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[1] Universidade de São Paulo (USP) [2] Clínica Reinventar – Espaço de Aprendizagem| Título abreviado: Análise do comportamento aplicada ao autismo e atuação
socialmente responsável | Endereço para correspondência: Táhcita M. Mizael – Instituto de Psicologia (IP – USP) Av. Professor Mello Moraes, 1721 – Bloco F –
Cidade Universitária – São Paulo/SP. CEP 05508-030 | Email: tahcitammizael@gmail.com | doi: org/10.18761/VEEM.457613
Resumo: Uma das formas de tratamento baseada em evidências para pessoas autistas é a
Análise do Comportamento Aplicada (ABA), reconhecida pela sua eficácia e validade cien-
tífica. Entretanto, muitas pesquisas em ABA têm se focado em intervenções com crianças.
Assim, o objetivo deste trabalho é realizar um ensaio problematizando o baixo número de
estudos com adultos e mulheres autistas, com foco na realidade brasileira, além da tendên-
cia de não incluir os próprios autistas nas decisões de pesquisa e intervenção. Constatou-se
que, de fato, a quantidade de estudos em ABA com mulheres e adultos é escassa. Também se
evidenciou que a população autista não tem sido consultada no planejamento e avaliação de
pesquisas e intervenções. Sugere-se, entre outras coisas, a proposição de estudos sobre clínica
analítico-comportamental no atendimento de mulheres e adultos autistas e a inclusão de au-
tistas na escolha dos temas de pesquisa, assim como na definição de metas e na avaliação da
eficácia das intervenções. Por fim, sugerimos também que a ética se torne um aspecto central
nos cursos e discussões sobre a ABA ao autismo.
Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista (TEA); análise aplicada do comportamento
(ABA); gênero; adultos autistas; protagonismo autista; ética.
Resumen: Una de las formas de tratamiento basada en evidencia para personas autistas es el
Análisis Aplicado de Conducta (ABA), reconocido por su efectividad y validez científica. Sin
embargo, muchas investigaciones de ABA se han centrado en intervenciones con niños. De
este modo, el objetivo de este estudio es realizar un ensayo problematizando el bajo número
de estudios con adultos y mujeres autistas, enfocando la realidad brasileña, además de la ten-
dencia a no incluir a los autistas en las decisiones de investigación e intervención. Se encontró
que, de hecho, el número de estudios en ABA con mujeres y adultos es escaso. También se
evidenció que los autistas, en general, no son consultados en las etapas de planeamiento y
evaluación de investigaciones e intervenciones. Una sugerencia es la proposición de estudios
sobre el análisis de la conducta clínico en la atención de mujeres y adultos autistas, la inclu-
sión de personas autistas en la elección de temas de investigación, así como en la definición de
metas y en la evaluación de la eficacia de las intervenciones. Finalmente, también sugerimos
que la ética se convierta en un aspecto central en los cursos y discusiones sobre el análisis de
la conducta aplicado al autismo.
Palavras clave: Trastorno del Espectro Autista (TEA); Análisis Aplicado de Conducta
(ABA); género; adultos autistas; protagonismo autista; ética.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um variam e, no Brasil, ainda não há prevalências ofi-
transtorno do neurodesenvolvimento diagnosti- ciais, apenas dados de um estudo piloto (Paula et
cado através de observação clínica. A quinta edi- al., 2011) que indicou um caso para cada 370 habi-
ção do Diagnostic and Statistical Manual of Mental tantes. Fombonne (2003) afirma que a frequência
Disorders (DSM-5) evidencia as características de diagnósticos de TEA têm aumentado em razão
presentes nos indivíduos com TEA, que consistem do aperfeiçoamento do diagnóstico e disseminação
em dois domínios centrais: 1) déficits na comuni- dos meios para obtê-lo, assim como do maior aces-
cação social e interação social e 2) padrões repeti- so da população aos tipos de intervenção.
tivos e restritos de comportamento, interesses ou Com relação à incidência de TEA por gênero,
atividades. Por ser uma condição do neurodesen- estimativas indicavam a proporção de uma me-
volvimento, é importante que essas características nina com TEA para cada quatro meninos (e.g.,
estejam presentes desde os primeiros anos de vida Fombonne, 2009). Entretanto, nas últimas décadas,
(American Psychiatric Association – APA, 2013). alguns estudos têm problematizado se, de fato, a di-
Outro fator relevante de ser mencionado se refere ferença na incidência de TEA pode estar relacionada
ao fato de o TEA estar associado a outras condi- a uma discrepância nos sinais de TEA em meninas e
ções, a saber, epilepsia, depressão, hiperatividade, mulheres, em comparação com meninos e homens.
deficiência intelectual, atrasos na linguagem, etc. O reforçamento diferencial de comportamentos dis-
(e.g., Oliveira & Sertié, 2017). Além disso, e como tintos nos homens e mulheres, isto é, o endosso aos
o próprio nome indica (espectro), é comum que o estereótipos de gênero, é uma das hipóteses para
nível de funcionamento intelectual dos indivídu- uma possível apresentação diferenciada das caracte-
os com TEA seja bastante variável, estendendo-se rísticas de TEA em homens e mulheres (e.g., Milner
desde um comprometimento profundo até níveis et al., 2019). De fato, pesquisas têm demonstrado
superiores de inteligência, de acordo com o Pan que é comum que mulheres com TEA camuflem
American Health Organization (2014). suas dificuldades e apresentem interesses restritos
Dados sobre a prevalência de crianças com TEA em atividades que não são consideradas discrepantes
apontam para 1 entre 54 crianças na faixa de oito com o que é esperado pelos estereótipos de gênero,
anos de idade, de acordo com dados administrativos como em cavalos (e.g., Bargiela et al., 2016).
coletados pelo Centro de Controle de Doenças dos Além disso, há evidências de que, para atingir os
Estados Unidos (Centers for Disease Control – CDC, critérios estabelecidos no DSM ou na Classificação
2020). Nos últimos anos, podemos observar um au- Internacional de Doenças (CID), as mulheres pre-
mento exponencial da prevalência de pessoas com cisam apresentar maior severidade nos sintomas de
TEA. Em 2004, o número divulgado pelo CDC era TEA e/ou maiores dificuldades cognitivas ou com-
de que uma pessoa em 166 era autista. Já em 2006, portamentais, em comparação com homens (e.g.,
os dados apontavam para uma em cada 150 pessoas. Bargiela et al., 2016). Não obstante, um dos maiores
Em 2008, a prevalência indicada foi para um indi- estudos sobre discrepância de diagnóstico do au-
víduo com TEA a cada 128 pessoas, e, em 2010, os tismo em homens e mulheres (Frazier et al., 2014)
dados indicavam uma a cada 110. Na penúltima pu- aponta que as mulheres tendem a ter menores ní-
blicação do CDC, em 2018, esse número estava em veis de interesses restritos.
uma em 59. Uma pesquisa recente realizada no Japão Dados relativamente recentes apontam que a
traz novos dados, apontando que uma de cada 32 proporção relativamente baixa das mulheres con-
pessoas é autista (Sasayama et al., 2021). sideradas de “alto funcionamento”1 pode refletir
No que se refere às estimativas de prevalência fatores biológicos de proteção ou pode ser devida a
da rede de monitoramento do autismo e outras de-
ficiências, é importante ressaltar que esses dados 1 “Alto-funcionamento”, se refere, grosso modo, a indivíduos
podem variar de acordo com o tipo de fonte dos autistas que possuem inteligência média ou acima da média e
certa autonomia, sendo comumente utilizado para se referir
dados, localização geográfica, faixas etárias, gru- a autistas nível 1 de suporte (Alvares et al., 2019). Apesar de
pos raciais e étnicos, comorbidades e critérios de o termo sem amplamente conhecido na área, ele é bastante
identificação. Portanto, as descobertas geralmente criticado pela comunidade autista.
sub-identificação (e.g., Lai et al., 2011; Lehnhardt, importância do conhecimento baseado na comuni-
2016). Concomitantemente aos questionamentos dade para, de fato, conseguirmos lidar com e inter-
sobre os critérios utilizados para diagnosticar o pretar problemas e fenômenos sociais. De acordo
TEA, estudos mais recentes têm mostrado incidên- com os autores, o que devemos fazer é:
cias diferentes da comum 4:1. Por exemplo, a de-
pender dos grupos comparados, como pessoas com não modificar o comportamento de comuni-
TEA e deficiência intelectual, estudos têm demons- dades porque nos disseram que a mudança
trado proporções de três meninos para cada meni- comportamental é importante, mas consultar
na com TEA, e até de dois meninos para uma me- e trabalhar com essas comunidades para, em
nina (e.g., Fombonne, 2009; Loomes et al., 2017). primeiro lugar, documentar e entender os con-
Uma das formas de tratamento baseada em textos sociais, e depois, modificar o que precisa
evidências para pessoas com TEA é a Análise ser mudado de acordo com eles (p. 78, itálicos
do Comportamento Aplicada (Applied Behavior adicionados).
Analysis – ABA), reconhecida pela sua eficácia e va-
lidade científica. A ABA tem como objetivo maxi- Assim, o “community-based knowlegde” (co-
mizar e desenvolver repertórios que estão em défi- nhecimento baseado na comunidade; e.g., Leugi
cit, reduzir excessos comportamentais (que podem & Guerin, 2016) parece se alinhar com o protago-
ser classificados como excesso comportamental, es- nismo autista. Será que nossa área está ouvindo a
tereotipias, comportamentos disruptivos – Howard população-alvo das intervenções realizadas cotidia-
et al., 2014), bem como trabalhar com questões de namente? Quantos estudos da análise do compor-
relevância social (Cooper et al., 2007), identifican- tamento têm trazido essas discussões ou se baseado
do comportamentos observáveis, estabelecendo no relato de pessoas autistas para planejar suas in-
comportamentos-alvo de mudança, e elaborando, tervenções?
assim, uma intervenção customizada para cada in- Além de ser um ponto importante nas discus-
divíduo e com avalição perene a fim de averiguar a sões sobre protagonismo autista, a discussão sobre
eficácia da intervenção aplicada. ouvir a população-alvo de tratamento pode ser vista
Na medida em que mais crianças estão sendo também como uma discussão sobre ética. Holland,
diagnosticadas precocemente, intervenções e pro- em seu aclamado artigo intitulado “Behaviorismo:
tocolos de avaliação têm emergido. Porém, ques- Parte do problema ou parte da solução?”, publica-
tiona-se se as pesquisas em ABA têm se focado em do em 1978, traz importantes apontamentos éticos
intervenções com crianças, possivelmente negli- para se pensar na atuação do analista do compor-
genciando indivíduos que foram diagnosticados tamento. O autor afirma:
tardiamente, além de nos questionarmos também
sobre a disparidade de estudos sobre autismo em é verdade que os analistas aplicados do com-
mulheres, uma vez que os dados indicam uma sub- portamento têm, em números esmagadores,
notificação do autismo no feminino. Portanto, pre- sido contratados para fazer trabalhos à serviço
cisa-se refletir acerca desta realidade, considerando daqueles no poder e, mesmo que a ciência, o
que não podemos deixar de pensar em ofertar tra- Behaviorismo, esteja pronta para ser parte da
tamento para mulheres e adultos com TEA. solução, o analista do comportamento aplicado
Outra questão importante na comunidade do tem muito frequentemente sido parte do pro-
autismo se refere ao protagonismo autista e sobre a blema. Mas amanhã, se nós formos verdadeiros
importância de incluir a população-alvo das inter- à nossa ciência, nós poderemos ser parte da so-
venções (os autistas) nas decisões sobre os temas lução. Pois a ciência da análise do comporta-
de investigação e, inclusive, na interpretação dos mento é baseada em uma visão dos indivíduos
resultados das pesquisas. Em seu artigo, “Para de- compatível com a reforma social (pp. 163-164).
sencadear uma revolução social analistas do com-
portamento devem abraçar o conhecimento comu- Considerando “a solução” como uma sociedade
nitário”, Leugi e Guerin (2016) comentam sobre a mais justa e com menos opressão, Holland (1978)
Tabela 1. Caracterização dos cursos sobre analise do comportamento aplicada ao autismo autorizadas pelo MEC.
Nota. *Site não encontrado. N/D = não disponibilizado no site. **apesar de a grade curricular não constar na página do curso,
consta que eles enviam a grade por e-mail e disponibilizam um endereço de e-mail para solicitá-la.
uma maneira sensível de minimizar esses efeitos atendiam adultos. Quase 60% atuava como aplica-
danosos (causados pelas tentativas de mudan- dora ou supervisora ABA.
ça de orientação sexual via controle aversivo)
é consultar aqueles que estão em contato mais Ética. Quanto ao número de disciplinas sobre ética
direto com os sistemas que nós gostaríamos de cursadas em sua formação, 31% disse ter cursado
modificar, e depois reavaliarmos os objetivos etrês a cinco disciplinas sobre ética. Outros 31%,
procedimentos com base nessa consulta (p. 82, duas disciplinas; 28,2% uma disciplina, e 9,9% ne-
parênteses adicionados). nhuma disciplina sobre ética. Quando a pergunta
especifica se as disciplinas sobre ética foram vol-
Nesse sentido, o que estamos propondo é uma tadas para o tratamento de indivíduos autistas, a
mudança em nossas práticas, com a prerrogativa maioria (62%) diz que não.
de que precisamos consultar as populações a quem
pretendemos servir e investigar o que é importante Literatura sobre Autismo na qual os Próprios
para elas, antes de decidirmos o que deve ser feito. Autistas foram Consultados sobre a Eficácia de
Além de precisarmos ampliar nossa visão em ter- Tratamentos. Diante da pergunta “Você já leu al-
mos de intervenção, também é necessário que nos gum artigo sobre autismo que analisou a opinião
comuniquemos com a comunidade autista para de autistas sobre a eficácia dos tratamentos recebi-
pensar a proposição de pesquisas que sejam úteis dos?”, a maioria (85,9%) respondeu que não. Esse
e consideradas importantes para os próprios indi- dado fortalece nosso argumento de que a popula-
víduos autistas. Algumas iniciativas deste tipo já ção autista, grosso modo, não tem sido consultada
existem, como é o caso da Cooperação em pesquisa à priori ou para avaliar intervenções realizadas por
sobre o Autismo (Autismus-Forschungs-Kooperation, analistas do comportamento.
AFK), projeto da Alemanha no qual acadêmicos
e autistas decidem, juntos, quais tópicos pesqui- O que estes Profissionais Gostariam de Aprender?
sar, utilizando como critério a opinião dos autis- Na pergunta “O que você não aprendeu sobre au-
tas sobre a relevância social dos temas (Lipinski et tismo em sua formação acadêmica e gostaria de
al., 2019). Em nossa busca de artigos sobre ABA aprender?”, os tópicos mais respondidos foram:
comentada no início do desenvolvimento, não en- “sexualidade” (57,7%) e “qualidade de vida na pers-
contramos nenhum trabalho no qual os próprios pectiva do autista” (57,7%), “autismo na vida adul-
autistas colaboraram, no sentido de avaliar os ins- ta” (52,1%) e “autismo na mulher” (49,3%). O item
trumentos utilizados, auxiliar na elaboração de “ética” foi apontado por 33,8% dos respondentes.
questionários e outros instrumentos, etc. Outro ponto que merece destaque, nesse item, foi
que os temas mais comentados estão fortemente
Avaliação preliminar com uma pequena presentes em adultos (sexualidade, qualidade de
amostra de profissionais que trabalham com vida na perspectiva do autista, autismo na vida
ABA ao autismo adulta) e em mulheres (autismo em mulheres), te-
Em um questionário informal, disponibilizado em mas centrais em nossa problematização sobre os
grupos de análise do comportamento do Facebook alcances de nossa ciência na população autista.
e em mídias sociais como o Instagram, fizemos
algumas perguntas para profissionais que utili-
zam ABA no atendimento de indivíduos autistas. Sugestões de Pesquisas
Setenta e uma pessoas responderam ao questioná- no Campo da ABA Voltadas
rio. A maioria se identificava com o gênero femi- para Autistas
nino (85,5%), e eram brancas (74,6%). A maioria Diante do cenário atual, no qual a atuação do ana-
tinha terminado ou estava fazendo pós-graduação lista do comportamento aplicado parece estar vol-
(53,5%), e atuava com a população autista há me- tada para crianças autistas, emerge a imprescindi-
nos de 10 anos (63,4%). Mais de 98% dos respon- bilidade de pesquisas e intervenções voltadas para o
dentes atendiam crianças, enquanto apenas 21,1% público adulto. É crucial que os atendimentos acon-
teçam ainda na primeira infância, mas nosso intui- que depressão, ansiedade e ideação suicida são
to é mostrar que, da mesma maneira que cresce ex- comuns na população autista (e.g., Buck et al.,
ponencialmente a prevalência de autismo, muitas 2014; Cassidy et al., 2014; Lipinski et al., 2019;
pessoas estão sendo diagnosticadas tardiamente, o Lugnegård et al., 2011), e focos comuns de in-
que acarretará em uma grande população de autis- tervenção na psicoterapia.
tas adultos que não tiveram suporte ou tratamento
adequados, e na possibilidade de não estarmos ap- 2) Pesquisas que investiguem o que controla
tos para dar suporte necessário. a maior vulnerabilidade à violência na popu-
Ainda temos poucos protocolos de avaliação/ lação autista, em especial, a vulnerabilidade a
intervenção para autistas adolescentes e adultos. violência sexual em mulheres autistas: para
Os mais conhecidos são: Socially Savyy, Social Skills ampliar o escopo da ABA no atendimento de
Solutions e o Assessment of Functional Living Skills adultos e mulheres autistas, é necessário que
(AFLS). Entretanto, precisamos de mais evidências tenhamos estudos básicos/experimentais, que
cientificas sobre a aplicação destes protocolos, as- produzam dados a serem, no futuro, aplicados
sim como a proposição de mais estudos sobre aten- nessa e outras questões. No estudo de Bargiela
dimento de autistas adultos e mulheres. et al. (2016), por exemplo, diversas participan-
Para ampliar o escopo e o alcance da ABA no tes (mulheres autistas) relataram situações de
atendimento de autistas, sugerimos: violência sexual. Nesse sentido, poderiam ser
investigados, por exemplo, o impacto do segui-
1) O aumento de pesquisas sobre clínica ana- mento de regras na incidência de violência se-
lítico-comportamental com autistas adultos: xual (e.g., aprender que para namorar, é preciso
Mizael (2021), em uma pesquisa sobre a atu- fazer tudo o que o namorado deseja) e possíveis
ação da psicologia clínica no autismo, buscou relações entre alguns déficits na comunicação e
em quatro bases de dados estudos sobre psi- interação social – e.g., dificuldade em entender
coterapia em autistas, encontrando apenas um sarcasmo e ironia – na inserção e manutenção
estudo escrito em língua portuguesa (Almeida- de relacionamentos abusivos, sejam eles român-
Prado, 1997). Quando falamos sobre ABA, é co- ticos ou não. Além disso, operações motivado-
mum pensarmos em intervenções para crianças ras também podem influenciar a inserção e/ou
autistas, mas sabemos que, na verdade, ABA se manutenção de situações de abuso/exploração.
refere a qualquer pesquisa que constitua uma Como diz Mizael (2021):
aplicação dos princípios da análise do com-
portamento, sistematicamente aplicados em Questões como a privação de afeto e amizades
comportamentos considerados socialmente podem aumentar a chance de os indivíduos
relevantes e com experimentação para identi- se engajarem em situações abusivas, não per-
ficar variáveis que levam a mudanças compor- cebendo o abuso ou aceitando-o, “em nome”
tamentais2 (e.g., Cooper et al., 2019), a clínica de ter um relacionamento, de ser considerado
analítico-comportamental como uma delas. “normal”, entre outros (p. 15).
Nesse sentido, é imprescindível que pesquisas
sobre psicoterapia em autistas, especialmente 3) A inserção da própria população autista na
adultos e mulheres, clientes comuns em psi- escolha sobre temas de pesquisa e efetividade
coterapia, sejam realizadas. Essa sugestão se de intervenções: existem relatos de más-práti-
alinha aos dados da literatura, que mostram cas com a população autista feitas por supostos
analistas do comportamento (e.g., Kupferstein,
2 Nas palavras dos autores: “Análise aplicada do compor- 2018). Que práticas têm sido consideradas ine-
tamento é a ciência na qual táticas derivadas dos princípios ficazes ou danosas para esses indivíduos? Por
comportamentais são sistematicamente aplicadas para melho-
rar comportamentos socialmente relevantes, e experimenta-
que consideram a ABA uma má-escolha em
ção é utilizada para identificar as variáveis responsáveis pela termos de intervenções? Possuir canais de diá-
mudança comportamental” (Cooper et al., 2019, p. 19). logo com a comunidade autista, especialmente
com ativistas, que podem trazer críticas de di- forçamento como uma simples operação e re-
versas pessoas às nossas práticas pode ser uma forçamento como uma operação para produzir
maneira importante de obter informações mais bem-estar, ou seja, a importância de que po-
acuradas sobre o que tem sido considerado da- demos ser treinados para produzir alterações
noso, antiético ou apenas ruim, e pensarmos comportamentais – por exemplo, manipulando
em alternativas conjuntas para que os nossos operações motivadoras – para que determinada
serviços sejam, de fato, pensados para os nos- consequência se torne reforçadora, sem apren-
sos clientes e sob controle do bem-estar deles. dermos que, nem sempre, consequências refor-
çadoras são equivalentes a bem-estar. Por fim,
4) Levar em consideração as interseccionalida- sugerimos discussões sobre consentimento, um
des: Neste ensaio, focalizamos na população de termo que é tido, muitas vezes, como autoex-
adultos e mulheres autistas. Entretanto, é im- plicativo, mas que demanda muita discussão,
portante pensarmos na importância da diversi- como pode ser visto em outras áreas, como
dade em nossas pesquisas, e em como fazer com nas discussões sobre violência contra a mulher.
que nossas intervenções (e planos de interven- Conforme sugere Mizael (2021):
ções) cheguem a populações específicas, como
autistas negros, autistas que vivem em áreas ru- Também devem ser investigados o que os clien-
rais, autistas pobres, autistas não-verbais, etc. tes entendem por abuso ou exploração, e ses-
(Cascio et al., 2020). Por exemplo, em uma re- sões de psicoeducação podem ser feitas com o
visão de 13 artigos sobre o autismo no femini- objetivo de mostrar a importância de questões
no feita por Mizael (2022), apenas dois artigos como o consentimento e a integridade física e
relataram a raça dos participantes. A invisibi- mental dos clientes na busca de relações mais
lização de autistas não brancos ajuda a manter saudáveis. Histórico de punições (e.g., na forma
a falsa ideia de que pessoas negras não podem de frases como “não podemos escolher tudo”,
ser autistas (e.g., Cascio, 2015). Entretanto, para “as coisas não são do jeito que queremos”), mes-
além de descrever a amostra, incluindo região, mo que utilizadas em contextos para sinalizar
status socioeconômico, raça, gênero, etc., é im- que viver em sociedade exige a aceitação de
prescindível que se estude esses grupos, levan- certas regras e negociação de nossas vontades,
do em consideração as experiências diferenciais podem ser entendidas de forma literal, propi-
geradas pelas interseccionalidades. ciando que situações de abuso ocorram sem a
percepção de que constituem abuso (p. 15).
5) Aumentar as discussões sobre ética: A ética
perpassa toda nossa prática, seja em nossa atua-
ção em escolas, comunidades, na universidade, Considerações Finais
clínica ou qualquer outro espaço. Os dados ob-
tidos nessa pesquisa sugerem que as discussões O trabalho do analista aplicado do comportamen-
sobre ética ainda estão escassas, apesar de se- to no autismo deve ser pautado na ética e na escu-
rem extremamente importantes para a prática ta desta população. Assim como um médico não
dos analistas do comportamento. Nesse senti- deve realizar intervenções sem o consentimento do
do, seriam muito bem vindos estudos sobre as sujeito (ou da família), o mesmo espera-se que tal
questões éticas mais comumente deparadas por profissional faça. Isso significa que, antes de obter
analistas do comportamento no atendimento o consentimento, os indivíduos em questão preci-
de indivíduos autistas (por exemplo, como deve sam entender exatamente o que está sendo propos-
ser feita a escolha dos comportamentos-alvo de to, por quais motivos e o que se deve esperar com
mudança; como escolher o tipo de consequen- a intervenção em termos de ganhos e de perdas
ciação para certos comportamentos). (e.g., o indivíduo ter mais autonomia para interagir
Ainda no campo da ética, são imprescin- no dia a dia pode ocorrer concomitante com uma
díveis discussões sobre as diferenças entre re- redução no número de horas que ele passa lendo
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