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tacadão

(Rosto de felicidade (exagerada), mostrando a fita, fecha a expressão, e agora


totalmente robótica, coloca a fita no gravador, senta e põe o gravador perto de
si e fala).
(Voz de aeromoça) Fita 5 . Escutar quando estiver viajando para o quinto
Congresso de Enfisemas Pulmonares. (Vira bruscamente para o som e fala
furiosa) João, toda vez que eu faço uma pergunta e você me responde, com
aquela cara de cachorro sem dono (faz cara e som de cachorro sem dono),
usando na sua resposta as mesmas palavras da minha pergunta...(já com o
som no ar) eu tenho vontade de...(o telefone toca, ela percebe sua ira, e em
uma cão sem graça desfaz a expressão e vê quem é ao telefone, ao perceber
faz cara de esnobe e atende). Alô? Oi Ângela. Eu sei que é a Ângela do
Atacadão. Vocês não vão entregar as lajotas. Nem as torneiras. Claro. Nem a
banheira, nem a pia (ar crescente de decepção). Claro, não, não eu
compreendo muito bem. Nós nem ligamos para banheiro aqui em casa. Tudo
bem fica sem banheiro (na palavra banheiro, quebra). (Agressiva) Eu já
esperava isso de vocês do Atacadão (quebra). Vocês Ângela, do Atacadão
(quebra), vocês acabaram com a minha vida. Desde que eu comecei essa
reforma, fiquei completamente se dinheiro (faz sinal de dinheiro). É marceneiro,
vidraceiro, é acabamento, você ta entendo Ângela? Ângela? Alô? Alô? Ângela?
(movimento com o celular). E agora (choramingando) o meu sistema hidráulico
estourou, sabe há quanto tempo minha obra esta parada? Há duas semanas
por causa de vocês do Atacadão (quebra). Siiiimmmm, eu sou louca, eu sou
histérica (fala e movimentos frenéticos), mas eu não trabalho no Atacadão
(quebra). Eu odeio o Atacadão. (ritmo rápido) Odeio cano, odeio cimento, odeio
pedreiro, odeio marreta, odeio principalmente a cara de burro que vocês da
obra tem. Não você não vai desliga não. Alô??? (respira e fala choramingando)
Você sabia Ângela, que uma obra provoca um desgaste emocional semelhante
a de alguém que perdeu um ente querido? Essa obra já me matou três entes
queridos. (Chorando) E acabou com o meu casamento...alô...alô...Desligou
(Solta o celular e fala tranquilamente) Não aguentam ouvir verdades essas
vendedoras. Putas, vadias. (Voltando ao gravador, brava) João, João, quando
eu pergunto, onde você estava, é tarde, quase duas da manhã e você me
responde (imitando o marido) onde eu fui, já é tarde, quase duas horas?
(Choramingando) Eu sei que essa é uma técnica nojenta pra você ganhar e
inventar uma mentira. (Imitando o marido) Encontrei o pessoal da associação
dos psicanalistas. Fui jogar tênis. Tênis? Você nem tem raquete. (Imitando o
marido) O Pedro me emprestou a raquete. Acontece que eu sou muito esperta.
Eu liguei para o Pedro e ele também não tem raquete. (Magoada) O que mais
me magoou, não foi você mentir para mim, nem fazer o que fez. Eu entendo
que os homens sejam copuladores compulsivos (fala seca e coça o saco).
Agora, você dar de presente pra’quela mulher, a (tosse) tuberculosa, o mesmo
poema sobre brancura (mão no rosto), o mesmo poema que você me deu,
quando estava apaixonado por mim, isto é péssimo (seca). (Ficando
transtornada e tirando o revólver) Não se trata de ciúmes patológicos, nem de
possessividade mórbida, não venha com esse blá-blá-blá de analista pra cima
de mim. (Gesticula com o revólver) Fiquei furiosa porque, você sabe muito bem
que a branca aqui, sou eu. Eu brilho no escuro. A Ana é quase bege. (Pausa)
Mas eu entendo que você tenha se encantado por ela. Eu também me
encantei. Aquela coisa solar contrastando com a tosse. Muito bom. E aquele
jeito dela dizer: Garfo fofo. A Ana é mesmo uma mulher complexa. Entendo
que você tenha querido levá-la para a cama. Eu também levei, João. (Ri) Ficou
surpreso? Você ainda vai ter muitas outras surpresas.
Obs: Deixei batatas na geladeira, parecem batatas doces, mas são salgadas e
fazem bem para a saúde. Pode comê-las cruas.
Obs²: Estou com medo do meu avião cair.

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