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Resumo: A partir dos estudos de Bourdieu (1997) e Rodrigues (1999), este artigo busca uma reflexão
sobre os tensionamentos entre o campo jornalístico e o campo político, considerando aspectos
relacionados à cobertura das eleições presidenciais brasileiras a partir de 1989. Neste contexto,
destacam-se as estratégias dos meios de comunicação quanto à representação do campo político no
que diz respeito aos escândalos político-midiáticos e ao jornalismo-espetáculo. Dessa forma, a
proposta é apresentar uma breve análise de fatores históricos da atuação da mídia que contribuíram
para a crise de legitimidade da política e da própria imprensa, evidenciadas durante as eleições de
2018.
Palavras-chave: política, jornalismo, espetáculo, crise, eleições
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Artigo final para a disciplina “Comunicação Política” ministrada pelo professor Dr. Hélder Prior no Mestrado
em Comunicação da UFMS
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Formada em Jornalismo (2011), Especialista em Assessoria de Comunicação (2012) e Mestranda em
Comunicação pela UFMS (2019)
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1. Introdução
Criminalização da política, polarização, antipetismo e crise da imprensa são alguns dos
aspectos que caracterizam as eleições de 2018. São situações que surgiram devido a diferentes
fatores políticos, econômicos, culturais e sociais e com a contribuição da atuação da própria
imprensa, responsável pela representação simbólica desses campos na sociedade. A partir da
perspectiva da comunicação política, este artigo busca uma reflexão sobre os tensionamentos
dos campos político e jornalístico e faz uma regaste histórico das formas de atuação da
imprensa em coberturas eleitorais e escândalos políticos. O objetivo é analisar de que forma a
mídia contribuiu para a deslegitimação da política e da própria imprensa. Para isso, realizou-
se uma reflexão teórica sobre a interação entre os campos sociais, com base nos estudos de
Bourdieu (1997) e Rodrigues (1999) e um breve levantamento bibliográfico de pesquisas
realizadas sobre as coberturas midiáticas em períodos eleitorais.
Na primeira parte, é feito um resgate histórico da cobertura das eleições no período de
1989 a 2002, fase em que a imprensa atuou predominantemente pela “manutenção da ordem
simbólica” (BOURDIEU, 1997), favorecendo os poderes dominantes, conforme identificou-
se na revisão bibliográfica de estudos realizados sobre este período (RUBIM, 2003; RUBIM e
COLLING, 2004; ALBUQUERQUE, 2000; ROVAI, 2007). Há que se considerar uma das
exceções, que foi o impeachment de Fernando Collor de Melo, em 1992. O então presidente
do Brasil perdeu a visibilidade positiva determinante para sua eleição durante o período de
campanha, após a publicação de denúncias de corrupção pela imprensa escrita, e que
posteriormente ganharia espaço na maioria dos veículos de comunicação do país
transformando-se em um escândalo midiático que, alinhado a contextos políticos, econômicos
e sociais da época, resultaria na sua queda (FRANÇA, 2015).
A partir das eleições de 2006, é possível observar um maior impacto dos escândalos
políticos-midiáticos em decorrência de investigações que revelaram esquemas de corrupção
envolvendo o Governo Federal e o Congresso Nacional, como o “Mensalão”, em 2005, e a
Operação Lava Jato, em 2014. Diante deste cenário, o enquadramento adotado pela mídia
como “oposição” ao governo federal persiste até o impeachment da então presidente Dilma
Rousseff, em 2016. Nas eleições de 2018, o cenário é de deslegitimação dos campos
jornalístico e político e a atuação da mídia é marcada por certo desequilíbrio na visibilidade
dos candidatos, mais por questões econômicas (vender jornais) que políticas, conforme
análise de Cioccari e Persichetti (2019), o que agrava o processo de “despolitização” da
população e o questionamento quanto ao papel da imprensa de promover o debate público em
um dos momentos mais importantes em uma democracia: as eleições.
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Essas “forças externas” podem ter uma influência maior ou menor conforme os temas
abordados pelos veículos de comunicação. Há interferências de enquadramentos, escolha de
fontes e por vezes uma “censura” velada dependendo dos interesses ou autoridades que sejam
“ameaçados” por determinada reportagem. Na rotina de redação, o jornalista pode buscar
“brechas”, mas está consciente de que alguns limites não podem ser ultrapassados, sob o risco
de sofrer represálias ou perder o emprego.
O fazer jornalístico é caracterizado ainda por uma “homogeneização” dos temas
abordados e enquadramentos adotados. Por questões econômicas, monitorar a concorrência é
uma rotina da profissão, “ninguém lê tanto jornais quanto os jornalistas” (BOURDIEU, 1997,
p.32). As equipes de redação estão sempre preocupadas com o que “o que eles fizeram e nós
não fizemos” e todos acabam por produzir conteúdos semelhantes. Desta forma, a
concorrência, que provoca inovação em outros campos, resulta na homogeneidade dos
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produtos noticiosos. O teórico ressalta que “essa espécie de jogo de espelhos refletindo-se
mutuamente produz um formidável efeito de barreira, de fechamento mental”. (BOURDIEU,
1997, p.33) Se pensarmos na representação da política, por exemplo, os prejuízos são
significativos.
Essa limitação de enquadramentos pode ocorrer também devido à interdependência do
campo jornalístico com os outros campos sociais, como o campo político, em relação às
fontes de informação. Conforme Bourdieu (1997, p.103), há “um monopólio da informação
legítima, especialmente as fontes oficiais”, uma vez que as autoridades do Estado exercem um
“poder simbólico excepcional” pela “capacidade de definir, por suas ações, suas decisões e
suas intervenções no campo jornalístico (entrevistas, entrevistas coletivas etc), a ordem do dia
e a hierarquia dos acontecimentos que se impõem aos jornais”. (BOURDIEU, 1997, p.103,
grifo do autor)
Por outro lado, o campo jornalístico por vezes interfere nas formas de atuação do
campo político, ao impor a adaptação do discurso político às necessidades dos meios de
comunicação e até mesmo influenciar decisões políticas:
Ainda que os agentes comprometidos com o campo jornalístico e com o
campo político estejam em uma relação de concorrência e de luta
permanentes e que o campo jornalístico esteja, de certa maneira, englobado
no campo político, em cujo interior exerce efeitos muito poderosos, esses
dois campos têm em comum estarem muito direta e muito estreitamente
situados sobre a influência da sanção do mercado e do plebiscito. Daí
decorre que a influência do campo jornalístico reforça as tendências dos
agentes comprometidos com o campo político a submeter-se à pressão das
expectativas e das exigências da maioria, por vezes passionais e irrefletidas,
e frequentemente constituídas como reivindicações mobilizadoras pela
expressão que recebem na imprensa (BOURDIEU, 1997, p.114).
Veremos diante que a imprensa pode contribuir para construção ou simulação dessas
“expectativas e exigências da maioria” a partir de enquadramentos específicos de
determinados fatos políticos. Bourdieu (1997, p.133) destaca ainda que “o campo jornalístico
produz e impõe uma visão inteiramente particular do campo político, que encontra seu
princípio na estrutura do campo jornalístico e nos interesses específicos dos jornalistas que aí
se geram”. No entanto, o pressuposto adotado pelo jornalista de que a política é assunto
“difícil de tratar, que é preciso tornar interessante” (p.133) alimenta a tendência de abordar
temas políticos a partir do divertimento e da simplificação.
[...] o medo de entediar os leva a dar prioridade ao combate sobre o debate, à
polêmica sobre a dialética, e a empregar todos os meios para privilegiar o
enfrentamento entre as pessoas (os políticos, sobretudo) em detrimento do
confronto entre seus argumentos, isto é, do que constitui o próprio desafio do
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No mesmo sentido, Rodrigues (1999, p.25) considera que o “campo dos media vive do
despoletamento, da exacerbação ou da naturalização das tensões” dos diferentes campos
sociais. Porém, o teórico português lembra que os campos sociais precisam da visibilidade da
imprensa para demarcar sua legitimidade, apesar de não se reconhecerem na representação
midiática que se faz deles. Ou seja, é uma interação marcada por tensionamentos e paradoxos,
que oscilam entre a negociação de interesses e a emergência de conflitos.
parte do conhecimento que a sociedade adquire sobre os diferentes campos sociais, como a
política, a economia ou a arte, são resultado da visibilidade que os mesmos obtêm nos meios
de comunicação. “É a natureza especular e representativa do seu funcionamento que confere
ao campo dos media a especificidade do seu domínio próprio de competência, o da mediação
entre os diferentes campos sociais, religando entre si o mundo fragmentado moderno”
(RODRIGUES, 1999, p.29).
As análises de Bourdieu (1997) e Rodrigues (1999/2014) expõe as complexidades que
envolvem a interação do campo jornalístico com os outros campos sociais, especialmente o
campo político. Essa revisão garante um alicerce teórico para a análise proposta neste artigo
sobre as influências recíprocas entre um campo e outro e as formas de atuação do campo dos
media em relação à política, que podem ter contribuído para uma crise de legitimidade de
ambos.
Os autores também destacam a imagem dos sequestradores de Abílio Diniz, que foram
obrigados a vestir camisetas da campanha de Lula para serem mostrados na televisão, e a
manipulação da edição do último debate entre Collor e Lula, em favor de Collor, realizado
pelo Jornal Nacional. Três anos depois, as revistas “Veja” e “Isto É” publicaram denúncias de
corrupção envolvendo o então presidente Collor (FRANÇA, 2015) e o caso repercutiu em
outros veículos como a própria Rede Globo, em um movimento “circular de circulação da
informação” (BOURDIEU, 1997) que resultou em um escândalo político-midiático e,
posteriormente, no impeachment do então presidente.
Nas eleições de 1994, a atuação da mídia em favor do Plano Real garante uma
exposição positiva do candidato FHC - que havia ocupado o Ministério da Fazenda e contava
com o apoio do então presidente Itamar Franco - em detrimento da campanha de Lula. O
petista também sofreu restrições com a nova legislação eleitoral que proibia o uso de imagens
externas, o que o impediu de veicular o evento político das Caravanas da Cidadania no
horário político eleitoral (RUBIM, 2003). Outro ponto destacado nessas eleições é o
silenciamento do “escândalo das parabólicas”. Sem saber que as imagens poderiam ser
captadas por antenas parabólicas, o ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, que substituiu
FHC, “assumiu o uso da máquina administrativa do governo para o favorecimento da
candidatura de FHC e revelou como funcionava o esquema de utilização da mídia, em
especial da Globo, para promover o Real e, em consequência, o candidato do governo”
(RUBIM, 2003, p.25).
O silenciamento da mídia também marcou as eleições de 1998. Conforme Rubim e
Colling (2004), os principais veículos de comunicação ignoraram problemas enfrentados pelo
país naquele momento e deram pouca visibilidade ao processo eleitoral como forma de
garantir a manutenção do mandato de FHC.
A tradição governista da maior parte da mídia brasileira outra vez se
realizou. Mais que isto, ficou patente uma afinidade ideológica entre setores
dominantes no campo político e boa parcela da mídia em torno de FHC, do
Plano Real e das proposições neoliberais para o Brasil. Esta afinidade eletiva
não derivava, entretanto, exclusivamente de uma convicção ou afiliação
ideológica, mas de uma crônica dependência da mídia ao Estado
(endividamento, financiamento de negócios, publicidade etc) e dos interesses
das empresas de comunicação na privatização de estatais, especialmente do
ramo das telecomunicações, coincidentemente realizada em ano eleitoral.
(RUBIM, COLLING, 2004, p.25)
É válido destacar mais um escândalo que teve pouca atenção da imprensa em geral. De
acordo com Rovai (2007), em 1997, ano pré-eleitoral, a Folha de S. Paulo noticiou a compra
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Ao analisar esse primeiro ciclo eleitoral do país após a ditadura, Rubim e Colling
(2004) chegam a uma conclusão semelhante a de Bourdieu (1997), na qual a mídia age sobre
os campos sociais, da mesma forma que esses campos também interferem nas formas de
atuação da mídia.
A mídia não funciona apenas como um elo de intermediação (passiva) entre
política e cidadãos. Nesta mediação há intervenção ativa de muitos atores
sociais, tais como proprietários das empresas, profissionais, anunciantes,
fontes, entidades, forças políticas presentes na sociedade. Além disso, ela
sofre os efeitos da cultura e rotinas de produção, que inevitavelmente irão
envolver seleções, agendamentos, silenciamentos, enquadramentos etc.
(RUBIM, COLLING, 2004, p.31)
A apuração por vezes é substituída pela dramatização. Com seus “óculos especiais”
(BOURDIEU, 1997), os jornalistas buscam “o sensacional, o espetacular” e adotam um
“caráter dramático, trágico”, ao narrar os acontecimentos, especialmente os que
“desqualificam” o campo político. Além de possíveis interesses específicos, essa estratégia
está relacionada à lógica comercial dos meios de comunicação.
[...] não há narrativas que rendam mais do que aquelas que dão conta do
escândalo político. O escândalo político é, assim, a glória do jornalismo-
espetáculo. É na narrativa que constitui o escândalo – sim, porque o
escândalo não é o fato, mas o que a narrativa constrói – que se pode
desfrutar de toda a destreza da arte dramática do jornalismo. (GOMES,
2004, p.353)
O resultado foi uma cobertura jornalística desfavorável ao então presidente Lula (PT)
frente ao candidato Geraldo Alckmin (PSDB). Como o resultado das eleições não depende
apenas da mídia e sim de uma série de conjunturas políticas, econômicas e culturais, mesmo
sem o apoio da imprensa, Lula garantiu a reeleição.
Para vários estudiosos, a grave crise política de 2005 e as eleições
presidenciais de 2006 marcam uma ruptura na relação histórica entre a
grande mídia e a política eleitoral no Brasil. Nas comemorações populares
após o segundo turno das eleições, surgiram faixas nas ruas com os dizeres
“O povo venceu a mídia”, e há avaliações sérias que consideram a grande
mídia a principal derrotada no processo eleitoral”. (LIMA, 2007, p.16)
O resultado é que as eleições de 2014 "rachou" o país, com uma “campanha marcada
pela agressividade, pelo ódio e pelo preconceito, apoiada por parte da mídia”, e que “levou a
uma separação entre ricos e pobres e nordestinos e paulistanos" (BIBINI, 2016, p.9). Cenário
que seria então agravado com o impeachment da presidente Dilma Rousseff e as eleições de
2018.
Enquanto isso, as investigações da Lava Jato continuavam (e continuam) afetando o
cenário político brasileiro. Ao fazer uma análise sobre a crise brasileira, Pinto (2019, p.14)
considera que houve uma “flexibilização ou mesmo a quebra do regramento jurídico (leis e
Constituição)”, que se iniciou no Mensalão e se consolidou na Operação Lava Jato, com o
apoio do STF, da mídia e do TRF 4ª Região.
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[...] a operação Lava Jato precisou gerar instabilidade política (um dos
elementos centrais de sua estratégia), por meio de vazamentos ilegais para a
imprensa, para pressionar os agentes políticos e as instâncias superiores do
judiciário para prosseguir no combate à corrupção. Para que esta estratégia
fosse efetivada, fez-se necessário formar um consórcio não formal entre a
Lava Jato em Curitiba e os grandes meios de comunicação (Globo,
Bandeirantes, Folha, Estadão). Com esse consórcio foi possível legitimar o
mecanismo, junto à opinião pública, sem que fossem investigados os crimes
de abuso de autoridade. Os fins (combate à corrupção e a refundação do
Brasil) justificariam os meios. (PINTO, 2019, p.15)
esta confusão de papéis, por fim bastante apreciada pelo público, prejudica a
todos. Nesta dança das cadeiras a três (políticos, magistrados, jornalistas), os
jornalistas não ganham em legitimidade”. (WOLTON, 2006, p.45)
A legitimidade da imprensa, até então, questionada por grupos de esquerda, passa a ser
alvo de desconfiança de todos os setores políticos, que foram expostos pelos escândalos, e
consequentemente, de boa parte da população. O clima de instabilidade reverbera no campo
jornalístico e prejudica a qualidade dos debates sobre o campo político e outros campos
sociais. Em contexto mais amplo, o caos produzido pela crise da política e da imprensa gera
o cenário ideal para o surgimento de um “salvador da pátria” (MORETZSOHN, 2015).
disputa pela Presidência da República, em 2018, foram Jair Bolsonaro (PSL), Fernando
Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede).
Ironicamente, o candidato com maior visibilidade durante as eleições de 2018 foi
justamente o que mais criticou a imprensa brasileira. Isso porque a mídia tratou o evento
político como um espetáculo.
Jair Bolsonaro teve destaque na imprensa com seu discurso de ódio. Fez
apologia ao racismo, preconceito e misoginia. Identificamos, no caso do
parlamentar, além de elementos oriundos do espetáculo um forte discurso de
ódio e medo, propagado pela sua apologia às armas. A imprensa, em
contrapartida, veicula intensamente esses posicionamentos, gerando uma
espetacularização do processo. (CIOCCARI; PERSICHETTI, 2018, p.61)
Assim, “espetáculo, política e mídia estão cada vez mais interligados, mesmo quando
tentam agir em lados opostos” (CIOCCARI; PERSICHETTI, 2019, p.99). Outro exemplo de
que esses elementos dominaram a atuação da imprensa durante as eleições 2018 são as
entrevistas realizadas pelo Jornal Nacional com os candidatos. A maior parte das perguntas
foi relacionada à conduta e projetos polêmicos dos políticos e não sobre os planos de governo.
Situação que nos remete à análise de Bourdieu (1997, p.44), de que “o apresentador faz
intervenções restritivas. É ele quem impõe o assunto, quem impõe a problemática” e que
“distribui os tempos de palavra, distribui o tom da palavra, respeitoso ou desdenhoso,
atencioso ou impaciente”. Nesse caso, a “distribuição” pouco contribuiu para esclarecer e
potencializou as tensões entre os campos jornalístico e político.
O enquadramento da imprensa era de conflito, entre os políticos e o jornalismo, e entre
os candidatos, como é comum em coberturas eleitorais. De acordo com Gomes (2004, p.349),
“o jornalismo-espetáculo passa ao público a mensagem de que a política é basicamente um
campo de guerra”. Essa abordagem da mídia acabou por acirrar a polarização entre os
eleitores e os candidatos.
O conflito é um dos enquadramentos dramáticos mais utilizados no
jornalismo político, sobretudo na cobertura jornalística das campanhas
eleitorais. Mais do que discutirem e analisarem as propostas políticas e os
programas dos candidatos, o jornalismo promove os confrontos, as
hostilidades e a troca de acusações. Conscientes de que o jornalismo institui
a realidade política como um campo de actores antagónicos em permanente
confronto, os dirigentes políticos sabem que quanto maior for o número de
ataques verbais desferidos, tanto maior é a possibilidade de captarem a
atenção dos media e, mais importante, de assegurarem a sua presença no
campo da visibilidade pública controlado pelos agentes do sistema
informativo. O conflito aumenta exponencialmente a noticiabilidade e a
espectacularidade de um acontecimento. (PRIOR, 2015, p.18)
É importante destacar que o contexto das eleições de 2018 também foi marcado pelo
uso expressivo das mídias digitais, seja por parte da população, dos candidatos e da própria
imprensa tradicional, e que há diversos fatores que resultaram na crise da imprensa, a
considerar fatores econômicos, condições de trabalho, a própria concorrência com os meios
digitais, a disseminação de fake news e o contexto de pós-verdade na qual a sociedade atual
está inserida. No entanto, o que se pretende nesse artigo é refletir de que forma a atuação
histórica da própria mídia, assim como nas eleições de 2018, potencializou a desconfiança do
público.
Se a enxurrada de notícias falsas é apontada como a grande vilã que
conduziu o ultraconservadorismo ao poder, cabe também diagnosticar em
que terreno ela desaguou de forma tão violenta. A cobertura da mídia teceu
uma campanha antecipada de desinformação e proporcionou um ambiente
que conduziu as pessoas ao erro e à violência. A falsa neutralidade dos
principais veículos de comunicação reverberou, sem críticas, as posições
anti-democráticas, de apologia à violência e ao preconceito, do então
deputado, Jair Bolsonaro. Na falsa intenção de “ouvir os dois lados”, a
imprensa autorizou o seu público a ler incitações ao crime como liberdade de
expressão. É uma forma também de se abster de um dever ético do
jornalismo: a defesa dos direitos humanos (PEIXOTO, 2019, s/n).
6. Considerações finais
Esse breve levantamento faz parte de uma pesquisa em desenvolvimento no âmbito do
Mestrado em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul que analisa as
críticas da população à imprensa durante o período eleitoral de 2018, nas páginas dos jornais
Correio do Estado e Campo Grande News no Facebook. O objetivo deste artigo foi buscar
uma contextualização político-midiática para compreender questões relacionadas à
legitimidade da imprensa a partir das estratégias adotadas pelo campo jornalístico e dos
tensionamentos desta com o campo da política.
O período eleitoral é um dos mais importantes em uma democracia. Desta forma, a
análise da atuação da imprensa durante as eleições permite a identificação de questões
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relevantes sobre a contraditória relação entre comunicação e política. É possível observar que
a mídia pode atuar a favor dos poderes dominantes para “manutenção da ordem simbólica” ou
como oposição ao Estado sob a justificativa de “vigilância” constante em prol do interesse
público.
Considera-se que a atuação da imprensa, caracterizada ainda pela espetacularização e
construção de escândalos políticos-midiáticos, contribuiu para a despolitização da população,
deslegitimação da política e, consequentemente, do próprio campo jornalístico. No entanto, os
campos sociais (BOURDIEU, 1997) estão interligados, em constante negociação de sentido.
E o campo dos media é fundamental para a representação dos campos sociais, influenciando e
sendo influenciado por eles, e é o responsável pela organização desse “mundo fragmentado”
(RODRIGUES, 1999).
A crise de legitimidade da imprensa exige novos posicionamentos. É necessária uma
reformulação do próprio discurso informativo diante das mudanças em suas condições sociais
de existência (GOMES, 2007). Ao invés da promessa de isenção ou neutralidade, o
jornalismo deve buscar o pluralismo (CIOCCARI; PERSICHETTI, 2019), com um debate de
ideias opostas que possa esclarecer e não dividir. Esse pluralismo pode estar na construção da
notícia ou na participação do leitor por meio das plataformas digitais, por exemplo. Dar
visibilidade às diferentes opiniões é uma forma de ampliar o enquadramento de determinado
conteúdo e também de aproximar meios de comunicação e público.
Entre os pontos abordados por Aldé (2007) para a democratização da comunicação
política está o conhecimento das técnicas e possibilidades da imprensa pelo cidadão. A
transparência é um caminho a se considerar, ao conhecer as complexidades que envolvem o
processo noticioso, o leitor poderá ter uma visão crítica das notícias, e não cética ou ingênua.
Há ainda a possibilidade de formas alternativas de financiamento, como assinaturas e
contribuições da própria população, que podem diminuir a dependência de verbas
governamentais e dos anunciantes.
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