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Contribuições da Análise do Comportamento Aplicada no Manejo de Crises de

Desregulação no Transtorno do Espectro Autista.

Ana Flávia da Silva1


Luciana Zasso Krebs2

RESUMO

O propósito deste artigo é explorar o fenômeno das crises de desregulação no


Transtorno do Espectro Autista (TEA) e investigar como a terapia da Análise do
Comportamento Aplicada - ABA pode ser benéfica para gerenciar essas crises. Além
disso, este estudo possibilita conhecer sobre os comportamentos inadequados que
são frequentemente observados em crianças no espectro do autismo, e também
evidencia como os pais ou cuidadores, muitas vezes, reforçam esses comportamentos
inadequados devido à falta de conhecimento na gestão de situações de crise. Ainda,
descreve técnicas da ABA, incluindo aquelas que visam prevenir crises de
desregulação e as estratégias utilizadas quando o indivíduo já está em crise. Isso
permite observar como as intervenções da ABA podem estimular a autonomia das
crianças com TEA e ampliar suas habilidades sociais. Com base nessas
considerações, este artigo, que se baseia em uma revisão de literatura, de cunho
qualitativo e descritivo, tem como objetivo explicar de maneira clara e concisa as
contribuições da ABA, demonstrando sua eficácia e o impacto positivo que pode
causar na vida da criança com TEA e em sua família.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista. Análise do Comportamento


Aplicada. Crises de desregulação. Comportamentos inadequados.

1 INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio do


neurodesenvolvimento que afeta as habilidades sociais, cognitivas e comportamentais
do indivíduo de forma variável. Um desafio comum enfrentado é a ocorrência de
"crises de desregulação", caracterizadas por intensa agitação emocional,
desencadeadas por estresse, frustração, sobrecarga sensorial, ansiedade, mudanças
na rotina e outros fatores. Quando mal gerenciadas, podem levar a comportamentos

1
Acadêmico (a) do curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera de Pindamonhangaba.
2
Orientador (a) Docente do curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera de Pindamonhangaba.
inadequados. No entanto, pais ou cuidadores sem o conhecimento necessário para
lidar com essas situações frequentemente se sentem inseguros e enfrentam desafios
estressantes.

Diante desse cenário, este estudo se propôs a responder ao seguinte problema:


"Como a Análise do Comportamento Aplicada auxilia no enfrentamento de crises de
desregulação no Transtorno do Espectro Autista?". Para abordar a esta questão, o
objetivo geral foi compreender as intervenções para lidar com comportamentos
inadequados, enquanto os objetivos específicos incluem descrever o TEA, entender
as crises de desregulação e apontar as estratégias da abordagem ABA.

Este estudo assume relevância substancial devido ao aumento nos


diagnósticos de TEA, oferecendo procedimentos para o gerenciamento das crises, a
fim de promover melhoria na qualidade de vida da criança e de seus cuidadores.

O artigo trata-se de uma revisão de literatura, com base em fontes como livros,
dissertações, artigos científicos e pesquisas em bases de dados confiáveis.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Metodologia

O presente trabalho se configurou em uma Revisão de Literatura, de caráter


qualitativa e descritiva. Foram utilizados livros, dissertações e artigos científicos
selecionados através de busca nas seguintes bases de dados: Google Acadêmico,
Scielo e Biblioteca Virtual da Instituição Faculdade Anhanguera. Foi utilizado como
critério selecionar as produções científicas publicadas nos últimos 10 anos. As
palavras chaves utilizadas para a busca foram: autismo infantil, Análise do
Comportamento Aplicada, Transtorno do Espectro Autista, comportamentos
inadequados e crises de desregulação.

2.2 Resultados e Discussão

O Transtorno do Espectro Autista é caracterizado por atrasos consideráveis


nos marcos de desenvolvimento, cujos sinais aparecem nos primeiros anos de vida
da criança (GAIATO; TEIXEIRA, 2018). No entanto, nas obras de Sella e Ribeiro
(2018), são ressaltadas as dificuldades para identificar os sintomas do espectro no
início da infância, uma vez que, o sujeito recebe intenso auxílio dos pais para realizar
ações básicas e são poucas as demandas sociais presentes na vida da criança.
A sintomatologia do espectro engloba déficits sociais, cognitivos,
comportamentais e de comunicação. Tais déficits trazem significativas consequências
ao sujeito, como atraso da fala ou até mesmo a criança não aprende a falar;
dificuldades na aquisição e compreensão da linguagem não verbal; estereotipias
motoras produzidas através de movimentos de balançar as mãos (flapping),
movimentos do tronco para frente e para trás (rocking), movimentos das mãos em
frente ao rosto e andar nas pontas dos pés, entre outros; e maiores dificuldades – ou
resistência – para aprender novas habilidades e seguir comandos (GAIATO;
TEIXEIRA, 2018).
Ainda, de acordo com os autores citados, devido ao transtorno afetar o
comportamento social, o indivíduo pode se expressar de forma indiferente ao receber
carícias dos pais ou familiares próximos, e não demonstrar sinais de
descontentamento quando seus genitores não estão em sua presença. Como
resultado, a criança autista parece viver isolada em seu próprio mundo e, por
conseguinte, a sua forma de brincar se torna atípica, pois enfrenta dificuldades para
se socializar, em conjunto com seus interesses restritos por brinquedos e/ou
brincadeiras em grupo. Gaiato e Teixeira (2018) também destacam um fenômeno
comum entre as crianças autistas: o brincar sem função. Isso pode ser exemplificado
por comportamentos como cheirar/lamber objetos; girar as rodas de um carro de
brinquedo ao invés de conduzi-lo em uma pista; ouvir repetidas vezes o mesmo som
de um objeto; e apresentar comportamento rígido, resultando em significativa
inflexibilidade para receber novas propostas no brincar, limitando-se a atos repetitivos
e estereotipados. Além disso, na obra, os autores discutem o hiperfoco no espectro
autista, que se manifesta como um intenso interesse por uma variedade de itens e
temas, como luzes, animais e eletrodomésticos. Bem como, os autores observam que
algumas pessoas podem apresentar preferência à objetos sensoriais que envolvem
cheiros, texturas e formas, possivelmente devido à hipossensibilidade sensorial
(pouca sensibilidade), e consequentemente, buscam estímulos para satisfazer a essa
necessidade.
O diagnóstico do TEA, é realizado por médicos especialistas em infância e
adolescência (psiquiatras, neurologistas e neuropediatras), através de avaliações
comportamentais com a criança e entrevistas com os pais (GAIATO; TEIXEIRA,
2018). Sella e Ribeiro (2018) complementam que professores especializados e outros
profissionais podem trazer a hipótese diagnóstica utilizando meios não restritos –
como escalas diagnósticas – e posteriormente pode ser confirmada ou não por um
especialista.
Considerando isso, cada profissional possui autonomia para escolher o
instrumento que julgar mais apropriado. Conforme apontado por Gomes e Silveira
(2016), no Brasil, uma variedade de instrumentos foram adaptados para avaliar o
desenvolvimento de crianças com autismo, dada a abrangência dos impactos desse
transtorno em diversas áreas. Nesse contexto, se faz necessário realizar uma triagem
para identificar quais dessas áreas apresentam atrasos e quais estão em consonância
com o desenvolvimento para a faixa etária da criança. Na obra, os autores citados
mencionam a Escala de Desenvolvimento de Perfil Psicoeducacional Revisada,
conhecida como PEP – R2, sendo uma ferramenta útil para avaliar os atrasos no
desenvolvimento de crianças de 6 meses a 12 anos. Essa escala auxilia a identificar
comportamentos típicos do espectro autista e fornece dados sobre sete áreas:
imitação, percepção, coordenação motora fina, coordenação motora grossa,
integração olho mão, desenvolvimento cognitivo e cognitivo verbal. Além disso, o
instrumento oferece uma visão global do estágio de desenvolvimento em que a
criança se encontra.
Assim como salientado por Sella e Ribeiro (2018), os autores Gomes e Silveira
(2016) também destacam a imprescindibilidade de que a avaliação seja conduzida por
profissionais especializados, como psicólogos, terapeutas ocupacionais,
fonoaudiólogos e outros especialistas na área.
No caso de confirmação do diagnóstico de autismo, é essencial elaborar um
plano de tratamento individualizado que leve em consideração a singularidade de
cada indivíduo, suas necessidades específicas, demandas, prejuízos e gravidade dos
sintomas. Tanto nas obras de Gomes e Silveira (2016) quanto nas de Gaiato e Teixeira
(2018), é ressaltada a importância do planejamento individual, indicando as áreas que
requerem aprimoramento e a intensidade necessária. Para essa finalidade, é
empregado o Plano Individual de Tratamento (PIT), que envolve a elaboração de um
plano de intervenção que considera as necessidades únicas de cada criança com
autismo. Portanto, a capacidade de identificar as necessidades individuais de cada
criança é crucial, com o objetivo de criar um plano personalizado e adaptado, a fim de
explorar todo o potencial do indivíduo. Vale destacar que o propósito da intervenção
é aproximar o desenvolvimento da criança com autismo ao das crianças típicas,
promovendo a inclusão e combatendo o capacitismo que ainda persiste na sociedade.
Observou-se no DSM-5 (APA, 2014) a caracterização da gravidade dos
quadros clínicos de autismo, sendo classificados em nível 3, nível 2 e nível 1. O nível
3 exige apoio intenso, possui graves déficits na comunicação verbal e não verbal;
significativa dificuldade para interações sociais e pouca abertura para contato com
outras pessoas; apresenta considerável desconforto para interrupções em rotinas e
rituais; além de enfrentar desafios para lidar com mudanças, se comportando de forma
inflexível e mantendo comportamentos restritos e repetitivos que refletem em todas as
esferas. Conforme o manual, o nível 2 requer suporte grande, também apresenta
graves déficits na comunicação verbal e não verbal mesmo com suporte; são notórias
as limitações para iniciar interações sociais ou conceder abertura para contatos com
outras pessoas; também apresenta interesses fixos frequentes e dificuldades para
lidar com mudanças, resultante da inflexibilidade do comportamento que interfere em
diversos contextos. Em sequência, o nível 1 demanda suporte e na ausência deste,
as consequências são notáveis. É caracterizado por dificuldades para iniciar relações
sociais e respostas atípicas quando a interação é vinda de outras pessoas, bem como
apresenta interesse mínimo para relacionamento social; possui problemas com
organização, planejamento e inflexibilidade para trocar de atividades, causando
interferência em um ou mais contextos.

Através dos estudos, torna-se evidente que mesmo em diferentes níveis de


suporte, estão presentes as dificuldades de interações sociais e inflexibilidade do
comportamento. Desta forma, pode ser um desafio para a criança com autismo
compreender regras sociais e expressar seus pensamentos e sentimentos. À vista
disso, quando o repertório de habilidades sociais ainda não se faz presente na vida
da criança e há a ocorrência de alguma situação desagradável ou existe uma
necessidade que não está sendo atendida, a mesma tende a se expressar de forma
inadequada na tentativa de se comunicar, fazendo birras, gritando ou até mesmo
sendo agressiva.

No entanto, antes de abordar esta questão, é importante destacar que em


diferentes produções de conhecimento científico, são encontradas várias
terminologias para descrever o mesmo fenômeno, como comportamentos destrutivos,
comportamentos desafiantes ou desafiadores, comportamentos aberrantes,
comportamentos disruptivos, comportamentos autolesivos, comportamentos
agressivos, comportamentos-problema ou problemáticos e comportamento
disfuncional (AMORAS; MARTINS; FERREIRA, 2022.; CARVALHO; MOREIRA,
2022.; CRUZ; MOREIRA, 2021.; DUARTE; SILVA; VELOSSO, 2018.; MOREIRA;
MEDEIROS, 2019.; POSAR; VISCONTI, 2017.;GAIATO; TEIXEIRA, 2018.; GOMES;
SILVEIRA, 2016.; SELLA; RIBEIRO, 2018.; TOMÉ et al., 2022.; YAZAWA, 2020).
Contudo, para este estudo, foi optado utilizar o termo “comportamento inadequado”,
pois ele atende ao mesmo propósito na construção do conhecimento.
Nos estudos científicos e nas obras dos autores, encontram-se diferentes
entendimentos de comportamento inadequado que, apesar de variados, se
completam. Com isto, torna-se viável destacar as diversas concepções para
proporcionar uma compreensão mais abrangente dos comportamentos inadequados
e das complexas dinâmicas envolvidas. Sendo assim, Cruz e Moreira (2021)
conceituam o comportamento inadequado como manifestações de ações e condutas
que resultam em danos seja físico, emocional ou material, afetando não apenas o
próprio indivíduo que os exibe, mas também outras pessoas e propriedades. Eles
classificam esses comportamentos em três categorias principais: agressivos,
autolesivos e destrutivos. Por sua vez, Sella e Ribeiro (2018) argumentam que o
comportamento inadequado é reforçado pelo ambiente e torna-se uma forma que o
indivíduo com TEA encontra para se comunicar e atender às suas necessidades, ou
mesmo para fugir ou evitar estímulos aversivos. De acordo com Duarte, Silva e
Velosso (2018), o comportamento inadequado é aquele que o ambiente não
conseguiu extinguir ao longo do tempo, e que foi reforçado de alguma forma. As
autoras dividem esses comportamentos inadequados em duas categorias distintas:
comportamento heterolesivo, direcionado a o outros sujeitos envolvendo ações como
mordidas, chutes, empurrões e puxões de cabelo; e comportamento autolesivo, que
engloba repostas como bater a cabeça na parede ou no chão, cutucar-se, beliscar-se
ou morder-se.
Essa compreensão sólida das diversas facetas dos comportamentos
inadequados é fundamental, uma vez que esses comportamentos podem
desencadear crises de desregulação emocional. Nesse contexto, quando cuidadores
ou terceiros enfrentam dificuldades para entender esse fenômeno e apoiar o indivíduo
na expressão de suas necessidades e desejos, o estado de desregulação emocional
tende a aumentar gradualmente. Como resultado, a criança fica cada vez mais
confusa sobre como se comunicar eficazmente e encontrar maneiras de acalmar-se
(GAIATO; TEIXEIRA, 2018).
Adicionalmente, devido ao potencial aumento do estado de desregulação
emocional, é possível que pais ou cuidadores sintam-se apreensivos para impor
demandas às crianças com TEA, com o objetivo de evitar a ocorrência de crises e
comportamentos inadequados. Cordioli e Grevet (2019) abordam essa questão,
argumentando que estabelecer demandas que ultrapassem as capacidades da
criança autista também pode suceder em comportamentos inadequados, reduzindo
ainda mais a motivação do sujeito para a aprendizagem de novas habilidades. Dessa
forma, torna-se evidente a importância de encontrar um equilíbrio nas demandas
impostas, evitando tanto exigências excessivamente simples que reforcem a
resistência da criança em adquirir novas habilidades, quanto demandas
excessivamente desafiadoras que possam desmotivar a criança, levando-a a estados
de desregulação emocional ou à manifestação de comportamentos inadequados.
Ainda, Sella e Ribeiro (2018) corroboram com a observação feita por Cordioli e Grevet
(2019), afirmando que a apreensão dos pais ou cuidadores pode criar uma situação
em que a criança aprenda que agir de forma inadequada em momentos
desagradáveis é uma maneira eficaz de escapar ou evitar estímulos aversivos,
atingindo seu objetivo de obter acesso apenas ao que lhe convém.
Nesse contexto, vale ressaltar a importância de uma intervenção eficiente para
o manejo de comportamentos inadequados, de forma a não provocar uma crise de
desregulação, e ao mesmo tempo, não os reforçar. Essa abordagem visa a diminuir
as chances de que tais comportamentos se tornem parte duradora do repertório da
criança ao longo do tempo (CRUZ; MARTINS; FERREIRA, 2022).
Estudos de Moreira e Medeiros (2019) revelam que quanto mais tempo um
comportamento for reforçado, mais gradualmente ele tende a diminuir. Desta forma,
comportamentos que foram reforçados em várias situações ou de maneira
intermitente, tendem a ter uma extinção mais dificultosa e lenta em comparação com
comportamentos que foram reforçados de forma contínua. Por esse motivo, é notório
que o conceito de reforçamento desempenha um papel fundamental na eficácia da
extinção de comportamentos inadequados.
Além disso, considerando que os comportamentos inadequados prejudicam a
aquisição de novas habilidades de pessoas com TEA, é importante mencionar que a
desregulação emocional também pode representar riscos para a integridade física da
criança e da sua família, levando a comportamentos agressivos e autolesivos (SELLA;
RIBEIRO, 2018). Segundo Cordioli e Gravet (2019), é evidente que as famílias de
pessoas com autismo precisam de apoio emocional, uma vez que frequentemente se
sentem sobrecarregadas e solitárias, principalmente em situações em que a criança
está em crise. Esses eventos interferem na rotina diária tanto da criança autista quanto
de seus familiares, provocando alterações na dinâmica familiar e tornando o ambiente
muito estressante. Na obra de Gaiato e Teixeira (2018), é destacado que a queixa
mais frequente entre os pais de crianças com autismo está relacionada à frequência
e intensidade dos comportamentos inadequados. Além disso, os autores observam
que os pais podem discordar e reagir de maneiras distintas diante desses
comportamentos inadequados, o que pode aumentar significativamente o nível de
estresse, não apenas para a criança, mas também para os próprios pais. Esse
desalinhamento pode até mesmo desencadear situações de divórcio ou crises
conjugais, pois, segundo os autores, esse cenário é mais comum entre pais de
crianças com TEA em comparação com pais de crianças que possuem outros
transtornos ou apresentam desenvolvimento típico. Isso, por sua vez, acarreta uma
diminuição na qualidade de vida do indivíduo no espectro. Nesse sentido, Gaiato e
Teixeira (2018) afirmam que embora os cuidadores e pessoas próximas também
sofram com as crises de desregulação emocional, a criança autista experimenta um
sofrimento ainda mais intenso.
Por outro lado, além do sofrimento familiar, esses comportamentos
inadequados também podem impactar a interação social das crianças com TEA.
Gaiato e Teixeira (2018) destacam que, quando o sujeito no espectro apresenta
comportamentos inadequados durante brincadeiras com outras crianças de sua idade,
como agressões físicas, ela acaba afastando os colegas e perdendo oportunidades
de aprendizado e trocas de experiências. Em outras palavras, a criança tende a
aprender menos e a se isolar cada vez mais em seu mundo interno, por vezes
chamado de “mundo singular”, ao qual somente ela tem acesso. Tomé et al. (2022)
acrescentam que comportamentos inadequados podem representar obstáculos
significativos para a aprendizagem em ambientes escolares e para a inclusão social,
o que dificulta o estabelecimento de amizades e o desenvolvimento da independência.
Estudos conduzidos pelos autores, que se concentram em crianças diagnosticadas
com TEA entre 2 e 12 anos, revelaram que os cuidadores enfrentam dificuldades para
identificar a função desses comportamentos, o que limita sua capacidade de utilizar
estratégias para gerenciá-los.
Por essa razão, destacam-se as terapias comportamentais para indivíduos com
TEA, como intervenções intensivas baseadas na Análise do Comportamento Aplicada
(Applied Behavior Analysis – ABA), para o ensino de comportamentos adequados que
ainda não fazem parte do repertório da criança com autismo e, consequentemente,
atrasam seu desenvolvimento (GOMES; SILVEIRA, 2016). É importante salientar que
durante a revisão bibliográfica foram encontradas definições equivocadas sobre a
Análise do Comportamento Aplicada, referenciando-a muitas vezes como um
“método”. No entanto, de acordo com o Parecer sobre aspectos da Análise do
Comportamento Aplicada (ABA) no contexto de intervenções voltadas para pessoas
com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) nº 02/2021, a ABA é definida como:

Um ramo da ciência da Análise do Comportamento, originada


primordialmente nos Estados Unidos em meados do século XX voltada
especificamente para a pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e
serviços de intervenção comportamental no intuito de contribuir para a
solução de problemas comportamentais concretos. Mediante avaliação do
repertório do sujeito, prévio planejamento da intervenção, aplicação intensiva
de programas comportamentais, com contínuo acompanhamento do
desenvolvimento do sujeito e supervisão dos profissionais envolvidos,
objetiva a mudança de comportamentos como o enfraquecimento de
disruptivos e desenvolvimento de habilidades cognitivas, sociais, motoras, etc
(CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DE SANTA CATARINA – 12ª
REGIÃO, 2021, p. 2).

Assim, fica evidente que não se trata simplesmente de um “método”, uma vez
que as intervenções podem variar substancialmente, levando em consideração as
necessidades individuais de cada criança.
Diante do exposto, torna-se imperativo realizar uma breve conceitualização
desta ciência, a fim de possibilitar ao leitor uma compreensão clara das abordagens
de intervenção empregadas na Análise do Comportamento Aplicada. Nesse sentido,
Yazawa (2020) e Carvalho e Moreira (2022) apontam que a ABA tem como objetivo
principal promover a autonomia das pessoas no espectro do autismo através de
intervenções que visam expandir o repertório comportamental do sujeito e facilitar a
aquisição de habilidades sociais. Além disso, os autores destacam que as
intervenções comportamentais analíticas buscam investigar habilidades e
comportamentos que precisam ser aprimorados, levando em conta as necessidades
e realidades específicas de cada criança, por meio de observações sistemáticas e
registro dos comportamentos apresentados, a fim de desenvolver um plano de
tratamento individualizado. Ainda, os autores Gaiato e Teixeira (2018) entendem a
terapia ABA como uma abordagem corretiva dos comportamentos inadequados, que
visa substituí-los por comportamentos adequados ou funcionais.
Contudo, é válido apresentar estratégias utilizadas nas intervenções ABA para
o manejo de comportamentos inadequados da criança autista. Em primeiro lugar é
necessário identificar a causa do comportamento por meio da Análise Funcional, a
qual permite compreender quais estímulos antecedentes (condições ambientais)
provocam ou contribuem para o engajamento do comportamento inadequado. Em
outras palavras, é necessário analisar tanto o comportamento da criança quanto o
comportamento dos pais ou cuidadores, observando como eles reagem antes e após
a manifestação de comportamentos inadequados. Essa análise permite identificar a
função desses comportamentos, ou seja, os objetivos que a criança busca ao
manifestar o comportamento inadequado, possibilitando, assim, a implementação de
um plano de intervenção apropriado para corrigi-lo. Conforme Sella e Ribeiro (2018)
apontam, quando não se compreende a função do comportamento, existe uma
significativa probabilidade de que a intervenção seja ineficaz ou até mesmo possa
reforçar o comportamento inadequado.
É possível, portanto, analisar a função do comportamento presente e classificá-
lo em uma das seguintes categorias: atenção, fuga, acesso à itens e sensorial (SELLA;
RIBEIRO, 2018). Nos escritos de Gaiato e Teixeira (2018) são determinadas três
regras para realizar uma Análise Funcional eficaz: 1. Analisar o antecedente, ou seja,
o gatilho que desencadeou tal comportamento; 2. Identificar o comportamento
apresentado após o ocorrido; 3. Verificar as consequências obtidas da resposta, que
podem aumentar ou diminuir a probabilidade de uma nova ocorrência. Dessa forma,
é possível identificar eventos ambientais que selecionam e reforçam comportamentos
inadequados, que para a criança com pouco repertório de habilidades sociais podem
parecer úteis para atender às suas necessidades.
Ainda, na revisão bibliográfica, foram encontradas outras maneiras para
identificar a função do comportamento, além da análise funcional, embora sejam
menos fidedignas. Estas incluem a realização de entrevistas com pais ou cuidadores,
observação do comportamento em contextos naturais e aplicação de manipulações
experimentais (SELLA; RIBEIRO, 2018).
Após identificar a função do comportamento, é possível adotar estratégias
preventivas para a ocorrência de comportamentos inadequados. Para ilustrar esse
processo, será considerado o exemplo de um indivíduo com autismo que adota um
comportamento agressivo com o objetivo de obter acesso a um determinado item. A
estratégia recomendada envolve a não concessão imediata da recompensa durante a
crise comportamental. Em vez disso, deve-se garantir que o comportamento
inadequado não seja reforçado e que a criança só receba o item desejado após se
acalmar. É importante ressaltar que em situações de crise de agressividade é
fundamental garantir a segurança da criança e de pessoas próximas, sendo
necessário contê-la para evitar qualquer tipo de lesão (GAIATO; TEIXEIRA, 2018).
A partir do que Gaiato e Teixeira (2018) enfatizam, no caso de comportamentos
que visam obter atenção, a abordagem recomendada é ignorar os comportamentos
inadequados (como chorar ou gritar) e, em vez disso, dar atenção quando a criança
se comportar de forma adequada. Em outras palavras, entende-se que após a crise,
é importante pedir à criança para expressar suas necessidades em voz baixa, dando-
lhe um modelo de como se comportar adequadamente para que aprenda um
comportamento alternativo e funcional. Dessa forma, a criança aprende que, quando
se engaja em comportamentos inadequados, não recebe atenção, mas quando
comunica de forma adequada, é atendida. É importante ressaltar que em todas as
situações é necessário garantir a segurança da criança, no entanto, sem direcionar a
atenção para ela ou conceder o que deseja.
Para mais, Gaiato e Teixeira (2018) também apresentam diretrizes para lidar
com comportamentos de fuga ou esquiva. Através da leitura da obra é possível
compreender que é fundamental avaliar a motivação da criança para realizar
atividades e verificar se são necessárias ou funcionais para ela. Em caso positivo, é
recomendado preparar um ambiente físico restrito para dificultar a fuga e colocar
brinquedos ou objetos preferidos fora do alcance e da visão da criança, de modo que
ela siga as instruções e não se distraia. Após a conclusão da tarefa, é essencial que
a criança receba reforço positivo, como um brinquedo favorito ou até mesmo
recompensa social. Isso aumentará a motivação da criança para realizar as tarefas,
pois ela associará que ao concluí-las receberá uma recompensa, reduzindo assim o
comportamento de fuga.
Os estudos de Posar e Visconti (2017) contemplam sobre os comportamentos
inadequados associados a função sensorial. Percebe-se que, frente a
comportamentos inadequados ou crises de desregulação sensorial, é crucial
identificar quais estímulos sensoriais estão causando desconforto na criança e,
posteriormente, realizar adaptações no ambiente em que ela se encontra. Nessas
situações, seria benéfico incluir exercícios de dessensibilização no plano de
tratamento, cujo objetivo é reduzir a sensibilidade do indivíduo a estímulos
específicos, proporcionando-lhe experiências sensoriais agradáveis.
Além disso, nos escritos de Sella e Ribeiro (2018), foram encontradas
estratégias utilizando Reforçamento Diferencial; Reforçamento não Contingente,
também conhecido pela sigla NCR (Non-Contingent Reinforcement) e Reforçamento
Diferencial de Outros Comportamentos (DRO).
O Reforçamento Diferencial se distingue das demais estratégias, já que não se
concentra necessariamente na função subjacente do comportamento, podendo não
abordar diretamente a causa do comportamento inadequado. Visto isso, a ênfase
recai em reforçar comportamentos específicos, de acordo com cada plano de
tratamento, enquanto se extingue os indesejados. Ainda, é perceptível a carência de
pesquisas e estudos científicos que avaliem a eficácia dessa modalidade de
intervenção.
O Reforçamento Não Contingente (NCR) pode ser empregado para corrigir
comportamentos inadequados que estão ligados à função desse comportamento.
Sendo assim, após identificar qual é a intenção por trás de um determinado
comportamento (a sua função), o reforçador ambiental que mantém esse
comportamento inadequado é fornecido à criança com mais frequência,
independentemente do que ela esteja fazendo. Com esta intervenção, a criança torna-
se desmotivada a emitir o comportamento inadequado, uma vez que ele é reforçado
com maior frequência em comparação com a situação em que ela precisa exibi-lo para
receber o reforço. A meta é reduzir esse comportamento inadequado, e, ao longo do
tempo, reduzir também o esquema de reforçamento.
Tratando-se do Reforçamento Diferencial de Outros Comportamentos (DRO),
este confunde-se com o NCR, uma vez que ambos envolvem a aplicação de reforço
a qualquer comportamento. No entanto, o DRO se diferencia pelo fato de não reforçar
o comportamento inadequado e oferecer o reforçador somente se este
comportamento não ocorrer durante um intervalo de tempo predefinido. Desta forma,
é necessário observar cuidadosamente durante esse intervalo para determinar se o
comportamento inadequado ocorreu ou não antes de conceder o acesso ao
reforçador. Isso contrasta com o NCR, no qual não é necessário realizar essa
observação, já que seu objetivo é conceder acesso ao reforçador independente do
comportamento apresentado, visando aumentar a frequência de reforçamento em
relação à manifestação do comportamento inadequado.
É fundamental destacar que tanto as intervenções NCR quanto DRO
apresentam limitações, pois se concentram apenas na extinção de comportamentos
inadequados e não incluem o ensino de comportamentos alternativos funcionais para
substituí-los, tornando-se desvantajoso para crianças com um repertório limitado de
habilidades sociais. Além disso, a abordagem de conceder reforçadores para qualquer
comportamento pode implicar no risco de inadvertidamente reforçar comportamentos
inadequados. Tal fato pode também entrar em conflito com outras intervenções que
utilizam a liberação do reforço como consequência após a conclusão de uma tarefa,
afetando a motivação da criança para realizá-la. Por essas razões, torna-se evidente
a necessidade de avaliar a pertinência dessas estratégias no tratamento da criança,
bem como a possibilidade de combiná-los com outras intervenções que incluam o
ensino de respostas alternativas funcionais.
Para mais, é igualmente crucial apontar sobre as restrições no âmbito do
tratamento ABA, uma vez que frequentemente envolvem custos, tornando-se
inacessíveis para crianças no espectro do autismo que enfrentam desafios financeiros
para investir em tal tratamento. Adicionalmente, as deficiências na oferta de serviços
por parte das redes públicas e das instituições de ensino também constituem
obstáculos que dificultam o acesso das pessoas com TEA às intervenções analítico-
comportamentais.
Portanto, é evidente que trabalhar com crianças autistas significa reconhecer
janelas de oportunidade que não podem ser negligenciadas. A Análise do
Comportamento Aplicada, apesar das limitações de acesso para indivíduos de baixa
renda, demonstra capacidade para explorar essas oportunidades de maneira
saudável e respeitosa.

3 CONCLUSÃO

O Transtorno do Espectro Autista é um distúrbio do neurodesenvolvimento que


se manifesta na infância, apresentando déficits nas áreas sociais, cognitivas,
comportamentais e de comunicação. Devido às dificuldades e limitações, indivíduos
acometidos pelo TEA podem apresentar crises de desregulação e comportamentos
inadequados, frequentemente reforçados por familiares e cuidadores devido à falta de
conhecimento. Logo, o manejo desses comportamentos é crucial para a
aprendizagem e inclusão social das crianças com TEA, bem como para o bem-estar
de suas famílias.
Posto isto, através deste estudo foi possível observar que a terapia ABA é uma
abordagem com respaldo científico que produz resultados positivos no tratamento do
TEA, permitindo planos de tratamento individualizados e o desenvolvimento de
habilidades sociais, sensoriais e acadêmicas. Além disso, o estudo analisou as
intervenções mais utilizadas para gerenciar crises de desregulação e comportamentos
inadequados, destacando a análise funcional como essencial para identificar a causa
do comportamento e aplicar a técnica apropriada. No entanto, encontrar a intervenção
apropriada pode ser desafiador, enfatizando a necessidade de formação em ABA para
capacitar profissionais a identificar comportamentos-alvo e orientar os pais.
Contudo, esta pesquisa teve como intuito principal analisar as contribuições da
ABA para o manejo de crises de desregulação no TEA e apresentar as informações
para a população. Espera-se que os esclarecimentos permitam ao leitor compreender
as características do TEA, as causas das crises de desregulação e as principais
estratégias da terapia ABA. Além disso, vale ressaltar a escassez de materiais sobre
as contribuições da ABA para crises de desregulação, especialmente no Brasil.
Portanto, mais pesquisas são necessárias para auxiliar os profissionais brasileiros que
trabalham com crianças com TEA e alcançar resultados mais promissores.

REFERÊNCIAS

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