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A civilização ocidental estabeleceu os seus Temos, pelo contrário, procurado mostrar que a
soldados, as suas feitorias, as suas plantações e verdadeira contribuição das culturas não consiste
os seus missionários em todo o mundo: interveio, na lista das suas invenções particulares, mas no
direta ou indiretamente, na vida de populações de desvio diferencial que oferecem entre si.
cor, revolucionou de alto a baixo o modo tradicional
de existência destas, quer impondo o seu, quer 10. O duplo sentido do progresso
instaurando condições que engendrariam o A humanidade está constantemente em luta com
desmoronar dos quadros existentes sem os dois processos contraditórios, para instaurar a
substituir por outra coisa. Aos povos subjugados unificação, enquanto que o outro visa manter ou
ou desorganizados não restava senão aceitar as restabelecer a diversificação.
soluções de substituição que lhes eram oferecidas
ou, caso não estivessem dispostos a isso, esperar A necessidade de preservar a diversidade das
uma aproximação suficiente para estarem em culturas num mundo ameaçado pela monotonia e
condições de os combaterem no mesmo campo. pela uniformidade não escapou certamente às
instituições internacionais
8. Acaso e civilização
• Resenha
Sabemos que os etnógrafos são muitas vezes
limitados nas suas observações pelas mudanças Lévi-Strauss defende uma teoria de cooperação
sutis que a sua simples presença é suficiente entre as comunidades. Segundo ele não há indícios
para introduzir no grupo humano objeto de seu arqueológicos que comprovem tal superioridade ou
estudo. inferioridade entre diferentes povos. É muito
provável que algum povo que tenha inventado
algo significativo, tenha assim o feito pelo
contato inter tribal, assim esse contato tenha culturas que trilharam outros caminhos. Deste
proporcionando a troca de experiências e a ângulo de visão, quaisquer progressos técnicos de
agregação de valores para ambas as tribos. outras sociedades são vistos como obra do
"acaso", diferentemente da sociedade ocidental
Lévi-Strauss cria um modelo teórico político, onde
que "progride" pela reflexão e investimento
os indivíduos devem se ajudar mutuamente para
objetivo e consciente.
caminharem mais facilmente na resolução das
dificuldades da vida cotidiana. Um modelo onde as Enfim, na resposta à questão sobre como as
culturas devem somar conhecimento diferentes sociedades e culturas interagem,
encontra-se a valorização da diferença como
A diversidade, apesar de não ser mensurável,
elemento produtivo. É justamente o
vinha sendo comumente retratada como uma
afastamento diferencial entre as culturas que
diferença derivada de um processo evolutivo, ou
oferece as maiores probabilidades de
seja, enquanto algumas culturas evoluíram,
configuração de novos elementos de
outras permaneceram estáticas. Ora, supor que
desenvolvimento para todas elas.
alguma cultura estaria isenta da influência do
tempo seria propor um absurdo. Entretanto, tal • Aula
absurdo permaneceu por muito tempo como
sustentáculo das teorias evolucionistas sociais, - Definição de etnocentrismo: “Visão de mundo na
que viam nas sociedades "primitivas" um estágio qual o centro de tudo é o próprio grupo a que o
anterior do desenvolvimento da cultura ocidental. indivíduo pertence; tomando-o por base, são
escalonados e avaliados todos os outros grupos”
Transposta à situação de contatos culturais, (SUMNER, W. G., Folkways, Boston: Ginn, 1906).
conclui-se que quanto maior o número de contato
entre culturas diferentes, maiores as - O etnocentrismo pode ser dito “a atitude mais
probabilidades de desenvolvimentos específicos antiga” no trato com a alteridade.
em quaisquer delas. Dessa forma, Lévi-Strauss [Do texto de Lévi-Strauss, “Raça e História”, p.
procura valorizar a coexistência de diferentes 333-4; grifo meu]: A atitude mais antiga, e que
estruturas culturais como forma de impulsionar se baseia indiscutivelmente em fundamentos
o "desenvolvimento" de todas elas. psicológicos sólidos (já que tende a reaparecer em
Assim, para uma compreensão mais ampla do cada um de nós quando nos situamos numa
"outro" faz-se necessária uma mudança de situação inesperada), consiste em repudiar pura
perspectiva, ou ao menos na crítica da e simplesmente as formas culturais: morais,
perspectiva tradicional com a qual a sociedade religiosas, sociais, estéticas, que são as mais
ocidental enxerga o "outro". Dominado pela ideia afastadas daquelas com as quais nos
de "progresso" e, logo, pela construção de sua identificamos. “Hábitos de selvagens”, “na minha
história como uma evolução paulatina e terra é diferente”, “não se deveria permitir isso”
relativamente constante, o Ocidente toma-se etc, tantas reações grosseiras que traduzem
como modelo, o que redunda na explicação esse mesmo calafrio, essa mesma repulsa diante
evolucionista social anteriormente criticada. Ou de maneiras de viver, crer ou pensar que nos são
seja, é preciso rever o próprio conceito de estranhas. Assim, a Antiguidade confundia tudo
progresso, que o autor classifica então como não o que não participava da cultura grega (depois
linear e ocorrendo aos "saltos". greco-romana) sob a mesma denominação de
bárbaro; a civilização ocidental utilizou em
Uma vez que a cultura ocidental trilhou um seguida o termo selvagem com o mesmo sentido.
caminho de progressão técnica para sua Ora, subjacente a esses epítetos dissimula-se um
reprodução e expansão, é com base nesse conceito mesmo julgamento: é provável que a palavra
que observa as demais, tornando-se incapaz de bárbaro se refira etimologicamente à confusão e
perceber eventuais "desenvolvimentos" de outras à inarticulação do canto dos pássaros, opostas ao
valor significante da linguagem humana; e constituição do Estado-Nação//identidade
selvagem, que quer dizer “da selva”, evoca nacional → toda formação estatal é etnocida.
também um gênero de vida animal, por oposição
◊ diferenças entre “Estados bárbaros” e
à cultura humana. Em ambos os casos, recusamos
“Estados civilizados”. O que a civilização ocidental
admitir o próprio fato da diversidade cultural;
contem que a torna infinitamente mais etnocida
preferimos lançar fora da cultura, na natureza,
que qualquer outra forma de sociedade?
tudo o que não se conforma à norma sob a qual se
vive. (...) Esta atitude de pensamento, em nome b) Regime de produção econômica → capitalismo
da qual os “selvagens” (ou todos aqueles que se → os imperativos produtivistas e exploração
convencionou considerar como tais) são excluídos incansável de todos os “recursos” naturais e
da humanidade, é justamente a atitude mais humanos (mão-de-obra)
marcante e distintiva destes próprios selvagens.
Se as culturas são diversas, existem,
Com efeito, sabe-se que a noção de humanidade,
consequentemente, diferentes maneiras de ser
englobando, sem distinção de raça ou civilização,
etnocêntrico. Isto porque trocamos a própria
todas as formas da espécie humana, é muito
composição do centro valorativo em torno do qual
recente e de expansão limitada. Mesmo onde ela
serão postos em órbita os outros grupos
parece ter atingido seu desenvolvimento mais
culturais que estão sendo avaliados e
elevado, não é certo, de modo algum – como a
escalonados. O etnocentrismo não pode ser
história recente o mostra – que não esteja
percebido senão através de um deslocamento de
sujeita a equívocos e regressões. Mas para
perspectiva.
vastas frações da espécie humana e durante
dezenas de milênios, esta noção parece estar [do texto de Claude Lévi-Strauss, “Raça e
totalmente ausente. A humanidade cessa nas História”, p. 334]: Nas grandes Antilhas, alguns
fronteiras da tribo, do grupo linguístico, às vezes anos após a descoberta da América, enquanto os
mesmo da aldeia; a tal ponto, que um grande espanhóis enviavam comissões de investigação
número de populações ditas primitivas se para pesquisar se os indígenas tinham ou não
autodesignam [etônimos] com um nome que uma alma, estes últimos dedicavam-se a imergir
significa “os homens” (ou às vezes – digamo-lo brancos prisioneiros, a fim de verificar, após uma
com mais discrição? – os “bons”, os “excelentes”, vigília prolongada, se seu cadáver estava ou não
os “completos”), implicando assim que as outras sujeito à putrefação.
tribos, grupos ou aldeias não participam das
virtudes ou mesmo da natureza humana, mas
são, quando muito, compostos de “maus”, de
“malvados”, de “macacos da terra” ou “ovos de
piolho”. Chega-se frequentemente a privar o
estrangeiro deste último grau de realidade,
fazendo dele um “fantasma” ou uma “aparição”.
°
- “A alteridade cultural nunca é apreendida como
diferença positiva, mas sempre como
inferioridade segundo um eixo hierárquico”