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https://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0904200907.htm
COMPORTAMENTO
10 pecados da terapia
Especialistas comentam lista que inclui os comportamentos que todo psicólogo
ou analista deveria evitar, já que podem atrapalhar o processo terapêutico
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
A dona de casa Elisandra Bonfim, 28, fez terapia durante 12 anos. Teve duas
psicólogas, chegou a ter sessões todos os dias da semana e gostava do processo.
Mas diz que, com a última delas, que a atendeu por cinco anos, nunca teve coragem
de ir para o divã.
Tinha medo de que a terapeuta dormisse, pois ela bocejava com frequência. "Acho
que ela estava cansada naquela época, mas eu ficava muito incomodada com isso,
pois acontecia em quase toda sessão. Cheguei a falar com ela, mas nada mudou",
conta.
Outro problema era o fato de a profissional olhar demais para o relógio. "Sei que
não pode passar da hora, mas eu ficava irritada com isso. Às vezes eu estava
contando alguma coisa, tinha vários sentimentos envolvidos ali", lembra.
Nem por isso a terapeuta era pontual, diz Elisandra. Uma vez, chegou quando
faltavam só dez minutos para o fim da sessão -foi preciso remarcar o encontro e
voltar outro dia. "Ficava ansiosa, na expectativa. Tudo o que tinha planejado falar
sumia da minha mente."
As atitudes descritas por Elisandra são algumas das citadas em uma lista que traz
12 maus hábitos que todo terapeuta deveria evitar. O autor também é psicólogo:
o americano John Grohol, criador do portal Psych Central
(www.psychcentral.com), acessado mensalmente por 800 mil pessoas e eleito um
dos 50 melhores de 2008 pela revista "Time".
Segundo Grohol, a relação entre terapeuta e cliente é única: pode ser mais íntima
do que o mais íntimo dos relacionamentos, mas, paradoxalmente, exige uma
distância profissional. "Os terapeutas são tão humanos quanto seus pacientes e
possuem as mesmas fobias. Eles têm maus hábitos, como todos nós temos, mas
alguns deles podem realmente interferir no processo terapêutico", escreveu.
A Folha selecionou dez comportamentos citados por Grohol e pediu a especialistas
brasileiros que os comentassem. Muitos deles não são um problema quando
ocorrem isoladamente, mas podem atrapalhar a terapia quando se tornam um
hábito.
Se eles passam a incomodar o paciente, a recomendação é ser sincero. "O paciente
tem o direito de expressar as necessidades dele", diz a psicóloga Regina Wielenska,
supervisora de terapia comportamental do curso de terapia comportamental e
cognitiva do Hospital Universitário da USP (Universidade de São Paulo).
Wielenska lembra, porém, que algumas pessoas vão para a terapia justamente por
terem dificuldade de se expressar.
"É o pior dos mundos quando o terapeuta tem atitudes inadequadas e o cliente não
consegue se proteger delas. O melhor é quando ele se sente em condições de
comunicar quando não concorda com alguma coisa", afirma.
"É melhor oferecer apoio ao cliente comendo do que negar esse apoio por falta de
horário", diz Banaco.
2 - Atender ao telefone
Denise Thornberg conta que seu terapeuta escrevia tanto que a incomodava. "Ele
não me olhava nos olhos." Para Wielenska, o terapeuta deve pedir autorização para
anotar e manter o contato com ele enquanto faz isso. "Quem trabalha frente a
frente com alguém deve preservar o olhar e a atenção."
O terapeuta pode ter que ficar mais tempo com um paciente, o que acarretará
atrasos nas sessões seguintes. Mas, de novo, isso não deve ser hábito. "Quando o
profissional estender a sessão desse cliente, ele saberá que os atrasos devem-se ao
acolhimento para quem precisa, em contraposição à regra fria de que a sessão dura
"X" minutos", diz Banaco. Ele acredita que, quando a demora é grande, o terapeuta
deve dar satisfação a quem aguarda.
Para Cyrino, o atraso é muito comprometedor. "O analista deve sempre aguardar
o paciente, para que ele tenha uma sensação de constância dentro da instabilidade
afetiva que o traz ao tratamento. Como interpretar atrasos constantes de um
paciente, que podem ter mil acepções, se o analista também se atrasa?",
questiona.
O terapeuta precisa controlar o tempo. Mas olhar demais para o relógio pode dar
a impressão de que ele tem pressa para terminar a consulta.
Denise Thornberg trocou o terapeuta que tomava refrigerante por outra e está
gostando. Mas diz que a atual olha demais para o relógio. "Enquanto eu falo, ela
fica de olho para ver quando a sessão vai acabar. Isso desvia minha atenção. Penso:
"Será que estou falando muita coisa sem sentido?"."
Segundo Cyrino, com a experiência, o terapeuta ganha uma noção de tempo
automática. "Mas ele não é máquina. Um recurso é ter um relógio num lugar
discreto e consultá-lo sem caráter ostensivo." Já se isso ocorrer com um paciente
específico, o terapeuta deve se perguntar o que está acontecendo na relação com
ele.
7 - Bocejar demais
Bocejar não é o problema: como qualquer pessoa, o terapeuta pode estar cansado
em um determinado dia. A questão é quando a atitude se torna um hábito, que
costuma ser interpretado pelo paciente como falta de interesse.
Mas, se o terapeuta não encontrar explicação para o sono e ele ocorrer sempre
com um paciente específico, esse fato pode se tornar uma informação importante
na terapia. "O cliente pode ter um padrão de comportamento que gera tédio
também fora do consultório", diz Regina Wielenska. "Mas essa atitude [bocejar]
deve ser contida, pois a terapia requer foco e concentração."
Já dormir é tido como inadmissível. "Se o terapeuta percebe que não suporta o
sono, deve suspender a sessão", diz Roberto Banaco.
Mas, se o terapeuta sente falta de amigos, não deve buscá-los nos clientes. "O
analista pode estar carente, pois é de carne e osso. Nesse caso, deve redobrar a
atenção para não misturar sua vida à do paciente. Muitos gostariam de ser amigos
do analista, mas isso desvirtua o foco da terapia", diz Cyrino.
A chave é ver se há propósito terapêutico. "Qualquer fala sobre si mesmo que não
tenha um propósito terapêutico é uma fala em demasia", diz Banaco.
Segundo ele, se o paciente tem o terapeuta como modelo e segue seus conselhos
cegamente ou o imita, expor a vida pessoal é ainda mais danoso.
10 - Vestir-se inadequadamente
Como qualquer pessoa, o terapeuta tem seu estilo e não precisa abrir mão dele no
ambiente profissional. "Atendemos surfistas, publicitários, executivos. Não
podemos ser camaleões para nos ajustarmos ao estilo de cada cliente. O terapeuta
só não pode estar vestido de maneira profundamente chamativa, vulgar, suja ou
descuidada. O resto é uma questão pessoal", diz Wielenska.
De fato, há limites. "Deixar à vista longas extensões de pele não é desejável:
bermudas, camisas abertas, decotes pronunciados ou saias tão curtas que mostrem
a roupa de baixo são absolutamente inapropriados", lista Banaco.
Para Cyrino, o foco não deve ser o terapeuta, inclusive no quesito vestimenta. "Não
é necessário vir de batina, mas o oposto faz com que o foco de atenção se desvie
do paciente para o analista. E é o paciente que veio mostrar seus conteúdos", diz
Cyrino.