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OS TIPOS DE INTERVENÇÕES NO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

NA INFÂNCIA

O Transtorno do Espectro Autista é um transtorno do neurodesenvolvimento,


que provoca alterações importantes e duradouras na comunicação e interação
social e no comportamento com padrões restritos e repetitivos.
De acordo com Onzi, e Gomes (2015), este transtorno foi citado na medicina,
pela primeira vez, em 1911, por Eugen Bleuler e estava relacionado às pessoas que
tinham problemas de comunicação, interação social e tendiam a ficar isoladas
manifestando uma espécie de psicose. Em 1943 e 1944, Leo Kanner e Hans
Asperger respectivamente, publicaram estudos que caracterizaram as primeiras
definições do transtorno. Contudo, a primeira publicação do DSM em 1952,
abordava os sintomas do TEA, como reações esquizofrênicas, sendo que no DSM
2, os sintomas foram classificados como um tipo de Esquizofrenia que acometia as
crianças.
No volume 3, do Manual Diagnóstico e Estatístico dos transtornos Mentais, o
“Autismo” passou a fazer parte dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD)
e em 1987 quando houve uma revisão do Manual, passou-se a utilizar o termo
Transtorno Autista.
Ainda de acordo com os autores Onzi, e Gomes (2015), o DSM 4 postulava
que o comprometimento do Transtorno Autista precisaria atingir 3 áreas, que até
então, eram vistas como áreas distintas, sendo elas: a comunicação, o
comportamento e a interação social. Já no último Manual, a classificação e o nome
do transtorno sofreram modificações. A comunicação e a interação social passaram
a ser compreendidas na mesma categoria, como sendo pertencentes uma à outra.
Assim, o Transtorno Autista passou a ser chamado de Transtorno do Espectro
Autista ou, na sua forma abreviada, TEA.

Enquanto o diagnóstico dos TGD era baseado em uma tríade de


características na interação social, comunicação e comportamentos, os TEA
passaram a incluir apenas duas: a comunicação social e os
comportamentos. Isso por entender comunicação e interação social como
indissociáveis, O DSM-5 passou a enfatizar mais a indicação para que
sejam observados ou obtidos relatos do comportamento da criança em
diferentes contextos, justamente para verificar se há ou não uma
consistência entre eles. Isso porque se identificou a dificuldade de
adaptação do comportamento para se adequar a diferentes contextos
sociais [...] SCHMIDT 2017, P. 221

Conforme o DSM V (2013), o TEA apresenta três graus ou níveis


comprometimento. Em alguns casos os pais ou cuidadores não percebem no início
da infância que a criança tem o transtorno em função do grau leve ou de não ter se
manifestado completamente. Assim sendo, só será percebido quando as situações
sociais exigirem respostas, como por exemplo, no início de sua escolarização.
Os níveis ou graus de comprometimento do Espectro: nível um ou Leve, nível
dois ou Moderado e nível três ou Grave. “No nível um, o indivíduo exige apoio; no
nível dois, exige apoio substancial; e no nível três exige muito apoio substancial”
(APA, 2014 apud Onzi e Gomes, 2015, p.189)

A noção de autismo como um espectro implica entender que suas


características podem se manifestar de formas extremamente variadas em
cada sujeito[...] que a heterogeneidade sintomatológica pode se manifestar
nas áreas da comunicação e comportamentos de forma independente. Por
essa razão, o DSM-5 estimula os clínicos a utilizarem uma tabela com três
níveis de severidade para pontuar o grau de apoio necessário em cada
área. (SCHMIDT, 2017, p.225)

No que se refere à etiologia, o TEA, está relacionado a um conjunto de


fatores neurológicos desde a formação do feto. As causas são múltiplas, mas em
sua maioria genéticas: “pesquisas genéticas mostram que o autismo não é uma
condição atrelada a um único gene, mas um transtorno complexo resultante de
variações genéticas simultâneas” (SCHMIDT 2017, p.226). Devido a isso, a
manifestação dos sintomas é tão diversificada, o que aponta também, a necessidade
de intervenções específicas a cada caso. Ainda sobre as causas tem-se que
“Trabalhos mais recentes pontuaram como fatores de risco aceitos: aumento da
idade materna e paterna; prematuridade e baixo peso ao nascer; estresse materno
gestacional.” (ZANOLLA et al 2015, p. 37)
As intervenções no TEA, precisam estar de acordo com cada criança, isto é, a
abordagem é individualizada e pode envolver várias técnicas. É o que afirma Bosa
(2017, p.48): “Portanto, com crianças pequenas, a prioridade deveria ser terapia da
fala, da interação social/linguagem, educação especial e suporte familiar.”
As famílias ao se depararem com o diagnóstico do autismo ficam muito
inseguras quanto ao desenvolvimento da criança. Deste modo, é necessário o
trabalho de uma equipe multidisciplinar de áreas como: psicologia, fonoaudiologia,
fisioterapia e terapia ocupacional, além de psiquiatria e neuropediatra que tenham
experiência com o transtorno para orientar pais e cuidadores nas intervenções.

A intervenção multidisciplinar se destaca por possibilitar, significativamente,


a melhora na qualidade de vida do autista, respeitando o nível de
desenvolvimento e particularidades de cada criança. Este tratamento
consiste na orientação da família e no desenvolvimento da linguagem e
comunicação da criança autista. (LOCATELLI e SANTOS 2016, p.209)

O cérebro humano quando estimulado, desafiado, com novos aprendizados


pode “encontrar outros caminhos” (neuroplasticidade cerebral) estabelecendo novas
conexões neurais. Vale destacar que, há diferenças nos resultados das
intervenções, como afirma Bosa (2006, p.48):

[...]tratamentos diferentes podem ter um impacto específico para cada


criança. Esse impacto depende da idade, do grau de déficit cognitivo, da
presença ou não de linguagem e da gravidade dos sintomas gerais da
criança. É importante estar consciente de que a maioria das crianças
autistas não apresenta déficits em todas as áreas de desenvolvimento e que
muitas possuem um ou mais comportamentos disfuncionais por breves
períodos de tempo ou em situações específicas. Além disso, há outros
aspectos também importantes tais como o funcionamento familiar, suporte
social.

Quanto mais nova a criança for diagnosticada, havendo também intervenção


adequada, maior é a possibilidade de sucesso com os recursos da neuroplasticidade.
Para intervir nos casos de TEA, atualmente existem técnicas com comprovação
científica que produzem bons resultados. A busca por especialistas capacitados é
essencial na intervenção. Estes poderão indicar o Sistema ABA – Análise do
Comportamento Aplicada, que é usado na compreensão do comportamento.
Consiste em um conjunto de técnicas de terapia comportamental especializada.
Objetiva potencializar na criança os comportamentos adequados e eliminar
comportamentos indesejados como agressividade, falta de habilidades sociais entre
outros. Possibilitará também o desenvolvimento cognitivo. É importante que este
método seja introduzido nas rotinas das crianças para que a motivação e interação
delas aumente, como por exemplo, inserir dentro das brincadeiras e demais
atividades cotidianas. O ABA produz e mantém os comportamentos desejados na
criança em substituição aos indesejados ou inadequados por meio de reforços
positivos concentrando-se na avaliação objetiva do comportamento observável.
Outro tipo de intervenção é o TEACCH - Tratamento e Educação para
Autistas e Crianças com Déficits relacionados com a Comunicação. É  um “método de
tratamento psicoeducacional baseado em teorias fundamentadas em pesquisas, que
visa a estruturação da vida da pessoa com autismo em todos os ambientes sociais”
LOCATELLI e SANTOS (2016, p.214). Utiliza figuras para que a criança se
comunique por meio delas. Estas auxiliam na organização da rotina e oferecem mais
segurança à criança. O método interventivo TEACCH observa, estuda e avalia cada
criança para elencar seus interesses e suas maiores dificuldades. A partir disto, é
construído um programa individualizado que estimula a adaptação do ambiente e das
tarefas para ampliar a sua autonomia e independência. Bosa (2006, p.49), aponta
que o TEACCH é:

um programa altamente estruturado que combina diferentes materiais


visuais para aperfeiçoar a linguagem, o aprendizado e reduzir
comportamentos inapropriados. Áreas e recipientes de cores diferentes são
utilizados para instruir as crianças sobre, por exemplo, o lugar apropriado
para elas estarem em certo momento e qual a correspondente sequência de
atividades, durante o dia, na escola. Os componentes básicos são
adaptados para servirem às necessidades individuais e ao perfil de
desenvolvimento da criança

Bosa (2016, p. 49), menciona que, até mesmo aquelas crianças sem grandes
dificuldades de comunicação, em algumas situações, podem necessitar de
intervenção que potencialize a sua comunicação: “A maioria das crianças autistas
apresenta dificuldades de compreensão de linguagem abstrata ou dificuldade para
lidar com sequências complexas”.
Já a intervenção baseada no PECS - Sistema de comunicação por Troca de
Figuras, é um tipo de comunicação funcional. Sobre esta intervenção Bosa (2006,
p.48), afirma que:

O PECS (Picture Exchange Communication System) é um exemplo de


como uma criança pode exercer um papel ativo utilizando Velcro ou
adesivos para indicar o início, alterações ou final das atividades.  Este
sistema facilita tanto a comunicação quanto a compreensão, quando se
estabelece a associação entre a atividade/símbolos.

Neste sentido corroboram Locatelli e Santos (2016, p.210): “O PECS


possibilita o desenvolvimento de habilidades de comunicação da criança autista,
fazendo com que o autista conscientize-se que, através da comunicação, ela
consiga, de certo modo, o que deseja, seja objeto, atenção dos pais, etc”. Essas
estratégias de estímulos e reforços que levarão à comunicação independente, são
específicas e usadas nos casos em que a fala é muito limitada. Usa-se as figuras
no lugar da voz, o que incentiva a área da comunicação. É necessário observar
cuidadosamente a criança e identificar itens e atividades ela goste ao longo do dia. A
comunicação é planejada e acompanhada para que o acesso aos reforçadores
identificados seja limitado.
O PECS possui seis fases, sendo: Fase 1 ou como comunicar: a
aprendizagem consiste na troca de uma figura por itens que desejam; fase 2 ou
Distância e Persistência: por meio de uma só figura, as crianças aprendem usar
essa figura em diferentes contextos.; fase 3 ou Discriminação de Figuras: as
crianças aprendem a escolher entre duas ou mais figuras para solicitar o que
querem. As figuras são guardadas em uma pasta com fitas autoadesivas podendo
ser facilmente acessadas e guardadas na hora de comunicar-se; fase$ ou estrutura
de sentença: as crianças aprendem a construir falas simples em uma Tira de
sentença destacável usando a figura intitulada “Eu quero”, que é seguida por uma
figura do item que a criança quer. Com o tempo as crianças maiores, que tem
condições, podem aprender a ampliar sua sentença com o uso de adjetivos, verbos
e preposições; fase 5 ou Solicitação Responsiva: as crianças aprendem a usar o
PECS para responder as perguntas das pessoas como “O que você quer?”; fase 6
ou Comentários: as crianças são ensinadas responder a perguntas como “O que
você vê?”, “O que você ouve?” E “O que é isso?” e são estimuladas a ampliar suas
frases começando com “Eu vejo”, “Eu ouço “,” Eu sinto “.
Um outro modelo interventivo bastante eficaz, com comprovação científica é
o DENVER. Segundo Schmidt (2016, p. 227), este modelo:

integra uma abordagem desenvolvimental centrada no relacionamento


afetivo a técnicas comportamentais de ensino. Inclui a utilização de
estratégias derivadas da análise do comportamento, implementadas em
ambientes naturalísticos, e selecionadas a partir da análise da sequência de
etapas do desenvolvimento típico

Denver consiste na Intervenção Precoce do Autismo para crianças até cinco


anos. Este modelo de intervenção tem comprovação científica e é baseado em
intervenção comportamental no relacionamento pessoal. Os pais, os cuidadores são
os grandes aliados neste modelo pois vão interagir com a criança. Denver prioriza
que os elementos reforçadores do comportamento sejam inseridos nas brincadeiras
em condições naturais. Elege o interesse social, a reciprocidade e o engajamento
social da criança. Favorece a ampliação da interação com o seu meio. Usa
principalmente jogos, como base para o aprendizado. O interesse da criança é que
vai guiar a intervenção. Os ambientes são adaptados para que a criança possa
deles participar e se sentir inclusa. Envolve e interage assim, com todas as esferas
do desenvolvimento infantil.
A abordagem de tratamento Son Rise baseia-se em orientação das práticas
e atitudes a serem tomadas em relação à criança, oferecidas por equipes de
profissionais especializados, executando-se deste modo, um programa na própria
casa por intermédio dos pais que são aqueles “ que convivem com a criança no dia
a dia, tem um vínculo afetivo e por conhecerem, o filho melhor do que ninguém”
(LOCATELLI e SANTOS, 2016, p.211). É um método lúdico que visa a inserção e
interação da criança autista no seu meio social trabalhando as suas habilidades
sociais. Desta maneira será construída entre a criança e seus pais ou seus
cuidadores uma nova e efetiva forma de se comunicarem. “No Programa Son-Rise,
a aceitação da pessoa com autismo, associada a uma atitude positiva – de
entusiasmo e esperança – em relação ao potencial de desenvolvimento desta
pessoa, são princípios básicos para o tratamento” (LOCATELLI e SANTOS, 2016,
p.211 apud TOLEZANI, 2010, p. 2)
As intervenções fonoaudiológicas também são importantes nos casos de
TEA. São trabalhados com jogos simbólicos que estimulam a fala e a interação
social. A intervenção medicamentosa, em alguns casos, se faz necessária, pois
auxilia a criança a ter menos estereotipias, deixando-a mais focada, proporciona a
diminuição das ecolalias o que, no geral facilita o uso mais eficiente de outras
terapias. A intervenção a partir de medicamentos nem sempre é aceita, muitos pais
resistem ao seu uso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os estudos e leituras realizadas, percebeu-se evidências de


que, quanto mais precoce houver a intervenção diagnóstica, associada ao trabalho
de equipe multidisciplinar, maiores serão as possibilidades de desenvolvimento da
criança com TEA. Este transtorno é bastante complexo por apresentar causas
multifatoriais. Entretanto, há intervenções cientificamente comprovadas, como as
apresentadas neste texto, que estimulam a aprendizagem oportunizando melhora na
qualidade de vida da criança e da família, oportunizando inclusão e novos olhares
às crianças com o transtorno do Espectro Autista.
REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of


Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric
Association, 2013.

BOSA, Cleonice Alves. Autismo: intervenções psicoeducacionais. Rev. Bras.


Psiquiatr.,  São Paulo ,  v. 28, supl. 1, p. s47-s53,  May  2006 .   Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
44462006000500007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:  09  Apr.  2020. 

LOCATELLI, P. B.; SANTOS, M. F. R. Autismo: Propostas de Intervenção.


Revista Transformar, Rio de Janeiro, n. 8, p. 203-220 jul. 2016.

ONZI, Franciele Zanella; GOMES, Roberta de Figueiredo. Transtorno Do Espectro


Autista: A Importância do Diagnóstico e Reabilitação. Revista Caderno
Pedagógico, [S.l.], v. 12, n. 3, dez. 2015. ISSN 1983-0882. Disponível em:
<http://www.univates.br/revistas/index.php/cadped/article/view/979/967>. Acesso
em: 09 abr. 2020.

SCHMIDT, C. Transtorno do Espectro Autista: Onde Estamos e Para Onde


Vamos. Psicologia em Estudo, v. 22, n. 2, p. 221-230, 2 jul. 2017.
Universidade Presbiteriana Mackenzie CCBS – Programa de Pós-Graduação em
Distúrbios do Desenvolvimento. Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do
Desenvolvimento, SãoPaulo, v.15, n.2, p. 29-42, 2015 

ZANOLLA, TA. et al. Causas genéticas, epigenéticas e, ambientais do


transtorno do espectro autista. Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do
Desenvolvimento, v. 15, n. 2, p. 29-42, 2015.

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