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2020v22i3p285-314
Resumo
interpretação dos dados da pesquisa qualitativa que assume a postura fenomenológica. Para
Bicudo (2010, 2011, 2012) e Merleau-Ponty (1990, 1994). Sobre a hermenêutica filosófica,
autores como Gadamer (2004), Heidegger (1998) e Paul Ricoeur (2000) nos possibilitam
elucidar alguns aspectos que tornam relevante essa possibilidade para a interpretação de dados
essa perspectiva, trazemos algumas dissertações e teses e nos aprofundamos com o caminho
texto, para os dados da tese fazerem sentido, explicitamos o significado que para nós tem a
Educação Matemática.
1
jesaiassouza.edc@gmail.com
2
rosa.paulo@unesp.br
Conhecimento, Interpretação.
Abstract
In this paper we discuss the possibility of, through hermeneutics, constructing a way of
interpreting the data of qualitative research that takes on a phenomenological stance. Therefore,
we explain the meaning of phenomenological research considering authors like Bicudo (2010,
2011, 2012) and Merleau-Ponty (1990, 1994). About philosophical hermeneutics, authors like
Gadamer (2004), Heidegger (1998) and Paul Ricoeur (2000), allow us to elucidate some
aspects that make this possibility relevant for the interpretation of data in qualitative research.
To exemplify ways in which the interpretation can be conducted, according to this perspective,
we bring some dissertations and theses and go deeper with the path constructed in the
interpretation of doctoral research data of the first author of this text. In the thesis the focus
was on abductive reasoning in the production of mathematical knowledge. In this text, so data
research data of meaning, we speak of abduction, knowledge production has for us and we end
by presenting the analysis process carried out and the relevance of the hermeneutic
Interpretation.
Resumen
En este artículo discutimos la posibilidad de, a través de la hermenéutica, construir una forma
de interpretar los datos de la investigación cualitativa que asuma una postura fenomenológica.
como Bicudo (2010, 2011, 2012) y Merleau-Ponty (1990, 1994). Sobre la hermenéutica
filosófica, autores como Gadamer (2004), Heidegger (1998) y Paul Ricoeur (2000), nos
permiten dilucidar algunos aspectos que hacen relevante esta posibilidad para la interpretación
conocimiento matemático. En este texto, para que los datos de la tesis tengan sentido,
Conocimiento, Interpretación.
discutir como, isto é, os modos pelos quais, a hermenêutica filosófica possibilita a compreensão
dos dados de uma pesquisa que se desenvolve de modo qualitativo e permite construir um
caminho para a interpretação. Para tanto, tomamos uma tese de doutorado defendida em 2020
pelo primeiro autor deste texto com orientação da segunda autora. A hermenêutica mostrou-se
relevante à análise e interpretação dos dados, pois, mais do que nos fornecer um método no
abrindo fendas através das quais a luz da interrogação que orientava à busca na pesquisa pôde
mas, como a concebem Gadamer (2004) e Heidegger (1978), é uma intenção filosófica, pois,
ao interpretar uma obra, quem o faz, faz a partir das possibilidades oriundas de uma visão de
sentido para nós é finito, pois nossa compreensão é determinada por costumes e tradições da
então, é orientada por essa condição de facticidade história e, como Gadamer (2004) considera,
e as próprias decisões.
[e] é entendida como estrutura ontológica do Dasein, do ser-no-mundo /.../ que significa que o
que constitui a compreensão é a historicidade do ser, sua vinculação ao mundo e sua condição.”
possibilidade de interpretação dos dados, teve um processo que foi orientado pela experiência
vivida do pesquisador. Entendemos que ela pode contribuir para as pesquisas em Educação
Matemática não como um modelo a ser seguido, mas como inspiração para o processo criativo
que a análise dos dados exige para que a pesquisa revele compreensões.
tornar claro o que faz sentido na pesquisa que desenvolvemos, expõe uma postura que tem sido
buscamos o sentido que a experiência vivida tem para o sujeito que a vivencia e procuramos
Para discutir como a hermenêutica filosófica pode possibilitar a compreensão dos dados
pesquisa analisada e o modo pelo qual a hermenêutica contribuiu para enfrentar o desafio
interpretativo.
Iniciamos esta introdução com uma citação de Heidegger (1998), na qual o autor diz
que o “mundo faz mundo”, pois, em sua não objetividade, em sua abertura, ele se constitui no
onde das nossas decisões, no onde de nosssa constituição histórico-cultural, no onde somos
sempre em movimento de ser, de estar lançado e aberto. Isso, em analogia com o contexto da
pesquisa qualitativa fenomenológica, para nós faz muito sentido, uma vez que os dados da
pesquisa não são objetivos como se estivessem prontos para serem “descobertos”, para
“emergirem” de um fundo que é o texto que os descreve. Os dados são dinâmicos, passíveis de
sentidos e significados que passam a ser explícitos, revelando o que é dado ao olhar atento do
Essa é a intenção neste texto, expor uma possibilidade de, pela hermenêutica filosófica,
metodológica argumentos para dizer que a investigação se insere no quadro das pesquisas
objeto investigado ou a forma como a análise dos dados é conduzida. Porém, conforme enfatiza
Bicudo (2012, p. 17) diz que assumir uma postura na pesquisa significa fazer uma
opção pelo modo de proceder, que deve ser rigoroso e permitir “colocar em relevo o sujeito do
processo, não olhado de modo isolado, mas contextualizado social e culturalmente; /.../
concebendo-o como já sendo sempre junto ao mundo e, portanto, aos outros”, capaz de
compreender o que se mostra ao seu olhar atento. Significa, então, assumir um modo de ser e
significa dizer que nós voltamos para o fenômeno4 percebido, entendido como o que se mostra
que não elege um ponto de observação, mas sempre está atenta ao que se mostra, pois como
diz Merleau-Ponty (1990), a percepção nos dá verdades como presença. Ou seja, a percepção
é um ato no qual o percebido se ilumina, torna-se claro naquele momento. “Passado o momento,
etc.”. (Bicudo, 2011, p. 19). Disso, entende-se que a percepção dá-se no agora da experiência
3
Maiores informações sobre o grupo Fenomenologia em Educação Matemática podem ser encontradas no site
http://fem.sepq.org.br/.
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O fenômeno, na fenomenologia, “é o que se mostra em um ato de intuição ou percepção /.../ efetuado por um
sujeito individualmente contextualizado, que olha em direção ao que se mostra de modo atento e que percebe isso
que se mostra nas modalidades pelas quais se dá a ver no próprio solo em que se destaca como figura de um
fundo”. (Bicudo, 2011, p. 30). Assim entendido, fenômeno dá-se para um sujeito ou, dizendo de outro modo, o
fenômeno é percebido. Assim, por exemplo, a aprendizagem “em si” não é um fenômeno, mas o modo pelo qual
alguém compreende a aprendizagem ou o modo pelo qual a aprendizagem de um aluno é percebida pelo professor,
etc.
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O termo cossujeito é usado por (Barbariz, 2017) em analogia ao termo co-presença usado por Heidegger (1998),
para referir-se as pessoas que estão junto à pesquisadora na temporalidade da pesquisa. Neste texto empregamos
esse termo para falar do outro com o qual sempre somos juntos. .
abre-se à compreensão.
Conforme afirma Bicudo (2011), é neste ponto que a descrição na pesquisa qualitativa
se torna relevante, pois expressa a experiência vivida de modo imediato, isto é, ainda não
refletido. Salientamos que, conforme se entende com Merleau-Ponty (1990), embora nos
voltemos para o percebido, isso não significa que na pesquisa fenomenológica se renuncie a
objetivo, o que significa dizer que a reflexão toma como base o fenômeno da experiência
vivida.
[...] se queremos que a reflexão conserve os caracteres descritivos do objeto ao qual ela
se dirige e o compreenda verdadeiramente, não devemos considerá-la como simples
retorno a uma razão universal, realizá-la antecipadamente no irrefletido, devemos
considerá-la como uma operação criadora que participa ela mesma da facticidade do
irrefletido. (Merleau-Ponty, 1994, p. 95).
Com isso, entende-se que, embora se tome a descrição da experiência vivida tal qual
ela se deu, sem julgamentos acerca do visto, não nos fechamos ou esgotamos a pesquisa na
que se mostra à luz da interrogação da pesquisa. Neste ponto do texto consideramos importante
o dado [é] o que chega ao sujeito que, de modo atento, olha para algo querendo saber
do que se trata. Esse algo poderia ser visto como o /.../ que nos escapa ao conhecimento,
mas que se doa aos nossos sentidos, em seus modos de doação. /.../ [Esse algo é o
fenomenal que] se faz sentir nas sensações pontuais. /.../ Quando o sujeito se dirige de
modo intencional ao que está solicitando sua atenção, o fenomenal a ele se mostra como
“fenômeno”, percebido então como uma totalidade que se destaca de um fundo, o solo
mundano em que se situa. (Bicudo, 2020, p. 34).
como vivida” (Bicudo, 2011, p. 45). Pela descrição o percebido é expresso, comunicado,
explícito à comunidade. Essa apresentação se faz por meio da linguagem que solicita análise e
“adentra pelos meandros das possibilidades do dito no dizer, buscando sentidos transportados
tradicionalmente pela palavra, no próprio texto da descrição do seu contexto, e investiga outras
conhecimento produzido com a clareza de que “não se obtém verdades lógicas sobre o
expressa pela linguagem e a hermenêutica possibilita desvelar o que está sendo dito (o
movimento de análise e interpretação tem sido variado, alguns com o enxerto hermenêutico e
Neste texto apresentamos uma pesquisa fenomenológica cuja análise de dados recorreu
Destacamos que não se trata de uma revisão da literatura sobre o tema ou mesmo um estudo
pesquisas para que o leitor possa compreender que, considerando-se as características dos
considerada. Em nossos trabalhos assumimos a hermenêutica filosófica tal qual ela é explicita
por autores como Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamer e Paul Ricoeur. Com Gadamer
(2004), entende-se que a hermenêutica filosófica, antes de ser uma técnica de interpretação ou
um método que dê “passos” para desvendar o que está oculto pela linguagem, é uma
“o caráter ontológico original da própria vida humana”. (Gadamer, 2004, p. 348). Portanto,
interpretar um texto é um projeto humano, da pessoa que a ele se volta buscando compreendê-
lo.
Além de Gadamer (2004) ressaltar que não há um método (no sentido de técnica) que
permita realizar a hermenêutica, também enfatiza que não há uma interpretação correta que
expectativas criadas frente à obra, questionamentos, etc. O que se deve ter é uma postura de
abertura, ou seja, deve-se deixar que o texto da obra se presentifique, não se mantendo preso
os com o que é explícito, permitindo que o sentido da obra seja produto da atividade
Mas não se pode esquecer que o texto, sendo expresso por meio da linguagem escrita,
carrega uma polissemia de significados das palavras que dizem em determinado contexto e,
para que se abra ao diálogo, é preciso compreender o que as palavras dizem. Nesse sentido,
Com isso, esclarece a autora, palavras com as quais nos deparamos em nosso contexto
diário sem estarmos atentos às suas possibilidades expressivas, possam a ser ouvidas de forma
singular e ganham relevância para o diálogo com o texto e sua compreensão. Ou seja, pela
quais o texto de análise assume configurações distintas, começamos seguindo uma ordem
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Gadamer utiliza o termo intérprete, e não leitor, uma vez que ele se refere às obras, sejam elas texto escrito,
obras de arte, etc.
para você ensinar matemática?” (Silva, 1987, p. 15). Na interpretação hermenêutica foi
professores, o modo de ensinar traz implícita uma concepção de matemática que, embora não
autora é voltar-se para o modo pelo qual a hermenêutica possibilita olhar um texto, interpretá-
cognitivos do autor. [É, antes, focar] /.../ o que está escrito em termos de produção” (Mondini,
2013, p. 26), para expor o sentido comum que é trazido pela tradição em articulação com as
Quadros de Convergências com Unidades de Significado que são trechos destacados da obra
Ideias Nucleares, proposições construídas pelo autor para expressar a convergência de sentidos
àqueles que buscam clareza acerca da postura fenomenológica e do trabalho hermenêutico para
a interpretação dos dados da pesquisa. Foram pesquisas inspiradoras para o estudo que
que permita expor a análise dos dados. O percurso de cada um dos autores nos incentivou a
construir o nosso próprio, atentos à interrogação da pesquisa e aos dados que solicitavam nossa
atenção.
A pergunta que orientou a busca na pesquisa que subsidia a escrita deste texto é
matemático? Partindo das ideias de Charles Sanders Peirce (1839-1914) sobre Abdução,
ciência em geral, entendendo que sua relevância para a produção de conhecimento está no fato
Porém, a percepção é momentânea e caso não seja articulada e expressa corre o risco de se
procurando dar-se conta do que percebe, compreendê-lo, o que implica atos de decisão e
portanto, que o conhecimento se constitui para o sujeito em um processo subjetivo que tem
origem na percepção. No entanto, o sujeito não é sozinho, é sempre no mundo com os outros,
validar o exposto para que possa ser comunicado e permanecer como conhecimento objetivo.
objetivo.
modos de produzir serem expostos, já que, conforme destaca Nunes (1992, p. 194), no diálogo
se expõe um discurso que “não é /.../ a unidade interna das ideias preparadas no pensamento e
compreensões. Iniciamos, então, a busca pelo matemático com o qual pudéssemos dialogar.
matemático com quem entramos em contato se dispôs prontamente a contribuir com a pesquisa.
Ele nos foi indicado por um professor da Unesp que o descreveu como um matemático que,
desde a época de estudante, se destacava pela autonomia e disposição para o fazer matemático.
expressar-se por escrito, já que pretendia expor aspectos da matemática que considerava
constituiu na foto da lousa, que foi feita pelo pesquisador ao final da entrevista, e algumas
observações que foram possíveis durante a conversa – já que não houve a possibilidade de
Figura 1.
Registro da entrevista – lousa 1 (Acervo do pesquisador)
pesquisador era: como compreender o expresso pelo sujeito? Passado o susto, iniciamos a
busca por um caminho. Entendemos com Ricoeur (2000, p. 43) que “quando o diálogo acaba
a hermenêutica começa”, pois, “no discurso, a frase designa o seu locutor mediante diversos
fazer e compreender matemática. O diálogo foi fomentado por exemplos matemáticos e tipos
ela era a plena manifestação do discurso, podendo “salvar a instância do discurso porque o que
ela efetivamente fixa não é o evento da fala, mas o ‘dito’ da fala, isto é, a exteriorização
39). Junto à fotografia da lousa escrita pelo entrevistado, havia o registro do pesquisador. O
entrevistado, a “moda” de um professor que fala aos seus alunos, abria-se ao diálogo sem se
deixar conduzir por questões propostas pelo pesquisador, mas orientava-se pelo que escrevia,
Conforme entendemos com Bicudo (2000, p. 41), essa “fala é uma operação /.../ pela
qual o sentido do mundo percebido pelo sujeito começa a romper o silêncio e a buscar formas
transformou em uma aula. O matemático escrevia, falava, questionava, tecia comentários que
Para tanto, fizemos recortes da fotografia da lousa seguindo o fluxo da experiência vivida no
Esse nomear não foi aleatório, expressa o sentido que o movimento interpretativo teve
na pesquisa. A composição visa trazer algo dinâmico que torne claro o que foi pensado
Abdounur (2003, p. 306), há “trechos musicais aparentemente não relacionados que vêm à
mente no decorrer de um período e após algum tempo percebem-se relações semânticas entre
Construímos 12 composições que foram trazidas em quadros com uma foto de parte da
lousa (o recorte), uma explicação que torne clara a imagem da foto (que, em decorrência da
luminosidade, nem sempre está nítida), a interpretação do pesquisador que explicita o diálogo
Tabela 1.
Composição2: questões (Acervo do pesquisador)
Composição 2: Questões Explicação do pesquisador
O professor, para mostrar como explorar as possibilidades
de resolução de um “problema” escolhendo um caminho,
sugere a equação 1 e 2 abaixo. Para enfatizar as
possibilidades, ele explora oralmente alterações.
1ª equação: 𝑥176 − 𝑦71 = 1
2ª equação: 𝑦71 − 𝑥176 = 1
Como a escolha foi aleatória, qual resolver?
Interpretação do pesquisador: Neste momento, a partir da conversa sobre os raciocínios
dedutivo e indutivo, o professor coloca um exemplo e questiona quais os valores que x e y
podem assumir para que a equação seja verdadeira, isto é, quais valores são válidos para x e y.
Palavras chaves:
Dedução: 1. Ação de deduzir. 2. O que resulta de um raciocínio; conclusão. 3. Jur. Enumeração
minuciosa de fatos e argumentos. [Pl.: -ções.]
Indução: 3. Lóg. Operação de estabelecer uma proposição geral com base no conhecimento de
dados singulares. [Pl.: -ções.]
Válidos: 1. Que tem valor ou serventia. 2. Valioso (1). 3. Sadio, são. 4. Legítimo, legal. §
va.li.dez (ê) Substantivo feminino
pesquisa, o que poderia ser relevante à compreensão. Iniciamos a busca por convergências de
sentido e significado. Conforme Bicudo (2010), nessa busca há um percurso que mostra toda
uma trajetória com modos de expor o que o pesquisador compreende nesse movimento de
análise. Para trazer esse movimento no texto escrito, começamos com a tentativa de construir
uma rede de significados como fez Kluth (1997), o que se mostrou pertinente, pois,
palavra Conhecimento se conecta a composição 3, que também traz a palavra prévio. Esse
modo de proceder, que considera os significados das palavras chaves e articula as conexões,
foi dando forma à rede de significado. As conexões interpretadas foram coloridas para
Para entender esse movimento interpretativo que a rede nos possibilitava, vamos fazer
Dedução e Algoritmo (lilás) que, por sua vez se ligam a composição 4. Nesse movimento
interpretativo vamos traçando um caminho para o sentido do todo que vai sendo articulado e
convergências interpretadas. Vale destacar que as unidades de significado, que são trechos da
fala do entrevistado, retomadas pela lembrança do pesquisador e por suas anotações, foi o que
permitiu traçar esse caminho na constituição da rede e interligar as palavras chaves. No quadro
também utilizamos cores para destacar as convergências demarcadas por grupos de palavras
chaves que, segundo interpretamos, expressavam algo similar. Inserimos a tabela 2 neste texto
toda a rede de significados o que vai possibilitando interpretar as convergências. Mas, o que
das palavras em articulação com os autores lidos buscando compreender o que elas indicam no
Iniciamos com a palavra fazer, do latim facere que significa facio. Porém, no contexto
da entrevista essa palavra está associada ao fazer matemático que se volta para a produce e
composse, permitindo interpretar que o fazer é algo que leva adiante, conduz para frente, é o
de si; é o que nos torna capaz de fazer alguma coisa. Segundo Seibt (2015, p. 169), em Kant
entrevistado ao dizer dos caminhos para a resolução de um problema que requer conhecimento
caminho é aberto pelas possibilidades de articulação que se dão nessa trajetória do pensar, da
noção adquirida pelo estudo ou pela experiência; diz, ainda, da consciência de si mesmo. Em
uma perspectiva fenomenológica, como destaca Bicudo (2000, pp.18-9), o “conhecimento não
é inato, [mas] sim edificado ao longo da vida”, constituído e expresso na e pela linguagem.
Seibt (2015, p. 192) corrobora esse pensar ao dizer que é “no seio da linguagem que, como
sujeitos, temos acesso ao mundo, ao real. O ser humano precisa interrogar as possibilidades do
dizer para poder saber o que pode conhecer”, de modo que a linguagem ao expor o
compreendido possibilita sua organização para o próprio sujeito. O autor reforça que o
“conhecimento das coisas /.../ não acontece no vazio ou sem intermediação de uma abertura
pela investigação. Se considerarmos o que diz o entrevistado, entende-se que, para ele, a
Quais possibilidades? Aquelas que lhe fazem sentido, que lhe impulsionam à busca permitindo
de caminhos. Ou seja, há uma característica que ele (o entrevistado) entende como peculiar ao
‘elementares’ que dão condições para as conjecturas e permite seguir adiante, avançando em
termos de raciocínio. A hermenêutica vai dando condições de ver que, se olharmos com
Tabela 3.
Categorias Abertas (Acervo do pesquisador)
Composições Convergências Categorias
1, 3, 5, 6, 8, 9, 10 e 11 Abertura às possibilidades. Compreensão mediada pela
Processo investigativo. investigação.
Articulação de saberes.
2, 3, 4, 7, 11 e 12 Características do fazer Caminhos para se fazer
matemático. matemática.
O raciocínio empregado na
solução.
3.
Figura 3.
Rede de Significados das Categorias (Acervo do Pesquisador)
Ao explicitar o significado das palavras válido e articulado vê-se que há entre eles uma
ter a rede com essa configuração. As categorias Compreensão mediada pela investigação e
Caminhos para se fazer matemática são parte de um todo articulado em que se busca
articulações possíveis.
ao que é legítimo, legal /.../ fundado na razão. Diz de “o que é (ou deve ser) reconhecido como
lógica” (Abbagnano, 2000, p. 989). Mas, existem regras de procedimentos que fazem com que
o proceder seja articulado, no sentido de articulare (Ferreira, 2010, p. 68), para expressar algo
com clareza ou expor a sua razão de ser para que não restem dúvidas sobre o visto.
A exploração dos significados das palavras válido e articulando mostra que a rede
precisa de um link que possibilite mostrar que, no fazer matemático, se requer tanto a validade
quanto a articulação, uma vez que essas são características indissociáveis do modo de proceder
do matemático, cujo elo é a palavra reconhecido. Ainda, se consideramos que na ciência algo
se torna válido quando tem rigor e articulação de conceitos e procedimentos, voltamos ao que
validação na comunidade de cossujeitos, vai sendo objetivado e passa a ser comunicado por
mostra que a rede construída pode ganhar nova configuração (ou design) para que se possa
transitar por entre todos os aspectos que a compõem, indo a todas as direções. Organizamos,
então, uma nova configuração que possa mostrar esses links (as articulações interpretadas),
mas também a dinamicidade da rede que dá possibilidade de se iniciar por qualquer um de seus
núcleos e caminhar na direção que se queira. Elaboramos uma rede como a da figura 4. A figura
5, com o QR Code, remete a um vídeo em que se pode ver a dinamicidade dessa construção.
Figura 5.
Qr Code – vídeo da rede final
pesquisa, entendida como algo dinâmico que está sempre em marcha, uma vez que há algo que
dos pontos da rede e a partir dele iriam se abrir as diversas opções de caminho. Um caminho
que,
Entendemos com Heidegger (1998) que ao falar do caminho não estamos falando de
uma trilha qualquer. É um caminho que vai sendo aberto na caminhada, se estivermos atentos
a tudo o que está à nossa volta, para que os passos seguintes sejam possíveis. Como diz o autor,
A floresta não é, no seu sentido próprio, um mero arvoredo que a mão do homem
pudesse ter plantado. Não é um parque. É selva e mato, natureza em estado puro,
selvagem. Os caminhos do mato, estreitos e sinuosos, mais que atravessá-lo, levam
quem o tenta fazer a descobri-lo como tal, embrenhando-se no seu interior sem saída.
"Perder-se" por esses caminhos é, pois, encontrar a floresta, encontrar-se nela.
(Heidegger, 1998, p. IX).
O caminho não é retilíneo, mas também não é cíclico. O desafio que enfrentamos na
pesquisa ao nos dispormos a analisar os dados via hermenêutica filosófica, nos fez ver o que
significa dizer que o “dado”, na pesquisa fenomenológica, é o que nos chega ao olharmos de
modo atento querendo compreender, conforme destaca Bicudo (2020). Procuramos construir
um caminho interpretativo que nos fez atentos à vivência, com a certeza de que o que se mostra
à compreensão, o faz por perfis, sempre exigindo mais incursões, novos olhares. Ou, para falar
com Bicudo (2020, p. 48), caminha-se na interpretação dos dados da pesquisa na certeza de
que “a terra prometida, na filosofia de Husserl, não é a da segurança, mas a do sentido que o
mundo faz para nós”, o mundo no qual nos envolvemos com o professor entrevistado
matemático.
destacarmos as palavras possibilidade e fazer vê-se que, pela composição 6, elas se articulam
a sentido e a algébrico.
do pensar.
comunicado pela linguagem e transmitido via cultura, para que seja possível compreendê-lo é
preciso reativar o sentido originário, entendido não em termos cronológico de seu início, mas
como solo a percepção, ato no qual o objeto se ilumina para o sujeito proporcionando a
entendimento pelas conexões que são estabelecidas entre os conteúdos, pelo diálogo com o
outro no qual se possa discutir, abrir caminhos para buscar padrões e estabelecer generalidades.
aprisionados por algoritmos, mas dá liberdade ao pensar, permite experimentar caminhos, ser
criativo.
revela nas “conexões”, necessárias para que o pensar possa deslanchar, possa colocar-se em
matemático, como sendo expressa por essas possibilidades de fazer o novo com sentido
uma conexão (fazer) de ideias (novo objeto constituído) derivadas de fatos observados
(vivenciados) sendo, portanto, um raciocínio (sentido), uma inferência lógica, de modo que
objetivo neste texto foi expor um modo de organizar e interpretar os dados de uma pesquisa
via hermenêutica filosófica, dados que aparecem ao olhar atento do pesquisador que os
organiza, mas que não dizem por si só sem que haja um movimento interpretativo.
Quanto à pergunta da pesquisa que subsidiou a escrita deste texto, podemos afirmar que
ela foi compreendida no significado que atribuímos à abdução. Ao nos voltarmos para a
produção de conhecimento tal qual ela nos foi exposta pelo entrevistado, vimos que o fazer do
matemático se mostra inseparável de uma hipótese inicial que põe em curso uma investigação,
carecendo (ou exigindo) ser confirmada não apenas por teorias já constituídas, mas pelas
Referências