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UMA MOÇA DA CIDADE

Uma Moça da Cidade


Teatro para Adultos

Anderson Bernardes Sanches


Anderson Bosh
2007 (arranjo para 3 ou 6 atores)

Uma Moça da Cidade é um conto que fala sobre amor.

Com arranjos cênicos simples este conto ganha ritmo e narrativa dramática.

A divisão dos acontecimentos da narrativa, lembram e sugerem ao mesmo tempo que a cena
tenha ritmo, imagem e construção cênica inspirada na manifestação artística do teatro artesanal
e mambembe.

O texto está dividido em duas partes: uma anti-cena (prólogo) que anuncia o assunto do
espetáculo e o espetáculo propriamente dito que propõe e discute o amor como acontecimento
transformador da vida humana.

O texto está dividido para que 6 atores revezem-se fazendo a personagem principal e os
auxiliares.

Sugere-se que o espetáculo aconteça em duas áreas de cena previamente marcadas (uma para
o prólogo e outra para a peça) em espaços não convencionais ou rua, quando no teatro utilize-se
então o saguão e o auditório.

Sugere-se ainda que os atores do espetáculo se apresentem como se fossem andarilhos,


cantantes, brincantes, festeiros de cheganças, artistas mambembes de companhias pequenas e
viajantes, e que, utilizem-se de instrumentos musicais para compor as cenas do espetáculo.
Recursos do circo e da dança são bem vindos.
Ato único

Entram para formar a anti-cena (prólogo), cantando e abrindo espaço, posicionam-se:

Entremo nessa nobre sala, nessa nobre sala

Com essa voz indescansada (2x)

Louvor vinhemo dá, vinhemo dá

Ao Sinhô dono da casa (3x)

Saldando:

1- Salve Dionísio!

Todos – SALVE! (prosseguem saldando Pessoas, Instituições, Momentos)

Cantam:
Rodei rodei. Rodei deixei rodar
Cantei cantei. Cantei deixei cantar
Sonhei sonhei. Sonhei deixei sonhar
Amei amei. Amei deixei amar

Dois dos personagens iniciam a anti-cena (prólogo): “O Encontro de Genésio e Corina”

1-E atenção, atenção! Novidade no seu jornal o Comércio. O jornal de Campo Grande, estado de
Mato Grosso 1961. O Senhor quer se casar? A Senhora está solteira? Eis aqui a solução:
Classificados de encontros no seu jornal O Comércio!

2-E já temos alguns anúncios!

1- Ele: alto, forte, barbudo, alinhado, olhos azuis e dentes daquele tamanho, procura por ela –
alta, alinhada, cabelos cacheados, morena e beiços de dar gosto - assinado cordeiro de paixão.

2- Ela: alta, alinhada, cabelos cacheados, morena e beiços de dar gosto, procura por ele - alto,
forte, barbudo, alinhado, olhos azuis e dentes daquele tamanho – assinado pomba enamorada.

1- Corina e Genésio trocaram várias cartas: cartas de apresentação, cartas de paixão, cartas de
amor. Tomados pelo coração marcaram um encontro!

2- O encontro de Genésio e Corina!

Dois dos personagens (sugestão: de perna de pau) assumem a cena:

3- Toc toc toc! (como se fizesse barulho na porta)

4- Quem é?
3- Rum rum rum! (como se raspasse a garganta)

4- Que?

3- Sou eu!

4- Eu quem?

3- A carta!

4- A carta! O moço! O encontro! Estarei bem, pareço-me tão pouco com aquela que descrevi.

3- Demora! Deve ser mais linda do que descrevera! Estarei bem? Pareço-me tão pouco com
aquele que descrevi!

4- Entra!

3- (extasiado) Corina!

4- (extasiado) Genésio!

3- Não tens cabelos cacheados, (engasgando de paixão) Corina!

4- Não tem olhos azuis, (engasgando de paixão) Genésio!

3- E as rendas, Corina?

4- (para ele) Lavando! (para o público) Não tenho um só vestido com rendas! Mais e as calças
azuis, Genésio?

3- Lavando! (sorri) Não tenho covinhas! Corina!

4- (analisando) E os dentes daquele tamanho!?... Mais gosto mesmo assim! Genésio!

3- (idem) Tão branca! Me faz muito gosto Corina! (entrega-lhe flores)

4- Lindas, Genésio! (querendo retribuir/sem pensar) Chá?

3- Chá! (para o público) Odeio chá!

4- (para o público) Deus! Não tenho chá! Vamos dar uma voltinha? Genésio!

3- Voltinha! (apanha-a pelo braço e faz-lhe uma volta em torno de si)

4- (insiste) A voltinha?

3- (sem querer) O chá?

4- Não tem!
3- Ainda bem! Sua mãe?

4- Não tem!

3- Ainda bem! Seu pai?

4- Não tem!

3- Ainda bem!

4- Genésio!

3- Corina!

4- (dá-lhe um tapinha) Mosquinha!

3- (retribui) Mosquinha! (continuam dando tapinhas em diversas partes do corpo até que juntos
batem em seus sexos/Genésio dá-lhe então um lenço como se fosse aliança)

4- (coloca na cabeça) Presente! (deixa escorregar e apara logo sobre o ventre) Semente! (puxa-
o para o braço como se ninasse uma criança) Estou tão contente!

Cantam:
Abalei um pé de rosa, ô rosa, tirana
Que nunca foi abalada-ra, ô rosa!
Cada rosa que passava o rosa, tirana,
Era um beijo que lhe dava-ra, ô rosa!
Namorei uma morena, ô rosa, tirana
Que nunca foi namorada, ô rosa!
Dois dos personagens do chão reassumem a cena:

1- Este foi o encontro de Genésio e Corina!

2- Um espetáculo popular e mambembe desta trupe de atores do mato grosso!

1- Patrocínio de Casas Bernardes, Pensão da Lininha e jornal O Comércio, onde você encontra
os contos: “Agripino Baiano Brasileiro”, “Baianópolis” e “Uma Moça da Cidade”, o nosso próximo
espetáculo!

2- Sejam bem vindos!

Cantam e encaminham o público para entrar na outra cena já montada. Passam por uma
espécie de portal improvisado pelos personagens de perna de pau:

Entremo nessa nobre sala, nessa nobre sala


Com essa voz indescansada (2x)
Louvor vinhemo dá, vinhemo dá
Ao Sinhô dono da casa (3x)

Alguns dos personagens de chão preparam o cenário da cena principal para o inicio do
espetáculo, assim como preparam os atores de pernas de pau para tomarem parte da cena.
Enquanto isso dois dos atores revezam-se iniciando o espetáculo principal ainda no auditório:

1 e 2- (por sobre o final da cantoria) Amor! Ah Amor! Amor! Que seria dessa vida carpideira não
fosse o amor? Amor que nos seduz e corrompe! Amor que nos dilata e enobrece! Amor! Amor
que nos proclama; que nos enche de chama, que nos leva pra cama! Amor meu pra ela, amor
dela pra mim; na moitinha de capim! Amor dele pra ela! Amor dela pra ele! Amor deles! Amor
delas! Amor dele pra ele, amor dela pra ela! Amor deles, amor delas! Amor dos cachorros amor
das cadelas! Ai Ai!... Falemos de amor

Já na próxima área de cena, narram o que os outros atores encenam – os outros 4 atores fazem
a personagem principal:

1 e 2 - Ambrosina, moça fina, estampada, estava sentada em seu quarto quando se deu conta
de que dia era aquele. Tinha feito um combinado com seu pai e não cumprira. E eis o dia do
combinado! Ambrosina chora desesperadamente! Chora muito! Grita! Rola no chão! E
repetidamente fala que não! De repente Ambrosina levanta-se, engolindo o seu choro, decidida.
Dá duas piruetas no ar, cinco mortais pra trás e nove cambotinhas!

As personagens que estão em cena tiram no dedo quem ficará para iniciar o texto – estes
personagens fictícios terão nomes aqui para a melhor compreensão da divisão do texto pra esta
proposta de 6 atore encenarem a mesma personagem:

1 - Diacho de cumbinado! Que qui tu tinha di fazê cumbinado mais seu pai Ambrosina! Pois é mi
lasquei! nu cumbinado, eu vínha pra Campo Grande, fazê admissão, as próva prá cursá u
ginasial. Antis di cumpletá us 18 anos tínha qui tirá o díploma prá pude í pru culegial, ou intão
casá. Arrumá um moço dístintu, carinhosu, alinhado, chérosu, machu feito meu pai, prá mi
cumpri órdi di marido. Ai eu ficava. / Dei conta não! / Nem di um, nem di outro! / Nu teste de
admissão fiquei foi 4 anu. No curso ginasial mais 6, e marido nem di longi. Cabô u cumbinado... /
Num dô uma hora prá meu pai batê nessa porta. Ô véi lazarentu! Num intendi as dificuldade di
uma moça di cidade. Tá achanu qui vô ficá prá titia / Vô te que í pra Piqui! Piqui!? / Num é u
nome não! U nome de verdade é Baianópolis, alí pra frente di Ruchedo. Cunhece? Claru Qui
não! Num ixiste nem nu mapa / Tíra uma linha! Eu, Ambrusina Queiroz Lélis Bérnardes,
pratícamente uma moça di cidade grande, civilizada, alínhada, ginasial cumplétu, móranu num
lugarejo mitído a cidadí de nome Baianópolis. Ainda que fosse uma cidadela d`uas 50 casa táva
bom. Si tivé 15 é muito... / Queru morá lá não! / Passiá, num digo. Aí eu quiria, ficá assim umas...
umas... umas duas hora, e arredá o pé prá trás / Si o pestiado tivesse ficado na Bahia, quem
sabe eu já tava era casada. Mais não! É assanhado pur demais!... / Sim! São baianos, du tempo
que namorava cada um núma cadeira, cum u pai di présença.

1 atua outros encenam:

Aline - Um dia, meu pai, assanhado por demais, tíro dum pulo, lascô um beiju no rosto di minha
mãe e infincô o pé na carrera, vei pará em Baianópolis. Meu avô, pai de minha mãe, que num
era besta nem nada, garro a pobre pelo braço, junto minha vó mais meus tíus e infincô o pé
atrais. Chegô 1 passo dépois dele, pegô o bichu foi no laçu. Casaru como manda o figurino:
enxóval completo, de linho bordado à mão e chegada na igreja a cavalo com fogos:

Cantam em ritmo de marcha nupcial:


Tem vatapá
Tem caruru
Mocotó com bucho

1 - Festão! A lua-de-mel foi em Córguinho! ... (todos desanimam e desfazem a cena) Resultado:
nasci em Baianópolis. Tivesse nascido na Bahia, em Salvador, ainda seria soteropolitana, mais
não, nasci em Baianópolis, baianópólépense, póde? Isso num é uma qualidade, é um
chingamento... / Mas num tenho vérgonha não! Vérgonha pôca é bobage! Vérgonha mesmo
passei quando vim mais meu pai i minha mãe prá Campo Grande, fazê admissão. Mi lembro
como si fosse hoje. / Nem mesmo mala eu tinha! Minhas roupa? Vieru tudo dentru di uma trôxa!
Mas vim di avião feito princesa! / Dos garimpero de Piquí, meu pai é u milhó, mais rico. Já té
buto uma venda. Casa Bernardes... / O diaxo foi quando fomus pru culégio fazê admissão. O
prédio era bunito. Da paredi já se via o nome “Colégio Oswaldo Cruz”, dentre us outro erá u
milhó. / O próblema foi du pórtão adentro.

2 assume e atua outros encenam com bonecos:

2 - Quando entrei paricia que eu óvia as córnetas du circu tócanu cum a chegada dos paiaços.
Tamém, pudera, meu pai mais minha mãe parécenu Lampião mais Maria Bonita. E eu?
Vistídinha di cunjuntim verdim preguiadim, chei di bolinha, sapatim de baratinha e chica no
cabelo.

Boneco – Ei! Ta parecendo uma jaca enfeitada pru natal!

2 - O debóche cumeu solto. / Alí, sí eu tivesse uma pexeira, tinha capado era muito muléque e
feito duas boca na cara de cada moça daquela. Que ódio!... (desfaz-se a cena)

2 - Mas, támem a culpa néra deles não, né mesmo? Na verdade os culpados era meu pais... /
Fiz u téste de admissão e num passei. Aquela foi a minha vingança. E o quanto foi bom. / Dalí
mesmo, pártimus di volta prá pensão. Ganhei um coro tão grande qui fiquei uma sémana sem
sentá, durminu di bruçu. O castigo maior foi num voltá mais prá Piquí. Fiquei sozinha na pensão,
na guarda de D. Rosa. A ordi éra estudá prá passá na admissão. / Minha mãe mais meu pai, fôru
imbora logo em seguida. Num derú um pingu di chorú na dispidida. Eu já tava era sóluçanu di
tantu qui chorava. / Mas eu sôbe qui chégaru nus prantu lá em Piquí. Tião boca-de-sapo mi
conto tudo. / Tamém, quem num ia chorá pur uma lindeza? Uma furmusurinha assim feito eu?
Chico leitero qui ú diga... A primera sémana foi braba, chórava feito cachuera em tempo de
chuva. / Rezei, foi prá tudo quanto é santo prá meu pai léva di volta prá Piquí. / ... Ô santaiada fia
duma égua. Viéru atendê meu pidido agora qui num quero mais í! / ... Os primero meis foi mais
duro. Mas logo me acóstumei... /

2 atua outros encenam:

2 - D. Rosa me levava todo Domingo no passeio da rua 14 de julho. Aquilo era bom. Eu vóltava
tontinha di tanto vê moço bunito ni minha frente...

3 - Ambrosina! Cunhece Tia Linha? Tialinha Ambrosina!

1 - Ôchi! Tá mi istranhanu Dona Rosa? Assanhada num sô não! Lutrida num digo

2 - Duranti os quatru anu di testi di admissão, nu qual, finalmente consigui passá. Minha vida se
résumia a estudá de prófessor particular. Pegá o leite di manhã no portão prá D. Rosa. Escrevê
prá meu pai mais minha mãe, que num intindinha nada nunca! Passiá di Domingo na 14. Í no
cine Aliambra assisti us filme di amo

2 atua outros encenam:

2 - Acumpanhada di D. Rosa...

Enamoradas do filme colam seus rostos e quase se beijam:

1 - Cunhece Tia Linha Dona Rosa? Ti alinha Dona Rosa!

3 - Ta mi estranhando Ambrosina? Cunhece Tia Tina? Ti atina Minina! (desfaz-se a cena)

2 - Passá os fériadu em Pequí com minha família era uma glória. / Dia da chegada, vinha todo
aquele povo mi vê. “a moça da cidade tava cheganu”. Naquilu eu num olhavá prú chão prá num
perdê a pôsi. Era duma finura, Qui tinha gente que ficava era di longi e só falava bom dia... / No
entanto, meu pai mais minha mãe, no escândalo di seu amô, sortava a porcaiada e a galinhada,
prá mostrá a fartura qui mi isperava. Ô diaxu, aquilu era uma tortura. Imagina; aquela galinha de
angola, tudu em minha roda: tô fraco, tô fraco, tô fraco. Que véchame, aquilu era um
pésadelo... / Mas prá moça da cidade, na casa tinha um quarto reservado. Curtina, novinha di
folha, nas porta e nas janelas. Cama alinhadinha. Juntadinha di linho e cétim du milhó... / Eita,
que da vida era um régalo. / Tanta casa prá visitá, tanta gente prá vê. Quantas coisas prá contá.
E a cada visita um agradinho vinha: bolo di fruta, bolo de puba, quêjo fresco com goiabada. Doce
de jaca, doce de cajú. Cajamanga e umbú fresquim da hora. Sucu di pitanga. Biju di póvilhu cum
leite e café era dus apiritivo o meu pridiléto. E os almoço: arroz cum piqui. Buxu cum mócóto.
Ensópado de jaú. Vatapá de minha mãe; pirão de gaméla... Víxi! Cada passeio q`eu dava era
uns dez quilo q’eu ingordava. / Ficava satisfeita. / Mais vóltava, sou uma moça da cidadi. Por
mais que gostasse, lá não puderia ficar. Num dava mais prá acustumá. / ... Era bom.

4 asume a cena e atua e os outros encenam:

4 - Milhó ainda foi u dia em que entrei no curso ginasial... / As proféssora que já perdiam a
espérança se espantáru cum minha présença.

3 e 5 - Psiu! Psiu! ... Zero!

4 - Entrei foi sedutora. Lógo na chégada pércebi doi miau mi ólhano! ...

3 e 5 - U qui é miau?

4 - Ôchi! Gatim! Duas coisinha linda. Dois pãozinhim. Mas num dei bola foi prá nem um.

3 e 5 - Psiu! Psiu! ... Zero!

4 - U amô di minha vida tinha passado em minha frente naquele dia. / ... Ainda sainu da pensão.
Bonita feito uma misse. Nu portão! Mi sufóquei cum perfume daquele sonho dos deuses. / Aquilu
num era um home, era um quindim di côco, um sórvete di gravióla, um sucu di tamarindu. Eta!
Mais era bonito. Fiquei doida! Aquele moço vestido de branco dus pé a cabeça, assanhano
minha piriquita... / Naquilo mi subia uns calafrio, mi dava umas livrusia! Suá frio, feitu muié
parinu! As perna bamba, umas cosquinha doida, que eu num sabia di ondi vinha...

3 - Cunhece Tia Linha Ambrosina? Tialinha Ambrosina!

4 - Num fosse D. Rosa mi gritá , num tinha ido prá escola naquele dia. / Ô diaxu di aula
cumprida. / A aula acabanu, sai foi córrenu di volta prá pensão. Fiquei no pórtão sentada,
ispéranu u bunitão passá di volta... / Ora! Si ele passo pur alí, prá então ir trabalhá, era u qui
dizia sua ropa, teria então qui voltá. / Fiquei sentada, di olhu na rua. Nem piscava. Na lembrança
du qui meu pai disse:

2 - Ambrusina, fía minha, tu é minina mulé. Moça dígna. Tá inu prá cidade prá módi istudá. Bem
si sabe qui prá Piquí tu num qué voltá. Então si iscuta bem do nosso cumbinado. Antes dos 18
anos, tu mi trás diploma di colegial ligítimo, ou então um moço, distintu, caprichoso, trabalhadô,
respeitadô e maaachu feito seu pai prá lhe pedi em noivado e casamento. E num si esqueça qui
tu tem di entrá na igreja di Pastô Ruberto de vél e grinalda, levada de cavalu brancu até à porta.
Ouviu Ambrusina?”

4 - Respondi qui sim cum us zóio maió qui duas lua cheia... / E, que sorte, meu noivo passô ni
minha frente aquele dia. / Cuntinuei sentada lá no portão. Chuveu e abriu sól, mais ou menos
umas dezésseis vez. Num disisti. Passô cincu, passo seis, passo séte, quando deu oitu da noite,
uma escuridão só, eu disistinu, apontô nu final da rua um home di branco. / Esperei não. Sai
correnu a seu encontro 26 quadra abaixo / quasi murri. Tinha só um hómi di branco não, tinha
era 7, um prato de farofa, umas galinha preta, umas vela cólórida, uma caximbaiada dus inferno.
I eu lá no mei du dispachu / Voltei feito buscapé em festa junina, num pé só. Dois ségundo tava
na pensão. / D. Rosa espantada com a minha chegada em desespero me deu logo um copo di
água cum açúca. Tomei feito suco./ Quando já tava acalmando. Surgiu du nada aquela voz.
“D.Rosa! Ôdi casa.” Quasi murri di sustu. Dismaiei naquele instante.

3 assume a cena e atua os outros encenam :

3 - Quando dispértei/ Num acréditava nu qui tava veno./ Aquilo era como uma miragi: Era u
quindim di côco, u sórvete di gravióla, o sucu di tamarindu, u sonhu dus deuses. Eu tinha sido
sócorrida pelo meu pão, meu noivo distintu. Um médico bunitão... / Num guentava nem fala.
Tava mole di tanta emoção... / D. Rosa assustada, pediu a Tião boca-de-sapo que me levasse
pru quartu. / Sem qui eu pudesse ouvi di novo a sua voz ou si quer lhe dizê um obrigada, fui
lévada por aquele tinguá mitido a macaco pra meu quarto. Ô ódio! / D. Rosa, não mi dexô saí di
lá, dois dia direto, nem na escola eu fui. Aquilu, eu aguava de vontadi di vê meu noivo. Meu
médicu. / E só quem mi visitava era Tião boca-de-sapo, mi fazenu umas próposta indecorosa. /
Quiria pur que quiria mi dá um beju nu rosto, si fosse preciso, disse qui pidiria minha mão em
noivado pra meu pai. / Aquilu mi assustava. / Tião era dono da viação, dos homi era um dus
pôco qui tinha carro. / Meu pai ia tomá gosto, ia não? / Oia, eu casanu cum Tião boca-de-sapo.
Deus me livre daquele tinguá. Aquilu tem cabelu até nas palpébra dus zóio. U bichu parece um
macaco. Áve! Tem jeitu, não!... / Aquilu é doidim e a pulícia num sabe! Ele tava mi achanu cum
cara di furmiga. / Dois dia qui fiquei di cama, mi deu tanto bombom e doce qui meu quartu paricia
uma cunfeitaria. / Sem contá as flô, qui já dava p`reu montá uma flóricultura... / Num via a hora di
saí daquela lotumia... / No terceiro dia, boa, fui pru culégio. / Feitu dététive, pérguntei a quem
cunhecia e não cunhecia, quem era u médicu! Discubri qui seu nome era Antônio, e tinha pur
sobrenome Carvalho. Antônio Carvalho, dígno de Ambrusina Queiroz Lélis Bérnardes. Já pensô?
Ambrusina Queiroz Lélis Bérnardes Carvalho. Nomi di primera dama. Mais chique que isso, só
arroz cum fruta. / Naquela sémana mesmu, saí a sua prócura. / Se era médicu, tiria qui tê um
cunsultório, não é mesmo? / Pérguntei a Tião boca-de-sapu onde é que eu incontrá um
cunsultório de médico aqui na cidadi? / Tião quis sabê pra quê! / Réspondi di grósseria: régra,
próblema de mulé, vai quérê sabê mais? / Réspondeu mais qui dipressa. / No mesmo instante
saí de curreria atrás dus cunsultório. / Visitei, mais ou meno, uns 232 e nada de achá o de
Toinhu, meu noivo. / Quando já tava chéganu em Cuiabá, avistei uma placa di ferro e lá os
dizeris: “ Antônio Carvalho – Óbstetra”. / O nomi era di meu noivu, mais a prófissão num tinha
cérteza. / Entrei assim mesmo:

3 - Bom dia?

4 - (não se manifesta)

3 - (braba) Bom dia? A Sra pode faze o favo de me dizê u qui é óbstétra?

4 - (encena apenas: búxu! Corta corta corta! Tira! Bate bate bate! Chora Chora chora! Hihi!)

3 - Então obstetra também é médico! (ri sem graça) A Sra. Por um acaso cunhece o médico
Antônio Carvalho?

4 - Toinho?

3 - Toinho? (ensiumada)

4 - Toinho foi quem me deu esse emprego! Medico melhor que este não existe! Toinho é um
anjo!

3 - Pois então a Sra faz o favo de mi insiná o caminho do céu que quero fala cum esse anjo e
agora, que eu já to nervosa!

4 - Pra quê?

3 - Regra! Problema de mulhé! Tem não?

4 - (aponta com o dedo / espantada)

3 - (bate na porta e narra) Mi dei uma arrumada e bati. / Não tive résposta. / Bati nóvamente. /
Não tive résposta. (nervosa) /Bati novamente, num tive résposta./ Sentei u murro. / Lógo ouvi:

5 - (afeminado) Entra!

3 - (narra) Num sabia si entrava ou saía córrenu... entrei! / Nu qui éntrei, já fui lógo mi séntanu,
qui minhas pérna tava bambinha, bambinha, e eu num enxergava era nada

5 - (afeminado) Qual o seu nome minha filha?

3 -(narra / encena) Tirei dum pulo e enxerguei foi na hora. Quem é o Sinhô?

5 - Antonio Carvalho, vosso médico!

3 - (narra / encena) Que décépção! Meu noivo era um véi chibungo, mufino, dilicado dimais, uma
flô, marica lazarenta! / Num lhi dei u disfruti di sabê meu nome, e feito peido, em dois sigundu
tava na pensão di volta.

6 assume a cena e atua os outros encenam:

6 - Naquilu eu apitava di raiva! / Fiquei uma sémana martélanu: “_ Deixi está. Tião há de voltá,
num vai ficá lá pra sempre”. / Minha vontadi era di parti, em busca di Tião. Tivesse ondi tivesse
eu acharia! Sem vérgonha! Féla! Mi apruntô dais maió! Issu num puderia fica assim não! / Treis
dias depois ele voltô da viagem que fazia! / Fiquei atrás da porta di seu quarto. Quando entrô lhe
dei tanto golpe de vassora, qui ficô roxo feito um jamélão. / Sorte que táva pertu, i caiu na cama,
purque pur ali mesmo ficô foi duas sémana. / U acunticido foi a nutícia du anu.

3 - Ô minha fia, pur qui é qui tu fez isso cum Tião, um moço qui lhi qué tão bem!

6 - Tião me deu um endereço errado e eu andei feito tonta atráis (percebe-se) ...de um
cunsultório de um tal de médico... de mulhé! Regra! É isso!!

3 - Mais minha fia! Tião só fez lhe dá o endereço e tu quase que mata o pobre? Ta certo não! Se
eu fosse minha fia eu pedia disculpa pra Tião.

6 - O diacho! Num é que a Sinhora ta certa! Mais D. Rosa u ispértinhu vai querê bárganha
minhas disculpa cum um pidido di noivado, to lhe dizendo!

3 - E tu num qué?

6 - Quero! Quero é dá outra surra nele pra dexa de se atrivido! Imagina eu casada cum Tião! To
doida nem nada!

3 - (pensando) Ô minha fia, ocê tava di regra i num mi falô?! Eu pudia te lhe lévado num dotô di
minha cunfiança!

6 - Sabe u qui é D. Rosa, é qui eu quiria um dotô assim mais novo, sem muita mania. Um dotô
assim mais muderno. Pur exémplu, aquele qui mi sócorreu aqui na pensão da otra vez, lembra?
Aquele alto, moreno, forte, vestidim di brancu dus pé a cabeça.

3 - Ô minha fia, aquele é Hórizonte, num é dotô não, é açogueru! Tava aqui pra anotá meu pididu
du mês. Mas num préocupe não, eu vô arrumá um di cunfiança, pra minha fia cunsutá.

6 - (narra / D Rosa limpa coisas) Péguei minha cama, lévei pru quarto di Tião, istiquei otra
manguera di sôro, puis uma toca na cabeça e 20 cubertô. Aquilu eu pulava di febre./ Febre di
décepção./ Tião, lutridu, qui só bizerru novo, tava achanu q`eu tava era noivanu mais ele./ Voltei
pru meu quartu no mesmo instante./ Áve, num gostu nem di pensá./ Du acuntecidu pra cá, num
tinha vistu mais aquele moço/ foi bom/ deu tempo pra pensá./ Mais qui próblema tinha dele se
açógueru, num é mesmo?/ Ao menus, carne ni minha casa num ia faltá!/ Foi intão qui résolvi
prócura-lo./ Como quem num qué nada, assim, num dissi qui mi disse!... D. Rosa onde é que fica
o açogue qui furnece carne aqui pra pensão heim?

3 -Ô minha fia, pra que tu qué u indereço du açogue? Tô lhe istranhanu, duns tempo pra cá tu ta
cumenu uma carne lascada. Tá querenu mudá pra lá é?
6 - (sem rumo) Não! ...Sabe u que qui é, D. Rosa, é qui eu preciso... di fazê... um... um... um
trabalho pra escola, sobre carnes, é, é isso! Saí di fininho!/ Na posse do endereço, parti pra
encontrá u meu póssível noivo./ Hórizonte era u nome, comu siria u sóbrenome?/ Seu açogue
ficava no mércadão minicipal, di frente a meu cólégio, tava fácil./ Daquele dia em diante, toda
vez que acabava a aula, pur lá eu dava uma passadinha./ Entrandu pela porta principal, já
surrindo dalí mesmo. Passava feitu um sol, radiante, em frente a seu açogue. E dalí partia as
porta do fundo, ainda surrindo./ E assim ia mimbora pra pensão numa aligria só. Naquilu péguei
até fama; fiquei cunhicida comu dentadura, era u dia interim cum us denti di fora./ Num foi muito
tempo, descóbri u qui ele góstava de cume di fazê./ Era loco pur cinema./ Saia di seu
estabélécimento cumércial às oito, e as oito e trinta, já tava banhádo i chéroso di frenti ao cinema
prá pegá a sessão das nove./ Di um dia, ludibriei D. Rosa, e fui pru cinema sózinha, pra modos
di vê meu póssível noivo.

5 assume e a cena e atua outros encenam:

5 - Di frente ao Cíne Aliambra, pérguntei as pessoas qui alí istávam, quem era u moço qui num
pérdia um filme si quer.

4, 1 e 6 - Hórizonti, o açougueiro!

5 - E qualé seu sóbrenome?

4, 1 e 6 - Porto Alégre, Hórizonti Porto Alegre

5 - (narra / encena) Disanimei; imagine, Ambrusina Queiróz Lélis Bérnardes Porto Alégre, parece
nome de carru alegórico di disfile de sete de setembro.... Bóbagi, pru amô num éxiste frontera,
num é mesmo?/ Entrei nu cinema. Ainda bastante claru, olhei pra tudu quantu éra canto e nada
de avistá Horizonte. Tava achanu qui aquele dia ele nun ia não./ Résolvi senta, e lá, sentada e
acabrunhada di meus pensamentus em Hórizonti, tomei um sustu, qui cheguei a grita.

2 - (boneco manipulável do Rubens Corrêa) Oi, Ambrusina”.

5 - Hórizonti? (pensa alto) U quantu eu quiria qui fossi! (olha pra trás e se assusta) Ai diabo!

2 - Oi Ambrosina! (ri)

5 - Rubens Corrêa! Quando é que tu vai aprende a num assusta as pessoas pra fala cum elas?
Tu pensa que é a coisa mais linda do mundo num é? Esse seu nariz de batata, mais esses zói
esbuticado e essa boca de jibóia. Tu tome tento ô eu indireito essa cara de ema ismilinguida é nu
muro!

2 - Ambrosina!

5 - Rubinho querido! Por acaso tu num viu Horizonte o açougueiro aqui no cine não?

3 - Como se eu viesse ver alguém, meu objetivo aqui é o “Morro dos ventos Uivantes”, já assisti
25 vezes. Zina minha amiga descobri o que quero fazer de minha vida, vou prá São Paulo, e me
tornarei ator, quem sabe um dia fazer “O Morro dos Ventos Uivantes”

5 - Feliz de tu que acho uma paixão! Diaxo de paixão! Esse açogueru que não chega!
2 - Zina, minha amiga, num prócure pelo amô. Deixe que ele te encontre

5 - Rubens (ele se foi) Rubens?! Doidim e a pulicia num sabe! ...(narra) Sentei pois começava u
filme./ Sem quérer, pur réfléxu, dei atenção ao acender de um fósforu nus camaroti di minha
direita/ Quasi engasguei/ Era Horizonti, meu possível noivo/ Daquele momentu em diati num
cunsiguia olhá pra ôtro luga, num fosse pra minha direita/ Era um sonhu. E u quantu tava bunitu./
Com u tempu fiquei di turcicólu di tanto que lhe olhava/ E u disgraçadu nem se apercebera di
minha présença/ Prá cumpletá, dus cunfim dus inférno, surgiu Tião boca-de-sapo... (Arce com
módulos desenhados com o descrito por Ambrosina entra em cena:) E se sentô du meu lado/ Em
seu colu tinha 15 kilu di pipóca e uns 30 litros de tubaina, fora us bômbôns i us cháculati.
Tamanha era a coisarada qui eu num enxergava mais nada./ Lhe aguentá foi um sacrilégiu.
Daquele mómentu em dianti, num enxérguei mais meu noivo Horizonti e nem mesmo u filme. I u
quantu custô acabá./ Acabanu u filme, levantei e sai, sem lhi dizê tíau

1 assume a cena e atua outros encenam:

1- Di frente ao cine fiquei cuidanu pra péga Horizonti di saida./ Saiu/ Fiz di tudu pra chéga pertim
di meu pão/ Nérvosa e desajeitada, acabei foi pisanu em seu pé!

2 – (em off) Ô, cara di chímbica, num olhá pur ondi anda não, é? Tomi tentu”.

1 - Era, tudu queu quiria, que Horizonte me notasse ali! Gamei di vez./ Hórizonti saiu dali e pego
u ônibus colétivo pra seu bairro/ Mórava no B. Amambaí/ Nu férvô di meu amô, minha páxão,
minha gama absóluta, péguei u mesmu ônibus

6 assume a cena e atua outros encenam:

6 - Sentada nu últimu bancu, observava Horizonti di prosa cum o mótorista/ Teve uma hora que
percébi que tavam falando di mim/ Quase murchei di vérgonha. Mas aquela observação puderia
ser a minha chance, num é mermo? Hórizonti, finalmente desceu, fiquei na janela observandu.

3 - O guria não vais descer? Este é o último ponto! Daqui me dirijo pra garagem!

5 assume a cena e atua outros encenam:

5 - Gamada, desci/ Mi escondendu di tráz das árvores lhe sigui até que chégasse em sua casa/
Quandu adentrô u portão, lhe apresentei minha pessoa!

2 - Boa noite moça?!

5 - Boa noite Horiz... Obrigada!

2 - Cuidadu moça. Sozinha umas horas déssas na rua. É perigoso. E, tome tentu pra não pisá
nos pé dus ôtru pur ai.

3 assume a cena e atua outros encenam:

3 - Naquilu, eu enlóqueci di gama. Hórizonti si lembrô di mim/ Lhe dei u maió surriso que já
pudera, em minha vida, e sai numa aligria só. Num tava acréditanu/ Descenu a rua, percebi di
uma hora, que as casa ia si acabanu. Ólhei pra de volta e num tinha uma alma viva. Foi então
que assuntei que estava sózinha, num breu dus infernu, num lugá qui num conhicia/ como se
tudu indicasse um acunticidu, nem lhe contu:

4 assume a cena e atua outros encenam:

4 - Saiu dus matu um homi duns dois metru di altura, forti feitu um boi olhanu pra mim!

2 - Fufurinha, venha cá. Vamo brincá dumas coisinha!”

4 - Antes qui eu lhe dissessi que não, u sem vérgonha abriu u féchécrér di sua calça, e mi
amostrô aquele trem apontanu pra lua./ Em dois tempo, infiei u pé na carrera sem olhá pra trais./
Aquilu eu curria i u bichu atrais... Funganu feitu u diabu./ Apertei u passu feitu ema. Virei um
riscu

1, 2, 3, 4, 5 e 6 revezam-se dinamicamente na cena atuam:

1 - Curri tantu, tantu, mais tantu, qui quando mi apércebi, num tinha mais era ninguém ditrais di
mim, e o sol já tava era nascenu./ Pérguntei a uma moça que vinha lá na frenti qualéra u nome
daquele bairru. A moça riu e me disse que num era bairru não, que aquela era a cidade de
Anastácio.

2 - Disacréditei di mim./ Mi achanu vitóriosa, pércebi qui sô sórtuda também./ Nu qui agachei pra
limpa meus sapatu, uma buzina cantô im minha pópança/ tirei dum pulu, e já fui logo chinganu./
Era Tião Boca-de-sapo, já tava era voltanu di Aquidauana e inu pra Campo Grande./ Mandei qui
mi ispérassi./ Entrei em sua jardinera, lhe paguei direitinho pela passage, pra não lhe dá ousadia,
me assentei e vim mimbora.

6 - Acabei adurmécendo na póltrona./ Tião, di lá mi tirô, e na pensão mi cólocô em minha cama,


ni meu quartu. Mi réspeitô como nunca; e ainda me salvô du currião./ Disse a D. Rosa que eu
tinha feitu viagem mais ele logo cedo. Fiquei lhe dévenu aquéla. Foi a primera vez que pércebi u
quantu Tião era bom pra mim.

5 - Mais contrólada di minha gama, résolvi usá um modo mais práticu pra me apróxima di
Hórizonti. Cumecei a lhe escrevê umas carta. Eu butava dibaxo da porta du açogue, quandu não
lhe mandava entregá. Nunca cólóquei meu nome. Sô doida nem nada. Passei us anu todim du
ginasial dédicanu meu amô a Hórizonti, através das carta./ Nunca fui réspundida.

3 - Duas sémana atrás, nu baile di fórmatura, tive minha última chance. Nem soube aproveitá,
fazê a milhó ópção.

1 - Pru baile, cada moça téria qui se aprésentá acumpanhada de um padrim.

4 - Soube, que Hórizonti séria padrim de Lutéria, fia du garaperu. Aquilu, eu mi murdia di inveja.

2 - Quem siria meu padrim?

6 - Meu pai num puderia deixá us garimpu nu Piqui.

5 - Amigu eu num tinha.


3 - D. Rosa num pudéria.

1 - U jeitu foi léva Tião

4, 2 e 6 assumem e narram cena que é encenada por 1, 5 e 3. Arrumando 1 que será de agora
por diante a Ambrosina, 3 a Dona Rosa e 5 o Tião:

4 - mas eu bem lhe disse: “_ Tu, fica bem longe de mim, só chega pértu di mim, pra entrá e na
hora de pegá u diploma”. (põe-lhe sua saia e outro acessório)

2 - Saimu da pensão com 30 minutu di atraso. D. Rosa mais Tião já tavam sapatianu. Num
entendiam que chéga atrasadu é chique. Coisa de granfinu (põe-lhe sua saia e outro acessório)

6 - Um gostu eu tive. Tião, me levô mais D. Rosa nu seu milhó carru: conversível. (põe-lhe sua
saia e outro acessório)

4, 2 e 6 sentam-se e narram a história que é encenada como no cinema mudo ao lado:

4 - Chégamus em frenti du clube Cruzeru comu se fôssemos da família du préfeitu. Todos


óbsérvavam nossa triunfal chégada./ Hórizonti tinha chégadu nu mesmo instante com Lutéria/
viéru a pé/ murri de invéja./ Apréssei u passu mais Tião e D. Rosa.

2 - Passei em frenti deles comu uma rainha. Meu vestidu, di grande que era, quase num entrô na
porta. Foi um sucessu!/

6 - Lutéria, de braço dado mais Hórizonti, passô pur mim e disse:

4 - “Nossa, Ambrusina, como você tá linda.”

2 - D. Rosa mais Tião, tentaru mi convencê que era élogiu, e que num era pirraça, mas eu num
acréditava.

6 - Mais minha vingança veio logo. Nossa mesa era a milhó lócalizada. Ficava di frenti a banda,
de módu que todo u salão nus via.

4 - Mas uma coisa me préocupava, eu havéria de réceber u diploma acumpanhada e de braço


mais Tião. Aquilu me assustava...

2 - Como se todos conspirassem contra mim, iniciou-se a chamada dus fórmandu. Fui logo
chamada, pois meu nome era o primeiro da lista/ Lévantei mais Tião, e di saìda já lhe apliquei
dois biliscão de lascá, pra num isquécê de si cumportá como um nobre./ Minha alégria durô
pôco./

6 - Subindu ao palco pra pegá u diploma, Tião mi cai iscadaria a baixo, feitu uma vaca baliada./

4 - Naquilu eu empédrei de vérgonha./

2 - Lévantei Tião pelus cabelu, lhi pus de pé e lhi próméti otra surra de vassora/ indireitô.
6 - Passada as fórmalidade, a banda cumeçô a tocá. Todos dançavam./ Eu, alí, mi cumenu di
vontadi di dançá. Quem sabe dá um esbarrão em Hórizonti, meu póssível noivo./ Mas não, tava
lá sentada feitu um toco de amarrá jegue.

4 - Eu olháva pra Tião e ele olháva pra D. Rosa como se não entendesse./ Num aguentei, lhi fiz
um disaforo, lhe disse:

2 - “Tião, cunhece tia linha? Tialinha Tião! Um home desse tamanhu, num tem adaje di machu
pra mi tirá pra dançá? Que vérgonha!”

6 - Tião lévanto di imédiatu, pédiu licença a D. Rosa, e mi puxô salão a dentru feitu dançarina de
bóléru. Nem acréditei/ mi juntô pela cintura, enlaçô suas perna pelas minha e díslizô na pista,
parícia Frédi Astér.

4 - Quase tómei gostu.

2 - Besta que eu num era, dei um jeitu de esbarrá em Hórizonti. Finginu, disse um “ai, meu pé”,
qui o salão interinhu ouviu.

6 - Hórizonti, parô di imédiatu e me pidiu disculpa./ Tião, batenu em seu ombro, lhe disse que
num caricia não que pisada di pé di amigu é um carinhu! Tião era amigu de Hórizonti e eu num
sabia./ Pedi pra sentá.

1 reassume a cena já como Ambrosina que atuará até o final do espetáculo, 5 como Tião e 3
como Dona Rosa

1 - Tião, cunhecia Horizonte, eram amigos, estudara, jntos no culegial. Como que eu puderia
imaginar. Minha vontade era de contar tudo a Tião, tudo mesmo! Ele ao menos não contaria
nada a ninguém, me quer tão bem. Pedi pra sentar! Sentada não podia olhar pra sara de Tião de
tanta vergonha. Ele me virou e fui lhe dizendo oquanto eu... ele boto a mão ne minha boca
achando que era Marlon Brando... Ora lhe fiz um diaforo: Tire sua mão fédorenta de minha boca!
E eu falo quando quisé! Tião tira a mão de minha boca e colocou em seu bolso e tirando de lá
uma caxinha de jóia que me ofereceu. Fiquei sem jeito. D. Rosa, percebendo, fez um sinal pra
mim aceita. Aceitei e agradeci Tião. Nossa Tião que delicadeza! É uma rosinha linda, de rubi e
ouro. Um bróxim. Olhe só D. Rosa!

3 - O meu fi que delicadeza! Muito bom gosto! Viu Ambrosina!

1 - Depois dessa tenho que ao menos lhe cunvidá pra dança né mesmo D Rosa? Anda Tião
vamo pra pista!

Na pista dançam, logo após um paço pré-determinado Aline em aparte:

Contei tudo a Tião... não pode lhe esconde nada... Tião me disse que já sabia. Que horizonte
havia lhe contado e que eu não tinha sido cuidadosa com as cartas e que em umas delas eu
tinha colocado de onde eu vinha e o que viera fazer aqui na cidade, não foi difícil descobrir ...me
disse ainda que estava de partida pra outra cidade, onde iria se casar, e que aquele broxe éra
pra eu nunca mais me esquecer dele e nem de seu amor... mesmo longe, estivesse onde
estivesse continuaria me amando, e me disse: Ambrusina, você é meu grande Amor! Mesmo nos
confins do mundo continuarei lhe amando! Num pude lhe réspunde nada./ Tamanha dédicação
me envérgonhava, me faltava o ar/ quase chórei, num sei se de émoção ou di rémorço./
Acabada a festa, vóltamus pra pensão.

1 ainda na cena, desta vez com 3 de Dona Rosa no mesmo plano e no plano de fundo 5 de Tião
de costas:

1 - Num pude durmi. Tião, casanu sem amô, góstanu di mim. Eu, sózinha, góstanu de Hórizonti
que não gosta di ninguém. Qual era então u distinu de Tião, o... meu distinu/ Adórméci vencida
pelo sono. Num tirei nem mesmu u vestidu e as jóia./ Acórdei cuma andança e uma falação
dentru da pensão. Saí de meu quartu daquele jeitu mesmu. Pensei cumigu “Tião deve tá inu
imbora. Tenhu ao menus que mi dispidi. Ô, eu iria mais ele? (corre ate o quarto de tião encontra
dona Rosa no caminho) Tião já se foi embora Dona Rosa?

3 – O minha fia Tião vai mais embra não. Fincou amo nessa terra!

1 - Antes que ela me dissesse mais, féliz e espérançosa, entrei pórta adentru du quartu di Tião.

5 de Tião de costas encena um enforcamento –suicidio. Neste momento confuguram-se sons,


melodias, efeitos de luz e cena. Tudo se torna mórbido. 1 encerra o espetáculo:

1 - O mundo désabou (chora) Tião tinha se enfórcado. Suicidô./ Eu num cunsiguia ao menus
chorá! Meu rémorso era tamanhu qui num quiria mais vivê./ D. Rosa me apanhô e me trouxe pra
meu quarto. Cheganu aqui mi deu uma mala grandi e me disse qui Tião não teve corage de me
entregá. Abri a mala. Era as carta que escrévi pra Hórizonti./ D. Rosa então me deu a única carta
em résposta qui Hórizonti me escrevera./ Abri, sem córage, me pus a lê. Hórizonti me escrivia a
mesma coisa que Rubéns já havéra mi ditu nu cinema: “Não prócure pelu amô, deixe que ele lhe
encontre”, e acréscentô: “Das vezes, o amô di nossa vida está sob nossos olhos, di frenti a
nossas vistas, nós é qui num enxérgamus.” ...Hórizonti tinha razão/ meu amô por Tião era tão
grandi, que nem mesmu eu pudia acrédita. (barulhos de portas) Meu pai já deve de ta chegano!
Num sei se vô se fico! Tenho uma história lá, mais tenho uma vida aqui! È assim!

Findam os efeitos de som e luz assim como fecha-se o cenário e encerra-se a cena – retornando
a cena agora com entusiasmo e alegria para agradecer o público o elenco todo posta-sena frente
do cenário fechado e canta modas populares e outras cantigas da cultura e imaginário popular
brasileiro. Conduzem o público até a saída.

Epílogo:

1 e 2 – Senhoras e Senhores esta foi a manifestação do Amor! Amor meu pra ela, amor dela pra
mim; na moitinha de capim! Amor dele pra ela! Amor dela pra ele! Amor deles! Amor delas! Amor
dele pra ele, amor dela pra ela! Amor deles, amor delas! Amor Amor! Ah Amor! Amor! Que seria
dessa vida carpideira não fosse o amor? Amor que nos seduz e corrompe! Amor que nos dilata e
enobrece! Amor! Amor que nos proclama; que nos enche de chama, que nos leva pra cama! ...
Muito obrigado pela presença de todos e até breve. Esta companhia de teatro popular e
mambembe teve a honra e a satisfação de recebê-los nesta noite para assistir “Uma Moça da
Cidade”. Boa Noite! (fecha-se o espetáculo e a pós-cena)

FIM

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