Você está na página 1de 15

Licenciatura em Espanhol

Teoria da Literatura II
Ana Santana Sousa
Ilane Ferreira Cavalcante

Outras narrativas

Aula 2
INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
RIO GRANDE DO NORTE
Campus EaD

GOVERNO DO BRASIL TEORIA DA LITERATURA II


Aula 02
Presidente da República Outras narrativas
DILMA VANA ROUSSEFF
Professor Pesquisador/conteudista
Ministro da Educação ANA SANTANA SOUSA
ALOIZIO MERCADANTE ILANE FERREIRA CAVALCANTE
Diretor de Ensino a Distância da CAPES Diretor da Produção de Material
JOÃO CARLOS TEATINI Didático
ARTEMILSON LIMA
Reitor do IFRN
BELCHIOR DE OLIVEIRA ROCHA Coordenadora da Produção de
Material Didático
Diretor do Câmpus EaD/IFRN ROSEMARY PESSOA BORGES
ERIVALDO CABRAL
Revisão Linguística
Diretora Acadêmica do Câmpus EaD/IFRN MARIA TÂNIA FLORENTINO DE SENA
ANA LÚCIA SARMENTO HENRIQUE NASCIMENTO
Coordenadora Geral da UAB /IFRN Coordenação de Design Gráfico
ILANE FERREIRA CAVALCANTE LEONARDO DOS SANTOS FEITOZA
Coordenador Adjunto da UAB/IFRN Diagramação
JÁSSIO PEREIRA GEORGIO NASCIMENTO
Coordenadora do Curso a Distância
de Licenciatura em Letras-Espanhol
CARLA AGUIAR FALCÃO

Ficha Catalográfica
Aula 2
Outras narrativas

Apresentação
Apresentação e
e Objetivos
Objetivos
Olá, esta segunda Aula dá continuidade a seu estudo sobre alguns gêneros
narrativos. Aqui, priorizaremos o conto e o cordel. Assim, você conhecerá um pouco
sobre a gênese e a evolução desses gêneros literários, assim como sobre sua estrutura.

Ao final desta Aula, você deverá ser capaz de

●● conhecer a origem e a evolução do conto literário, assim como algumas de suas


nuances;

●● conhecer a origem e a evolução do cordel;

●● compreender algumas especificidades na estrutura desses gêneros literários;

●● estabelecer algumas diferenças entre esses gêneros.

Aula 02
Teoria da Literatura II
p03
Para Começar

A RAPOSA E A CEGONHA

A raposa e a cegonha mantinham boas


relações e pareciam ser amigas sinceras. Certo dia,
a raposa convidou a cegonha para jantar e, por
brincadeira, botou na mesa apenas um prato raso
contendo um pouco de sopa. Para ela foi tudo
muito fácil, mas a cegonha pode apenas molhar a
ponta do bico e saiu dali com muita fome.

― Sinto muito disse a raposa, parece que


você não gostou da sopa.

― Não pense nisso, respondeu a cegonha.


Fig. 01 A raposa e a cegonha. Espero que, em retribuição a esta visita, você
venha em breve jantar comigo.

No dia seguinte, a raposa foi pagar a visita. Quando sentaram à mesa, o


que havia para jantar estava contido num jarro alto, de pescoço comprido e boca
estreita, no qual a raposa não podia introduzir o focinho. Tudo o que ela conseguiu
foi lamber a parte externa do jarro.

― Não pedirei desculpas pelo jantar, disse a cegonha, assim você sente no
próprio estomago o que senti ontem.

Moral da história: Quem com ferro fere com ferro será ferido.

ESOPO (Fabulista grego do século VI.a.C.) Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/palavras_


sinceras/>. Acesso em: 6 fev. 2013.

A narrativa curta que você leu acima é uma fábula, como o próprio nome já informa.
A fábula é um gênero narrativo que, com certeza, você já deve ter lido ou escutado
em algum lugar. Ela, em geral, traz como personagens animais ou coisas inanimadas
que falam. Além disso, a fábula traz sempre uma “moral” ao final da narrativa, pois é
um gênero de natureza exemplar, ou seja, tem uma intenção moralizadora, ou melhor,
educadora, formativa, tem a intenção de ensinar algo.

A fábula é uma narrativa cuja criação se perde na história da humanidade. Foi


amplamente cultivada na antiguidade clássica, de onde provém, inclusive, a fábula que
você acabou de ler. Esopo era um escravo grego do século VI a.C. Até o século XVIII,
a fábula era escrita em versos, depois, passou a ser divulgada em prosa. Até hoje as
fábulas fazem sucesso e são muito conhecidas. Você conhece outras fábulas? E outras
narrativas curtas também populares? Pois é sobre narrativas curtas e populares, em
verso ou em prosa, que iremos falar um pouco ao longo desta Aula.

Aula 02
Outras narrativas
p04
O termo fábula tanto é utilizado para indicar o gênero narrativo descrito
no início desta Aula, como também é utilizado para significar o “enredo” de um
determinado texto, a sua trama, ou seja, a forma como as ações estão enredadas.
Foi com essa última conotação, aliás, que os formalistas russos (lembra-se de
Teoria da Literatura I?) utilizaram o termo em seus textos. Essa utilização remonta
também a Aristóteles que, em sua Poética, utilizava o termo fábula para designar “a
composição dos atos” de uma determinada narrativa, ou seja, o enredo.

Assim é

1. Algumas narrativas curtas – origem e transformação

Quem conta um conto, aumenta um ponto.

Provérbio popular

O provérbio popular que abre essa seção demonstra o quanto contar histórias
faz parte da experiência humana. As fábulas fazem parte de um conjunto de gêneros
textuais mais curtos que sempre foram utilizados para dar exemplos, conselhos ou
passar informações, em geral, das pessoas mais velhas para as mais novas.

Na antiguidade, esses textos eram, geralmente, transmitidos de forma oral.


Evidentemente, com o tempo, eles foram ganhando registro escrito. A fábula e o conto
têm esse caráter. Para Nádia Batella Gotlib:
Embora o início do contar histórias seja impossível de se localizar e per-
maneça como hipótese que nos leva aos tempos remotíssimos, ainda não
marcados pela tradição escrita, há fases de evolução dos modos de se con-
tarem estórias.
(GOTLIB, 1985, p. 6)

Há narrativas que se perdem na origem do tempo, tais como Os contos dos


mágicos, cuja origem se acredita datar de por volta de 4.000 antes de Cristo. As mil e
uma noites circulam na Pérsia para o Egito desde o século X e chegam à Europa por
volta do século XII. Sob diversas nomenclaturas, essas histórias têm circulado ao longo
do tempo e encantado, ensinado e divertido a todos que com elas tomam contato.
Além, é claro, de também servirem de fonte inesgotável de criação de outras histórias.

Aula 02
Teoria da Literatura II
p05
As mil e uma noites, por exemplo, é um conjunto de narrativas conectadas por
uma narradora, Scheerazade, que conta histórias para salvar a sua vida e a de outras
mulheres. No livro, o rei Shariar transtornado com a traição de sua primeira esposa,
promete desposar uma jovem a cada dia e, passada a noite de núpcias, assassiná-
la, para que ele jamais seja vítima de nova traição. Para interromper esse assassínio
corrente de jovens, a filha do Grão Vizir, espécie de conselheiro do reino, se oferece
para casar com o rei e, logo na primeira noite, inicia a narrativa de uma história que,
antes de finalizar-se, já abre a perspectiva de uma nova história. Assim, o rei, aguçado
pela curiosidade, segue adiando a morte de sua esposa a cada novo dia até se passarem
mil e uma noites e ela ter assegurado, pelo rei, o fim de sua promessa.

Essas narrativas orais vão ganhar, pouco a pouco, o registro escrito. Enquanto
isso, outras narrativas surgem que, apesar de ainda trazerem traços de sua origem oral,
já fazem sucesso a partir de sua versão escrita. É o caso, no século XIV, das narrativas
que compõem o Decameron (1350), de Bocaccio. Um conjunto de narrativas que são
contadas por um grupo de pessoas refugiadas da peste que assolava a Itália medieval.
Entre esses contos há narrativas trágicas, dramáticas, cômicas e eróticas. No mesmo
formato, também surgem, na Inglaterra, os Canterbury Tales (1386), ou Contos de
Canterbury, de Chaucer, uma coletânea de contos narrados por viajantes em meio a
uma peregrinação religiosa.

No século XVIII, surge, na França, o volume Histoires ou


contes du temps passé (Histórias dos tempos passados), cujo
subtítulo, Contes de ma mère Loye (Contos de mamãe gansa), é
mais conhecido. Escrito por Charles Perrault, o volume traz uma
série de histórias de origem oral a que Perrault dá registro escrito
e modifica, consideravelmente, para adaptar à sociedade que o
recebe. As oito histórias que primeiro compõem essa coletânea
são: A bela adormecida do bosque, Chapeuzinho vermelho,
O gato de botas, O barba azul, As fadas, A gata borralheira,
Henrique o topetudo e
O pequeno polegar. Em
uma edição posterior,
foram incluídas, ainda,
A pele de Asno, Os Fig. 02 Capa do livro
desejos ridículos e Contos de mamãe
gansa.
Grisélidis. Com certeza,
você conhece algumas
dessas histórias, não é mesmo?

Hoje em dia, muitas dessas histórias


são conhecidas como contos de fadas, mas,
Fig. 03 Contos de fadas. na verdade, não há a presença de fadas em
todas elas. Essas são histórias de conteúdo
maravilhoso, ou seja, onde impera um fantástico lato, que abre as portas ao leitor
de um universo onde os animais falam, as bruxas voam em vassouras, os ogros e os
gigantes passeiam pelos bosques, enfim, onde a imaginação impera.

Aula 02
Outras narrativas
p06
Ao longo dos séculos XVIII e XIX, ao mesmo tempo em que permanece a
influência dos contos maravilhosos na produção, por exemplo, dos irmãos Jacob e
Wilhelm Grimm, outras narrativas começam a se insinuar nesse universo. São textos
que, embora curtos, como essas narrativas maravilhosas, se debruçam sobre a realidade
contingente, sobre as pessoas e seus conflitos mundanos, urbanos, sentimentais, enfim,
sobre a realidade que nos rodeia e sobre o próprio mundo interior, psicológico dos
seres humanos. É o momento em que surge o conto moderno.

Como reconhecer, no entanto, as diferenças entre essas espécies narrativas? A


própria palavra “conto” pode absorver todos esses formatos? Bem, a fábula você já
percebeu que se caracteriza por ser predominantemente curta, com animais que falam
ou seres inanimados que falam como personagens e que apresenta uma moral final
(que pode estar implícita ou explícita).

Para Júlio Cortázar, autor e teórico argentino, a palavra conto pode abranger
três acepções:
1. relato de um acontecimento; 2. narração oral ou escrita de um acontec-
imento falso; 3. fábula que se conta às crianças para diverti-las.
(apud GOTLIB, 1985, p. 11).

O termo conto provêm do Latim computare, que significa contar. Mas o contar
não é apenas relatar os acontecimentos. O relatar implica em trazer o acontecimento
outra vez, ou seja, pressupõe algo que realmente aconteceu. O conto, por sua vez, não
tem nenhum compromisso com o real.

A terminologia para o mesmo gênero em outras


línguas, no entanto, varia. O termo novela, cuja origem
se credita ao italiano novella, por exemplo, significava
uma narrativa curta. Mas, hoje, em inglês, novel é o
mesmo que romance (antes era uma forma mais curta
de narrativa). O espanhol herdou o sentido de novel
(novela) com o significado mais antigo, ou seja, como
uma narrativa mais curta. Entretanto, com a evolução das
narrativas, a novela passa a ser chamada novela corta,
em espanhol. E o conto é mesmo chamado de cuento. O
inglês, por sua vez, possui duas formas de narrativa curta: Fig. 04 Júlio Cortázar.
tale e short story. O tale se refere mais especificamente
às narrativas de caráter maravilhoso e de cunho mais
popular, enquanto o termo short story se refere aos contos autorais. Já a novela, maior
do que o conto e menor do que o romance, passa a se chamar long short story.

A constituição do conto, propriamente dita, assim como a sua terminologia e a


sua história, também não é simples de ser definida. Júlio Cortázar afirma:
Tenho a certeza de que existem certas constantes, certos valores que se apli-
cam a todos os contos fantásticos ou realistas, dramáticos ou humanísticos.
(2006, p. 149).

Aula 02
Teoria da Literatura II
p07
Esses elementos constantes que ele ressalta e sobre os quais
reflete, são o limite, ou seja, o tamanho limitado de páginas; a
junção tempo e espaço e o tema, ligado à motivação do escritor.
Para Cortázar, um conto não deve ultrapassar 20 páginas. Acima
disso, ele já pode ser considerado uma novela. Nessas 20 páginas,
o autor deverá desenvolver um único tema, ou seja, não perder-
se em ideias ou situações intermediárias. O tema, aliás, precisa
levar a uma interpretação mais profunda. Cortázar compara o
romance ao cinema e o conto à fotografia e afirma:
Um conto é significativo quando quebra seus próprios limites com
essa explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que
vai muito além da pequena e às vezes miserável história que conta.
(2006, p. 153).
Fig. 05 Capa Valise Limite, intensidade de ação e tensão
de Cronópio.
interna são os aspectos principais que
organizam a estrutura do conto, mas que
dependem intimamente da motivação do contista, pois é a
motivação que vai levar o tema escolhido a transcender os limites
de sua significação.

Edgar Allan Poe que, além de contista, escreveu um


importante ensaio teórico sobre a composição literária, o ensaio,
intitulado A filosofia da composição, indica que o conto se constrói
a partir da tensão entre a sua extensão e o efeito que ele consegue
Fig. 06 Edgar Allan
causar no leitor. Ele intitula essa tensão de unidade de efeito. Diz Poe.
ele:
Só tendo o epílogo constantemente em vista, poderemos dar a um enredo
seu aspecto indispensável de conseqüência, ou causalidade, fazendo com
que os incidentes e, especialmente, o tom da obra tendam para o desen-
volvimento de sua intenção.
(POE, 2013, p. 130).

Além disso, Poe também indica a necessidade de que o autor tenha um excelente
domínio de seus materiais narrativos, que devem ser utilizados de forma econômica. Ou
seja, com o mínimo de meios, o contista deve atingir o máximo de efeito. Resumindoa
teoria do conto de Poe, Nádia Batella Gotlib, indica que
cada conto traz um compromisso selado com a sua origem: a da estória. E
com o modo de se contar a estória: é uma forma breve. E com o modo pelo
qual se constrói este seu jeito de ser, economizando meios narrativos, medi-
ante contração de impulsos, condensação de recursos, tensão das fibras ao
narrar
(1985, p.82).

Agora que você já conhece mais teoricamente essa narrativa curta, que é o
conto, que tal conhecer outra narrativa mais popular ainda? Ela será o tema do próximo
tópico desta Aula. Antes disso, porém, faça um breve exercício.
Aula 02
Outras narrativas
p08
Mãos a obra

1. Faça um breve resumo dos elementos que você puder indicar que
se assemelham e que diferenciam a fábula, o conto maravilhoso e
o conto moderno.

Fábula Conto maravilhoso Conto moderno

Assim é

2. Outras narrativas

Eu vou contar uma história


De um pavão misterioso
Que levantou voo na Grécia
Com um rapaz corajoso
Raptando uma condessa
Filha de um conde orgulhoso.

Fig. 07 O pavão misterioso.


João Melquíades Ferreira da Silva, Romance do Pavão
Misterioso

Aula 02
Teoria da Literatura II
p09
A epígrafe a este tópico demonstra, apesar de ser um breve fragmento de um
texto maior, ser uma narrativa. Observe que há um narrador que se propõe a contar a
história de um herói (um rapaz corajoso), que consegue raptar uma condessa com a
ajuda de um pavão misterioso.

O Romance do pavão misterioso, de autoria do poeta cordelista João Melquíades


Ferreira da Silva, já demonstra, pelo próprio título, a sua gênese narrativa. É uma
narrativa em versos, o que faz dela um modelo bastante tradicional, não é mesmo?

Desde a Aula anterior, você já percebeu que as narrativas mais tradicionais eram,
em geral, escritas em verso. Só aos poucos elas foram ganhando registro escrito ou
foram se transformando em outras. Os gêneros escritos, caso dos contos modernos
ou do romance, são oriundos das mudanças sociais, a vida urbana, o indivíduo e a
leitura silenciosa, a correria da sociedade industrial, entre outras. Mas alguns gêneros
permaneceram e permanecem preservando muito de seu formato. É o caso da literatura
de cordel.

A literatura de cordel entra no Brasil


por volta dos séculos XVI e XVII, trazida pelos
colonizadores, vinda de fontes não só portuguesas,
mas peninsulares. Penetrou, dessa forma, em
todas as colônias ibero-americanas sob diversas
denominações: pliegos sueltos, folhas volantes,
folhetos de cordel, corrido.
Fig. 08 Varal de cordéis.

Ora lírico, ora épico, ora narrativo de façanhas guerreiras, ora descritivo de
casos de amor, o corrido é encontrado com vários nomes: romance, tragédia,
narración, ejemplo, mahanitas, recuerdos, versos e coplas.
(SUASSUNA, 1986, p. 33).

Por se constituir de versos e se organizar sempre em uma estrutura rimada (e


ritmada), ela se propagou principalmente de forma oral, tanto na
Europa medieval quanto no Brasil colônia.

O plágio e a apropriação de narrativas de outros são


aspectos comuns à literatura de cordel, constituindo-se uma das
maiores barreiras para os estudiosos na classificação do cordel
por autor ou por período. As narrativas medievais pertenciam
a quem as cantava, aos menestréis. O menestrel herdava dos
que o antecederam o seu repertório e perpetuava as narrativas
acrescentando, muitas vezes, um aspecto da atualidade ou
algum traço de seu estilo. O canto, ou conto popular, portanto,
não possuía autores.
Fig. 09 Capa do
folheto História de Com o surgimento da imprensa e a crescente veiculação
Juvenal e o dragão. de folhetos impressos, o editor muitas vezes criava ou comprava

Aula 02
Outras narrativas
p10
o texto que seria vendido em grande quantidade ao cantor ou artista ambulante que,
por sua vez, saía de cidade em cidade apresentando a estória e vendendo os folhetos.
Nesses casos, o artista só era autor da performance. Com o tempo, a literatura de cordel
passou a ser veiculada em um formato impresso específico, capa de papel colorido,
com xilogravura, e corpo de papel e impressão simples. Alguns cordéis já apresentam,
em seu próprio texto, a intenção de voltar-se para um leitor e não mais apenas um
ouvinte. Leia o início, por exemplo, da História de Juvenal e o Dragão:

Quem ler essa história toda

Do jeito que foi passada


verá que o falso é vil
nunca nos serviu de nada
a honra e a fidelidade
sempre foi recompensada.

Morava um camponês
num subúrbio dum ducado
já faziam sete anos
que ele tinha enviuvado
só ficou com dois filhinhos
no que mais tinha cuidado.

(ATHAÍDE, 2013, p. 1)

O folheto já inicia indicando que foi elaborado para ser lido.


É um folheto cuja autoria é muitas vezes atribuída a João Martins
de Athaíde, mas é do também pernambucano Leandro Gomes de
Barros. Atahíde era um dos maiores editores de folhetos de cordel
no início do século XX. Fundou sua tipografia em 1909 e de lá saíram,
com sua marca, inúmeros folhetos que fazem, hoje, o cânone da
literatura de cordel brasileira.
Fig. 10 Retrato de
Leandro Gomes de Nas narrativas de cordéis,
Barros. podem-se encontrar diversas versões
de uma mesma estória sob nomes
de autores diferentes. Muitas vezes, para garantir a sua
autoria, o cordelista procurava incluir seu nome no final
da narrativa, em forma de acróstico, geralmente na última
estrofe. O recurso não chegava a ser muito eficiente, pois,
Fig. 11 Menestréis medi-
ao se apropriarem das narrativas, os novos autores só evais.
precisavam eliminar, refazer ou modificar a estrofe final.

Aula 02
Teoria da Literatura II
p11
No Nordeste do Brasil, os cantadores, os repentistas, os contadores de estórias
podem ser considerados os herdeiros dos menestréis medievais. Eles formavam uma
classe à parte, vivendo muitas vezes da mendicância e, ao mesmo tempo, mantendo
vivas tradições seculares de literatura e de cultura. Pouco prestigiados pela elite
intelectual, eram cultuados pela população em geral.

Colônia de grandes proporções, com recantos


longínquos, quase inacessíveis, o Brasil também
apresentava, até bem poucas décadas, um contingente
enorme de população analfabeta, principalmente no
Nordeste. Assim, o elo fundamental de comunicação
com o mundo era a literatura oral e o repentista, o
cordelista, o cantador. Eram as principais fontes de
informação dos arraiais mais distantes.

Por seu nomadismo e pela dispersão de sua Fig. 12 Cantadores brasileiros.


clientela, esses indivíduos tornaram possível a
constituição de idiomas comuns em amplas regiões. E inúmeras das histórias populares
do Brasil fazem parte desse amplo lastro da cultura medieval:
A palavra poética vocalmente transmitida dessa forma, reatualizada, rees-
cutada, mais e melhor do que teria podido a escrita, favorece a migração de
mitos, de temas narrativos, de formas de linguagem, de estilos, de modas,
sobre áreas as vezes imensas, afetando profundamente a sensibilidade e as
capacidades inventivas de populações que, de outro modo, nada teria aprox-
imado.
(ZUMTHOR, 1993, p. 71).

A contação de histórias transformou-se em um hábito familiar no Brasil. Lia-


se, sobretudo, romances antigos e tradicionais, principalmente em verso, as antigas
estórias de aventura, como as de Carlo Magno, narrativas exemplares e religiosas, a
vida dos santos e a própria Bíblia. Mas a leitura pública também era uma tradição
bem forte quanto menor fosse o nível de alfabetizados da região. A leitura era feita
principalmente na feira. Muitas vezes esse intérprete popular, aliás, era um cego. Outra
tradição que remonta à história medieval e que remete a questões sociais e míticas.
A classe dos jograis cegos era notável na Europa dos séculos XV, XVI e XVII, afirma o
estudioso da Idade Média, Paul Zumthor (1993). Donos de um repertório fortemente
tipificado, a ponto de suas estórias receberem o nome de arte de cego ou romance de
ciegos, em Portugal e Espanha.

E você, já leu ou ouviu alguma história em cordel? O Brasil possui alguns autores
clássicos desse tipo de narrativa, caso de Leandro Gomes de Barros, por exemplo. Leia
histórias desse e de outros autores no site <http://noticias.universia.com.br/tempo-
livre/noticia/2012/01/11/903959/40-livros-gratis-literatura-cordel-baixar-PRINTABLE.
html>.

Aula 02
Outras narrativas
p12
Certamente, você já percebeu que essa herança da literatura popular se expandiu
para outras áreas da cultura brasileira e nomes como Luis Gonzaga, Elomar, Xangai,
Lirinha, entre outros, continuam a manter viva essa herança medieval.

Agora que você conheceu também um pouco da história dessa narrativa tão
comum às terras brasileiras, pare um pouco para fazer mais um pequeno exercício.

Mãos a obra

1. A partir da leitura desta Aula, defina o que constitui a


literatura de cordel na condição de um gênero e indique o que
a diferencia do conto.

___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

Já sei!

Nessa aula você conheceu a origem, um pouco da evolução histórica e da


estrutura narrativa do conto literário e também compreendeu a diferença entre o
conto maravilhoso e o conto autoral. Além disso, você também conheceu um pouco
da história da literatura de cordel, de seus temas mais comuns e de sua importância
para a cultura brasileira.

Aula 02
Teoria da Literatura II
p13
Autoavaliação

1. Você conhece algum livro, cantor ou autor que tenha influência da literatura de
cordel? Pesquise sobre isso nas obras de Ariano Suassuna, por exemplo, de quem você
deve conhecer O auto da compadecida. Que outros exemplos de influência da literatura
de cordel na música, no cinema e em outras formas literárias você consegue encontrar?

Leitura complementar

Que tal conhecer melhor outros aspectos sobre o conto? Leia o livro Teoria do
conto, de Nádia Batella Gotlib. Nele você vai encontrar mais detalhes acerca da origem
e das transformações por que passou esse gênero literário. Ele está disponível em
<http://pt.scribd.com/doc/30890030/Nadia-Battella-Gotlib-Teoria-do-Conto>.

Da literatura de cordel, se você se interessar por ela, é possível encontrar


clássicos muito interessantes no site: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/
PesquisaObraForm.jsp>. Nesse site, você pode indicar o tipo de obra que procura, a
categoria, o título e o autor e baixar inúmeros clássicos da literatura de cordel ou da
literatura em geral.

Referências

ATHAÍDE, João Martins de. História de Juvenal e o dragão. Disponível em: <http://
pt.scribd.com/doc/6884008/Literatura-de-Cordel-Historia-de-Juvenal-e-o-Dragao>.
Acesso em: 18 jan. 2013.

CORTÁZAR, Júlio. Alguns aspectos do conto. 2 ed. In: ______. Valise de Cronópio. Trad.
Davi Arrigucci Jr e João Alexandre Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2006. Disponível
em: <http://pt.scribd.com/doc/62764130/CORTAZAR-Julio-Valise-de-Cronopio-L-O-

Aula 02
Outras narrativas
p14
alguns-aspectos-do-conto>. Acesso em: 15 jan. 2013.

GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do conto. 2. ed. São Paulo: Ática, 1985.

POE, Edgar Allan. A filosofia da composição. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/


proin/versao_2/poe/index65.html>. Acesso em: 16 jan. 2013.

SUASSUNA, Ariano et al. Literatura popular em versos: estudos. Belo Horizonte:


Itatiaia, 1986.

ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Fonte das figuras


Fig. 01 - http://1.bp.blogspot.com/-lKZfwSphyls/T57785jY2II/AAAAAAAAH_U/Z-7fSTVTJTQ/s1600/2foxandstork.jpg

Fig. 02 - http://www.skoob.com.br/livro/114878

Fig. 03 - http://2.bp.blogspot.com/-u_bNRak06kc/Tizdna52XSI/AAAAAAAAcxs/epRansikwIc/s1600/conto-de-fadas1.jpg

Fig. 04 - http://anidabar.files.wordpress.com/2012/01/julio-cortc3a1zar-06.jpg?w=400&h=400

Fig. 05 - http://skoob.s3.amazonaws.com/livros/21652/VALISE_DE_CRONOPIO_1238266650P.jpg

Fig. 06 - http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/fb/Edgar_Allan_Poe_portrait_B.jpg/220px-Edgar_
Allan_Poe_portrait_B.jpg

Fig. 07 - http://www.onordeste.com/administrador/personalidades/imagemPersonalidade/0027735ed09f432270a06a7
d1eb77201266.jpg

Fig. 08 - http://musicaeadoracao.com.br/recursos/imagens/tecnicos/historia/medieval.jpg

Fig.09 - https://encrypted-tbn1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcR8ilNk8E1pEeIPJn5aCdPFqXBHdgsWpj8s_d0r-F6aR-
cR3gZdbkw

Fig.10 - http://t3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSpQ2Fsg68xNLptzOmBVTSVeirytQ0H9guUaQkn_v47Tjg_HYaKFA

Fig.11 - http://encantacantadores.blogspot.com.br/2012/06/festival-de-violas-na-casa-do-cantador.html

Fig.12 - http://www.algosobre.com.br/images/stories/assuntos/biografias/leandro%20gomes%20de%20barros.jpg

Aula 02
Teoria da Literatura II
p15

Você também pode gostar