A Cartomante

Machado de Assis, adaptação Fred Policarpo

Personagens

 RITA, a bela mulher

 CAMILO, jovem apaixonado por Rita
 VILELA, amigo de infância bem sucedido de Camilo
 CARTOMANTE

Em alguma sexta-feira de novembro de 1869

CENA 1 - A Cartomante

CAMILO - Hahahaha.. Cartomante!? A não Rita, tem dó.

RITA - Pode rir. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e
que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era.
Apenas começou a botar as cartas e disse: “A senhora gosta de uma pessoa..."
Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou, e no fim disse
que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade….
CAMILO - Errou! Hahahaha.
RITA - Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua
causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria…
CAMILO (Sério, segura as mãos de Rita e olha-a fixamente) - Rita, eu te quero muito.
Você teme cada bobagem, parece uma menininha. Mas olha para mim! Eu estarei
aqui  sempre do seu lado quando sentir seus medos. (áspero)  E também é muita falta
de juízo ficar por aí sozinha andando nestas casas. E pensa se o Vilela te ver, e
ainda..
RITA - Tenha dó Camilo! Eu tive muita cautela ao entrar na casa.
CAMILO — Onde é a casa?
RITA — Bem ali, na Rua da Guarda Velha. A rua estava deserta. Relaxa vai, eu não
sou maluca.
CAMILO(Rindo) —  Ai ai ai, você acredita mesmo nessas coisas?
RITA - Pode rir… O que eu sei há que muita coisa misteriosa e verdadeira neste
mundo. Se você não acredita, paciência.
CAMILO - Mas Rita(pausa, suspira) Não é nada (saem cada um com um sorriso leve)
CAMILO(à parte, imitando sua mãe) - Toma meu filho, esse terço, essa estrela de
Davi para te guiar. Ah não, espera, leva também esse pé de colho que é pra garantir
né..Volta, volta menino, eu já tava esquecendo o colar de exu… que cabeça a
minha.... (voltando a si) Tudo besteira..

CENA 2 - FLASHBACK
Vilela e Camilo são amigos de infância
Vilela segui no Magistrado
Camilo é  funcionário público, seu pai o queria médico, mas o velho morreu. Camilo
preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público.

(Vilela e Rita com malas em uma estação, chega Camilo)

RITA (Para Camilo estendendo-lhe a mão) — É o senhor!? Não imagina como meu
marido é seu amigo, fala sempre do senhor.
(Camilo e Vilela olham-se com ternura depois Camilo observa e admira Rita)
PASSAGEM DE TEMPO
CAMILO - Minha mãe..minha mãe...ela se foi.
RITA (abraçando-o) - Oh Camilo, tente se acalmar. Respira fundo, respira tranquilo.
Isso, calmo, respire comigo.
VILELA - Força amigo, descansa aí que eu vou ao hospital cuidar de tudo. Não se
preocupe que vou entrando em contato.
(CENAS RITA E CAMILO: Lendo livros juntos, passeando, vendo filmes/teatro,
jogando dama/xadrez. Os olhares sempre se encontram. Rita escreve e entrega um
bilhete a Camilo, ele recebe e lê. Camilo sente algo forte, tenta fugir, Rita o cerca,
Camilo Tenta fugir e sente cada vez mais forte, Rita o provoca. Eles se beijam.
Disfarçam. Vilela chega e cumprimenta os dois normalmente.)
(CAMILO recebe uma carta, abre e lê à parte)
CAMILO (Lendo) - Você é um moleque imoral, um traidor, todos sabem da sua
aventura com Rita.(sai)

(Rita e Vilela em Cena)

VILELA - Estranho Rita, Camilo tem vindo pouco aqui. Você sabe se aconteceu
alguma coisa?
RITA - Olha ele aí, pergunte pra ele.(Camilo entra)
VILELA - Tá sumido por que rapaz?
CAMILO - É por que eu conheci uma garota por aí, que está me tirando do sério, não
estou tendo tempo pra mais nada.
VILELA - Chega junto meu amigo!

(Rita preocupada com as ausências de Camilo procura a Cartomante)

CENA 3 - VOLTA DO FLASHBACK

(Camilo e Rita)
CAMILO - Continuo recebendo as cartas anônimas. Estou com medo de que essa
pessoa conte ao Vilela.
RITA - Bem. Eu posso levar os sobrescritos para comparar a letra com as das cartas
que lá aparecerem; se alguma for igual, guardo-a e rasgo-a…
(Passagem de Tempo)
CAMILO - E aí, apareceu alguma carta lá?
RITA - Nada. Mas mesmo assim Vilela anda estranho.
CAMILO - Estranho como?
RITA - Anda meio sombrio, calado, meio que desconfiado. Eu acho que o melhor seria
você aparecer por acaso, dar uma sondada nele como quem não quer nada, às vezes
você até descobre algo ou…
CAMILO - Nem pensar! Isso seria um tiro no pé. Só iria confirmar as suspeitas. Acho
que o melhor mesmo será darmos um tempo.
RITA - Mas, não vamos nos falar mais?
CAMILO - Vou arrumar um jeito.

(Camilo em Cena, abrindo uma carta)

CAMILO - "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora.” Assinado Vilela.
Por que a casa e não o escritório?

(Camilo imediatamente começa a se arrumar. Sempre olhando o bilhete e

resmungando "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora.”)

CAMILO - E se ele estiver com um copo de uísque na mão, um cigarro na boca... Rita
no chão aos prantos, descabelada, toda borrada. Ele esperando para me matar após
escrever esse bilhete? De todo jeito preciso ir. Arma? Melhor não.  Taxi! (entra no
taxi). Por que parou? Ah, rua interditada (Olhando pela janela) A casa da Cartomante!
Mas será que… bobagem! Toma meu filho, esse terço, essa estrela de Davi para te
guiar. Ah não, espera, leva também esse pé de colho que é pra garantir né…Para
aqui. Me aguarde aqui que não demoro.

(Camilo e a Cartomante na mesa de trabalho. Ela embaralha cartas, observa Camilo.

Coloca três cartas sobre a mesa.)
CARTOMANTE - Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor teve um grande
susto…(Camilo indica que sim, maravilhado) E quer saber, se lhe acontecerá alguma
coisa ou não…
CAMILO (Interrompendo) - A mim e a ela!
CARTOMANTE(Séria) - Não se precipite. (embaralha mais algumas vezes) As cartas
dizem..
Não tenha medo de nada. Nada acontecerá nem a um nem a outro. O esposo dela
não sabe de nada. Mas mesmo assim é indispensável muita cautela. Há muita inveja e
despeito. O amor que os une é algo muito lindo, forte. Ela é uma mulher maravilhosa.
(recolhe as cartas e guarda)
CAMILO — A senhora restituiu-me a paz ao espírito(apertando a mão da cartomante)
CARTOMANTE(rindo e levantando) - Vá, vá, ragazzo innamorato... (toca com o
indicador na testa de Camilo)
CAMILO - Não sei quanto te devo..
CARTOMANTE - Pergunte a seu coração.
(Camilo pega o dinheiro e paga mais do que o esperado)
CARTOMANTE - Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta
muito do senhor. Vá, vá, tranqüilo. Olhe a escada, é escura; ponha o chapéu...
(cantarola feliz com o dinheiro)

(Camilo no taxi, leve, sorridente)

CAMILO - Segue o caminho, pode acelerar. Ah, como ele havia de saber.. ele não
sabe de nada. Vá, vá, ragazzo innamorato. Tudo está bem, é o fim da saudade. Rita…

(Camilo chega a porta da casa e dá de frente com Viela)

CAMILO - Desculpe a demora, não consegui chegar mais cedo. O que há?
(Vilela faz sinal que o acompanhe, não diz nada. Camilo obedece, encontra Rita morta
e ensanguentada no chão. Camilo GRITA. Vilela pega-o pela gola e dá dois tiros de
revolver. Camilo cai morto no chão)

FIM
- Voz off da mãe, como uma lembrança carinhosa

- Cena de Vilela escrevendo cartas

- Cenas de romance de Rita e Camilo surgindo em diversos lugares