sobre a

Proteção e Integração das Populações Aborígines e outras Populações Tribais e Semitribais de Países Independentes (Convenção OIT nº

107, de 1957), que contém 37 artigos estabelecendo a proteção de instituições, pessoas, bens e trabalho dos povos indígenas, inclusive

com direito à alfabetização em línguas indígenas, e a Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes (Convenção

OIT nº 169, de 1989), que reconhece que cabe aos povos indígenas decidir quais são suas prioridades em matéria de desenvolvimento.

2
Leitão aponta, além da criação de organizações indígenas, a participação no processo eleitoral e o surgimento das primeiras lideranças

encarregadas de intermediar o contato com os não-índios, como é o caso do “cacique”, por exemplo (cf. Leitão, 2001). No que se refere a

esse assunto, Wolf menciona a noção de brokers como de fundamental importância para a compreensão das relações estabelecidas entre

grupos específicos e sociedades nacionais, por meio de agentes que atuam como mediadores culturais que poderão passar despercebidos,

caso cada tipo de grupo ou sociedade seja analisado de forma isolada (cf. Wolf, 2001: 124-38).

3
O Ministério da Educação criou a Comissão Nacional de Professores Indígenas, que tem por finalidade subsidiar a formulação de políticas,

programas e ações na área de Educação Escolar Indígena.



derais de fomento à cultura e de assistência aos entar por novas organizações curriculares ba-



índios, desenvolver programas integrados de seadas nas noções de pluralismo cultural e de



ensino e pesquisa para oferta de educação es- diversidade étnica, o que resulta em concepções



colar bilíngüe e intercultural aos povos indíge- pedagógicas específicas e novos referenciais


nas, com os objetivos de: curriculares.



• proporcionar aos índios, suas comunidades



e povos, a recuperação de suas memórias A escola indígena tem como objetivo a conquis-


históricas, a reafirmação de suas identida- ta da autonomia socioeconômico-cultural de



des étnicas e a valorização de suas línguas e cada povo, contextualizada na recuperação de


ciências;


sua memória histórica, na reafirmação de sua


• garantir aos índios, suas comunidades e identidade étnica, no estudo e valorização da



seus povos, o acesso às informações, conhe- própria língua e da própria ciência, sintetizada



cimentos técnicos e científicos da socieda- em seus etnoconhecimentos, bem como no


de nacional e demais sociedades indígenas acesso às informações e aos conhecimentos téc-


e não-índias. ○
nicos e científicos da sociedade majoritária e das
demais sociedades, indígenas e não-indígenas

O artigo 79 dessa mesma lei, ao afirmar que


(MEC, 1993: 12).


a União apoiará técnica e financeiramente os


sistemas de ensino no provimento da educa-


O Plano Nacional de Educação (PNE), apro-


ção intercultural às comunidades indígenas,


vado pela Lei nº 10.172/01, apresenta, na área


desenvolvendo programas integrados de ensi-


de Educação Escolar Indígena, 21 objetivos e


no e pesquisa, estabelece que as responsabili-


metas que deverão ser perseguidos no próximo


dades originárias da União devem estar com-

decênio. De acordo com as determinações do


partilhadas com os demais sistemas de ensi-


PNE, a coordenação das ações de Educação Es-


no, determinando procedimentos para o pro-


colar Indígena é responsabilidade do Ministé-


vimento da Educação Escolar Indígena e


rio da Educação, cabendo aos estados e muni-


salientando que os programas serão planeja-

cípios4 a sua execução.


dos com a anuência das comunidades indíge-



nas. A Resolução nº 03/99 e as Diretrizes Naci-


A proposta de uma escola indígena diferencia-


onais para a Educação Escolar Indígena (Pare-


da, de qualidade, representa uma grande novi-

cer CEB/CNE nº 14/99) do Egrégio Conselho


dade no sistema educacional do país e exige das


Nacional de Educação normatizaram os prin-


instituições e órgãos responsáveis a definição de


cípios constitucionais e legais acima citados novas dinâmicas, concepções e mecanismos,



criando a categoria da “escola indígena”, a car- tanto para que estas escolas sejam de fato in-

reira específica do magistério indígena, bem


corporadas e beneficiadas por sua inclusão no


como elaboraram referenciais específicos para sistema oficial, quanto para que sejam respei-

essa modalidade de educação. tadas em suas particularidades.



As escolas indígenas, de acordo com o


Referencial Curricular Nacional para as Escolas Assim sendo, para cumprir os princípios e

Indígenas (RCNEI), devem ter as seguintes ca- os objetivos estabelecidos pela legislação e pôr

racterísticas: comunitária, intercultural, bilín- em prática uma política nacional de educação



güe/multilíngüe, específica e diferenciada escolar indígena, o Ministério da Educação


(MEC, 1998). No Brasil, a Educação Escolar In- (MEC) tem se empenhado em desenvolver

dígena proposta tanto por organizações da so- ações e programas caracterizados pela descen-

ciedade civil quanto pelo Estado passa a se ori- tralização, pelo respeito ao processo de lutas e






4
O parágrafo 1º do artigo 9º da Resolução CEB/CNE nº 03/99 dispõe que “os municípios poderão oferecer Educação Escolar Indígena, em

regime de colaboração com os respectivos estados, desde que se tenham constituído em sistemas de educação próprios, disponham de

condições técnicas e financeiras adequadas e contem com a anuência das comunidades indígenas interessadas”.

22
SIMPÓSIO 2
Políticas públicas em Educação Indígena no Brasil

conquistas dos povos indígenas e pelo atendi- ro, tornando-se aptas a transitar com seguran-



mento de demandas que contemplem a educa- ça “em dois mundos e em duas culturas”. 5



ção intercultural e bilíngüe e que visem primor- Assim sendo, torna-se necessário que, nos



dialmente investir na formação inicial e conti- próximos anos, para cumprir o determinado


nuada dos profissionais de Educação Indígena, no artigo 62 da LDBEN, sejam feitos investi-



estimular a produção e a publicação de materi- mentos que possibilitem a formação, em ní-



al didático específico e divulgar para a socieda- vel médio e superior, dos professores índios. 6


de nacional a existência da diversidade étnica, Nesse sentido, é de fundamental importância 23



lingüística e cultural no país. a articulação entre o Ministério da Educação,



Como vimos acima, a Constituição Federal universidades, Secretarias de Educação, orga-



e a atual LDBEN asseguram o uso e a manuten- nizações não-governamentais, associação de


ção das línguas maternas e o respeito às formas professores indígenas e as próprias comuni-



próprias de aprendizagem das sociedades indí- dades, pois essa formação exige, além de uma



genas no processo escolar. O artigo 8º, caput, metodologia específica, profissionais alta-



da Resolução CEB/CNE nº 03/99 afirma o prin- mente qualificados. 7


cípio de que a atividade docente na escola in- Resta ainda salientar a importância da pro-



dígena será exercida prioritariamente por pro- dução de livros didáticos para uso nas escolas

fessores indígenas oriundos da respectiva etnia. indígenas do país, produzidos pelos professo-

Isso exige a elaboração de programas diferen- res indígenas e seus assessores. Uma formação

ciados de formação inicial e continuada de pro- de qualidade deve estar associada à produção

fessores. Essa formação deve fornecer aos pro- e à publicação de material didático que reflita

fessores índios as habilidades necessárias para e respeite a visão de mundo de cada povo in-

a elaboração de currículos e programas especí- dígena envolvido no processo de escolarização.



ficos para as suas escolas para o ensino bilín- Na elaboração desses materiais, os docentes

güe, para a condução de pesquisas, visando à estarão expressando e registrando as diferen-



sistematização e incorporação dos conheci- tes formas de linguagem, partindo de seus co-

mentos e saberes tradicionais das sociedades nhecimentos étnicos e contando com a cola-

indígenas e à elaboração de materiais didático- boração de especialistas com experiência nes-



pedagógicos, bilíngües ou não, para uso nas es- ta atividade.



colas instaladas em suas comunidades, bem O programa de apoio à produção de mate-


como o uso dos conhecimentos universais. A rial didático realiza-se com a publicação dos

escola é percebida por vários povos como o es- materiais didático-pedagógicos elaborados pe-

paço privilegiado em que as novas gerações são los professores índios, durante os cursos de for-

preparadas para enfrentar os desafios do futu- mação, apoiados pelo MEC ou por outros órgãos





5
De acordo com Leitão, “a aprendizagem da escrita da língua materna e dos conteúdos das tradições, na escola indígena, é uma necessida-

de, pois ela pode contribuir para reforçar os vínculos dos jovens com a cultura tradicional e formar uma identidade étnica comprometida com

os interesses da comunidade. Por outro lado, a escola também deve proporcionar o conhecimento da língua oficial e dos conteúdos que

servirão como base para a aprendizagem dos padrões de funcionamento da sociedade envolvente e de conhecimentos técnicos e científicos

especializados [...]” (Leitão, 1999).



6
O artigo 4 o da Resolução CEB/CNE nº 03/97 define que “o exercício da docência na carreira de magistério exige, como qualificação mínima:

I – ensino médio completo, na modalidade normal, para a docência na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental;

II – ensino superior em curso de licenciatura, de graduação plena, com habilitações específicas em área própria, para a docência nas séries

finais do ensino fundamental e no ensino médio; III – formação superior em área correspondente e complementação nos termos da legisla-

ção vigente, para a docência em áreas específicas das séries finais do ensino fundamental e do ensino médio. [...] § 2 o A União, os Estados

e os Municípios colaborarão para que, no prazo de cinco anos, seja universalizada a observância das exigências mínimas de formação para

os docentes já em exercício na carreira do magistério”.



7
No que diz respeito à formação continuada, o Ministério da Educação brasileiro está oferecendo o Programa Parâmetros em Ação de

Educação Escolar Indígena. Esse programa busca criar uma cultura de formação continuada no interior das escolas e sistemas de ensino,

bem como fomentar o estudo em grupo, a leitura compartilhada de textos e a reflexão, por parte dos profissionais da educação, acerca de sua

prática docente.

e entidades. Esses materiais passam por uma Bibliografia



análise quanto à qualidade pedagógica, lingüís-


ALBERT, Bruce. Associações indígenas e desenvolvimen-


tica e antropológica, realizada pela Comissão de


to sustentável na Amazônia Brasileira. Povos indíge-


Análise de Projetos de Educação Escolar Indí- nas no Brasil: 1996/2000. São Paulo/Brasília: Instituto


gena/MEC.


Socioambiental, 2001. p. 195-217.


O Ministério da Educação tem fomentado LEITÃO, R. M. Estudantes indígenas em escolas de bran-



ainda a divulgação da temática indígena para a co: expectativas e dificuldades. In: OLIVEIRA, Dijaci


sociedade nacional, buscando, com isso, com- David de et al. 50 anos depois: relações raciais e gru-



pos socialmente segregados. Brasília/Goiânia: MNDH/
bater a discriminação e o preconceito, ainda


Cegraf, 1999.


vigentes, em relação às sociedades indígenas, e


. O papel da educacão escolar na formacão


procurando valorizar a diversidade socio- de lideranças indígenas. 21ª Reunião Nacional da As-


cultural do país. A temática indígena, nessa


sociação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em


perspectiva, deve ser abordada de maneira Educação, setembro 2000, Brasília: DAN/UnB, 2001



que crie condições para a reflexão sobre a ri- (Mimeo).

queza que a diversidade étnica possibilita, apro- ○

MINISTÉRIO DA EDUCACÃO. Diretrizes para a Política
Nacional de Educação Indígena . Brasília: MEC, 1993.
veitando a comporta de troca e aprendizado re-

. Referencial Curricular Nacional para as Es-


cíproco entre os diversos segmentos que cons-


colas Indígenas. Brasília: MEC, 1998.


tituem o país. MONTE, N. E agora, cara pálida? Educação e povos indí-



Assim sendo, estamos assistindo a um pro- genas, 500 anos depois. Revista Brasileira de Educa-

cesso em que as organizações indígenas, junta- ção, Rio de Janeiro, n. 15, set./out./nov./dez. 2000.

mente com a recém-criada categoria dos pro- MUÑOZ, H. Los objectivos políticos y socioeconómicos de

la educación intercultural bilingüe y los cambios que


fessores indígenas, em articulação com instân-


se necesitan en el currículo, en la enseñanza y en las


cias estatais, têm participado da formulação de

escuelas indigenas. Educación, Lenguas, Cultura. Re-


políticas públicas que, vinculadas com as refor-


vista Iberoamericana de Educación, Madrid, n. 17, 1998.


mas educativas, possibilitam a construção de WOLF, Eric. Aspects of group relations in a complex society:

uma nova escola indígena e, portanto, de uma México. Pathways of power: building an anthropology

nova concepção de cidadania.


of the modern world. Berkeley: University of California


Press, 2001.





































24
SIMPÓSIO 2
Políticas públicas em Educação Indígena no Brasil

A Funai e o novo contexto




de políticas públicas em




Educação Escolar Indígena: uma




questão de direito e cidadania




25



Maria Helena Fialho*






Considerando o contexto atual, orientado sores Indígenas em Mato Grosso, nas áre-



pela nova legislação da qual destacamos o De- as de Ciências Sociais, Ciências da Mate-



creto nº 26/91, a Resolução nº 03/CNE/99 e a mática e da Natureza e Línguas, Literatura


e Artes, inicialmente por um período de


Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, a Funai,


por meio do Departamento de Educação, cinco anos. A Funai está também partici-


pando da discussão do 3º Grau Indígena

redefine seu papel como órgão indigenista fe-


em Roraima.
deral, o qual, além de zelar pelos direitos e in-

teresses das comunidades indígenas, estabele- 2. Assistência a estudantes indígenas fora de



ce parceria com as Secretarias Estaduais/Mu- suas aldeias. Atualmente, são mais de 12



nicipais de Educação, organizações indígenas, mil estudantes fora das aldeias, cursando

os níveis Fundamental, Médio e Superior,


ONGs e universidades na maioria das regiões,


esse com mais de 400 universitários. Ape-


desenvolve ações complementares onde as

sar da melhoria do ensino nas aldeias, em


agências ainda estão em fase de implementa-


decorrência da formação/capacitação de

ção da política de Educação Escolar Indígena,


professores, há um grande número de es-


executando o recurso orçamentário contempla-


tudantes indígenas que se deslocam para

do com a aprovação das ações da Educação Es-


centros urbanos para continuarem seus


colar Indígena por meio do programa Etnode-


estudos, uma vez que a maioria das esco-


senvolvimento das Sociedades Indígenas, no Pla- las nas aldeias só atende à 1ª fase do Ensi-

no Plurianual 2000/2003. Essas ações estão or- no Fundamental (1ª a 4ª séries). Esse apoio

ganizadas da seguinte forma:


técnico e financeiro é concernente ao cus-


teio de despesas com os estudos, sendo



que, em geral, refere-se a transporte, aqui-


1. Capacitação de professores das escolas in-


sição de material escolar, uniforme, ali-


dígenas. A Funai é parceira de pelo menos

mentação, hospedagem e, em sua maioria,


treze projetos de cursos de formação para


ao pagamento de mensalidades em univer-


professores indígenas e vem apoiando téc-

sidades particulares.

nica e financeiramente a realização de en-



contros, reuniões, seminários, colóquios, 3. Funcionamento de casas de estudantes in-


congressos e outros, visando à formação de dígenas. Em diversas regiões do país, a



professores indígenas. Além desses even- Funai mantém um total de 34 casas para

tos, a Funai firmou convênio com a Uni- indígenas que estudam em locais distan-

versidade do Estado de Mato Grosso tes de suas aldeias, e essa manutenção



(Unemat), visando formar os 200 profes- corresponde ao pagamento de aluguel,


energia, água, equipamentos, gêneros ali-


sores cursistas indígenas que foram apro-


vados no vestibular do Projeto de Cursos mentícios, material de higiene e limpeza e



de Licenciaturas Específicos para Profes- material escolar. Incluem-se nessa ação o







* Especialista em Línguas Indígenas Brasileiras, mestranda em Lingüística na UnB e chefe do Departamento de Educação da Funai.

acompanhamento e o desenvolvimento de zes, o acompanhamento pedagógico nes-



projetos específicos, os quais já estão sen- sas escolas ainda é precário. Falta pessoal



do viabilizados em alguns locais. Uma qualificado para assessorar os professores


grande preocupação do Departamento de na construção de uma metodologia de en-



Educação é com o ingresso desses estudan- sino coerente com as discussões realizadas


tes em escolas não-indígenas, levando em nos cursos de formação e que reconheça a



consideração os seguintes fatores: esses escola como um espaço de afirmação,



alunos se submetem a programas escola- revitalização e fortalecimento da cultura e


res que não estão associados à realidade da língua da etnia em questão e não so-



sociocultural e econômica vivenciada em mente como o lugar onde se “ensina” ou



suas comunidades; muitos não concluem se “aprende” a ler e escrever.


o ano letivo, desmotivados pela falta de


E, partindo do fato de que as secretarias


assistência pedagógica e financeira en- vivem situações diferenciadas, algumas já


quanto permanecem na cidade e pela difi-


estando mais envolvidas com a nova tare-

culdade de adaptação à escola; por ficarem


fa e outras em fase de estruturação, o De-
distantes de seus familiares e não partici- ○

partamento de Educação desenvolve ações


parem das atividades diárias da aldeia, ou

complementares nas regiões que ora apre-


seja, das festas, dos rituais e de tantos ou-


sentam as maiores demandas, buscando


tros importantes momentos sociais de seu atender da melhor forma possível às rei-

grupo étnico. E, por fim, grande parte dos


vindicações das respectivas comunidades.


que se formam não tem chance de traba-


Há um aumento expressivo do número


lho no mercado nacional, em face do pre-


conceito e da discriminação por parte da de alunos nas escolas nas aldeias e, consi-

derando a especificidade de cada etnia,


sociedade envolvente; e, ao retornarem


para suas comunidades nem sempre têm bem como os aspectos constitucionais, a

oportunidade de colocar em prática os Funai (em parceria com algumas secretari-


as) está viabilizando a implantação da se-


novos conhecimentos adquiridos. Por es-


ses e outros problemas decorrentes dessa gunda fase do Ensino Fundamental nas al-

deias que já possuem professores indígenas


nova convivência, torna-se emergencial a


com formação em Magistério específico, as-


implementação de ações que garantam a


oferta de cursos, de propostas profissiona- sessorando as escolas na elaboração de pro-


postas que respeitem os princípios da Edu-


lizantes a partir do contexto indígena no


cação Escolar Indígena, cujo instrumento


interior de suas terras, conforme prevê a


legislação referente aos direitos indígenas, teórico são os preceitos e os avanços da le-

gislação e das diretrizes vigentes. Por meio


e que também propiciem acesso às infor-


de convênios com o Fundescola, a Funai


mações e aos conhecimentos universais


para que o estudante indígena possa vem garantindo a construção de algumas


escolas, por exemplo, em Sergipe, Alagoas


interagir com o mundo que o cerca.


e, brevemente, na Bahia.

4. Funcionamento das escolas nas comuni-


5. Edição e distribuição de material didáti-


dades indígenas. Existem mais de 1.600 es-


colas e boa parte delas encontra-se com co específico. Em parceria com outras

agências, a Funai tem publicado diversos


infra-estrutura inapropriada e preca-


materiais didáticos específicos em línguas


ríssima, sem equipamentos e sem materi-


al escolar. Necessitam de urgentes refor- portuguesa e indígena, produzidos por


professores, assessores e alunos indígenas,


mas ou novas edificações. Muitas dessas


escolas ainda contam com o professor não- para uso nas próprias escolas e/ou na co-

indígena atuando em sala de aula, o qual munidade. Tem incentivado os professo-


res e alunos indígenas a produzirem ma-


em muitos casos, por falta de formação lin-


güística, antropológica ou em outras áreas terial para a publicação periódica de jor-


nais e revistas dos quais constam relatos,


relativas ao contexto, acaba por reprodu-


experiências, dificuldades, artigos e outros


zir uma prática adquirida e vivida na es-


cola onde foi formado. Na maioria das ve- assuntos didático-pedagógicos relaciona-

26
SIMPÓSIO 2
Políticas públicas em Educação Indígena no Brasil

dos à arte e à cultura, para circulação en- dos temas pontuais, como: aspectos da legali-



tre as escolas nas aldeias. dade desde a Constituição de 1988; os princípi-



Com o objetivo de otimizar a aplicação os da Educação Escolar Indígena (bilingüismo,



dos recursos dessa ação e reordenar a gran- interculturalidade, diferença e especificidade)


de demanda de materiais apresentados dentro das diretrizes da política pública da Edu-



para publicação, o Departamento definiu cação Escolar Indígena; demandas locais; PPA



alguns critérios essenciais à publicação, en- – Plano Plurianual 2000/2003; fatores relevan-


caminhando as devidas orientações aos or- tes apresentados no Referencial Curricular Na- 27



ganismos interessados para que sejam apre- cional para as Escolas Indígenas (RCNEI); cur-


sentados os dados necessários à aprovação


rículos; temas transversais; e, dessa forma, de-


do material pelo Conselho Editorial, orga-


sencadeou uma avaliação coletiva da atuação


nizado na própria instituição, com técnicos
da Funai no processo, tanto em nível central


e especialistas experientes nessa área.


como regional. A continuidade da referida


Os critérios estabelecidos, entretanto,


capacitação será por meio de minicursos em


buscam garantir uma publicação de mai-


Antropologia, Lingüística, Sociolingüística, Po-
or qualidade, com a participação direta da


lítica Indigenista e Fundamentos Pedagógicos,


comunidade indígena, seja pela via esco-

áreas importantes para o trabalho de Educação

lar, seja por outros autores também indí- ○

genas, desde que o material sirva para uti- Escolar Indígena, inclusive com propostas de

lização pela escola e/ou pela comunida- cursos de graduação e/ou especialização a dis-

de leitora. tância, em parceria com universidades, no mo-



mento já em fase de articulação.



A Funai conta hoje com uma equipe de pro- Fazem parte da linha de pesquisa da Funai:

a Documentação e Descrição de Línguas Indí-


fissionais que se vem especializando por meio


de cursos em universidades e outras institui- genas; e as Políticas Educacionais de Revita-



ções e por meio de experiências indigenistas lização de Línguas Indígenas. Assim, a Funai

acumuladas ao longo dos anos de convívio desenvolve há cinco anos um Projeto de


Revitalização de Língua Indígena que visa o


com as sociedades indígenas. Esse quadro é


formado por doutores, mestres, mestrandos resgate cultural relacionado a atividades de



nas áreas de Educação, Lingüística, Antropo- auto-sustentação, meio ambiente e auto-esti-



logia e História. Conta, ainda, de forma efeti- ma do cidadão indígena.


No que se refere à formação continuada do


va, com o apoio técnico especializado, em Ar-


quitetura Indígena, de um arquiteto e um en- professor indígena, existem questões urgentes



genheiro civil da Funai, que se especializaram que precisam ser repensadas e mais bem dis-

nesse tipo de construção, o que muito tem va- cutidas, especialmente o contexto de diversida-

de sociocultural, o multiculturalismo, os prin-


lorizado e reconhecido os padrões e/ou as so-


luções arquitetônicas de cada etnia. cípios da interculturalidade, a diferenciação, o



São esses especialistas que atuam na asses- bilingüismo e a especificidade, os quais são

soria e na docência de cursos de formação para importantíssimos e necessários ao processo, e


cujo valor semântico, todavia, muitas vezes não


professores, assessoram organizações indígenas


e estão contribuindo de forma competente para passa de palavras-chave para os agentes que as

a melhoria desse processo. utilizam. Existem casos em que as propostas



Além disso, esse quadro especializado está desenvolvidas nessa formação são descontex-

promovendo a capacitação/formação dos de- tualizadas e, conseqüentemente, refletem uma



mais técnicos em educação intercultural que prática em que o período de formação não tem

atuam nos setores e/ou seções de educação das uma interface com a realidade escolar e a de-

unidades regionais da Funai e, no segundo se- manda das comunidades indígenas envolvidas.

mestre de 2000, realizou encontros regionais, Não se pode correr o risco de viabilizar a for-

contemplando todas as regiões que possuem mação do professor apenas para atender às exi-

escolas indígenas. Na ocasião, foram trabalha- gências legais e, sim, possibilitar que esse pro-

fissional seja pesquisador e autor de sua pró- atendimento à educação em suas terras. A todo



pria história, um interlocutor da comunidade, momento, informamos sobre as mudanças de



se considerarmos que escola e comunidade não papéis institucionais; apresentamos a legislação



são separadas e estanques, porém constituídas vigente, principalmente as diretrizes e metas,


numa única base socioeconômica e cultural, que são claramente atribuídas aos estados. Ade-



como uma luta pela auto-afirmação étnica e mais, intercedemos junto das Secretarias, su-



pela conquista da autonomia indígena. gerindo encaminhamento para os problemas


Vale ressaltar que a Funai, especificamente


identificados ou propondo parceria.


o Departamento de Educação, não tem inten- Portanto, entendemos que a implementa-



ção de atropelar ações de nenhuma outra insti- ção da política educacional para os povos indí-



tuição, muito pelo contrário, seu desejo é sem- genas é um processo longo e demorado, e que,


pre o de desenvolver um trabalho em parceria no entanto, as esferas competentes devem as-



e o de atender às reivindicações e necessidades sumir realmente o que regulamenta a lei. Cabe



das organizações indígenas, dos professores, destacar que a Funai, no seu papel institucio-


dos estudantes e das lideranças indígenas por ○
nal de zelar pelos direitos e interesses das co-
uma educação de qualidade. munidades indígenas, e compromissada com as

A Funai continua sendo, para os indígenas, sociedades indígenas, vem exercendo junto

um centro de referência, apoio, consulta e arti- dessas outras esferas a parceira, o apoio finan-

culação, dada a sua longa trajetória indigenista. ceiro, a assessoria técnica em cursos para pro-

As demandas são levadas tanto às regionais fessores e técnicos, disponibilizando os conhe-



como ao próprio departamento. São constan- cimentos adquiridos nessa prática de pesquisa

tes as solicitações de organizações indígenas, e na reelaboração de conceitos construídos com


professores, estudantes e lideranças por melhor


o saber indígena.














































SIMPÓSIO 3

EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE
CULTURAL E CIDADANIA:
OS POVOS INDÍGENAS E A ESCOLA
Inge Sichra

29
Educação, diversidade cultural




e cidadania Considerações




sobre a educação na Bolívia






Inge Sichra*





Resumo






As relações entre povos indígenas e o Esta- do processo de subordinação e “cidadania” dos


do na Bolívia nos permitem entender a inter- povos indígenas andinos, oferece uma visão atual



culturalidade como um espaço de permanente do plurilingüismo e da multiculturalidade da so-
○ ciedade andina boliviana e indica certos riscos da
conflito em torno de temas como identidade ét- ○

nica, direito e diferença, afirmação cultural, ter- educação intercultural bilíngüe oferecida pelo Es-

ritório e nação. Esse conflito cristaliza-se prin- tado. Concluímos que só um enfoque de educa-

cipalmente na educação porque, “mais que uma ção intercultural de transformação poderá fazer

esfera pedagógica, ela é uma instituição políti- frente ao desafio da igualdade na diferença. Num

ca, social e cultural, um espaço de construção e plano mais concreto, resgatamos, também, algu-

reprodução de valores, atitudes e identidades e mas experiências desenvolvidas na área da forma-



do poder histórico-hegemônico do Estado” ção de formadores, no nível do Ensino Superior,



(Walsh, 2000: 165). que poderão ser levadas em consideração em pro-


Esta dissertação examina os marcos históricos cessos de formação de professores.







to o problema da erosão de terras que assola a


Os povos nativos:

Bolívia. Embora no momento da proclamação da


desenvolvimento histórico de independência três quartos de todas as terras do



país pertencessem a comunidades indígenas, já


sua singularidade lingüística

em 1847, metade de suas terras férteis estava em


e cultural

mãos privadas (Pando, 1972: 913). Naquele ano,


a expansão da propriedade sob o amparo de uma



ideologia liberal de fortalecimento oligárquico


O espoliamento de terras

estava em seu auge. Era imperativo proteger-se e


das comunidades indígenas


lutar pela propriedade tradicional e aprender a


A luta pela escolarização indígena nos tem- ler e escrever em castelhano parecia ser um re-

pos republicanos da Bolívia tem estado associa- quisito fundamental.



da à luta pelo direito à terra, à necessidade de A escola indigenista “castelhanizante” que



munir-se de ferramentas para recuperar terras os índios do século XIX reivindicavam repre-

cujos títulos pertenciam a comunidades indí- sentava um meio de se deter o espoliamento



genas ou à obtenção de títulos de propriedade de terras ancestrais e promover a justiça so-



para terras que ocupavam. cial. “É importante assinalar que, no período



A erosão do direito à terra antecede em mui- de 1825 a 1870, as populações indígenas do







* Assessora, coordenadora de cursos de mestrado e docente na área da linguagem do Proeib Andes. As opiniões expressadas neste docu-

mento são de inteira responsabilidade da autora e não representam, necessariamente, as opiniões da GTZ ou da Universidade Maior de San

Simón, contrapartidas do Proeib Andes.


30
SIMPÓSIO 3
Educação, diversidade cultural e cidadania: os povos indígenas e a escola

altiplano e do vale exigiram educação para eli- trões diziam que o “único índio bom era o índio



minar o analfabetismo, que representava sua morto” (CSUTCB, 1991: 2).



meta mais urgente. A idéia era que a unifica-



ção da sociedade pela leitura e escrita em Nacionalismo para civilizar o índio


castelhano promoveria a igualdade entre as di-


Com a revolução de 1952, rebelião indígena


ferentes raças e grupos sociais” (Mesa et al.,


contra os latifundiários que inseriu o Movimen-


1999: 423).


to Nacionalista Revolucionário (MNR) no cená- 30
Surge, a partir daí, a identificação da esco-


rio político, propôs-se a criação de uma só na-


la com a aprendizagem do castelhano e a equi-


ção com uma só identidade. A história oficial


valência da aprendizagem do castelhano com


fala da opressão colonial do boliviano pela co-


o aprender a ler e escrever. Essa dupla equa-
roa espanhola, mas não do índio. O indígena


ção imprimiria uma característica inconfundí-


devia ser absorvido por todos os bolivianos em


vel à escola boliviana em toda a sua história.


nome de um Estado homogêneo. Assim, a es-


Até hoje, a escola “para todos” é vista como


colarização universal e gratuita devia ter a meta


símbolo de igualdade na sociedade e difusora
de “bolivinizar” os índios, ou seja, ensiná-los a


da leitura-escrita em castelhano como instru-


ler e escrever o idioma oficial do Estado, ensi-

mento de defesa.


○ nar-lhes coisas sobre seu país e fazê-los ter or-
gulho dele. O código educacional de 1955 esta-
A mestiçagem desafia

beleceu os sistemas de educação rural e urba-


a separação de raças

na com o claro objetivo de dar atenção especi-



No século XX, surge na Bolívia uma corren- alizada à população indígena, visando à sua

te mestiça que luta para escolarizar o índio com


transformação e “civilização”. O objetivo de


o intuito de “civilizá-lo” por meio da “castelha- mestiçagem era o mesmo da escola indígena de

nização” e alfabetização, para que ele possa in- origem mestiça, mas nesse caso como uma

tegrar-se à sociedade nacional. Ela defende a


obrigação assumida pelo Estado.


idéia de que a educação deveria preparar todos



os cidadãos, inclusive os índios, para se “encai-


Transformações em curso

xar” na nova nação. A intenção era transformar


o índio (que ainda era chamado por esse nome), Diante da ausência de espaço para o

incorporá-lo ao mercado e “libertá-lo” de sua pluralismo interno na agenda do discurso mo-


dernista, da ampliação da economia de merca-


condição inferior. A Warisat’a, a escola ayllu em


do e da afirmação da idéia de nação como algo


La Paz (1931-1939), com todo seu esforço para


ser um instrumento político de transformação comum e unificador dentro de um espaço



estatal e de legitimação do movimento indíge- territorial específico, as organizações indígenas


começam a tomar consciência de sua cultura


na, das autoridades tradicionais e do direito à


como elemento de luta política, “contestando


terra (Zalles, 2000: 142), foi criada a partir des-


sa corrente mestiça de “salvação” (Howard- um desenvolvimento que não beneficiou os in-



Malverde e Canessa, 1995: 232). Essa escola dígenas e uma sociedade que os discriminou em

decorrência de sua diversidade cultural”


indigenista desafiava a rígida divisão de raças


(Amadio, 1989: 430).


com o objetivo de promover a assimilação pela


“castelhanização”: A ação contestatória é mais evidente no



âmbito político, em que as instâncias indígenas


organizadas exigem um projeto contra a assi-


Naqueles tempos, os latifundiários, os patrões


milação estatal. Em setembro de 1990, uma


e seus lacaios não permitiam que nossos ante-


passados aprendessem o que quer que fosse. Marcha pelo Território e pela Dignidade, orga-

Eles afirmavam que “um índio letrado era um nizada por povos indígenas dos departamentos

índio rebelado”. Por isso havia muita repressão, amazônicos de Pando e Beni – as chamadas ter-

prisões e agressões contra lideranças que tenta- ras baixas (tierras bajas) da Bolívia –, percorreu

vam estabelecer escolas secretamente. Os pa- o país das planícies até o altiplano e forçou o

governo de Jaime Paz Zamora (1989-1993) e a cesso educacional deverá garantir a igualdade



população andina do país a se conscientizarem de oportunidades e uso, e nenhuma delas terá



da existência desses povos indígenas e de suas um tratamento preferencial, de modo que as



exigências territoriais. O Estado ratificou, em línguas maternas gozem do mesmo status que


1991, o Convênio nº 169 da OIT sobre povos in- o castelhano” (CSUTCB, 1991: 20).



dígenas e promulgou a respectiva lei. Além dis- No que se refere à característica intercultural



so, reexaminou sua política, concedeu direitos da educação, a proposta estabelece que:


territoriais a algumas etnias amazônicas e co-



meçou a falar em unidade na diversidade, igual- O currículo será intercultural e, portanto, aber-



dade na diferença e integração com respeito. to e voltado à afirmação da identidade cultural


e social dos educandos e à consolidação da cul-


Esse processo culminou, em 1994, com a intro-


dução de mudanças na Constituição Política do tura nativa das crianças [...]. Essa afirmação cul-



Estado, que passou a reconhecer a Bolívia como tural permitirá que a criança valorize sua cultu-


ra, desenvolva um maior respeito próprio e afir-

um país multiétnico e pluricultural. No artigo


me sua identidade, tornando-se um indivíduo
171 da atual Constituição, lê-se o seguinte: ○

que respeita e tolera as diferenças culturais e lin-


güísticas existentes no país (CSUTCB, 1991: 21).


Serão reconhecidos, respeitados e protegidos,


no âmbito da legislação, os direitos sociais, eco-



nômicos e culturais dos povos indígenas que vi- Após quatro anos de trabalho prévio e com

base no Projeto de Educação Intercultural Bi-


vem no território nacional, especialmente o di-


reito às suas terras comunitárias de origem, ga- língüe, co-patrocinado pelo Unicef e pelo Mi-

rantindo-se o uso e o aproveitamento susten- nistério de Educação, o Estado boliviano em-



táveis dos recursos naturais nelas existentes e barcou na Reforma Educacional, na Lei nº

sua identidade, valores, línguas, costumes e 1.565, promulgada no governo de Gonzalo



instituições. Sánchez de Lozada em 1994 e atualmente em



vigor. Essa reforma unificou o sistema educa-


Nesse período, foram promulgadas outras


cional nacional e promoveu uma educação


leis enquadradas no postulado do respeito à di-


intercultural em todo o país e bilíngüe nas zo-

versidade e à participação cidadã, como a Lei


nas nas quais predomina uma língua indíge-


da Participação Popular (1994), a Lei Florestal e


na. Ela se baseou numa ampla participação


a Lei INRA (ambas de 1996).


social, envolvendo desde o nível local até o


No âmbito educacional, a Confederação


nacional, por meio de juntas escolares e con-

Única dos Trabalhadores Rurais da Bolívia


selhos, e promoveu a flexibilização dos calen-


(CSUTCB), a maior organização sindical do


dários escolares de acordo com as diferentes


país, apresentou, em 1989, sua proposta edu-


condições regionais. Além disso, assumiu a

cacional, baseada na constatação de que “não


heterogeneidade sociocultural do país num

podemos mais permitir que a escola continue


ambiente de respeito e tolerância, visando a


tirando nossos filhos e filhas do campo, mos-


“fortalecer a identidade nacional, exaltando os


tre-lhes o espelho da cidade e os faça sentir ver-


valores históricos e culturais da Nação bolivi-

gonha de sua própria história, língua e cultura”


ana em sua enorme e diversificada riqueza


(CSUTCB, 1991: 4).


multicultural e multirregional” (Ministerio de


Com base num amplo diagnóstico da situa-


Educación, Cultura y Deportes, 1998: 11).


ção da educação escolar básica, a Confedera-


ção propôs a educação intercultural bilíngüe


Transformações em curso?

como um modelo educacional adequado para



promover melhorias na qualidade de vida dos A minoria dominante percebe o trabalhador



povos indígenas. Quanto à característica bilín- rural como improdutivo e atrasado, como um

güe da educação, ela se posicionou da seguinte obstáculo à modernização. Os trabalhadores



maneira: “O tratamento dado a essas línguas rurais e seu modo de vida representam tudo o

(línguas nativas e castelhano) em todo o pro- que o discurso dominante procura superar. O

32
SIMPÓSIO 3
Educação, diversidade cultural e cidadania: os povos indígenas e a escola

Estado impulsiona a transferência tecnológica nalmente, existirão para eles próprios” (Ribei-



para transformar o meio rural e cria uma nova ro, 1989: 56).



lei de terras que permite a comercialização do As culturas indígenas representam o orgu-



chamado bem inerte (bien inerte, nas palavras lho da Bolívia. Elas têm conquistado espaço nas


do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, capitais e nos teatros e tornam-se produto de



1993-1997) na Bolívia. O consumismo é estimu- exportação quando estão devidamente “folclo-



lado pelos meios de comunicação, seguindo a rizadas” na forma de música e dança. Já os in-


máxima de Galeano: “quem não compra não dígenas são... um problema. 32



existe e quem não tem não é”. Desde o ano passado, a direção da CSUTCB,



A identificação da singularidade é estabe- liderada por Felipe Quispe Huanca, vem promo-



lecida por dois conjuntos de sistemas, um sis- vendo, por meio de ações políticas, uma revi-


tema de remanescentes culturais obsoletos e são do conceito de “indígena” na sociedade



um sistema de carências (Varese, apud López, boliviana, exigindo que o Estado assegure igual-



1996: 64). Por um lado, a economia de subsis- dade de condições econômicas e sociais ao



tência, baseada num sistema de reciprocida- povo aimara. Sem entrar no mérito de suas po-


de com forte controle social, o agrocentrismo, lêmicas ações e intervenções, o senhor Huanca



a personificação e deificação da natureza, a promoveu, em todo o país, uma discussão em

concepção cíclica do tempo e as demais carac- torno do espaço a ser ocupado pelos povos na-

terísticas culturais andinas não podem gerar a tivos. Sem dúvida alguma, ele trouxe à baila...

mesma modernidade gerada pelo mundo oci- um problema.



dental; por outro lado, as províncias com mai-



or população indígena são tipificadas numa es-


Por trás da reforma educacional

cala graduada, enquadrada na categoria de



“pobreza”, rótulo imposto com o objetivo ób- As reformas da década de 1990 poderiam

vio de justificar ações desenvolvimentistas por implicar uma transformação radical de atitudes

parte dos financiadores que dirigem os desti- e uma afirmação do indígena, mas, acima de

nos do Estado. tudo, poderiam promover uma mudança efeti-



Em vez de se conceitualizar a cultura dos va no sistema nacional de educação. A reforma



povos indígenas como um recurso, estabele- educacional boliviana teve reconhecimento



cem-se, em primeira instância, suas deficiên- como modelo regional. No país como um todo,

cias, que resultam justamente da alienação à gerou ceticismo nos mesmos grupos que reivin-

qual ela foi exposta. É contraproducente essa dicavam uma educação inclusiva, que respei-

identificação com a carência que os próprios tasse a heterogeneidade. Qual é o interesse do



povos indígenas chegam a assumir: afirmar o Estado em considerar o significado histórico,


existente é, como os psicólogos e pedagogos já social, econômico e político da diferença cul-



descobriram há muito tempo, o ponto de par- tural e em construir a interculturalidade – não



tida para qualquer intenção séria e efetiva de apenas entre indivíduos, mas também entre

aprendizagem, desenvolvimento, mobilização, suas estruturas e instituições sociais, políticas


por mais subjugada e alterada que a cultura de e jurídicas? Não haveria uma contradição cons-

um povo possa estar. tante entre a demanda reivindicativa dos povos



Darcy Ribeiro nos fala de povos indígenas que enfrentam discriminação, racismo e desi-

como testemunhas, povos que dão testemunho gualdade e o léxico oficial da interculturalidade

do que conservaram deles próprios, das altas como algo que o Estado se compromete a fo-

civilizações que prenunciam como será o futu- mentar em âmbito nacional?



ro: “Uma vez libertos da opressão representada Uma reforma educacional como a bolivia-

pela expectativa de assimilação dos Estados na poderia também implicar uma maior inci-

nacionais e por todas as formas de repressão dência e funcionalidade do esquema de domi-



utilizadas contra eles, emergirão para as tare- nação, em vez de sua transformação. As orga-

fas de auto-reconstrução como povos que, fi- nizações indígenas percebem o caráter instru-

mental e mediador dos planos e programas; as Além do ideal constitucional



bases indígenas de algumas organizações iden-


de uma Bolívia multilíngüe


tificam seu objetivo oculto de minar a cultura


1
e multicultural


dos povos indígenas e dominá-los lingüisti-


camente, usando inicialmente sua língua ma-



terna, já que, tradicionalmente, a escolarização


A camisa-de-força da educação


era um cenário privilegiado para o glotocídio


(Green, 1996). intercultural bilíngüe



Inicialmente uma vitória, o caráter de polí-


A educação bilíngüe, considerada como um


tica estatal da educação intercultural bilíngüe modelo educacional adequado à diversidade lingüís-



(EIB) torna-se um “problema sério e permanen- tica, fica enriquecida em seu enfoque mediante a in-


te com efeitos práticos em propostas organiza-


clusão do aspecto intercultural que leva em conside-


cionais, porque as comunidades resistem, por


ração a pluralidade de conhecimentos e manifesta-


mais que a proposta seja boa, a qualquer pro- ções culturais e coloca “um educando concreto, de


grama do Estado” (Green, 1996: 1-2). Esse aler- ○

carne e osso, e não um construto teórico, no centro


ta das lideranças indígenas colombianas, ex-

da reflexão pedagógica” (López, 1994: 9).


presso no II Congresso Latino-Americano de Advoga-se um modelo educacional basea-



Educação Intercultural Bilíngüe de Santa Cruz do na demanda dos povos indígenas, das comu-

de la Sierra, Bolívia, em 1996, resume o proble- nidades de base (a partir da Conferência Mun-

ma: a desconfiança inerente em relação a qual-


dial sobre Educação para Todos, realizada em


quer ação do Estado, gerada pelo temor de que Jomtien em 1990) e não, como havia ocorrido

seus propósitos não correspondam às intenções até então, baseado em propostas elaboradas em

e às demandas dos povos indígenas, conside-


escritórios ministeriais, tendo como pano de


rando que historicamente isso nunca aconte-


fundo a política estatal predominante. A diver-


ceu nesse lado do mundo. “Quando se pensa no sidade cultural e lingüística começa a ser vista

Estado”, afirma Bourdieu, “suspeitar até demais como uma riqueza e não como um problema,

é sempre pouco [...]” (Zambrano, 2000: 158).


uma possibilidade em potencial de que o alu-


Surgem, então, vozes de alerta sobre um


no, enraizado em seu meio ecológico, social,


novo modelo de dominação pós-moderna es- cultural e lingüístico imediato, possa ser con-

trategicamente promovida por meio do reco- frontado com outras realidades e manifestações

nhecimento da diversidade de múltiplos po-


e enriquecer-se com esse conhecimento.


vos indígenas à custa da unidade política de


No entanto, muitos grupos questionam se a


organizações de trabalhadores rurais como a tolerância e o respeito que deveriam sustentar



CSUTCB, de caráter nacional (Green, 1996; esse modelo de educação e o diálogo intercul-

Zizek, 1998; Walsh, 2000), e sobre a divisão e a


tural e interétnico que ele poderia propiciar se-


desmobilização geradas pela nova participação


riam possíveis na Bolívia. Hornberger e López


política partidária ( Walsh, 2000). Inicialmen- (1998: 208) formulam esse questionamento da

te, no entanto, a suspeita surge no contexto seguinte maneira:


neoliberal, no qual predomina a lógica do



mercado globalizado que “prepara as pessoas


Specifically, there are tensions and contradictions


para um mercado de trabalho destinado a um inherent in transforming what has been and con-

grupo privilegiado – ao qual a maioria não terá tinues to be a tool for standardisation and

acesso – enquanto esvazia o restante da oferta


national unification into, simultaneously, a


de trabalho” (Zambrano, 2000: 158). vehicle for diversification and emancipation.








1
Em uma população de aproximadamente 6,4 milhões de pessoas, correções aplicadas ao censo de 1992 por Xavier Albó (1995, v.1, p. 19)

indicam que 38% delas usam o idioma quéchua, 26% usam o idioma aimara e 41% só usam o castelhano.

34
SIMPÓSIO 3
Educação, diversidade cultural e cidadania: os povos indígenas e a escola

O próprio caráter da escola concebida como dagogias e aos professores estabelecidos pelo



instituição fechada, como instrumento do Es- sistema estatal e questiona o avanço em dire-



tado e da ordem mundial a serviço da hegemo- ção à construção de um novo currículo amplo,



nia, suscita dúvidas. com base no eixo central da escola e da leitura-


Como a educação intercultural bilíngüe escrita, por tratar-se de um discurso circular: a



manteve as características da escola, a cultura flexibilidade dos currículos só é concebida no



indígena foi submetida a uma camisa-de-força contexto de uma escola, com espaço e tempo


que tende a desvirtuá-la e até desintegrá-la. segmentados. 34



Green (1996) fala da “fatalidade” da EIB em de- No caso da Bolívia, muitos professores que



corrência de suas características semelhantes às trabalham em escolas públicas lidam, em pri-



da escola de sempre: meira instância, com jovens que aspiram à as-


• professor formado ao longo de anos de re- censão social e a deixar para trás sua origem



clusão em instituições centralizadas e aca- rural e linhagem indígena. Ainda que mal re-



dêmicas com a missão de transmitir conhe- munerados e sem prestígio na sociedade domi-


cimentos;


nante, os inspetores educacionais ocupam um


• aula que reúne as crianças durante deter- espaço de poder como organismo sindical em



minadas horas em espaços fechados entre constante processo de reivindicação trabalhis-

quatro paredes; ta junto ao Estado. Por outro lado, no que se



• currículo estruturado, sistemático e com- refere ao seu posicionamento individual, o pro-


partimentalizado, estabelecido com o intui- fessor tipicamente não faz parte da comunida-

to de promover uma aprendizagem dirigida de. Ele se “estabelece” nela temporariamente,



a um fim específico ou purposeful learning enquanto aguarda sua transferência para esco-

behaviour; las situadas num vilarejo mais imponente, para



a capital da província e, finalmente, para a ca-


• horários e cronogramas fixos;


pital do departamento. Talvez como resquício


• ênfase no desenvolvimento de habilidades


de sua formação nos Institutos Normais regi-


cognitivas;

dos pelo código educacional de 1955, e consi-



• intermediação da escrita e da abstração.


derando sua motivação para optar por essa pro-

fissão, o ressurgimento étnico da década de


Se levarmos a sério a proposta da intercul-


1990 não “vingou” entre os professores.


turalidade discutida em todos os âmbitos, e se Por outro lado, a reforma educacional esta-

a educação intercultural pretende estender uma belece um currículo de vigência nacional (ou

ponte entre diferentes culturas, precisamos


“tronco comum”) e um currículo local (ou “ra-


aceitar, também, o fato de que a educação


mos complementares”) elaborado regional-


intercultural é qualitativamente diferente. mente com o aval de juntas escolares dirigidas



pelo diretor de cada núcleo educacional e que


Podemos concordar apenas parcialmente que a


deve ser aprovado pelas instâncias educacionais


Educação Intercultural Bilíngüe tornou-se um


estatais. Em alguns casos, esse currículo regio-


instrumento de libertação, de afirmação étnica e


nal começa a ser elaborado por autoridades

de facilitação de relações interculturais, porque,


educacionais a partir de levantamentos de ne-


embora tenha isolado outras propostas aberta-


cessidades básicas de aprendizagem desenvol-


mente integracionistas, ela persistiu em cortar e


deixar de lado laços com as raízes, com a sabe-


vidos pelos mesmos professores sobre os quais

falamos antes! Com exceção de alguns conteú-


doria dos velhos e com a cosmovisão dos povos...


dos mínimos, é provável que um currículo ge-


Podemos afirmar nesta ocasião que, a menos que


nasça da raiz, a educação – e qualquer projeto rado dessa maneira tenha muito pouco de con-

político-cultural – não serve (Green, 1996: 1). teúdo próprio.


Mais uma vez, o Estado é que define o que,



Green denuncia a falta de senso crítico da como, onde, quando e com quem ensinar, sem

EIB em relação à escola, aos currículos, às pe- permitir o desenvolvimento de outras opções

ou programas educacionais contestatórios no ência comum da nação” (Dave, apud Bourdieu,



nível básico ou da formação de docentes. 1991: 49). Assim, leva a cabo uma missão



civilizadora, na qual a escola é a “capela da



Apoiando o caráter universal que a educação modernização” (Howard-Malverde e Canessa,


deve ter, é inquietante observarmos que embo- 1995: 234).



ra aceitemos o fato de que existem outras A escola é um elemento a mais do sistema


cosmologias, outras éticas de saber, outros sis-


de mobilidade social moldado pelos processos


temas axiológicos, quando chega a hora de cons- políticos e sociais e pelas condições de forma-



truir os projetos educacionais, deixamos esse
ção da nova economia e do mercado após 1952,


fato de lado (Green, 1996: 3).


cuja orientação se resume a “deixar de ser ín-



dio”. Essa situação persiste, como bem escre-


vem Hornberger e López (1998: 208).


O enfoque da assimilação entre os


protagonistas da educação

Although, in fact, only a small percentage of

Entre os professores formados no espírito



the population attains social advancement
through formal education, schooling, and the

do código educacional de 1955 persiste a idéia


Spanish language with which it is identified,


fixa de “fazer dos índios bons bolivianos”. Fala-


are nevertheless perceived as the route to so-


mos sobre a utilidade da escola para as crian-

cial mobility.

ças com professores dos núcleos Raqaypampa



e Tukma Baja, situados na Província Mizque,


Ao estabelecer um sistema igualitário uni-


Departamento de Cochabamba, num workshop


versal de sociedade com a educação como ele-

sobre interculturalidade realizado em outubro


mento-chave para o êxito e a civilização, o fra-


de 1995. Seus comentários a respeito do tema


casso dos povos indígenas em seu afã de pro-


foram os seguintes:

gredir não é visto apenas como uma desvanta-


gem social, mas também como uma falta de


Não queremos que elas sejam iguais aos seus


adaptação pessoal. Uma vez que os valores


pais... Não queremos que elas abandonem a es-


modernos da metrópole cheguem à periferia


cola após a quinta série do Primeiro Grau e se


casem como seus pais... Há pais de família que em suficiente medida, uma vez que os grupos

marginais reconheçam o valor de um sistema


não vêem a escola como o futuro de seus filhos,


afirmando que ela os torna frouxos e os faz pa- educacional e a língua e cultura que ele repre-

rar de plantar e pastorear... Queremos que se- senta, eles também começarão a “colaborar

jam algo na vida, que não fiquem aqui como seus para a destruição de seus instrumentos de ex-

pais, que tenham uma profissão. pressão” (Bourdieu, 1991: 49).



Os pais desestimularão seus filhos a usar sua



O menosprezo do camponês, de seu modo língua materna – alguns deles já os socializam



de vida, de seu apego à terra e à sua cultura, é num castelhano incipiente. Uma mãe analfabe-

uma constante facilmente perceptível na Bolí- ta de Cayacayani, Província de Esseban Arce,



via. A emigração, o abandono de áreas rurais – Departamento de Cochabamba, ao explicar por



mesmo que isso signifique romper com sua fa- que fazia questão de falar com seus filhos num

mília −, é uma condição para civilizar-se, para


castelhano fora de contexto, que dominava mal,


aproximar-se da periferia, do subcentro urba- afirmou: “O que posso ensinar a meus filhos?

no ou do centro urbano (Aronowitz, 1987). O Sou ignorante, não sei ler nem escrever”. Um

professor, juntamente com as demais autorida- professor com ampla experiência docente no

des educacionais, personifica e representa o


meio rural escreve numa carta de apresentação


centro, o avalista e o transmissor de valores e para um programa de mestrado em educação



da cultura da metrópole. Ele percorreu pesso- intercultural bilíngüe: “Meus pais eram analfa-

almente esse caminho até se tornar um profes- betos... mas souberam me ensinar os valores do

sor. Em seu trabalho diário, “constrói a consci- respeito...”



36
SIMPÓSIO 3
Educação, diversidade cultural e cidadania: os povos indígenas e a escola

Quanto à diversidade lingüística, seu po- 51) caracterizam esse enfoque como a preten-



tencial não é reconhecido pelo professor. Pelo são de igualar oportunidades educacionais



contrário, eles acham que línguas indígenas para alunos culturalmente diferentes, o que se



na sala de aula e no território nacional pro- traduz na intenção de suplantar diferenças im-


vocam atraso. pondo formas culturais dominantes. A base



desse enfoque é a substituição do termo “de-



Os idiomas subjugam, porque, se eu sou um ficiência” por “diferença”, mantendo-se a con-


quéchua ou aimara e quero ir à universidade, vicção de que a pobreza se explica pelo fato de 36



não vou encontrar nenhum livro escrito em os diferentes grupos culturais não contarem



aimara ou quéchua. Portanto, minha vida vai fi- com as mesmas oportunidades para adquirir


car frustrada e vou ser forçado a trabalhar no


os conhecimentos e habilidades necessários.


campo. O que precisaram fazer com os gaúchos
O objetivo da educação será o de assegu-


na Argentina? Precisaram eliminá-los e, assim,


rar compatibilidade entre a dinâmica da sala


a Argentina começou a surgir como uma nação


de aula e a dinâmica cultural dos grupos de in-


que se entende, que fala um só idioma. Aqui é


divíduos “diferentes” do grupo cultural domi-
como a torre de Babel: todos falam idiomas di-


nante/majoritário que serve de referência na


ferentes e ninguém se entende e, por isso, a Bo-

escola. A idéia, em última análise, é desenvol-

lívia é tão desunida, não é mesmo? E parece que ○

é isso que o governo quer fazer: desunir os boli- ver sistemas de compensação educacional por

vianos (professor de Ensino Médio José Manuel meio dos quais o “diferente” possa desenvol-

ver, com uma certa rapidez, competência na


Pando, Apolo, Departamento de La Paz).


cultura dominante, sendo a escola o veículo



As observações acima, que foram feitas que facilita o “trânsito” de uma cultura à outra

(idem, ibidem).

por um profissional em educação entrevista-


do em 1999, denotam uma postura pouco A ironia da educação boliviana é que ela não

contemplativa em relação aos povos nativos está, efetivamente, preocupada em melhorar a



e parecem ter sido feitas há séculos. qualidade de vida dos povos indígenas, e sim

em provocar mudanças culturais e sociais


Esse cenário “real”, que contrasta com o


ideal promovido nas leis, também surge com estabelecidas conforme os ditames da socieda-

força nas observações de dirigentes da princi- de dominante.



pal responsável pela reforma educacional, que



deveria procurar potencializar os efeitos das


Conclusão

mudanças educacionais: a Central Regional



dos Trabalhadores Rurais de Raqaypampa, Pro- Quem determinará que conteúdos cultu-

rais serão válidos ou adequados para inclusão


víncia de Mizque. Quando se perguntou ao seu


no currículo dos “ramos complementares”?


diretor até quando seriam mantidos assenta-


mentos dispersos em sua região (11 mil pes- Como diferenciaremos o culturalmente acei-

soas), por que a Central não impulsionava a tável do que as políticas de desenvolvimento

estabelecem como norma (pobreza, diferenci-


concentração da população em torno dos nú-


ação de gênero etc.)? Quem tomará as medi-


cleos educacionais e por que, seis anos após a


promulgação da lei, a reforma educacional não das necessárias para que o cultural na educa-

“chegava” ao norte da Província de Ayopaya, ção intercultural não se reduza à expressão ar-

tística e “folclorizada” ou à manifestação lin-


no Departamento de Cochabamba, conside-


güística da cultura? Quem ensina e como?


rando que sua população inclui indivíduos de


origem quéchua e também aimara, sua respos- O reconhecimento territorial, a determina-



ta foi a seguinte: fica longe demais, a cinco ção cultural e a justiça social dos povos indíge-

nas fazem parte de um complexo conjunto de


horas da capital da província!


demandas que inclui uma educação adequada


Situações desse tipo nos levam a presumir


que o enfoque subjacente à reforma é o da as- às suas necessidades de participação na socie-



similação. García Castaño e outros (1999a: 50- dade nacional e internacional, de acordo com

sua própria concepção e a partir do fortaleci- los grupos dominantes que estruturam institui-



mento de sua identidade. Isso pressupõe uma ções sociais para manter ou aumentar esse con-



educação cuja natureza deve ser determinada trole. O que os grupos oprimidos, no nosso caso



pelos próprios indígenas, especialistas em sua os povos nativos, fazem é opor-se e lutar pelo


forma singular de vida. São eles, é cada povo controle dos recursos do poder, da riqueza e do



indígena, que devem definir como continuarão prestígio que existem na sociedade.



educando suas crianças e jovens e os mecanis- Concordamos plenamente com García


mos de seleção e formação de seus professores, Castaño e outros (1999b) quando afirmam que



livres das garras da escolaridade e do currículo impor culturas deficitárias sobre culturas



ocidental. É respeitando e valorizando o siste- não-deficitárias é uma prática de desigualda-



ma de reprodução de cada povo, de cada comu- de, não de diferença. A forma singular de


nidade, que a educação escolarizada pode as- adaptação de cada povo a contextos diferen-



sumir seu papel de facilitadora no processo de tes faz justamente a diferença entre os povos.



sua inserção na sociedade nacional e interna- A interculturalidade de modo geral e a edu-


cional, percebendo-se como agente de sociali- ○
cação intercultural bilíngüe em particular de-
zação e não de expulsão. vem fundamentar-se nessa diferença, e não

A partir da perspectiva oficial, os progra- na desigualdade.



mas de EIB, como parte dos projetos de rei-


Reconhecer o déficit de uma cultura minori-


vindicação idiomática e cultural, são concebi-


tária em relação a uma outra presumidamente


dos como uma espécie de licença ou conces-

majoritária como dominante equivale a não


são a favor dos grupos vernáculo-falantes, e


admitir a capacidade de qualquer cultura de


não como parte medular e integral de seus pro-


gerar novas estratégias de adaptação em novos


jetos educacionais, como programas que efe-

contextos e negar o plano de igualdade em que


tivamente assumem o problema das minori-


se encontram todas as culturas e os grupos hu-


as. Persiste a falta de uma concepção clara do manos que as criaram (García Castaño et al.,

alcance de uma autêntica EIB e de seus méto- 1999b: 205).


dos e procedimentos didáticos por parte dos



professores, endividados com os valores e pre- É de se esperar que o Estado, com seu apa-

conceitos da educação oficial secular. rato centralizado de funcionários especiali-



Embora o objetivo declarado da educação zados em encontrar soluções para os proble-


seja libertar os povos andinos da discriminação,


mas “dos outros”, relute em ceder espaços de


os valores culturais desses mesmos povos são decisão que propiciem a transmissão da cul-

solapados e denegridos ativamente na escola. tura e da ideologia dos povos indígenas. No



Qualquer ação de transmissão de cultura impli- entanto, o caminho para uma verdadeira edu-

ca, necessariamente, uma afirmação dos valo-


cação intercultural bilíngüe implica a supe-


res da cultura transmitida; em outras palavras, ração de sua perspectiva limitada e seu esta-

qualquer tipo de ensino deve gerar uma ne- belecimento no âmbito das comunidades in-

cessidade de seu próprio produto e, portanto, dígenas, aceitando as distintas “educações”


construir a cultura que deseja transmitir como que nelas existem. Por outro lado, como ex-

um valor, o que é logrado por meio do próprio posto acima, as organizações indígenas tam-

ato de ensinar (Bourdieu, 1967). bém relutam em participar de possíveis ins-



O enfoque de uma educação intercultural tâncias ou espaços estatais.


bilíngüe adequada a uma posição como a Não há dúvida de que o professor tem um

esboçada é o da educação como transformação papel fundamental a desempenhar numa edu-



(García Castaño et al. , 1999a: 59-60), com base cação transformadora. E estamos convencidos

na teoria do conflito e na teoria da resistência. de que a visão geral aqui apresentada não in-

Segundo essas propostas, os grupos oprimidos valida os esforços que devem ser envidados no

(no nosso caso, os povos indígenas) não se aco- campo da formação dos professores para

modam passivamente ao controle exercido pe- transformar a educação. Nossa experiência na


38
SIMPÓSIO 3
Educação, diversidade cultural e cidadania: os povos indígenas e a escola

formação de formadores no curso de Mestrado nar constantemente conhecimentos prévios e



do Programa de Formação em Educação Inter- novos. O desafio é imbuir-se, como professor,



cultural Bilíngüe para os países andinos do que possa significar um modo de fazer edu-



(Proeib Andes) tem como fio condutor a iden- cação num mundo que articula as diferenças e


tidade questionada, resgatada e afirmada do não as combate.



estudante de origem indígena. Acreditamos Não podemos concluir esse documento sem



que o caminho para o fortalecimento das afirmar que enquanto perdure o desequilíbrio


potencialidades dos povos indígenas é a recu- sociopolítico e econômico dos grupos étnicos 38



peração de sua auto-estima e identidade e em relação a setores sociais dominantes, e en-



também da de seus professores. A educação quanto esses concebam e executem programas



intercultural oferece possibilidades para esse educacionais e se sintam no direito de respon-


complexo processo de conscientização étnica der às necessidades de aprendizagem dos po-



e lingüística. Essa educação intercultural deve vos indígenas a partir da sua própria visão e in-



ser adotada nos Centros de Formação de Pro- teresses, a interculturalidade será, na melhor



fessores, sejam eles Institutos Normais Supe- das hipóteses, um diálogo de surdos e, na pior,


riores ou Instituições de Ensino Superior. No um novo e sutil mecanismo de dominação, uma



entanto, não é um caminho fácil e tampouco passagem de uma só via.

plano. Caracteriza-se pela sinuosidade de sua



natureza conflituosa. Como proposta pedagó-


gica e política, a interculturalidade não pode


Bibliografia

se esquivar dessa característica. A noção do



conflito é inerente ao ser intercultural, que ALBÓ, Xavier. Bolívia plurilingüe. Guía para planificadores.

precisa reconhecer e conviver com o conflito, La Paz: Unicef, Cipca, 1995. v. 1-3.

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seja ele intrapessoal, interpessoal, intragrupal

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GARCÍA CASTAÑO, Javier ; GRANADOS MARTÍNEZ,


cente -estudantes e dos estudantes entre eles, Antolín; GARCÍA-CANO TORRICO, María. Racialismo

aceitar o fato de que o estudante traz consigo


en el curriculum y en los libros de texto. La transmisión


conhecimentos e experiências – social e cultu- de discursos de la diferencia en el curriculum oficial de



ralmente determinadas – e, além disso, relacio- la Comunidad Autónoma Andaluza y en los libros de


texto de la educación primaria. In: GARCÍA CASTAÑO; . La cuestión de la interculturalidad y la


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SIMPÓSIO 4

EXPERIÊNCIA DO ENSINO
SUPERIOR INDÍGENA
Edivanda Mugrabi

Elias Renato da Silva Januário

Maria Inês de Almeida

Marilda C. Cavalcanti

41
O Ensino Superior Indígena




no Espírito Santo e o papel




da universidade






Edivanda Mugrabi*





Resumo





O presente texto visa, a um só tempo, siste- ria, em seguida trataremos de enfocar o papel da



matizar a experiência de construção do Ensino Universidade Federal do Espírito Santo nesse


Superior Indígena no Espírito Santo e discutir os processo. Num terceiro momento, centramo-nos


limites e as possibilidades dessa construção. Em ○

nas idéias essenciais que estão sendo discutidas
um primeiro momento, apresentaremos sucin- em torno do formato das Licenciaturas que pre-

tamente uma retrospectiva da luta dos povos tendemos criar. À guisa de conclusão, apresen-

Tupinikim e Guarani em prol de uma educação tamos alguns dilemas e dificuldades que atraves-

escolar diferenciada. Sem perder o fio da histó-


sam o processo.




Os Tupinikim e os Guarani e a

A preocupação desses povos com a educação


educação escolar diferenciada escolar é antiga, mas ela se traduz em fatos a par-

tir dos anos 1990. No bojo dessa preocupação,


No estado do Espírito Santo, no município


aparece em destaque a formação de educadores


de Aracruz, vivem atualmente 1.793 índios


para atuar nas escolas das aldeias. Em 1994, foi


aldeados, dos quais 1.615 são do povo Tupinikim


estabelecida uma parceria entre os índios, o Ins-

e 178 pertencem ao povo Guarani.


tituto para o Desenvolvimento e Educação de



Tabela 1 Adultos (Idea) e a Pastoral Indigenista para a cri-



ação de um projeto de formação de índios para


Aldeias População

atuarem no âmbito da Educação de Jovens e



N o de famílias N o de habitantes Adultos. Segundo Cota (2000: 110), essa forma-



Tupinikim ção representa um momento de ruptura impor-



Caieira Velha 150 708 tante para o povo Tupinikim, na medida em que,

de um lado, os próprios índios começam a assu-


Comboios 60 342

mir a educação nas aldeias, e de outro, as ques-


Irajá 62 262

tões culturais começam a ser introduzidas no


Pau Brasil 64 303

processo ensino-aprendizagem nas escolas.


Subtotal 336 1.615


Em 1996, estrategicamente amplia-se a


Guarani

parceria, incluindo o poder público, repre-


Boa Esperança 24 96

sentado pela Secretaria Municipal de Educa-


Três Palmeiras 14 82 ção de Aracruz e pela Secretaria de Estado da



Subtotal 38 178 Educação, para pensar a formação de profes-



Total 374 1.793 sores para o Ensino Fundamental. Em dezem-



bro de 1996, dá-se início ao Curso de Habili-






* Doutora em Educação pela Universidade de Genebra, professora do Departamento de Fundamentos e Orientação Educacional e do Mestrado

em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo.


42
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena

tação Profissional para o Magistério de 1ª a 4ª Mais da metade dos alunos que concluem o



séries do 1º Grau – Formação Específica em 1º ciclo do Ensino Fundamental não prosse-



Educação Indígena. Esse curso foi fundado guem seus estudos. A taxa de índios que ascen-



nos princípios da interdisciplinaridade, da dem ao Ensino Médio é também extremamen-


interculturalidade e da participação dos edu- te baixa. Agregue-se a esses dados o número de



cadores e das comunidades indígenas em to- 25 alunos que freqüentam o Ensino Superior em



das as decisões das diferentes atividades pro- faculdades particulares cuja qualidade é duvi-


gramadas. Foram habilitados, em outubro de dosa e que não estão preocupadas com o pro- 43



2000, 37 índios (32 Tupinikim e 5 Guarani), jeto político das comunidades indígenas.



ampliando-se significativamente os quadros



para atuar na educação escolar, que até aquele
O papel da Universidade


momento encontrava-se irremediavelmente


Federal do Espírito Santo


nas mãos de professores não-índios (do total



de 19 professores apenas 4 eram índios).
(Ufes)



Com a formação de professores índios a


partir de 2000, há uma inversão significativa Na década de 1990, a universidade não se



na proporção entre professores índios e pro- envolveu com a questão da Educação Escolar

fessores não-índios: dos 23 professores que



Indígena. A fala de um índio Guarani, pronun-


ciada recentemente nas dependências dessa

passaram a atuar nas escolas das aldeias, 20


são índios. Essa apropriação nas mãos da instituição, revela bem o seu descaso para com

educação escolar pelos índios foi marcada os povos indígenas do Espírito Santo:

pela realização de um concurso público – o


Quando entramos na Universidade pela pri-


primeiro no Brasil! –, inaugurando-se assim

meira vez, diziam que não havia indígenas no


oficialmente a carreira de Magistério diferen-

Espírito Santo. A Universidade não vive em outro


ciada no município de Aracruz, com isono-


mundo, em outra lua, vivemos todos num mundo


mia salarial.

só. Por que um índio não pode estudar na Uni-


O atendimento escolar às crianças das al-

versidade? (Antonio Carvalho, vice-cacique da


deias é realizado pela Prefeitura Municipal de


aldeia de Boa Esperança, 18/6/2001).


Aracruz, por meio da Secretaria Municipal de



Educação. As escolas existentes (uma em cada Com efeito, nenhuma das iniciativas em

aldeia) atendem a crianças da Educação Infantil


prol da educação diferenciada dos povos indí-


(187 crianças) e do 1º ciclo do Ensino Fundamen- genas do Espírito Santo contou com a partici-

tal (309 crianças). Os alunos que concluem o 1º pação de professores representando a Ufes. Os

ciclo do Ensino Fundamental e desejam dar con- únicos dois professores universitários que atu-

tinuidade a seus estudos têm de se deslocar das


aram no curso de formação de professores em


aldeias para a zona urbana, havendo, dessa for- nível médio deram a sua contribuição por ou-

ma, uma ruptura no atendimento à educação tras vias institucionais.



diferenciada e específica prevista em lei. Os da- No início de 1999, por inicia-


dos abaixo, refe-


tiva dos próprios índios e dos di-


Tabela 2

rentes à demanda ferentes parceiros de instituições


Número de índios que estudam


escolar de Ensino não-governamentais – notada-



Fundamental, ofe- Nas aldeias mente o Idea –, um grupo foi-se


recem indicações Educação Infantil 187


constituindo para discutir acer-


incontestes quan- a a
Ensino Fundamental (1 a 4 série) 309 ca da necessidade de a universi-

to à urgência da Fora das aldeias dade assumir a continuação da



continuidade do formação dos educadores índios.


Ensino Fundamental (5 a a 8 a série) 208

processo de for-

Mas, naquele momento, somen-


Ensino Médio 66

mação dos docen- te alguns poucos professores se


Total 770

tes indígenas. sentiram interpelados por essa



questão. As reuniões que se realizaram nas cluído. Nossa expectativa é de que os cursos



dependências da própria universidade conta- venham a ser criados até o final deste ano e



vam com participação pouco expressiva dos que possam ser iniciados em março de 2002.



quadros universitários.


Nesse contexto institucional, ocorreu, em
O formato das licenciaturas



outubro de 1999, a primeira formulação do pro-


em grandes linhas


jeto de formação universitária de educadores


índios Tupinikim e Guarani, em resposta a um


As licenciaturas que estamos tentando cri-


edital da Capes, que reivindicava projetos ino-


ar na Universidade Federal do Espírito Santo


vadores para a melhoria da graduação. Infeliz-


priorizam uma formação diferenciada que


mente, o projeto não seduziu a equipe que fez a atenda à especificidade da cultura Tupinikim


triagem das diferentes iniciativas apresentadas.


e da cultura Guarani, sem renegar o conheci-


Em 2000, novos esforços foram feitos para que


mento das ciências tal como se constituíram


esse documento fosse discutido e aprovado pe- em suas áreas especializadas. Nosso grande


las instâncias universitárias. Num primeiro mo- ○

desafio é construir um espaço de formação que


mento, foi necessário encontrar um centro/de-

não se restrinja a reproduzir a divisão das ci-


partamento que o encaminhasse formalmente


ências (formando “pedagogos”, “matemáticos”


às demais instâncias universitárias. Por pressão etc.), mas que considere a especialização a par-

das lideranças indígenas, no final de 2000 o Cen- tir de uma nova abordagem do saber funda-

tro Pedagógico aprovou o projeto e o encami-


mentada no diálogo intercultural.


nhou novamente à Pró-Reitoria de Graduação.


No estágio atual em que o projeto se en-


A partir de março de 2001, na qualidade de contra, estão sendo pensadas as idéias que

coordenadora do projeto junto à Universidade,


apresentaremos a seguir.

articulamos a retomada das discussões, convo-


Não haverá vestibular para o ingresso dos


cando encontros sistemáticos para detalhar a


alunos; as comunidades indicarão os índios in-


proposta curricular das licenciaturas. Desses teressados pautando-se por dois critérios es-

encontros, têm participado representantes dos


senciais: tenham concluído o ensino médio e


alunos indígenas que freqüentarão os cursos, li-


estejam comprometidos com o projeto políti-


deranças indígenas e os diferentes parceiros de


co das aldeias.

instituições governamentais e não-governamen- As licenciaturas visam à formação em nível de


tais. Progressivamente, estamos tentando en-


terceiro grau – Licenciatura Plena – de professo-


contrar novos aliados nos distintos departamen-


res indígenas que atuam e/ou venham a atuar nas


tos da universidade para compor a equipe que


escolas de Ensino Fundamental e Médio.


viabilizará a proposta. Os alunos terão a possibilidade de concluir


Em junho do mesmo ano, promovemos es-


duas licenciaturas plenas no período de seis anos:


trategicamente um seminário, com o objetivo


nos três primeiros anos, todos farão a licenciatu-


de apresentar a proposta em construção à co- ra plena de Pedagogia; nos três últimos anos, eles

munidade acadêmica e à sociedade em geral. se especializarão em uma área específica do co-


A idéia era a de que o seminário pudesse cons-


nhecimento (Licenciatura Plena em Línguas e


tituir fato que chamasse a atenção da socieda-


Linguagens, Licenciatura Plena em Matemática,


de capixaba, implicasse as autoridades públi- Licenciatura Plena em Ciências Naturais, Licen-



cas e atraísse novas parcerias e novos profes- ciatura Plena em Ciências Sociais).

sores universitários. A imprensa local parece


As áreas de conhecimento que estarão


ter considerado a temática do seminário como


norteando as diferentes licenciaturas terão os


relevante, pois, durante dois dias sucessivos, enfoques a seguir.



o evento assumiu destaque na mídia.


O projeto ainda não foi aprovado pelo Con-


Fundamentos. A formação de um profes-


selho de Ensino e Pesquisa, uma vez que o sor indígena exige características específi-

detalhamento do currículo ainda não foi con- cas para responder de maneira adequada

44
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena

às necessidades de uma educação diferen- formação em suas múltiplas relações socio-



ciada bilíngüe e intercultural. A abordagem culturais. Serão estudadas as diversas formas



deverá levar em conta essas características, de conceber o espaço e o tempo a partir de


aprofundando conhecimentos que permi- uma perspectiva crítica, tentando apreender



tam uma compreensão mais abrangente do as relações complexas entre a estrutura polí-


fenômeno educativo em geral e em espe-


tica, ideológica e econômica de povos diver-


cial dos povos indígenas. O objetivo essen- sos, assim como suas relações com o espaço



cial dessa área é desenvolver conhecimen- (ambiente natural) em que vivem. As Ciências 45


tos e capacidades para compreender e par- Sociais pretendem dar conhecimentos e ins-



ticipar de maneira qualitativa e crítica no trumentos para compreender o social como



processo de educação em geral e da Edu- um todo a partir de suas diversas dimensões


cação Indígena em particular. Os conteú- (história, geografia, etnologia, sociologia, po-



dos das diferentes disciplinas serão trata- lítica etc.). Uma ênfase essencial será compre-


dos confrontando-se o universal com o par-


ender e questionar a história dos povos indí-


ticular das culturas Tupinikim e Guarani. As genas em relação à história de outros povos.



disciplinas de Fundamentos que serão es- Serão analisadas as características dos tem-


tudadas deverão considerar a Filosofia (te-

pos históricos e de diferentes fontes históri-

orias do conhecimento), a Sociologia da cas (memória oral, história escrita, arqueolo-

Educação, a Etnologia, a Psicologia e a His- gia, mitos etc.), tentando compreender as


tória da Educação.

contradições, complementaridades e limita-


Línguas e Linguagens. Essa área enfocará o ções dessas fontes.



estudo do Português como língua majoritá- Ciências Naturais. Essa área do conheci-

ria do país, o Tupi como língua dos ances- mento propõe uma abordagem sistêmica

trais Tupinikim e o Guarani como língua


que contemple os níveis de organização e


materna dos Guarani. Não será perdida de de complexidade de conhecimentos rela-



vista a história do contato das línguas indí- tivos às Ciências Naturais. As problemáti-

genas entre si e com a língua portuguesa.


cas a serem levantadas junto com as comu-


Neste último caso, será de fundamental im- nidades indígenas serão agrupadas em

portância o estudo da influência das línguas grandes eixos temáticos, tais como, o ensi-

indígenas de origem Tupi na constituição de


no de Ciências: tendências e concepções;


um saber sobre a língua portuguesa do Bra- Terra e Universo; Seres Vivos e Ambiente;

sil e na própria construção de uma língua


Sociedade e Tecnologia. Os estudos serão


nacional, como imaginário de unidade na


desenvolvidos de maneira integrada, con-


constituição da nação denominada “brasilei- siderando as demandas dos alunos indíge-


ra”. O espanhol também será estudado, com


nas, suas vivências e informações na área,


o fim de ampliar o diálogo intercultural. O


garantindo, assim, sua articulação com as


estudo dessas diferentes línguas será outras áreas do conhecimento. As situações


norteado pela constituição dos diferentes


de aprendizagem proporcionarão confron-


gêneros orais e escritos (gêneros literários e tos entre os conhecimentos científicos e os



não-literários), sem perder de vista a ques- conhecimentos culturais acumulados pe-


tão da oralidade e da escrita em sociedades


los povos Tupinikim e Guarani. A tec-


de tradição ágrafa. A linguagem não-verbal, nologia, os modelos de desenvolvimento,



circunscrevendo o mundo das artes e outros a dimensão ambiental e os paradigmas do-


campos discursivos (mídia impressa,


minantes serão considerados como fatores


Internet, tevê etc.), em diálogo com o verbal de influência na formação da racionalidade


no processo de produção de sentidos,


científica e do conhecimento científico. As


complementará os conhecimentos aborda-


práticas educativas desenvolvidas durante


dos nesta área, englobando-se assim as dife- o curso devem incorporar os princípios te-

rentes formas de expressão do ser humano.


óricos e metodológicos do ensino de Ciên-



Ciências Sociais. Essa área terá como um dos cias Naturais e sua afinidade com a Educa-

pontos de partida a realidade do educador em ção Ambiental.




Matemática. Todas as disciplinas dessa área o ensino das séries iniciais do Ensino Funda-



terão como ponto de partida o contexto es- mental.



pacial, histórico e cultural das comunidades A área de Línguas e Linguagens habilitará o


indígenas. O ensino da Matemática visará ao


cursista ao trabalho com as línguas Tupi ou


desenvolvimento do pensamento numérico, Guarani, mas os cursistas terão uma formação


algébrico, geométrico; da competência mé-


complementar em língua espanhola (como lín-


trica; do raciocínio que envolva a proporcio-


gua estrangeira) e em diferentes linguagens (li-


nalidade; do raciocínio combinatório, esta-
terária, artística, imagética etc.).


tístico e probabilístico. Será garantido o aces-


A área de Matemática visa à formação de


so ao conhecimento matemático, igual àque-


professores de Matemática.


le fornecido às comunidades não-indígenas,


mas com uma abordagem centrada na A área de Ciências Naturais visa à habilita-


ção de professores de Ciências para o Ensino


Etnomatemática. A matematização dos pro-


blemas privilegiará as questões de moradia, Fundamental, e de Biologia para o Ensino Mé-



alimentação, saneamento, trabalho, saúde, dio; uma formação complementar será dada em


vestuário, comércio e espaço vivenciadas ○
Física e Química.
pelas comunidades, visando à elaboração de A área de Ciências Sociais terá como focos

projetos interdisciplinares e interculturais. A privilegiados os campos da História e da Geo-



proposta incluirá conteúdos de três grandes grafia e habilitará os cursistas para o trabalho

blocos do saber: Matemática, Epistemologia


com essas duas disciplinas, mas haverá estudos


e Educação Matemática, permitindo a arti- complementares em Antropologia, Política, So-



culação entre os diferentes saberes e propi- ciologia e Economia.


ciando atividades de prática de ensino nas


Os cursos de Licenciatura seguirão um ca-


escolas das comunidades indígenas ao lon-


lendário específico, composto por duas moda-

go de todo o curso.

lidades letivas:

• aulas presenciais ministradas nas depen-


Cada licenciatura terá a carga horária de


dências da universidade e aulas presenciais


3.210 horas, prevendo-se, no entanto, aprovei- ministradas nas aldeias, as quais ocorrerão

tamento de cerca de 1.260 horas da primeira li- ao longo do ano, prevendo-se uma carga-

horária intensiva no período de férias e re-


cenciatura na segunda licenciatura (720 horas


de Fundamentos da Educação e 540 horas de cessos escolares dos cursistas;



uma área específica). • atividades cooperadas, possibilitando aos



A Licenciatura de Pedagogia habilitará para cursistas conciliar suas atividades docentes




Tabela 3


Carga horária de todos os cursos



Carga

Ciências Ciências

Fundamentos Matemática Línguas Estágio horária


Naturais Sociais

total

Pedagogia

720 550 550 550 550 300 3.220


1 a a 4 a série

Habilitação

240 1.400 300 3.210


Matemática

Habilitação

1.400 300 3.210


Línguas

Habilitação
1.400 300

3.210
Ciências Naturais

Habilitação

1.400 300 3.210


Ciências Sociais

46
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena

nas escolas com as atividades do curso de ses deverão passar por um processo de re-



formação (preparo de seminários, leituras, conhecimento e de avaliação na esfera do



pesquisas solicitadas etc.). MEC. Ora, pelo que se sabe até a presente


data, a Secretaria de Educação Superior



(Sesu) não dispõe de pessoal competente


Será prevista uma bolsa de estudos para os para lidar com a educação diferenciada. O



cursistas e uma bolsa de pesquisa para os pro- reconhecimento dos cursos levará em con-


fessores que atuarem no curso.


ta variáveis interculturais? Que parâmetros 47


serão considerados para avaliar os conteú-



dos mínimos de cada licenciatura? Somen-
Dificuldades e dilemas



te as diretrizes curriculares dos cursos con-
no processo de criação das


vencionais, tais como estão sendo definidas



atualmente? Os conteúdos mínimos defini-
licenciaturas


dos para o Exame Nacional dos Cursos? O



À guisa de conclusão, gostaríamos de levan- “Provão”, a que certamente os alunos da



tar algumas dificuldades e dilemas que deve- educação superior diferenciada serão sub-


metidos, será diferenciado? Pensamos que

riam ser superados para facilitar o processo de

formação dos educadores Tupinikim e Guarani. a Coordenação-Geral de Apoio às Escolas

Sem pretensão à universalização, pensamos que Indígenas deveria articular-se com a Sesu

para a facilitar o processo de reconhecimen-


algumas de nossas reflexões são válidas para


to dos cursos.

outras experiências em nível nacional.


O perfil do professor que se quer formar.



Ausência de políticas públicas em nível es- Todos – índios e não-índios – querem um


profissional que possa competir no merca-


tadual. O estado do Espírito Santo tem sido


omisso na definição de políticas para a edu- do de trabalho da educação formal, inde-



cação. Até hoje, não tem havido nenhum pendentemente de ter tido uma formação

diferenciada ou não. Isso gera dificuldades


esforço para a regulamentação no âmbito do


CEE da Resolução nº 3 do CNE, assim como na determinação dos conteúdos e da carga



não têm sido formuladas leis e portarias que horária necessária para tratá-los convenien-

possam assegurar aos povos indígenas do temente. Tomemos o caso da Licenciatura



estado um Ensino Fundamental diferencia- de Línguas e Linguagens. Convencional-



do, tal como prescreve a Constituição Fede- mente, os cursos de Letras, nas universida-

ral. Isso gera problemas de diferentes or- des brasileiras, habilitam para o ensino da

dens. Um dos mais sérios, que pode com- Literatura, de uma Língua Estrangeira e da

Língua Portuguesa, mas no caso de nosso


prometer a viabilização do projeto de cria-


ção de cursos, é a alocação de recursos fi- curso aparece como prioridade a habilita-

nanceiros. Os recursos destinados à Educa- ção em Língua Indígena. Como então con-

ciliar tantas habilitações com uma carga


ção Escolar Indígena não estão sendo bem


administrados pelo Estado. A prova disso é horária não muito extensa?



que até hoje a Secretaria de Estado da Edu- Interculturalidade. O respeito à diversidade



cação não pagou cerca de R$ 16.509,00 aos étnica e cultural preconizado pela Constitui-

formadores que atuaram no curso de Ma- ção de 1988 trouxe à baila uma questão con-

gistério nos anos 1999 e 2000. Ora, isso com- trovertida: como deve ser o relacionamento

promete a formação superior, uma vez que


dos povos indígenas com a sociedade brasi-


ela necessitará de recursos financeiros leira e vice-versa? Há intelectuais que defen-



oriundos de parcerias, convênios e acordos dem uma “inversão necessária”: se antes


negociados com agências estaduais, nacio-


eram os índios que tinham como prerrogati-


nais e internacionais. va conhecer a sociedade envolvente, depois



Ausência de articulação no interior do pró- de 1988 “o esforço para a compreensão e con-



prio MEC. As universidades brasileiras têm vivência com os povos indígenas passou a ser

autonomia para criar novos cursos, mas es- da sociedade brasileira” (Silva, 1999: 12). Essa


posição nega, no entanto, o princípio da ção, estamos prevendo seminários de for-



interculturalidade e não contribui para a su- mação da equipe que vai atuar no projeto,



peração do etnocentrismo. O curso univer- nos quais tentaremos discutir a questão da


sitário será um palco extraordinário para ín- interculturalidade, do bilingüismo, da inter-



dios e não-índios operacionalizarem o con- disciplinaridade etc. Alguns desses seminá-


ceito de interculturalidade, que aparece nos rios serão realizados nas dependências da



documentos oficiais, mas que tem sido fon- Ufes e outros serão realizados nas próprias



te de confusão nos planos teórico e prático. aldeias indígenas, para facilitar a imersão


dos professores nas questões propriamente


Perspectiva bilíngüe versus currículo


intercultural. Um currículo verdadeiramen- culturais.



te intercultural implicaria a adoção de um A pesquisa norteando o processo ensino-



ensino bilíngüe, ou seja, a estruturação do aprendizagem. Em nosso projeto, a pesqui-


processo ensino-aprendizagem baseada na sa é considerada como uma modalidade



estratégia da alternância de línguas, o que privilegiada na formação dos professores e


não é possível nas condições concretas ○
dos alunos índios. Ela visa uma melhor
atuais. A língua de ensino de todos os con- compreensão das comunidades e dos pro-

teúdos curriculares será o Português, e a lín- blemas socioculturais, históricos, lingüís-



gua indígena terá a função de disciplina ticos e ambientais que as circundam. Os re-

curricular. Para os Tupinikim, as disciplinas sultados desses trabalhos de investigação



envolvendo a língua indígena terão um deverão constituir um material educativo


status particular, na medida em que o Tupi importante a ser utilizado por todos os ato-

constitui para eles um objeto de conheci- res implicados na proposta. Resta, no en-

mento inteiramente novo. Eles terão de tanto, saber se os professores universitários


aprender o Tupi como uma língua estran- estarão dispostos a re-aprender seus obje-

geira. A valorização da língua Guarani e a tos de ensino.



recuperação da língua Tupi colocam desafi-


os novos para a questão do bilingüismo no


Pensamos que estas e outras questões de-


ensino das escolas nas aldeias.


verão ser respondidas com uma certa urgência,


Formação dos professores universitários


a fim de que sejam criadas condições mais fa-


para atuar nas licenciaturas. Em matéria de


voráveis às diferentes experiências de Ensino


quadros nacionais para atuar nos cursos

Superior Indígena que seguramente emergirão


superiores indígenas, nos deparamos com


em diferentes estados do país.


um dilema sério: de um lado, temos profes-


sores que ignoram completamente as cul-



turas e as problemáticas em torno das cul-



turas indígenas e, de outro, temos profissio-


nais que estão comprometidos com a causa


Bibliografia

indígena, mas não conhecem as questões



relativas ao ensino ou não valorizam o en- COTA, M.-G. Educação escolar indígena: a construção de

sino formal de conteúdos da cultura ociden- uma educação diferenciada e específica, intercultural e

tal para os índios. No caso concreto dos pro- bilíngüe entre os Tupinikim do Espírito Santo. Vitória,

fessores da Ufes, eles não têm a prática do 2000. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do

diálogo intercultural com os povos indíge- Espírito Santo.


FAUNDEZ, A. Diálogo intercultural e educação na socieda-


nas. Em outras palavras, eles são especialis-


de brasileira . Debate en Educación de Adultos. Medellin,


tas em suas áreas de conhecimentos, mas

n. 10, p. 14-19, 1999.


nunca tiveram a necessidade de tratar es-

MUGRABI, E. Bilingüismo o multilingüismo: una prerrogati-


ses conhecimentos na perspectiva de outros


va de minorias lingüísticas? Debate en Educación de


povos. Metodologicamente, seria necessá-

Adultos. Medellin, n. 12, p. 14-19, 2000.


rio abordar o geral a partir do específico, e


SILVA, R. H. D. Balanço dos movimentos dos povos indíge-


isso, à primeira vista, aparece como um de- nas no Brasil e a questão educativa. Caxambu: Anped,

safio para todos. Para enfrentar essa situa-


1999.

48
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena

Terceiro grau indígena:




cursos de licenciatura




específicos para a formação




de professores indígenas*




49


Elias Renato da Silva Januário**







Preliminares 1988 abre um novo contexto na educação es-



colar voltada para os povos indígenas, fazen-



O processo de educação escolar entre os do surgir propostas que passaram a conside-


ameríndios do Brasil, iniciado com a chegada


rar a diversidade étnica e cultural dos índios


dos colonizadores portugueses, estabeleceu brasileiros, respeitando a cultura, a língua, as



uma ação educacional fundamentada nos va- tradições e os processos próprios de aprendi-

lores do mundo ocidental e da doutrina cristã, zagem de cada etnia.


tendo os missionários jesuítas como os respon- Essa mudança de paradigma na relação en-

sáveis pela implementação da prática educaci- tre o Estado brasileiro e as sociedades indígenas

onal por meio da catequese. Essa ação educa- teve amplos reflexos no contexto da educação

cional tinha, entre outros propósitos, a submis- escolar, abrindo novas possibilidades de se pen-

são dos povos indígenas, revelando claramente sar uma nova escola indígena, longe das doutri-

o seu caráter etnocêntrico, integracionista e nas positivistas, civilizatórias e evangelizadoras



civilizatório. que até então se faziam presentes na educação


A Educação Escolar Indígena, sistematiza-


ofertada às populações indígenas.


da nos moldes tradicionais da catequese e da A Lei de Diretrizes e Bases da Educação



civilização, perpetuou-se do período colonial (LDB/1996) veio reforçar a legislação educaci-



ao republicano, contando também com a atu- onal disposta na Constituição Federal, acen-

ação de instituições governamentais de forte


tuando a diferenciação da escola indígena das


cunho positivista em seus ideais educacionais. demais escolas do sistema de ensino brasilei-

Em outras palavras, a ação educacional volta- ro, incentivando uma educação bilíngüe,

da para as sociedades indígenas brasileiras, do intercultural, com calendários adequados às


século XVI até meados do século XX, foi


par ticularidades locais e aos projetos


marcada por uma prática que desconsiderava societários de cada comunidade.



a diversidade étnica e cultural existente no ter- Mato Grosso tem apresentado conquistas

ritório brasileiro, em favor de uma política significativas no que diz respeito à Educação

pública de homogeneização social.


Escolar Indígena específica e diferenciada. Em


Somente a partir da segunda metade do sé- 1995, teve início a implementação de um am-

culo XX é que se vislumbra a possibilidade de plo programa de formação de professores in-



pensar a Educação Escolar Indígena distante dígenas, por meio do Projeto Tucum e do Pro-

das doutrinas religiosas e positivistas que ha-


jeto Urucum/Pedra Brilhante, que possibilitou


viam embasado a prática educacional até en- qualificar uma considerável parcela dos índi-

tão. A promulgação da Constituição Federal de os de Mato Grosso que atuam nas aldeias, mi-





* Texto-síntese do Projeto de Cursos de Licenciatura Específicos para a Formação de Professores Indígenas, Governo do Estado de Mato

Grosso, Cuiabá, 2000.



** Coordenador do Terceiro Grau Indígena – Unemat.



nistrando aula para mais de 5 mil crianças in- que atenderão a mais de 5,5 mil alunos oriun-



dígenas. dos das escolas das aldeias ou de outras, lo-



Não é tarefa fácil implementar um progra- calizadas em vilas e cidades circunvizinhas.



ma de Educação Escolar Indígena específico e A oferta de cursos superiores específicos


diferenciado, pautado pelos princípios da plu- para professores indígenas representa a possi-



ralidade cultural. Requer ousadia e determina- bilidade de atendimento adequado a essa cli-



ção por parte dos dirigentes do poder público entela, como também a continuidade do pro-


para que se consolide uma educação inter- cesso de formação dos atuais e dos novos pro-



cultural, bilíngüe e de qualidade, fundamen- fessores que comporão o corpo docente indí-



tada na percepção de outras lógicas, numa prá- gena em Mato Grosso.



tica pedagógica de valorização de calendários Apesar de tratar-se de uma antiga reivin-


e conteúdos curriculares de caráter indígena, dicação de povos indígenas, o acesso a uma



afastando-se, assim, da ação civilizatória e escola diferenciada e de qualidade foi abor-



integracionista presentes durante todos esses dado por políticos e educadores como uma


anos na prática da educação escolar brasileira ○
demanda de caráter individual, localizado e
voltada aos povos indígenas. transitório.

Apesar de tantas evidências quanto à ne- Com o advento da oferta de Ensino Médio

cessidade de formação docente, as iniciativas regular em escolas das missões ou em proje-



desenvolvidas no Brasil encontram-se ainda tos específicos (nos moldes do Tucum), a de-

em fase embrionária, quando não, trata-se de manda pelo Ensino Superior deixa de ser ex-

“cursos” desconexos e descontínuos. Urge, pectativa de alguns poucos, para tornar-se uma

portanto, implementar programas extensivos prioridade de dezenas, centenas de estudan-


a todas as sociedades indígenas que contem- tes, professores, agentes de saúde etc.

plem conteúdos curriculares, metodologias Os cursos de Licenciatura aqui propostos



de ensino, materiais didáticos etc., adequa- e os demais reivindicados poderão constituir



dos aos seus interesses. O Programa de For- um marco estratégico para que, a médio pra-

mação de Professores Indígenas de Mato zo, seja estruturado um espaço autônomo de



Grosso foi concebido e está sendo implemen- ensino e pesquisa voltado para os interesses e

tado a partir desse entendimento. Busca aten- necessidades das comunidades indígenas, a

der a todas as demandas educacionais, por exemplo de outras instituições de Ensino Su-

meio de projetos específicos e diferenciados, perior existentes em outros países.



elaborados, implementados e avaliados por



todos os segmentos envolvidos com a Educa-


O perfil do professor

ção Escolar Indígena.


O programa caracteriza-se, portanto, pela


a ser formado

oferta de cursos de formação em serviço, isto é,



os professores cursistas desenvolvem ativida- Nessa perspectiva, o professor idealizado



des docentes nas escolas das aldeias e os con- deve apresentar o seguinte perfil tipológico:

teúdos curriculares dos cursos são organizados ser um profissional competente, comprome-

de forma que acompanhem o progressivo de- tido, com postura ética, com reconhecimento

senvolvimento de seus alunos. social e com engajamento político.



Dando continuidade ao processo de for- De forma sintética, podemos dizer que o


mação, impõe-se agora a organização de cur- professor a ser formado nos cursos de Licen-

sos superiores voltados para as séries/ciclos ciatura deverá desenvolver capacidades e



finais do Ensino Fundamental e para o Ensi- competências que o habilitem a: a) elaborar


projetos de pesquisa e levantamento de infor-


no de Nível Médio, que se vêm implantando


em diversas escolas indígenas. Tal demanda mações sistematizadas em sua área de forma-

representará um contingente de aproximada- ção específica; b) elaborar e utilizar materiais



mente duzentos novos professores indígenas didáticos específicos para uso nas suas esco-

50
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena

las; c) definir, organizar e implementar pro- Setor de Educação da Administração Regional



postas curriculares adequadas aos níveis de da Funai de Cuiabá no ano de 1999, constatou



ensino e aos interesses das suas comunidades a existência de 53 estudantes indígenas cur-



(Grupioni, 1999). sando diferentes séries do Ensino Fundamen-


tal e Médio apenas na cidade de Cuiabá e



adjacências. Se considerados os que estudam


Justificativa do projeto


em outras cidades mato-grossenses (além de


Goiânia e Brasília), esse número chega a cen- 51


e dos cursos


tenas de alunos.



O Programa de Formação de Professores Portanto, o modelo de atendimento indi-



Indígenas de Mato Grosso está calcado numa vidualizado utilizado até aqui para acomodar


práxis pedagógica que respeita as formas tra- a demanda de Educação Escolar Indígena



dicionais de organização social e cosmológica deve ser imediatamente substituído por no-



dos povos ameríndios e os modos próprios vas estratégias que assegurem a oferta de en-


com que produzem e transmitem seus conhe-


sino regular nas próprias aldeias e garanta às


cimentos. Portanto, fundamenta-se na inter- sociedades indígenas o direito a uma educa-



culturalidade, trilha pelos caminhos da inter- ção específica, diferenciada e em todos os ní-

subjetividade e da percepção de outras lógi- veis. É preciso democratizar o acesso e garan-


cas, e instiga o educador a interpretar os con-


tir o percurso escolar a todos os interessados.


teúdos a as práticas a partir da sua própria con-



cepção de mundo (Bandeira, 1997).


Perfil dos cursos

Trata-se de cursos que vêm ao encontro


das expectativas dos povos indígenas, têm De forma sintética, podemos caracterizar

como ponto de partida e de chegada o que o perfil do professor indígena egresso dos cur-

pensam e o que esperam tais povos da edu- sos de Licenciatura como um educador capa-

cação escolar, e proporcionam o diálogo en- citado técnica, científica, étnica e culturalmen-

tre as culturas. te para desenvolver processos de reflexão, pes-



Longe de serem instrumentos de aliena- quisa, produção e reprodução cultural no âm-



ção “reprodutivista, etnocentrista ou integra- bito da escola, do povo indígena e da socieda-


de em geral.

cionista”, os cursos buscam reelaborar os pro-


cessos históricos e atuais dos contatos inter- Portanto, os cursos de formação deverão

culturais e fortalecer a consciência de índios- expressar esse perfil e garantir uma práxis fun-

cidadãos que mantêm as suas culturas, lín- dada nos seguintes pressupostos:

• afirmação da identidade étnica e da valo-


guas e projetos societários.


Como implementação de políticas públi- rização dos costumes, língua e tradições de



cas no campo da educação diferenciada, os cada povo;



cursos superiores para a formação de profes- • articulação entre conhecimentos e conteú-


dos culturais autóctones no cotidiano das


sores indígenas representam uma necessida-


de inadiável. aldeias, entendidas como laboratórios



Além do enorme contingente de alunos vivenciais entre cursistas, alunos e comu-


nidades indígenas;

matriculados nas escolas das aldeias, existe



uma crescente demanda hoje atendida em es- • busca de respostas para os problemas e ex-

colas regulares nas cidades. Nos últimos anos, pectativas das comunidades;

tal fluxo tem assumido dimensões alarmantes, • compreensão do processo histórico de-

quer pela restrição da oferta de educação es- senvolvido pelas comunidades indígenas

colar nas aldeias, quer pelo adiamento de uma


entre si e com a sociedade envolvente,


reflexão mais apurada sobre o papel da educa- bem como do processo de incorporação

ção escolar na perspectiva de cada sociedade. da instituição escolar no cotidiano indí-



Um levantamento preliminar, realizado pelo gena;



• estudo e utilização das línguas indígenas Objetivos dos cursos



no trabalho docente nas escolas das al-


Os cursos de Licenciatura têm por objetivo


deias;


geral a formação e a habilitação de professo-


• debate acerca dos projetos de vida e de fu-


res indígenas para o exercício docente no En-
turo de cada povo.


sino Fundamental e em disciplinas específicas



do Ensino Médio, conforme a área de termina-


Do ponto de vista organizacional, os cursos


lidade em que fizeram opção.


terão a seguinte configuração:


Os objetivos específicos dos cursos expres-


• são concebidos como mais uma etapa do
sam uma dinâmica de formação de qualidade


Programa de Formação de Professores In-


crescente, ancorada na permanente relação te-


dígenas que se desenvolve em Mato Grosso


oria-prática, manifesta em três níveis de com-


e serão implementados com a participação
petência:


das universidades públicas, do poder públi-


• compreensão do processo de educação es-

co estadual e federal, de organizações não-

colar, dos seus limites e possibilidades,
governamentais e de representantes indíge- ○

como uma nova prática social e cultural, que


nas;

se expressa em novas relações econômicas,


• visam à formação em nível de terceiro grau


políticas, administrativas, psicossociais, lin-


– Licenciatura Plena – de professores indí- güísticas e pedagógicas;



genas que atuam e/ou venham a atuar nas


• domínio de conhecimentos autóctones e


escolas de Ensino Fundamental e Médio;

das ciências que integram o currículo dos


• estão organizados de forma a contemplar


cursos de Licenciatura e de sua adequada


um ciclo básico de caráter geral e uma utilização na realidade sociocultural espe-



terminalidade específica. O ciclo básico terá cífica em que atua como professor;

a duração de quatro anos e objetiva a for-


• capacidade de organização e dinamização


mação geral do professor indígena no Ensi-


do currículo escolar e de implementação de


no Fundamental; a terminalidade específi-


estratégias didático-pedagógicas consonan-


ca, por sua vez, terá a duração de um ano e

tes com as demais práticas culturais utili-


visa à conclusão do curso mediante o apro-


zadas por uma sociedade ou por uma de-


fundamento de estudos em uma das áreas

terminada comunidade.

das ciências que compõem aquele nível de



ensino. Esses objetivos serão traduzidos no currícu-


lo dos cursos como núcleos de estudos ou ei-



xos temáticos e desenvolvidos nas disciplinas


Os cursos terão uma carga horária total de


que os compõem. Tal prática fará com que o li-


3.570 horas, assim distribuídas:


• estudos presenciais (10 etapas intensivas): cenciando indígena articule a formação teóri-

ca de cada núcleo de estudo com outros conhe-


1.900 horas;

cimentos, valores e habilidades disponíveis em


• estudos cooperados de ensino e pesquisa:


sua realidade sociocultural.


1.250 horas;

• estágios supervisionados: 420 horas.



Princípios curriculares

Uma vez concluídos, os cursos conferirão ao


O currículo dos cursos, entendido aqui


cursista o título de Licenciado numa das três


como o projeto que preside as atividades


áreas de terminalidade, a saber:

educativas, explicita suas intenções e propor-


• Licenciatura Plena em Ciências Matemáti-


ciona orientações para o desenvolvimento do


cas e da Natureza;

processo de ensino-aprendizagem (Seduc,


• Licenciatura Plena em Ciências Sociais;


1995), expressa-se pelo conjunto de conheci-

• Licenciatura Plena em Línguas, Artes e Li- mentos, habilidades, atitudes e valores que se-

teraturas. rão selecionados, organizados, debatidos e


52
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena

apreendidos pelos participantes dessa comuni- Assim concebidos, os cursos serão estrutu-



dade educativa especial (cursistas licenciandos, rados em duas etapas: uma de formação geral,



docentes, assessores, coordenadores). com duração de quatro anos, e uma de forma-



Por tratar-se de uma construção social e ção específica, com duração de um ano.


culturalmente situada, e por envolver sujeitos A etapa de formação geral compõe-se de



históricos com diferentes pedagogias e formas dois núcleos curriculares que se articulam com



de organização, a práxis curricular deverá reve- o objetivo de proporcionar aos cursistas a com-


lar o seu compromisso com esses sujeitos e com preensão dos elementos construtivos da Edu- 53



as suas histórias, sociedades e culturas (SMED, cação Escolar Indígena e os conhecimentos ne-



1996). Portanto, os cursos de Licenciatura, cessários para a prática docente no Ensino Fun-



como ademais todo o processo educacional es- damental.


colar, não são entendidos como um espaço ho- • O primeiro terá como objeto a reflexão acer-



mogêneo de mera reprodução ou de plena li- ca dos processos pedagógicos que com-



berdade e criação humana. Como parte de um põem a práxis escolar e os projetos socie-


tários que a orientam.


processo aberto e flexível, traz em seu interior


tensões e conflitos de ordem étnica, política, • O segundo enfocará o tratamento dos con-


lingüística, entre outras, que expressam a dinâ- teúdos das diversas áreas do conhecimento

mica da interculturalidade (Monte, 1996). que integram o currículo escolar indígena


do Ensino Fundamental.

Estruturas curriculares

Nessa etapa, portanto, serão aprofundados


os conceitos e os conteúdos necessários para


dos cursos

a formação desse novo agente de produção e



A estruturação de um currículo diferencia- reprodução cultural denominado “professor


do para os cursos de Licenciatura é fundamen- indígena”.



tal no processo de construção e reconstrução A etapa de formação específica será desen-



das escolas indígenas. Deve ser estabelecida a volvida no último ano do curso e terá como

partir do “repertório nacional” (EBI/Equador, enfoque principal o desenvolvimento de uma


1997) e dos “processos pedagógicos próprios” pesquisa teórica e/ou de campo numa das

(Diretrizes/MEC, 1993) dos cursistas e das suas áreas das ciências que compõem o currículo

comunidades educativas, abrindo-se progres- do Ensino Fundamental. Para tanto, os cur-



sivamente para o aprofundamento de outros sistas farão a opção por uma das três termi-

conhecimentos de caráter geral e de caráter es- nalidades: Ciências Matemáticas e da Natu-



pecífico, assim como de habilidades e atitudes reza; Ciências Sociais; ou Línguas, Artes e Li-

próprias do exercício docente. teratura, e nela desenvolverão o estudo



A incorporação nos cursos dos “conheci- monográfico que será apresentado como tra-

mentos étnicos” e das “pedagogias próprias” balho de conclusão de curso.



garantirá a vivência da interculturalidade e A exemplo do que ocorre nos demais proje-



permitirá reordenar e reinterpretar as meto- tos de formação de professores em Mato Gros-



dologias e os conhecimentos de cada curso à so, os cursos de Licenciatura seguirão um ca-


luz do contexto em que este se situa (RCNEI/ lendário específico, composto por duas moda-

MEC, 1998). lidades letivas. A primeira, de caráter presencial



Portanto, as opções curriculares devem ex- e trabalho intensivo, ocorrerá semestralmente,



pressar um “acordo intercultural” que define quais coincidindo com o período de férias e recessos

serão os conhecimentos de caráter geral e espe- escolares dos cursistas. A segunda, de ativida-

cífico de cada núcleo de estudo e as estratégias des cooperadas, nos períodos intermediários

mais adequadas para obter os melhores resulta- entre uma etapa intensiva e outra, possibilitan-

dos na aprendizagem. Tal acordo será construído do aos cursistas conciliar suas atividades docen-

e reconstruído em cada uma das etapas de pla- tes nas escolas com as atividades do curso de

nejamento, execução e avaliação curriculares. formação (preparo de seminários, leituras, pes-



quisas solicitadas etc.). Desse modo, a práxis A décima etapa intensiva será dedicada pri-



docente e o processo de formação ocorrerão si- oritariamente à redação final da monografia, à



multaneamente, num contínuo exercício de sua apresentação e apreciação e à avaliação fi-



comunicação dialógica. nal do programa, dos cursos e dos cursistas.



Os estágios


Temáticas centrais



do primeiro ciclo supervisionados




O primeiro ciclo de estudos constará de oito Os estágios supervisionados compõem o



etapas letivas de caráter intensivo e de oito eta- currículo dos cursos e serão desenvolvidos


pas de estudos cooperados, pesquisa e ativida-


nas unidades escolares em que os cursistas


des docentes dos cursistas, desenvolvidas en- atuam como professores. Integram as ativida-



tre uma etapa intensiva e outra. des das etapas de estudos cooperados e con-



Cada semestre letivo é composto por uma tam com o acompanhamento regular das

das etapas letivas intensivas e uma de estudos ○

equipes de supervisão dos cursos. Tais equi-
cooperados, e terá uma temática central sobre pes atuarão regionalmente, conferindo unida-

a qual serão desenvolvidos os conteúdos cur- de e sistematização aos trabalhos teórico-prá-



riculares das três áreas de estudo. ticos desenvolvidos nas escolas, de tal forma

que a atividade docente dos cursistas e o seu



Temáticas centrais estágio super visionado expressem-se em



práxis pedagógica.
do segundo ciclo

Buscando maior integração entre as ativi-


O currículo do segundo ciclo de estudos es- dades vinculadas aos cursos de Licenciatura e

tará centrado na definição, desenvolvimento e as demais atividades de ensino, pesquisa e ex-



apresentação de um trabalho monográfico de tensão das universidades, as equipes de acom-


final de curso.

panhamento de estágio serão apoiadas por do-


Para tanto, no final da oitava etapa letiva centes e pesquisadores que, em seus proces-

intensiva, os cursistas, acompanhados pelos sos de qualificação, optarem por desenvolver



docentes daquela etapa, definirão a área de estudos relacionados com a temática indíge-

terminalidade (Ciências Matemáticas e da Na-


nas.

tureza; Ciências Sociais; ou Línguas, Artes e Li- Nessa perspectiva, beneficiam-se os profes-

teraturas) a partir da qual cada um desenvolve- sores indígenas e as suas comunidades, uma vez

rá a sua pesquisa e o seu trabalho final. No iní- que em seus estágios supervisionados poderão

cio do nono semestre letivo, os cursistas, agora


contar com o acompanhamento regular e sis-


agrupados por áreas de concentração, terão o temático de docentes das universidades em



acompanhamento dos docentes que os orien- processo de qualificação; beneficiam-se tam-



tarão ao longo do desenvolvimento de todo o bém as instituições, seus mestrandos e douto-


trabalho monográfico. randos, por disponibilizarem excelentes cam-



Cada uma das áreas de terminalidade deci- pos de pesquisa e extensão universitária, asso-

dirá sobre a sua estratégia de trabalho, definirá ciando as suas atividades de campo com um

seus temas e problemas de estudo, os objetivos amplo e inédito programa de formação de pro-

a serem alcançados, a metodologia de trabalho fessores indígenas em serviço.



e todos os demais itens que compõem a produ- Para efeitos da integralização dos cursos, o

ção de uma monografia. desempenho de cada cursista e os produtos exi-



Ao término da nona etapa letiva intensiva, gidos ao final do estágio supervisionado serão

o cursista deverá estar em condições de retornar avaliados com base no processo adiante descri-

à sua comunidade e desenvolver as atividades to. De forma sintética podemos apresentar o



programadas, incluídas, aí, uma versão prelimi- programa curricular dos cursos conforme qua-

nar do trabalho de conclusão de curso. dro a seguir.


54
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena

Tabela 4





Quadro-síntese do programa curricular e respectivas cargas horárias




Estudos Estudos Estágio


presenciais cooperados supervisionado Total (horas)


Semestre Temática


(horas) (horas) (horas)



1o Gênese 190 125 – 315 55



o
2 Tempo 190 125 60 375



o
3 Espaço 190 125 60 375



o
4 Cotidiano 190 125 60 375



o
5 Sociedade 190 125 60 375



o
6 Água 190 125 60 375



7o Território 190 125 60 375



o
8 Autonomia 190 125 60 375


o
9

Monografia 190 125 – 315

o
10 Monografia 190 315

125 –

TOTAL 1.900 3.570


1.250 420




Processo de avaliação Formação dos docentes



que atuarão nos cursos


A avaliação do Programa de Formação de



Professores Indígenas de Mato Grosso e dos seus


Um projeto com a amplitude e as caracte-


respectivos projetos e cursos é vista como uma


ação fundamental da atual política de educação rísticas aqui apresentadas, além de recursos fi-

escolar. Trata-se da oportunidade de tomar de- nanceiros e esforços coletivos para a sua for-

cisões sobre o encaminhamento dos trabalhos, mulação, demanda uma ampla rede de profis-

sionais especializados para a sua implementa-


tendo em vista a construção do projeto político


e pedagógico de cada comunidade indígena. ção. Em virtude da especificidade dos cursos, é



No que diz respeito aos cursos de Licencia- preciso também que esses profissionais este-

tura, tal estratégia não é diferente. A avaliação jam dispostos a compartilhar suas experiênci-

as, reorientar suas práticas, enfim, adequar o


permanente e continuada é condição funda-


mental para a tomada de decisões ao longo do seu fazer pedagógico para atender a uma “cli-

processo de desenvolvimento curricular e cons- entela” especial, qual seja, 200 professores in-

dígenas de 20 diferentes etnias.


titui parte integrante dessa atividade.


A formação dos profissionais que atuam


A avaliação não deverá ser entendida como


um objeto de tensões e de inseguranças, mas como docentes nos cursos de Licenciatura



como um processo contínuo, em que todos os ocorre sempre antes do início de cada período

de atividades presenciais e intensivas e é de-


envolvidos, em todas as atividades, são avalia-


nominada “etapa de formação e planejamen-


dos (não apenas os cursistas e o resultado de


seus trabalhos, mas também os docentes dos to”. Dela participam, além da equipe coorde-

cursos, as etapas dos cursos, o projeto de for- nadora dos cursos, todos os docentes e asses-

sores que atuarão naquele semestre letivo. Têm


mação etc.). A avaliação constituir-se-á opor-


tunidade de observar e avaliar os avanços e os duração média de uma semana (40 horas) e vi-

empecilhos no decorrer do curso, possibilitan- sam a debater e a planejar os conteúdos (pre-



do, assim, definir as ações mais adequadas para viamente definidos) e as estratégias a serem

adotadas naquele período letivo.


alcançar os objetivos propostos.



A coordenação do projeto acompanhará res sociais com habilidades de redefinir as rela-



permanentemente as atividades programadas ções sociais de poder existentes, que estarão



para as etapas intensivas, os estágios supervi- tornando a universidade indígena uma realida-



sionados e os estudos cooperados, garantindo, de. O que se está garantindo hoje é a base para


assim, o cumprimento das diretrizes gerais do esse percurso, ao se criarem os instrumentos



projeto. Portanto, a etapa de formação e plane- teóricos e analíticos que permitam a compre-



jamento é parte fundamental do projeto de for- ensão dos conhecimentos do mundo ocidental,


mação, quer por responder às demandas ine- sem violentar a cosmovisão e os valores



rentes a cada período letivo, quer por formar e etnoculturais das diferentes etnias.



disponibilizar em nossas instituições um qua- A criação, num futuro próximo, de um cen-



dro de docentes e assessores especializados em tro de excelência indígena é fundamental, na


Educação Escolar Indígena. medida em que será um espaço de luta e de es-



tabelecimento de relações recíprocas de valo-



res, onde as culturas estarão se fortalecendo
Considerações finais ○


mutuamente e, principalmente, os povos indí-
A criação de cursos superiores específicos e genas estarão traçando, eles próprios, os seus

diferenciados para a formação de professores projetos societários de vida.



indígenas significa a oportunidade de empre-


ender um diálogo da interculturalidade. Repre-



senta a construção de novos marcos conceituais


Bibliografia

mediante a compreensão da alteridade. Será um



novo espaço onde frutificará a investigação ci-


BANDEIRA, Maria de Lourdes. Educação e diversidade


entífica e a preparação técnica.

cultural: interculturalidade como episteme. Cadernos de


A presença de 200 professores indígenas de


Educação. Cuiabá: UNIC, 1997.


35 etnias na universidade significa o reconheci- GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Projeto de



mento público da existência de outras identida- Cursos de Licenciatura Específicos para a Formação

des e de outras formas de saber que não apenas


de Professores Indígenas. Cuiabá, Mato Grosso, 2000.


a do “homem branco”. Significa a oportunidade MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fun-



de empreender o fortalecimento e a valorização damental. Diretrizes para a Política Nacional de Educa-


ção Escolar Indígena. Brasília, 1993.


da auto-estima dos povos indígenas do Brasil,

. Referencial Curricular Nacional para as Es-


fustigado pelo processo colonizador empreen-

colas Indígenas. Brasília, 1998.


dido nos últimos séculos aos ameríndios.


MONTE, Nietta L. Escolas da floresta: entre o passado oral


Será na perspectiva da problematização e da e o presente letrado. Rio de Janeiro: Multiletras, 1996.


investigação, com uma postura dialógica de en-


SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE MATO GROSSO


tendimento e compreensão dos modos de (SEDUC). Projeto Tucum : Programa de Formação de



inteligibilidade dos professores índios, que es- Professores Indígenas. Cuiabá, 1995.

SMED. Ciclo de formação: proposta político-pedagógica da


taremos estabelecendo um novo paradigma na


escola cidadã. Cadernos Pedagógicos , n. 9. Porto Ale-


forma de pensar a diferença, particularmente

gre: Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 1996.


no campo da educação escolar.


UNIVERSIDAD DE CUENCA. Projeto EBI – Educação Bi-


Serão os próprios professores indígenas for- língüe e intercultural . Quito/Equador: EBI/GTZ/DINEIB/



mados pelos cursos de Licenciatura novos ato- ENICEF/UNESCO, 1997.
















56
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena

A formação universitária




para os povos indígenas na UFMG






Maria Inês de Almeida*





57



A partir da necessidade de uma formação tos Língua Indígena e Terra, as diferentes formas



universitária, explicitada pelos professores indí- de organização escolar (em que tempos e espa-



genas formados em Magistério pelo Programa de ços correspondem à lógica da aldeia e não à da


Implantação de Escolas Indígenas de Minas Ge- cidade), o material didático (livros, cartilhas, jo-



rais, propomos à Universidade Federal de Minas gos, vídeos, discos, CD-ROMs, feitos pelos pró-



Gerais (UFMG) a elaboração conjunta de um prios professores) e outros instrumentos peda-


projeto para criação de um curso experimental,


gógicos (constantes reuniões com as respectivas


específico e diferenciado, cujo eixo temático será comunidades, professores de língua e cultura



a Educação Intercultural e Bilíngüe. indígenas contratados para atuar na escola, de-

O objetivo da proposta é viabilizar, por meio vido a sua representação política/espiritual, e a


do apoio dos órgãos competentes da UFMG, a


sua sabedoria lingüística ou medicinal), tudo isso


elaboração de um projeto de criação de um cur- exemplifica uma prática que, na realidade, apon-

so de graduação específico e diferenciado, com ta um caminho para uma forma mais eficiente

ensino presencial e a distância, para habilitação de conjugar tradições até agora conflitantes no

do educador intercultural indígena.


cenário escolar brasileiro.


Em dezembro de 1999, a Secretaria de Esta- As ciências e as artes, campos que se deline-



do da Educação de Minas Gerais concedeu o di- aram na chamada civilização ocidental por meio

ploma de Magistério (considerado Nível Médio da escrita alfabética, e os saberes que, no seio

de Ensino) a 66 professores Xacriabá, Maxakali, mesmo dessa civilização, continuam a se desen-



Pataxó e Krenak, que, desde 1997, nas suas al- volver e a se transmitir oralmente, podem se co-

deias, já atuam em classes de 1ª a 4ª séries do locar em diálogo, desde que se criem instâncias

Ensino Fundamental. adequadas e produtivas.


Esses professores foram formados por um Ao longo dos cinco anos de duração do cur-

programa da Secretaria de Educação, em convê- so de Magistério indígena, uma metodologia ra-



nio com a UFMG, o IEF, a Funai, e com o apoio do dicalmente baseada na pesquisa e na experiên-

MEC, que teve por princípio básico a construção cia, a cada momento era repensada e reestru-

teórica e conceitual conjunta entre formadores, turada a partir de informações da prática auto-

formandos e respectivas comunidades, a partir da ral dos professores. Suas técnicas de ensino, suas

experimentação e da pesquisa, sempre com um conversas com as lideranças e com os velhos da



sentido de processo em direção à criação coleti- aldeia, suas práticas escriturais, seus contatos

va da chamada Educação Escolar Indígena. interculturais (com os formadores, na maioria



Um dos aspectos mais significativos dessa docentes da UFMG; com técnicos de órgãos pú-

construção simbólica coletiva tem sido a auto- blicos; com os colegas de outras etnias; com edi-

ria indígena: o esforço para se imprimirem as


tores e jornalistas etc.) são algumas das práticas


marcas das diferentes tradições étnicas nos pro- novas que a criação da escola indígena transfor-

dutos dessa escola. Os programas curriculares, mou em laboratório do conhecimento sobre a



os projetos pedagógicos centrados nos elemen- interculturalidade e o plurilingüismo.







* Professora de Literatura Brasileira na UFMG. Coordenadora de formação dos professores Krenak e da área de Múltiplas Linguagens no

Programa de Implantação das Escolas Indígenas de MG, da SEEMG.



São, portanto, esses 66 professores indígenas nos diversos níveis de poder público municipal,



que reivindicam agora o direito de continuar essa estadual e federal.



experiência em direção à criação de um novo Em março de 2001, houve um encontro de



campo de estudos, qual seja a educação representantes dos professores indígenas com


intercultural bilíngüe, tão necessário, na nossa representantes da Secretaria de Educação e da



opinião, para a consolidação de um paradigma UFMG, e, por um dia inteiro, pensamos juntos



mais inclusivo para o desenvolvimento de uma sobre como iniciar o debate em torno desse pro-


forma brasileira de produzir pensamentos váli- jeto. Consideramos de fundamental importân-



dos, diante, por exemplo, da comunidade cien- cia a construção processual dessa proposta, para



tífica internacional. É um sonho que, para ser não corrermos o risco de perder a oportunidade



realizado, necessariamente, deverá ser incorpo- de criar algo novo: uma educação que seja fruto


rado pela universidade. Isso explica o enorme das parcerias estabelecidas com os sujeitos in-



interesse dos índios em se introduzirem nesse teressados e os professores da UFMG. Devemos



espaço privilegiado da pesquisa científica. considerar a enorme dívida social que o Estado


Pretendemos que essa elaboração se dê como ○
brasileiro tem com essas populações e a deman-
um processo que, ao mesmo tempo, defina o for- da e busca de uma saída com verdadeira auto-

mato do curso, atividades, cronogramas e parce- nomia por parte das nações indígenas, como

rias e seja em si mesmo parte da formação dos bem expressam as palavras de Marcos Krenak:

professores. Isso se efetivará com a ajuda e a par-


ceria do Programa de Implantação das Escolas In-


A comunidade não quer ver o branco, um en-


dígenas da Secretaria de Estado da Educação de


fermeiro sem conhecer a nossa realidade. A gen-


Minas Gerais, aproveitando parte de sua progra-


te quer que os próprios índios assumam o contro-


mação e de recursos já previstos para a educação

le, não só da saúde, mas da agricultura, para fa-


continuada dos professores formados.


zer projetos com a Emater. Eu sou professor, mas


As aldeias ficam distantes de Belo Horizonte


existem outras funções que eu deveria exercer, ou


e os índios são os professores das escolas, por- um outro. Mas é preciso ter algum curso superior.

tanto, não podem se ausentar de suas ativida-


Meu irmão sempre fala, um dia eu quero ser ad-


des. A experiência piloto é a própria elaboração


vogado, ele quer fazer um curso, e quem sabe ele


do projeto, em que os índios serão seus princi- vai ser mesmo um advogado e defender os direi-

pais agentes. Prioritariamente, será necessária a tos nossos? Existem outras pessoas com diferen-

aquisição de equipamentos de gravação de vídeo tes vontades também. Quantas vezes eu já che-

e áudio para que eles procedam ao diagnóstico guei perto de um parente lá e fiquei ouvindo ele

em cada uma das aldeias, visando a definir os falar: nós precisamos de um que lute por nós, que

corra atrás dos problemas que temos. A gente pre-


temas a serem abordados durante a formação


universitária. O diagnóstico será uma atividade cisa do branco também, mas tem que ter alguém

que tenha conhecimento lá fora. Como é que eu


de educação continuada, parte fundamental da

vou chegar num ministro da Cultura? Eu não te-


formação dos professores, tanto no que diz res-


nho força, então, através de outros colegas bran-


peito ao domínio metodológico da pesquisa,


cos, é que eu vou chegar lá.


como dos instrumentos técnicos de registro. Há

Nós fizemos um projeto com o Ministério da


uma grande necessidade e, portanto, uma ênfa-


Agricultura que não foi adiante. Eles compraram


se, na produção coletiva e original de material uns tratores que, quando quebra uma peça, tem

didático para as escolas indígenas, o que justifi- que buscar a tal peça lá num sei onde. Isso é por-

ca o investimento nessa área.


que não tem entre nós alguém que entenda, que


Uma questão política fundamental é a insta- vai lá, mexe, conserta.



lação de telefones em todas as áreas, já que esse O branco chega lá e diz, vocês têm aqui um

será o instrumento principal dos módulos de projeto de tantos mil reais, o que vocês vão fazer

ensino a distância, viabilizando o contato dos com o projeto? Nós vamos fazer plantio, eles vão

professores com a equipe da UFMG, no mínimo lá para comprar adubo, não sei mais o quê, coisa

semanalmente. Essa articulação deverá se dar que nem sequer precisa. Nós mesmos temos de

58
SIMPÓSIO 4
Experiência do Ensino Superior Indígena

80, vem reativando e potencializando as propos-


conhecer, de tomar conta, de fazer da nossa ma-


neira. Um técnico agrícola, um índio mesmo, pode tas de vanguarda é precisamente a tecnologia.



ser um agrônomo, isto é que é importante para nós. [...] O que ocorre é a viabilização, num grau sem


precedentes, das linguagens e procedimentos da



modernidade – a montagem, a colagem, a
Ensino bilíngüe



interpenetração do verbal e do não-verbal, a


A língua apresenta a oportunidade de um jogo sonorização de textos e imagens – em suma, a



na vida social. Sua representação, como mais um multiplicação do processo artístico. [...] Outro 59


fator relevante é a maior autonomia que a


bem simbólico, entre outros possíveis, não quer


exatamente comunicar. Serviria antes para acres- informatização pode proporcionar aos artistas.



À medida que estes possam ter a sua própria
centar mais uma regra no jogo da comunicação.


miniestação computadorizada, ou em que se as-


Mesmo a ressonância de um dado, uma cifra,


sociem a ilhas de produção e edição de outros


como “180 línguas faladas, no Brasil, além do Por-


artistas independentes para a realização de suas
tuguês”, veiculada pela mídia, modifica o contex-


experiências, terão muito melhores condições


to literário e cultural do país. Cria no leitor da in-


para resistir à convencionalização dos meios de


formação a expectativa de que novas formas apa- informação, cujos implementos técnicos até



recerão. Daí a possibilidade da presença de ou- aqui lhes foram negados. E para insistir na des-

tras vozes, outros corpos, outros textos. Esse foi ○

coberta de novas formas de o homem conhecer


um dos sentidos que norteou o Programa de Im- e se conhecer, livres quer dos constrangimen-

plantação das Escolas Indígenas de Minas Gerais, tos da linguagem convencional quer das máqui-

ao investir na produção de livros em Krenak,


nas de produção massificada pela ideologia do


Pataxó ou Maxakali, por exemplo, dirigidos não lucro imediato.



só às escolas indígenas em criação, mas também



ao público brasileiro. Esses textos, ícones, prefi- Segundo esse autor, os textos produzidos a

guram a presença corporal de um novo inter- partir das novas formas escriturais escapam ou

locutor, que, no entanto, sempre esteve ali. Uma destoam de uma tradição milenar, do desenho

nova reaproximação é tentada. E somente o de- histórico que vem dos embriões mesopo-

senvolvimento dos diferentes estilos garantiria a tâmicos da escrita ou dos primeiros alfabetos

relação intercultural, em vez do englobamento ou consonantais e vogais da Fenícia e da Grécia.



da sobreposição de uma forma por outra. Uma outra tradição, além da escrita alfabética,

O que, para nós, garante a relação intercultural, se coloca no espaço não-linear das novas

porque se encontra na sua base, é o diálogo entre mídias, estimulando o espírito em outras dire-

as diferentes vozes. Um projeto de curso cuja ções, rumo ao espaço aberto de uma outra ló-

metodologia de ensino se baseie na produção tex- gica, a do a-racionalismo.



tual e audiovisual, na autoria coletiva, no domínio Por que essa discussão nos interessa, quan-

das técnicas escriturais, eletrônicas e digitais nas do trabalhamos com a formação dos professo-

suas diversas bases e instrumentos, não se justifi- res indígenas?



ca apenas pela necessidade de se viabilizar o aces- O que estamos propondo, de certa maneira,

so dos povos indígenas à universidade, mas, an- se integra a um esforço das próprias vanguardas

tes, pela oportunidade de produzirmos, conjunta- artísticas, de transformar em vantagem as supos-


mente, novos conhecimentos e metodologias. tas limitações de uma cultura que só tardiamente

Augusto de Campos, poeta e tradutor, na ingressou no mundo da escrita. Acreditamos que



conferência Morte e vida da vanguarda: a ques- as comunidades indígenas – pelas dificuldades


de integração à sociedade brasileira, as quais lhes


tão do novo (1998: 161), dá uma pista que nos


ajuda a fundamentar o ponto de vista de nossa são impostas por todas as instituições que as

proposta de ensino a distância: cercam, inclusive escola e Estado (sistematica-



mente escriturais), e pela impressionante resis-


tência com que souberam conservar formas


Para mim, o fato novo para a produção artística


que, emergindo mais claramente na década de (míticas, artísticas), linguagens, princípios mo-


rais e religiosos – possuem hoje um enorme ar-


Nem ciência, nem arte, talvez uma rede de


senal de conhecimentos tradicionais pratica-


trocas simbólicas, em que, de posse dos meios


mente intocados pelas relações interculturais, de comunicação, os diferentes povos, com suas



ainda que façam parte do enorme caldeirão em diferentes linguagens, poderão expressar seus


que se faz a mestiçagem no Brasil.


desejos.







A pesquisa na formação do professor




como parte da educação continuada



preparatória para o curso superior




Marilda C. Cavalcanti ○

Unicamp/SP



Resumo



Focalizando a educação continuada, pós-magis- possibilidade de estabelecer convergências/diver-



tério indígena, no contexto acreano, em curso desen- gências entre as etnias focalizadas.

volvido e organizado pela Comissão Pró-Índio do Na apresentação da metapesquisa, ou seja, da


Acre, este trabalho objetiva uma reflexão sobre a par- pesquisa etnográfica em desenvolvimento pelos

ticipação de treze professores de seis etnias professores indígenas, aponto a importância da



(Asheninka, Katukina, Kaxinawá, Manchineri, pesquisa do professor em sua formação, que, ge-

Shawãdawa e Yawanawá) no desenvolvimento de um ralmente, ocorre em serviço durante o curso de



projeto coletivo de pesquisa sobre a sala de aula e Magistério. Se há aí um início de trabalho, relevan-

suas extensões. Esse projeto é parte da disciplina de te seria haver uma continuação no curso superior

Iniciação à Pesquisa. Neste trabalho, examina-se o indígena. Em resumo, propõe-se que a educação

projeto coletivo por meio de uma metapesquisa, vi- do professor indígena vá além da educação do pro-

sando à derivação de implicações para o Ensino Su- fessor não-índio (que, geralmente, não contempla

perior indígena no cenário brasileiro. espaço para pesquisa). Por outro lado, há pelo me-

A pesquisa, foco da metapesquisa, é uma nos duas questões para discussão: a) o perigo de se

etnografia escolar nas comunidades das diferen- “naturalizar” o fazer pesquisa pelo professor indí-

tes etnias envolvidas e será examinada a partir dos gena e a conseqüente obrigatoriedade da pesquisa

olhares dos professores indígenas. São também na formação do professor; e b) a “naturalização” do


parte do desenho da pesquisa os olhares das co- Ensino Superior e o conseqüente peso colocado no

munidades, dos alunos de escolas indígenas, de professor indígena para que faça um curso de gra-

assessores não-índios em visita às aldeias e de téc- duação Em outras palavras, o que é importante, do

nicos da Secretaria da Educação. Como a pesquisa ponto de vista da sociedade dominante, pode não

ainda está em andamento, não será possível foca- o ser, do ponto de vista dos professores indígenas.

lizar todos esses pontos de vista. Na obrigatoriedade decorrente da naturaliza-



É importante apontar que os comentários que ção de se fazer um curso superior, surgem duas per-

faço são relativos somente ao contexto de pesqui- guntas: 1) Essa “obrigatoriedade” não corre o risco

sa focalizado, preparatório para o Ensino Superi- de apagar o pressuposto de que os professores in-

or. A situação pode ser muito diferente com ou- dígenas passaram pela Educação Indígena, educa-

tros povos indígenas em outros lugares do país. ção essa que prescinde da escola? 2) Qual é a rela-

Como acontece em trabalhos etnográficos, não se ção dessa “obrigatoriedade” com o mito do

buscam generalizações. Busca-se, no máximo, uma letramento ocidental?




SIMPÓSIO 5

AS ORGANIZAÇÕES
DE PROFESSORES NO BRASIL:
RELAÇÕES COM AS POLÍTICAS
PÚBLICAS E AS ESCOLAS INDÍGENAS
Jaime Costódio Manoel

Cristóvão Teixeira Abrantes

61
A luta dos professores Ticuna






Jaime Costódio Manoel*






Resumo


região onde se concentra a maior parte da po-


pulação Ticuna que vive em território brasileiro.



A Organização Geral dos Professores Ticuna Bi- A OGPTB tem por objetivos principais de-



língües (OGPTB) foi criada em 1986, com o objetivo senvolver projetos e programas destinados à


de congregar os professores ticunas, lutar pela implan-


formação dos professores Ticuna, à preparação


tação de uma educação diferenciada nas escolas e pro- de materiais didáticos específicos, organizar



mover ações que garantam o cumprimento dos direi- propostas curriculares, além de outras ações


tos constitucionais assegurados aos povos indígenas.

que possibilitem maior autonomia pedagógica

Por meio dos cursos promovidos pela OGPTB, 225 pro- ○

e administrativa das escolas. A OGPTB vem lu-
fessores concluíram o Ensino Fundamental, dos quais
tando pela valorização da língua materna, da

170 terminaram o Ensino Médio com habilitação para


arte e dos conhecimentos tradicionais; por uma


o Magistério em julho de 2001.


escola que participe da vida da comunidade, da


Apesar dos esforços do Ministério da Educação

defesa da terra e da saúde do povo Ticuna; pelo


no sentido de implantar uma nova política de Edu-


cumprimento dos direitos constitucionais as-


cação Escolar Indígena, os princípios de uma edu-


cação diferenciada ainda não fazem parte das polí- segurados aos povos indígenas.

ticas públicas locais. Com isso, os professores ticunas Por meio dos cursos promovidos pela

OGPTB, 225 professores já concluíram o Ensi-


ainda enfrentam uma série de dificuldades para con-


duzir suas escolas com maior autonomia pedagógi- no Fundamental, dos quais 170 concluíram o

ca e administrativa, mesmo que a OGPTB tenha to- Ensino Médio (2º Grau – Magistério) em julho

mado várias providências no sentido de buscar mai- de 2001. Em julho de 2002, mais 35 professores

or articulação com as prefeituras municipais, às concluirão o Ensino Médio.



quais estão vinculadas as escolas indígenas. O Curso de Formação de Professores Ticuna



foi criado por iniciativa dos professores mem-



Em 1983, um grupo de professores Ticuna bros da OGPTB, em face da inexistência, na re-


reúne-se na aldeia de Santa Inês para discutir gião, de cursos que oferecessem uma formação

os problemas de suas escolas e de sua forma- em serviço.



ção. Mais adiante, em 1986, um grupo maior de Forçados pelo descaso e pelo abandono dos

professores reúne-se novamente, dessa vez para órgãos governamentais, que atuam direta ou indi-

fundar a Organização Geral dos Professores retamente na região, e conscientes da necessida-



Ticuna Bilíngües (OGPTB). Em 1993, a OGPTB de de aperfeiçoar seus conhecimentos e sua práti-

constrói na aldeia de Filadélfia, no município ca pedagógica, os professores reuniram-se em 1993



de Benjamin Constant, o Centro de Formação para iniciar um projeto específico que os levasse à

de Professores Ticuna-Torü Nguepata e, em conclusão do então 2º Grau, com habilitação para



1994, cria seu próprio estatuto. o exercício do Magistério. Nesse tempo, 97% dos

Hoje em dia, a OGPTB congrega cerca de 260 professores não possuíam o 1º Grau completo, sen-

professores ticunas, que trabalham com 7.997 do que 30% do total exercia o Magistério há mais

alunos de 1ª a 4ª séries, em 103 escolas distribu- de dez anos e 32% encontrava-se na faixa de cinco

ídas nos municípios de Benjamin Constant, a nove anos de serviço. Os professores estavam

Tabatinga, São Paulo de Olivença, Amaturá e convencidos de que, para transformar a escola

Ticuna, seria preciso investir na sua formação, de


Santo Antônio do Içá, no estado do Amazonas,






* Representante da OGPTB na Secretaria de Educação do Município de São Paulo de Olivença/AM; membro da equipe de supervisão escolar.

62
SIMPÓSIO 5
As organizações de professores no Brasil: relações com as políticas públicas e as escolas indígenas

modo que eles próprios fossem os principais agen- na. Seus esforços se deram também no sentido



tes dessa mudança. de buscar sempre uma articulação com as pre-



Mas para levar adiante esse projeto, os feituras e suas Secretarias de Educação, assim



professores enfrentaram uma série de dificul- como com a Secretaria Estadual de Educação,


dades. A proposta do curso sofreu diversas promovendo reuniões, encontros regionais e



modificações para se adequar ao modelo tra- outras ações.



dicional exigido pelo Conselho Estadual de Fica evidente, portanto, que a transforma-


Educação. O curso teve de ser dividido em ção dessa escola e a autonomia dos professores 63



dois níveis e, para cumprir a carga horária não correspondem aos interesses políticos lo-



exigida, foram necessárias 15 etapas, realiza- cais; na maior parte dos casos, os princípios da



das no período das férias, ou seja, quase oito Educação Indígena não foram incorporados às


anos de curso. Enquanto a formação dos pro- políticas públicas locais. Assim, a implantação



fessores prosseguia, pois se tratava de uma de uma escola diferenciada, de qualidade, es-



situação emergencial, a OGPTB esperava a pecífica e pluricultural, como consta dos tan-



autorização do Conselho. O curso em nível de tos documentos oficiais, dependerá não somen-


1º Grau obteve essa autorização em 1996, e a te do esforço e da luta dos professores índios



do 2º Grau saiu somente no ano 2000. Foram no sentido de melhorar sua formação, desen-

anos de espera. Se de um lado havia um am- volver métodos e conteúdos específicos ou pro-

plo movimento do Ministério da Educação duzir materiais didáticos diferenciados, mas de


para estabelecer uma nova política de Educa- uma mudança mais rigorosa na postura das ins-

ção Escolar Indígena no país, de outro, havia tituições às quais estão vinculadas as escolas

um distanciamento de algumas instituições e indígenas.


sérias dificuldades na compreensão desse Dessa forma, os professores Ticuna esperam



movimento e na adequação de suas estrutu- que sua luta de tantos anos venha a ter o reco-

ras internas. nhecimento que merece, e que suas escolas



Até hoje a mudança no quadro da Educa- possam existir como Escolas Ticuna.

ção Escolar Indígena ainda constitui um pro-



cesso difícil de ser assimilado, especialmente


Premiações da OGPTB

pelas prefeituras municipais, às quais estão vin-



culadas as escolas ticunas, com exceção de duas


que são estaduais.


O Livro das Árvores


Desde o início do projeto, a OGPTB vem lu-


2º Prêmio no Concurso Experiência Viva,


tando para que as prefeituras reconheçam a im-


com a participação de 15 países da Amé-


portância do Curso de Formação de Professores rica Latina e Caribe, realizado em Iquitos,


Ticuna, a importância dos materiais didáticos


Peru, agosto de 2001. Promoção: Procasur,


produzidos pelos professores, a importância de


Fida, CAF, Praia, Progenero.


um programa curricular diferenciado, a importân-



cia do Programa de Supervisão Escolar desenvol-


Projeto Educação Ticuna


vido por uma equipe de professores, a importân-

cia da língua materna na escola, a importância da Prêmio Destaque do Programa Gestão Pú-

presença do professor índio na escola, a impor- blica e Cidadania – 2000, conferido por

Fundação Getúlio Vargas e Fundação Ford.


tância de um concurso diferenciado, a importân-


cia de um pagamento em dia para os professores,



a importância de prédios escolares em condições, O Livro das Árvores



entre outras tantas coisas importantes que fazem


Prêmio Melhor Livro Informativo e Prêmio


parte da vida da escola indígena. Melhor Projeto Editorial – 1997, conferi-


A OGPTB, durante esses anos todos, vem


do pela Fundação Nacional do Livro Infan-


cumprindo as determinações da legislação bra- til e Juvenil.



sileira com relação à Educação Escolar Indíge-



Organização dos professores




indígenas de Rondônia e noroeste




de Mato Grosso: relações com




políticas públicas de educação e




as escolas indígenas






Cristóvão Teixeira Abrantes



Opiron/RO





Durante a década de 1970, foram realiza- Em busca de alternativas viáveis que so-


das as primeiras assembléias e a estruturação ○
lucionassem os problemas, foram organiza-
de diferentes organizações indígenas no país, dos os primeiros encontros regionais de pro-

visando à defesa das terras e dos direitos dos fessores, visando ao intercâmbio cultural, à

povos indígenas. A partir da realização das troca de experiências e a uma sistematização



reuniões da União das Nações Indígenas da proposta que resolvesse a atual situação.

(UNI), em São Paulo, o movimento ganhou Em várias regiões do Brasil, começaram a



corpo e visibilidade nacional. Essa organiza- acontecer os Encontros de Professores Indí-



ção conquistou e reuniu grande número de genas, ou Encontros de Educação Escolar In-

povos indígenas em defesa de seus direitos dígena, propiciando o debate com ênfase na

culturais e territoriais tradicionais. A partir da implantação de uma escola ideal e adequada



UNI-Norte, outras organizações indígenas de à realidade dos povos indígenas. Os professo-



caráter regional ou dos povos indígenas co- res não encontravam nas escolas implantadas

meçaram a surgir. É na mesma década de 1970 em suas aldeias uma resposta às suas expec-

que despontam as primeiras tentativas de tativas, portanto estavam dispostos a reagir



construção de uma educação escolar sintoni- diante do contexto acima citado.



zada com os interesses e as especificidades A Coordenação da União dos Povos Indí-


dos povos indígenas (Silva, 1998: 19).


genas de Rondônia, Noroeste de Mato Grosso


No final da década de 1980, surgem as pri- e Sul do Amazonas (Cunpir), juntamente com

meiras organizações de professores indígenas outras instituições que compõem o Núcleo de



em diversas regiões do Brasil, com a intenção Educação Escolar Indígena de Rondônia


de discutir a implantação de uma política na-


(Neiro), criou todas as condições para a reali-


cional específica para a Educação Escolar In- zação da I Assembléia de Professores Indíge-

dígena, visando à melhoria da qualidade da nas de Rondônia, em outubro de 1999. Esse



educação diferenciada para suas comunida- evento resultou do não-cumprimento da rea-


des. Na ocasião, era perceptível a necessida-


lização da segunda etapa do Curso de Forma-


de e a importância de uma mudança nos mo- ção dos Professores – Magistério Indígena –

delos de escola implantados pelos órgãos go- Projeto Açaí, planejada para os meses de ju-

vernamentais e não-governamentais (ONGs) nho/julho daquele mesmo ano. Obviamente,


em suas aldeias. Os currículos escolares não isso gerou um clima de angústia e temor en-

correspondiam à realidade local, ignoravam tre os professores, principalmente quanto à



a vida cultural do povo e não levavam em con- perspectiva de a Secretaria de Estado de Edu-

sideração os seus conhecimentos e seus pro- cação não realizar as etapas previstas ou

cessos próprios de ensino e aprendizagem, quanto à possibilidade de interrupção do re-



construídos a partir da experiência milenar, ferido Projeto. Em vista disso, pode-se afirmar

inerentes às culturas ameríndias. que as primeiras reflexões em torno da neces-


64
SIMPÓSIO 5
As organizações de professores no Brasil: relações com as políticas públicas e as escolas indígenas

os cursos são promovidos pelo Estado, que


sidade de institucionalização do movimento


de professores indígenas em Rondônia acon- não pretende, como representante de um gru-



teceram nesse evento. po hegemônico no poder, fortalecer e instru-



No estado de Rondônia, a organização dos mentalizar grupos “minoritários” capazes de


professores se efetiva a partir do momento em construir uma contra-hegemonia. Por isso, a



que eles têm a oportunidade de se encontrar importância da participação dos professores



durante a realização dos cursos de formação na escolha e seleção dos quadros de profissi-


onais que vão trabalhar nos cursos de forma- 65


inicial.


Em março de 1999, ocorreu o I Encontro de ção de professores indígenas.



Professores Indígenas de Rondônia e Noroes- A política de educação implementada pe-



te de Mato Grosso, deliberando a criação da las Secretarias não tem considerado o fato de


Organização de Professores Indígenas de a escola representar um elemento novo na or-



Rondônia e Noroeste de Mato Grosso (Opiron), ganização social dos povos indígenas de



o que representa um marco importantíssimo Rondônia, e os atuais modelos de atendimen-



na história da Educação Escolar Indígena no to têm interferido e modificado hábitos cul-


Estado. A partir da realização da primeira as- turais do sistema tradicional de educação,



sembléia, adotaram a sistemática de realiza- obrigando-os, de certa forma, a viverem em

ção dos encontros (duas vezes ao ano) confor- função da escola, acarretando, portanto, uma

me programação das etapas do Curso de For- inversão de papéis – em vez de a escola ser

mação Inicial – Projeto Açaí, executado pela adaptada à vida do povo, é exatamente o con-

Secretaria de Estado de Educação em parceria trário, o povo é que tem de se adaptar à vida

com organizações governamentais e não-go- da escola.


Todos esses fatores têm contribuído para


vernamentais indígenas e indigenistas que fa-


zem parte do Núcleo de Educação Escolar In- que a escola se apresente como um corpo es-

dígena de Rondônia. tranho no interior das aldeias. “A escola de-



Nesse cenário político, a trajetória que os veria ser, então, um espaço para a discussão

pelos índios da sua situação presente e das ex-


professores indígenas de Rondônia percorrem


desde o reconhecimento por parte da Secreta- periências de vida às quais eles estariam ex-

ria de Educação, até a efetivação de seus con- postos devido ao contato” (Capacla, 1995: 58).

tratos, é marcada pelo preconceito historica- Diante da inoperância e da negligência


mente estabelecido nas relações da população histórica dos órgãos governamentais respon-

nacional com os povos indígenas. Assim, ta- sáveis pela implementação das políticas pú-

chados de incapazes por essas instâncias, es- blicas para a Educação Escolar Indígena, foi

tão provando o contrário do que deles dizem, necessário viabilizar mecanismos e instânci-

mostrando que há formas diferentes de ensi- as legais que garantissem às sociedades indí-

nar e aprender e que a seleção dos conteúdos genas a participação nas decisões relaciona-

não deve partir das Secretarias. Essa consciên- das à educação escolar para o seu povo. Des-

cia é resultado de um processo de muito tra- sa forma, foi surgindo a necessidade objetiva

balho e luta dos professores, mediante a par- de criar organizações de professores indíge-

ticipação no movimento de professores. nas e, conseqüentemente, fluindo o processo



O sucesso da escola indígena está intima- de construção das políticas para suas escolas.

mente ligado aos cursos de formação de pro- Acredita-se que a organização e a efetiva

fessores, uma vez que, por meio deles, os pro- participação dos professores juntamente com

fessores terão instrumentos para promover suas comunidades vão, de certa maneira, de-

uma política de educação diferenciada e de cidir sobre as políticas públicas de educação.



q u a l i d a d e p a ra a s s u a s e s c o l a s. Em Por meio da mobilização dos professores e


contrapartida, sabe-se que nunca foi interes- criação da Opiron, passaram a perceber que

se do Estado assegurar essa qualidade e mui- as decisões sobre Educação Escolar Indígena

to menos o diferenciamento de modelo, já que não são meramente técnicas, mas, sobretudo,

políticas. Por isso, faz-se necessário se orga- turais específicos. Essa autonomia é extensi-



nizar para participar e decidir. va a qualquer comunidade, uma vez que não



Durante a realização das assembléias, os só os povos indígenas são violados com as



professores foram percebendo que seria pos- políticas públicas.


sível a criação de mecanismos de participação, Para se fazer uma educação verdadeira-



ainda que em sistemas tão fechados e cristali- mente indígena, com características próprias



zados, nos quais as decisões mais importantes de cada povo em Rondônia, é indispensável a


ficam nas mãos de tão poucas pessoas. participação efetiva de todos os segmentos



Mesmo com a criação da Opiron e o reco- envolvidos, sobretudo dos professores e de



nhecimento dos professores da necessidade suas comunidades, para que se possa formu-



de participar das discussões acerca da educa- lar uma política estadual que venha contribuir


ção escolar, a presença e a participação indí- para a construção de uma educação diferen-



genas (professores e lideranças) nas discus- ciada e de qualidade para os povos indígenas.



sões em torno da educação ainda têm sido Como as organizações dos professores in-


muito inexpressivas. Esse fato ocorre devido ○
dígenas podem intervir nos órgãos responsá-
à dificuldade que os professores enfrentam veis pela execução das políticas de educação

para se deslocar de suas aldeias até a cidade, que interferem nas relações sociais do grupo

pelo difícil acesso, e às limitações financeiras e nos processos próprios de elaboração dos

e de apoio logístico. Por outro lado, essa situ- seus conhecimentos?


ação vem sendo mantida pelas administra- Mesmo reconhecendo o esforço e a serie-

ções como estratégia de exclusão das popu- dade nas intenções dos envolvidos direta e in-

lações indígenas do processo de construção diretamente na elaboração do documento Re-


das políticas públicas. Não estou defenden- ferenciais Curriculares Nacionais para a Esco-

do a construção e a pavimentação de estra- la Indígena (RCNEI), construído a partir de



das ligando as aldeias aos centros urbanos uma ampla discussão, com a participação de

nem o paternalismo estatal no sentido de doar representantes indígenas e orientado por es-

meios de transportes para que as lideranças e pecialistas do Comitê Nacional de Educação



os professores possam participar do proces- Escolar Indígena, ainda gostaria de questio-



so de construção das políticas públicas. Mas nar se há pistas que apontem para efetivas

defendo uma política séria, de forma que os mudanças, de forma que os povos indígenas

beneficiados possam participar das decisões estejam participando da implementação e da



inerentes à vida do seu povo ou comunidade. construção de um modelo de educação que



Finalmente, a estratégia de organização dos se aproxime dos valores indígenas, no senti-



professores indígenas consiste no caminho do de estar se construindo uma educação ver-


para a autonomia, porque prima pela cons- dadeiramente diferenciada, que leve em con-

trução de uma nova relação dos povos indí- sideração os processos próprios de ensino e

genas com a sociedade envolvente, em que os de aprendizagem e os conhecimentos dos



professores e as comunidades têm uma fun- povos indígenas?


ção estratégica fundamental de agente de As atuais propostas de formação inicial



transformação e construção das políticas de apresentadas pelas instituições de educação



Educação Escolar Indígena, na busca da me- para os povos indígenas correspondem aos re-

lhoria da qualidade de vida de seus respecti- ais interesses das comunidades indígenas?

vos povos. O impacto gerado, embora gra- Elas têm contribuído para o processo de cons-

dativo, será a possibilidade da autogestão do trução da autodeterminação e resgate da



trabalho de educação, reduzindo a dependên- identidade dos povos indígenas?



cia de intervenções externas e, por fim, sen- Do ponto de vista avaliativo, esses ques-

sibilizados com seus problemas e conscien- tionamentos devem fazer parte das reflexões

tes de suas necessidades e demandas sociais, de encontros e de todos os momentos em que



atuarão sem perder de vista seus valores cul- professores e assessores estejam repensando

66
SIMPÓSIO 5
As organizações de professores no Brasil: relações com as políticas públicas e as escolas indígenas

a Educação Escolar Indígena. De fato, com


tização e implementação das políticas públi-


essa prática de reflexão e avaliação constan- cas de Educação Escolar Indígena. Penso que



tes, o risco de errar será, potencialmente, ao estabelecerem essa relação com os seus



menor. parceiros diretos e indiretos – governamen-


Pelo fato de a Educação Escolar Indígena, tais e não-governamentais – poderão discutir



como modalidade de ensino, apresentar sin- com autonomia e autoridade uma educação



gularidades educativas, heterogeneidade ét- escolar pautada em suas diferenças e espe-


nica e, ainda, em função da problemática le- 67


cificidades.


vantada, trabalha-se com a hipótese de que o



modelo de Educação Escolar Indígena im-



plantado pelos órgãos governamentais e não-
Bibliografia


governamentais para os povos indígenas não



tem contemplado o universo socioeconômico,



cultural e lingüístico desses grupos, anulan- ABRANTES, Cristovão Teixeira. A educação escolar in-


dígena em Rondônia e o processo educacional dos


do a construção de uma escola com um perfil


Cinta Larga: uma abordagem sociocultural. Monografia
indígena. Pelo contrário, vem desagregando


apresentada em curso de especialização. Porto Ve-

progressivamente os processos próprios de


lho: UNIR, 1998.
ensinar e aprender desses povos. CAPACLA, Marta Valéria. O debate sobre a educação in-

Exatamente por tratar-se de uma institui- dígena no Brasil (1975-1995): resenhas de teses e

ção responsável pela socialização do saber livros. Brasília/São Paulo, MEC – Mari/USP, 1995.

formal, em que há seleção desses saberes, par- SECCHI, Darci (Org.). Ameríndia : tecendo os caminhos

da Educação Escolar. In: CONFERÊNCIA AMERÍNDIA


timos do pressuposto que os impactos causa-


DE EDUCAÇÃO. Cuiabá: Seduc/MT e CEEI/MT, 1998.


dos nos valores culturais desses povos se ori-

SILVA, Rosa Helena Dias da. A autonomia como valor e


ginaram, principalmente, da escola. Nesse


a articulação de possibilidades: um estudo do movi-


sentido, cabe às organizações de professores mento dos professores indígenas do Amazonas,



indígenas estabelecer novas relações com es- Roraima e Acre, a partir dos seus encontros anuais.

sas instituições responsáveis pela norma- Abya – Yala, 1998.









































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