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Os Maias

Capítulo VI:
 Resumo
Carlos decidiu ir visitar de surpresa a Vila Balzac, casa de Ega, em Lisboa. Ninguém o recebeu,
embora lhe parecesse ter ouvido barulhos vindos do interior da casa.
Conforme sugestão do Ega, Carlos voltou no dia seguinte e Ega já o esperava. A casa estava pobre
de decoração, como convinha a um filósofo.
Entretanto Carlos tinha estado na casa da Madame Gouvarinho e os dois amigos falaram sobre isso.
Carlos tinha mostrado algum interesse nesta mulher, mas acabou por confessar a Ega, que a Madame
Gouvarinho logo perdeu para ele o encanto. Este era um grande defeito de Carlos, tornava-o incapaz
de se fixar numa mulher, acabando apenas por ficar amigo de todas, pois perdia rapidamente o
interesse por elas.
Ega disse a Carlos que ele era como D. Juan, eternamente à procura do amor e, quando julgava
encontrá-lo, via que se tinha enganado, decidindo continuar à procura, aproximando-se de outras
mulheres. Ega lança aqui um prognóstico, dizendo a Carlos que ele pode vir a acabar como D.
Juan (outro indício de fatalidade).
Saíram e, no caminho, encontraram Craft, Ega quis voltar a casa para lhe oferecer uma bebida, mas
Craft recusou, dizendo que aproveitava o facto de estar ali para visitar um amigo.
Ega convidou-os então para um jantar no Hotel Central, no dia seguinte. O jantar foi sendo adiado,
pois Ega foi convidando mais pessoas e acabou por transformá-lo numa homenagem ao seu amigo
Cohen.
No dia do jantar, Carlos veio a encontrar Craft numa loja de bricabraque do tio Abraão. Falaram
sobre a casa de Craft nos Olivais e do seu precioso bricabraque, mas Craft confessou que queria
desfazer-se de tudo aquilo.
Entraram então no Hotel Central e nesse momento viram chegar um coupée. De dentro saiu
uma senhora loira, muito bonita, que deixou Carlos e Craft num estado de atração e admiração.
Ega já estava presente, conversando com Dâmaso Salcede, representante do novo-riquismo da
época.
Craft comentou o facto de terem visto à entrada do hotel uma mulher bonita, com uma cadelinha ao
colo, e Dâmaso, que estava a conversar com Ega, decidiu vangloriar-se de a conhecer. Tratava-se da
família dos Castro Gomes com quem tinha viajado de comboio, vindos de Bordéus. Dâmaso falou
no seu interesse por Paris e referiu também o seu tio anarquista, que vivia na capital francesa.
Apareceu em seguida o poeta Alencar, a quem Ega também apresentou Carlos. Alencar ficou
emocionado, por conhecer o filho do seu grande amigo Pedro.
Alencar explicou a Carlos que ele tinha tido alguma influência na escolha do seu nome, pois a mãe
não tinha querido dar-lhe o nome Afonso, do avô, e então, como ela andava a ler um romance cuja
personagem principal era Carlos Eduardo, o último dos Stuart, Alencar sugeriu-lhe que desse esse
nome ao filho. Apareceu por fim Cohen, o grande convidado do jantar.
Falou-se então de crimes na Mouraria, entre fadistas. Carlos achava que esses crimes mereciam um
romance, o que levou à discussão sobre o realismo. Alencar, poeta romântico, era contra o realismo,
por mostrar os aspetos feios da realidade. Alencar achava que não se devia mencionar o “excremento
“, enquanto comiam. Craft estava do lado de Alencar, sendo contra o realismo e o naturalismo.
Achava que a arte devia ser uma idealização, mostrando as formas mais belas da vida e não as feias.
Carlos achava que o mais intolerável no realismo eram os “ares científicos”, a ideia do positivismo e
do experimentalismo. Ega achava que o realismo devia ser mais científico e dar-se menos à fantasia.
A conversa desviou-se para uma pergunta feita a Cohen, a propósito de empréstimos e Cohen disse
mesmo que as grandes fontes de receitas no país eram os empréstimos e os impostos. Carlos achava
que assim o país ia para a bancarrota e Cohen disse que essa bancarrota já ninguém a podia evitar.
Ega achava que o melhor a acontecer era a bancarrota e depois uma revolução que acabasse com a
monarquia. Portugal livrava-se depois da dívida e das velhas pessoas. Cohen diz a Ega para não ser
tão radical, já que havia homens de talento no país. Cohen era o diretor do Banco Nacional e não
queria ver assim enxovalhados os homens de talento em Portugal, mas reconhecia que o país
precisava de reformas.
Ega diz então achar que era necessário a invasão espanhola e Dâmaso diz que fugiria logo para Paris.
Ega riu-se e criticou a cobardia de alguns portugueses, mas Alencar defende o patriotismo.
Os empregados serviram um prato com o nome Petits pois à la Cohen, que Ega tinha encomendado
em honra do amigo. Por fim serviu-se o café e levantaram-se da mesa. Começaram a falar outra vez
sobre literatura e Ega criticava mais uma vez o romantismo. Ega discutia com Alencar e quase que
andaram à pancada se os outros não os tivessem separado. Aquele hotel tão chique estava a ganhar
um ambiente de taverna, à maneira portuguesa.
A discussão acabou com os dois a fazerem as pazes e a elogiarem-se um ao outro. No final Ega saiu
com Cohen e Carlos foi com Dâmaso e Alencar a pé pelo Aterro. Dâmaso não parava de fazer
elogios a Carlos, que ao mesmo tempo ia sabendo informações sobre a tal senhora que tinha visto à
entrada do hotel e que Dâmaso disse que conhecia. Dâmaso partiu e Carlos continuou acompanhado
de Alencar, que lhe falava do tempo em que era amigo de Pedro. Afastaram-se à porta do Ramalhete.
Já no quarto, Carlos lembrou-se da história dos pais, que Ega um dia lhe tinha contado, durante uma
bebedeira, a mãe que tinha fugido com outro e o suicídio do pai. Assim que adormeceu começou a
sonhar com a senhora que tinha visto à entrada do hotel.

 Personagens
Carlos da Maia
Apresenta-se pela primeira vez à sociedade, no entanto, distancia-se da conversa, apenas comenta
alguns aspetos. Afirma-se também como defensor das ideias românticas, criticando que “o mais
intolerável no realismo eram os seus grandes ares científicos”, e talvez, também um pouco patriota
quando defende que “ninguém há-de fugir, e há-de-se morrer bem”.

João da Ega
Personagem que mais intervêm no episódio do Hotel Central, defensor das ideias Naturalistas
/Realistas, provocava o seu opositor, Alencar. Exagerado nos argumentos que fundamentam as suas
opiniões e na defesa das suas ideias revolucionárias. Advoga que “à bancarrota seguia-se uma
revolução” e que desta forma, Portugal seria um grande beneficiário.
As posições tomadas por Ega, face aos temas discutidos, espelham e assimilam-se à Geração
Revolucionária de Coimbra. Pois, tais atitudes traduzem uma vontade insaciável de modificar
Portugal e torná-lo num país melhor, próprias desta geração.

Craft

Eça identifica nesta personagem o “homem ideal”. Neste episódio pouco se sabe sobre ele, apenas
que é inglês, e como tal, pressupõe-se que recebera uma educação à inglesa. Não tem muita
importância na ação, quase não participa nas conversas, reage de forma “impassível”, contudo é a
favor da resistência aos espanhóis, quando concorda em organizar uma guerrilha com Ega.

Maria Eduarda

Foi vista pela primeira vez por Carlos, no Hotel Central, na noite do jantar. É caracterizada como
sendo alta, loira, de “carnação ebúrnea” e elegante (“passo soberano de deusa”) e também como uma
“esplendida mulher”.

Dâmaso Salcede

Interveniente que representa os defeitos da sociedade. “Um rapaz baixote, gordo, frisado como um
noivo da província, de camélia ao peito e gravata azul-celeste”.
Procura aparentar um “ar de bom senso e de finura”, é considerado provinciano, tacanho e apenas
com uma preocupação, que seja “chique a valer”. Dá asas à sua vaidade e futilidade falando dos
pormenores das suas viagens e exibindo uma predileção pelo estrangeiro, “...é direitinho para Paris!
Aquilo é que é terra! Isto aqui é um chiqueiro...”. Acompanha todos os movimentos de Carlos
dando-lhe grande importância, de modo a que possa imita-lo e assim assumir perante a sociedade um
estatuto social digno e respeitável.

Tomás de Alencar

Um “indivíduo muito alto, todo abotoado numa sobrecasaca preta, com uma face escaveirada, olhos
encovados”, nariz curvado, bigodes compridos, “calvo na frente”, “dentes estragados” e “testa
lívida”.
“Camarada”, “inseparável” e “íntimo” de Pedro da Maia, apresentado no jantar do Hotel Central, a
Carlos da Maia, o poeta possuía um ar “antiquado”, “artificial” e “lúgubre”. Considerado um
“gentleman”, “generoso” e um “patriota à antiga”.
Alencar tivera antes de seguir o caminho da literatura uma vida “de adultérios, lubricidades e
orgias”.
Personagem que representa o típico poeta português, autor de “Vozes de Aurora”, “Elvira”,
“Segredo do Comendador” e outros.
Símbolo do Ultra-Romantismo. Contudo vê-se confrontado com os princípios Naturalistas/Realistas
defendidos por Ega.

Jacob Cohen
Representante das Finanças, “respeitado diretor do Banco Nacional, marido da divina Raquel”,
homem de estatura baixa, “apurado, de olhos bonitos, suíças tão pretas e luzidias” e com “bonitos
dentes”. Neste jantar conheceu Carlos e destacou a posição superior que toma perante a sociedade.

 Tempo
Tempo da ação

 A ação passa-se num “dia de inverno”


 O jantar realizou-se numa segunda-feira, ao final da tarde (“a tarde morria”)
 No final da discussão entre Ega e Alencar “eram onze horas”
 Carlos despede-se de Alencar em frente ao Ramalhete (“estava batendo uma hora”)
 Carlos adormece “eram três horas”

Tempo histórico

 Entre 1875-77

 Espaço
Espaço físico
Nesta obra, as características do espaço físico são muito importantes uma vez que nos levam a
concluir o modo de vida e as características das próprias personagens.
Neste capítulo os espaços físicos são:

 No início do capítulo, a ação desenrola-se na Vila Balzac


 Hotel Central (a maior parte da ação)
 Passa-se também no Ramalhete

Espaço social
O espaço social comporta os ambientes, onde atuam as personagens que o narrador achou melhor
representarem a sociedade portuguesa.
Neste capítulo o espaço social é:

 O Jantar no Hotel Central

Espaço psicológico
A representação do espaço psicológico, vai-se acentuando ao longo da obra, à medida que a intriga
se complica e se aproxima do desenlace.
Isto aparece, principalmente, ligado ao sonho, à imaginação, à memoria, e às emoções e reflexões.
Neste capítulo o espaço psicológico é:

 O sonho de Carlos – evocação de Maria Eduarda


 Narrador
 O narrador é heterodiegético, ou seja, não é uma personagem da história.
 Este assume geralmente, uma atitude de observador, logo, é um narrador não participante
(utiliza verbos na 3ª pessoa, pronomes e determinantes na 3ª pessoa e discurso indireto
livre).
 É também omnisciente, logo, sabe tudo sobre as personagens: o seu passado, presente e
futuro, bem como os seus sentimentos e desejos. O narrador conhece todo o passado dos
Maias, sabendo mais sobre eles do que as próprias personagens.
 A focalização interna é a privilegiada, assim, o narrador vê, sente e julga os eventos
ficcionais com e como as personagens. Quando o narrador opta por esta certas personagens
tomam o papel crítico e/ou descritivo do narrador. Por exemplo, quando Maria Eduarda é
caracterizada nota-se que o narrador encarrega Carlos de o fazer, dá mais valor ao ponto de
vista subjetivo da personagem.
 Para além da focalização interna, o narrador opta, por vezes, pela focalização externa
quando, por exemplo, descreve fisicamente as personagens e os espaços geográficos onde se
encontram, numa tentativa de objetividade.

 Discurso
Narração

Existem quatro modos de narração:

 Monólogo: “-Bem-vindo, meu príncipe, ao humilde tugúrio do filósofo!”


 Diálogo: “- É uma mulher deliciosa, Carlinhos. (…)
..- E, como corpinho de mulher, não há melhor que aquilo de Badajoz para
cá!
- Vai-te daí, Mefistófeles de Celorico!
 Narração: “Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o pais ia
alegremente e lindamente para a bancarrota.”
 Descrição: “(…) E, como Carlos encolhia os ombros, Ega insistiu: a Gouvarinho era uma
senhora de inteligência e de gosto; tinha originalidade, tinha audácia, uma pontinha de
romantismo muito picante… “

Descrição

Este capítulo apresenta várias descrições tais como:


 “Passava-se primeiro a Cruz dos Quatro Caminhos; depois penetrava-se numa vereda larga,
entre quintais, descendo pelo pendor da colina, mas acessível a carruagens; e aí, num
recanto, ladeada de muros, aparecia enfim uma casota de paredes enxovalhadas, com dois
degraus de pedra à porta e transparentes novos de um escarlate estridente.”
 “(…) na sala onde tudo era verde também: o repes que recobria uma mobília de nogueira, o
teto de tabuado, as listras verticais do papel de parede, o pano franjado da mesa e o reflexo
de um espelho redondo, inclinado sobre o sofá”

Diálogo
Este capítulo apresenta muitos diálogos. Existem dois tipos de discurso nesta obra, o direto e indireto
livre.
Discurso direto:

 “- Como diabo soube ele da Vila Balzac?


..- Tu não fazes segredo dela, hem?
.- Não… Mas também não a pus nos anúncios! E o Craft chegou ontem, ainda não esteve
com ninguém que eu conheça… É curioso!”
 “- Bem-vindo, meu príncipe, ao humilde tugúrio do filósofo! (…)
- Para que tens tu aqui Napoleão, John?
- Como alvo de injúrias – disse Ega. – Exercito-me sobre ele a falar dos tiranos…”

Discurso indireto livre:

 “(…) Carlos confessou que nos primeiros dias quando Ega lhe falara dela, tivera um
caprichosinho, interessara-se por aqueles cabelos cor de brasa…”
 “(…) Carlos, tranquilamente, ofereceu dez tostões. Craft pasmou de uma tal prodigalidade;
e o bom Abrão, num sorriso mudo que lhe abria entre a barba grisalha uma grande boca de
um só dente, saboreou muito “chalada dos seus ricos senhores”. Dez tostõezinhos! (…)”

Recursos expressivos

Alguns exemplos de recursos expressivos são:


 Hipálage: “(…) passou-lhe para os braços uma deliciosa cadelinha escocesa (…)”
 Uso expressivo de adjetivos: "(...) uma senhora alta, loira, com um véu muito apertado e
muito escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea."
 Uso expressivo de advérbios: “E quis imediatamente mostrar a Carlos (...)" "Carlos, muito
seriamente, aconselhou-lhe (...)"
 Uso do gerúndio: "(...) a famosa Vila Balzac; que esse fantasista andara meditando e
dispondo (...)"
 Uso de empréstimos: "(...)de amargo spleen (estado de tristeza)"; "o coupé (estilo de
carroceria de automóveis) parou"; "ao primeiro rendez-vous (encontro) (...)"
 Uso do diminutivo com valor pejorativo : "Num golpezinho muito seguro e muito a direito -
disse Cohen sorrindo."
 Comparação: “(…) Sou um impotente, como Satanás…”
 Ironia: “Eis ali, no lábio sintético de Dâmaso, o grito espontâneo e genuíno do brio
português! Raspar-se, pirar-se!... Era assim que de alto a baixo pensava que a sociedade de
Lisboa, a malta constitucional…”
 Hipérbole: “Tu estás aqui na Cruz dos Quatro Caminhos, ela está talvez em Pequim.”
 Metáfora: “(…) sem esse tortulho da inscrição (…)"
 Personificação: “(…) tomavam naquele fim de tarde um tom mais pensativo e triste.”

 Dimensão crítica da obra


N’Os Maias o principal enredo surge encadeado com a crónica de costumes (constituindo uma
crítica à sociedade da época), algo que se reflete no título e subtítulo da obra.

O subtítulo "Episódios da Vida Romântica" remete para uma crónica social que descreve os
ambientes da alta sociedade lisboeta, sob a forma de caricatura, focalizada pela visão de Carlos e
completada pela visão de Craft e Ega.

Lisboa é o espaço privilegiado do romance, onde decorre praticamente toda a vida de Carlos ao
longo da ação. O caráter central de Lisboa deve-se ao facto de esta cidade, concentrar, dirigir e
simbolizar toda a vida do país. Lisboa é mais do que um espaço físico, é um espaço social. É neste
ambiente monótono e de clima rico, que Eça vai fazer a crítica social, em que domina a ironia,
corporizada em certos tipos sociais, representantes de ideias, mentalidades, costumes, políticas,
conceções do mundo, etc.

No "Episódio do Jantar no Hotel Central", o primeiro da crónica de costumes, desfilam as principais


figuras e problemas da vida política, social e cultural. Através de uma estratégia naturalista, critica-
se Portugal, personagem coletiva, representada pelas várias personagens que percorrem o romance.
São ainda postos em confronto o ultrarromantismo e o naturalismo, representados por Alencar e Ega,
respetivamente. Assim, pode-se constatar ainda uma censura à crítica literária em Portugal, que é
feita à base de ataques pessoais e de agressões físicas.

No "Episódio da Corrida de Cavalos", desmascara-se a aparência e o verniz postiço de uma


sociedade que se pretende cosmopolita e civilizada. De facto, faz-se uma crítica ao provincianismo
da capital que pretende imitar o "chic" do "lá fora".

No "Episódio do Sarau no Teatro da Trindade", as críticas incidem sobre a superficialidade e a


ignorância da classe dirigente, a verborreia da oratória política e a poesia ultrarromântica, mascarada
de conotações sociais.

Além disso, denuncia-se ainda o jornalismo incompetente e venal (episódio do jornal "A Tarde"), a
política económico-financeira ruinosa, que arrastava Portugal para a bancarrota, e a educação
tradicional portuguesa, representada por Pedro da Maia e Eusebiozinho.
Em conclusão, podemos dizer que, aliada à história de uma família que percorre três gerações, surge-
nos a caracterização de uma sociedade decadente, que se irá refletir, forçosamente, no destino da
família Maia.

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