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Motauri Ciocchetti de Souza

DIREITO
EDUCACIONAL
Antonio Carlos A P Serrano

Antonio Carlos Alves Pinto Serrano (presidente), Felippe


Nogueira Monteiro, Fernando Reverendo Vidal Akaoui, Hélio Pereira Bicudo,
Luiz Alberto David Araujo, Marcelo Sciorilli, Marilena I. Lazzarini, Motauri
Ciochetti de Souza, Oswaldo Peregrina Rodrigues, Roberto Ferreira Archanjo da
Silva, Sueli Gandolfi Dallari, Vanderlei Siraque e Vidal Serrano Nunes Júnior.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Souza, Motauri Ciocchetti de


Direito educacional / Motauri Ciocchetti de
Souza. -- São Paulo : Editora Verbatim, 2010.

Bibliografia.

1. Direito à educação - Brasil 2. Direito


educacional 3. Educação - Leis e legislação -
Brasil I. Título.

10-05604 CDU-34:37.1(81)

Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Direito educacional 34:37.1(81)

Capa e diagramação: Manuel Rebelato Miramontes

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Sumário

Apresentação ..................................................................................................5

PARTE I: PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS


DO DIREITO À EDUCAÇÃO
1. A educação: conceito e relevância ......................................................9
2. Educação e ensino .............................................................................13
3. As gerações dos direitos fundamentais............................................15
4. A educação como direito fundamental. ..........................................19
5. A natureza pétrea dos dispositivos constitucionais
alusivos à educação. .......................................................................... 21
6. O ensino formal e sua evolução legislativa no Brasil:
breve histórico. ..................................................................................27
7. A ordem constitucional da cultura e a educação ............................33
8. Iniciativa legislativa em matéria educacional..................................35
9. A Lei Federal n. 9.394/96: estrutura ................................................37
10. Finalidades e princípios básicos da educação..................................39
11. Deveres constitucionais do Estado voltados à educação:
natureza imperativa ..........................................................................47
12. Obrigatoriedade da oferta do ensino básico
em todos os seus níveis .....................................................................55
13. Princípios comuns de regência do ensino básico ...........................65
14. A educação infantil ...........................................................................69
15. O ensino fundamental .....................................................................73
16. O ensino médio .................................................................................77
17. Outros deveres impostos ao Estado pelo art. 208
da Constituição Federal ....................................................................79
18. A divisão de competências na oferta do ensino
entre as Pessoas Políticas .................................................................83
19. As universidades e o ensino superior .............................................. 91
20. Profissionais da educação .................................................................97
21. Recursos financeiros da educação ................................................. 101

PARTE II: TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO À EDUCAÇÃO


1. Introdução ....................................................................................... 115
2. A universalização do acesso ao ensino fundamental
e a lei federal nº 9.394/96. ............................................................... 119
3. O mandado de segurança enquanto instrumento
de resguardo dos direitos trazidos pelo art. 208
da constituição federal....................................................................123
3.a Mandado de segurança individual. .......................................123
3.b. Mandado de segurança coletivo. ...........................................127
4. Ação civil pública. ........................................................................... 131
4.a A necessidade de sua instituição. ........................................... 131
4.b. Conceito e abrangência da ação civil pública ....................... 135
4.c. Competência para o julgamento de ações civis públicas
no sistema do Estatuto da Criança e do Adolescente ........... 139
4.d. Liminares e antecipação de tutela.......................................... 148
5. Compromisso de ajustamento de conduta (TAC). ....................... 151

BIBLIOGRAFIA: ........................................................................................ 155

APÊNDICE ................................................................................................. 159


Apresentação

O presente trabalho almeja cuidar da estrutura constitucional e legal


inerente ao direito à educação, cuidando de seus princípios sob visão es-
sencialmente jurídica.
Nessa linha, não tencionamos tratar do tema sob o enfoque de outras
áreas do conhecimento humano, como a pedagogia, a sociologia etc.
O objetivo da obra é o de retratar parte de nossa experiência atuando,
ao largo de dez anos, junto à Promotoria de Justiça de Defesa dos Interes-
ses Difusos da Infância e Juventude da Capital de São Paulo, onde o tema
educação respondia por cerca de oitenta por cento do volume de serviços.
Incentivou-nos a escrever o inexpressivo volume de material jurídico
específico – fato que tornava a tarefa de cuidar dos temas inerentes à
educação extremamente dificultosa, no exercício de nossas funções ins-
titucionais – e o desconhecimento, por grande parte dos operadores do
direito, dos princípios estruturais alusivos à matéria, cuja importância
salta aos olhos, vez que não há Estado Democrático de Direito sem a exis-
tência de sistema educacional que permita a adequada formação do povo.
Destina-se o trabalho, pois, ao auxílio de Magistrados, Promotores de
Justiça, Defensores Públicos, Advogados e Procuradores do Estado e de
Municípios, que, no exercício de suas fainas diárias, possuem o papel de
servirem de instrumentos efetivos para a implementação de direito dos
mais sagrados, pois dele partem a construção da cidadania e o próprio
aperfeiçoamento do princípio maior da dignidade da pessoa humana.
Destina-se, também, aos estudantes universitários, pós-graduandos e
em preparação para concursos públicos – nos quais o direito à educação
vem, aos poucos, galgando o lugar de destaque de que é merecedor.
Propiciar, ainda que a uma única criança, o acesso a ensino de qua-
lidade é algo que não deixa de possuir cunho egoístico, decorrente da
satisfação que o operador do direito tem ao verificar que a sua atuação
foi capaz de modificar a realidade social respectiva, libertando seu seme-
lhante das amarras da ignorância e permitindo-lhe alcançar a tão almeja-
da igualdade de oportunidades, essencial para a assecuração do princípio
6 Motauri Ciocchetti de Souza

da isonomia, decorrente já do movimento iluminista e tão caro às or-


dens constitucionais vigentes.
Nesse sentido, não poderia deixar de louvar o aguçado senso de jus-
tiça social dos eminentes Colegas Maurício Antônio Ribeiro Lopes, Sil-
vana Buogo, Vidal Serrano Nunes Júnior, Martha de Toledo Machado,
Eduardo Dias e Oswaldo Peregrina Rodrigues com os quais tive a hon-
ra de trabalhar junto à Promotoria de Interesses Difusos da Infância.
Não poderia deixar de consignar, de igual sorte, a expressiva impor-
tância na implementação do direito educacional dos ilustres Magistra-
dos Paulistas Maria Olívia Pinto Esteves, Fermino Magnani Filho, Ro-
drigo Enout, Flávio Cunha da Silva, Antonio Benedito do Nascimento,
Reinaldo Cintra, Iassim Issa Armed e Adalberto Queiroz de Camargo
Aranha, que, com extrema sensibilidade pelas causas afetas à infância,
engrandecem os quadros do Judiciário e, com suas decisões, propicia-
ram a milhares de crianças o efetivo acesso à rede pública de ensino,
assim conferindo-lhes a real expectativa de um futuro de pleno exercí-
cio da cidadania.

O Autor.
PARTE I:
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
E LEGAIS DO DIREITO À EDUCAÇÃO.
1. A educação:
conceito e relevância

Educação “é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações


que não se encontram preparadas para a vida social; tem por objetivo
suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, inte-
lectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto,
e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine”1.
Assim, o processo educacional consiste na transmissão de valores e
experiências entre as gerações, permitindo às mais novas alcançar per-
feita interação social, propiciando-lhes meios e instrumentos para que
possam manter, aprimorar e, posteriormente, retransmitir a seus su-
cessores o arcabouço cultural, os valores e os comportamentos adequa-
dos à vida em sociedade e indispensáveis para o processo de evolução
social rumo a um efetivo Estado Democrático de Direito, que deve ter
por premissa a consagração da dignidade da pessoa humana.
Nessa senda, a educação é direito social, consagrado pelo artigo 6º
da Constituição de 1988, ao qual se contrapõe dever voltado ao Estado,
à família e à sociedade, nos moldes do artigo 205 da Magna Carta.
A educação é direito de trato contínuo e permanente, não se re-
sumindo ao ensino formal. Começa com o nascimento da criança,
momento em que se encontra particularmente afeta à família, prosse-
guindo durante toda a existência da pessoa humana, sendo posta sob
a forma de experiências de vida e transmissão de valores culturais e
sociais.
Abarca, dessarte, todas as práticas sociais e vivências a que exposto
o ser humano, assim como os ensinamentos que lhe são transmitidos
por terceiros – seja nos bancos escolares, no convívio social, ou mesmo
(e principalmente) no núcleo familiar.
1
Cf. Émile Durkheim. Educação e Sociologia, p. 41.
10 Motauri Ciocchetti de Souza

Com efeito, “ninguém escapa da educação, que está presente em


nossas vidas nos momentos e locais mais variados, de maneira nada
uniforme: na família, na escola, na rua, na igreja, no clube; enfim, to-
dos são ambientes educacionais”.2
A educação é o próprio pilar que justifica e mantém a estrutura so-
cial ou qualquer núcleo de convivência humana, desde grupos de ami-
gos até o próprio Estado.
Deveras, a sociedade se forma e estrutura sobre valores comuns, so-
bre a identidade de propósitos e ideais que unem determinada classe de
pessoas ou os cidadãos de certo país, fazendo-os portadores de princí-
pios gerais uniformes.
Se cada pessoa é detentora de idéias e objetivos individuais, dado
inerente à própria personalidade humana, a necessidade da manuten-
ção do convívio social impõe a todos a submissão a limites, traçados
pelo ordenamento jurídico, pelos costumes, pelo desenvolvimento e
pela aquisição de novas tecnologias.
E a transmissão de citados valores entre as gerações humanas, in-
dispensável para a manutenção de quadro de estabilidade social, ocorre
justamente por intermédio da educação.
Nessa senda, a educação está para a existência da sociedade assim
como a saúde se encontra para o exercício do direito à vida.
Não se quer com isso afirmar-se que a educação consiste numa mera
transferência de impressões, valores e experiências: ao reverso, dela é
indissociável o dinamismo inerente ao desenvolvimento e ao fenô-
meno da globalização, aptos a gerar novos interesses e conceitos cuja
transmissão passa a se mostrar fundamental para o aperfeiçoamento
do princípio maior da dignidade da pessoa humana, somente obtenível
acaso propiciados efetivos meios para que o homem possa exercer o
seu potencial intrínseco em busca de objetivos e ideais que se alteram
consoante as modificações do ambiente social e a aquisição de novas
tecnologias.
Os objetivos da educação se encontram descritos no próprio artigo
205 da Magna Carta, reproduzidos pelo artigo 53 do Estatuto da Crian-
ça e do Adolescente: o pleno desenvolvimento da pessoa humana, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

2
Cf. Lauro Luiz Gomes Ribeiro, Direito Educacional: Educação Básica e Federalismo, p. 135.
. A educação: conceito e relevância 11

Envolve, pois, valores culturais, políticos e profissionais. Sua demo-


cratização é o vetor primordial para que possa implementar-se o prin-
cípio da igualdade, consagrado pelo artigo 5º caput da Constituição,
assim como para que seja observada a dignidade da pessoa humana,
fundamento do Estado Democrático de Direito em que se assenta a
República Federativa do Brasil, consoante o disposto no artigo 1º, II, da
Carta de Princípios.
Com efeito, a igualdade de oportunidades e a asseguração do mí-
nimo existencial somente poderão surgir se a todos for assegurado o
direito a processo educacional adequado.
Nessa quadra, difere a educação de outros direitos sociais e frater-
nos, igualmente consagrados pela Magna Carta: a educação é premissa
– e não proposta. Em outras palavras, o acesso efetivo à educação é o
condicionante para o próprio e efetivo exercício dos demais direitos
fundamentais eleitos pelo legislador constituinte.
Demais disso, a educação de crianças e adolescentes deve observar
o primado da prioridade absoluta instituído pelo artigo 227 da Cons-
tituição Federal e reafirmado pelo artigo 4º do Estatuto da Criança e
do Adolescente.
2. Educação e ensino

Como acima exposto, a educação é um processo complexo de trans-


missão de conhecimentos, valores e experiências.
Em corolário, o seu desenvolvimento se dá em qualquer tipo de am-
biente, em qualquer espaço de convivência social, com especial ênfase
ao núcleo familiar, onde se inicia.
A educação, pois, não encontra limites físicos ou temporais para ser
transmitida: educa-se a comer, a dormir, a andar etc. Relaciona-se com
a própria transmissão de conhecimentos básicos e comezinhos para que
a criança possa, mesmo, suprir as suas mais elementares necessidades.
Nessa linha, o próprio Código Civil comete aos pais o dever de
dirigir a criação e a educação dos filhos, consoante o disposto em seu
artigo 1.634, I. De igual sorte, o Estatuto da Criança e do Adolescente
assim afiança no artigo 22.
A propósito, temos a denominada educação informal, advinda da
própria dinâmica da vida em sociedade.
Já a educação formal é aquela que se desenvolve “sistematicamente,
segundo planos que incluem conteúdos e meios previamente traçados
para atingir objetivos intencionalmente determinados que são, no fim
das contas, a formação de um ser humano”.3
A educação formal denomina-se ensino, que é aquele transmitido
nos bancos escolares, desde seu nível básico até o ciclo da pós-gradua-
ção.
A obrigação prioritária de ofertá-lo é do próprio Estado, em que
pese a Constituição Federal franquear a sua prestação também à ini-
ciativa privada.
Com efeito, o ensino público possui preferência constitucional. Pese
a Magna Carta diga que a iniciativa privada pode explorá-lo, dita ini-
ciativa é sempre supletiva, secundária e condicionada, como se observa
de seus artigos 209 e 213.
3
Cf. Lauro Luiz Gomes Ribeiro, op.e loc. cit.
14 Motauri Ciocchetti de Souza

Deveras, o ensino ministrado por entidades privadas consubstancia


serviço público autorizado e está sujeito ao cumprimento das diretrizes
gerais da educação nacional e à existência de autorização, fiscalização
e avaliação de qualidade pelo Poder Público, nos moldes do artigo 209,
I e II, da Constituição.
Segundo Paulo Freire, “ensinar é criar possibilidades para a própria
construção do conhecimento ou sua produção”4.
Assim, o ensino é parte imprescindível da formação educacional,
apto, mesmo, a gerar a aquisição de novos conhecimentos.
Não obstante – e como acima afiançado – deve-se entender a edu-
cação como processo mais amplo, que abarca, além da transmissão
de conhecimento e do incentivo à criação – predicamentos do ensino
– valores culturais e sociais, indispensáveis para que os objetivos pre-
vistos no artigo 205 da Constituição Federal se aperfeiçoem.

4
Cf. Paulo Freire. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, p. 23.
3. As gerações dos direitos
fundamentais

Os direitos fundamentais se encontram imiscuídos na estrutura da


ordem constitucional, de sorte a vincular todo o sistema jurídico.
Com efeito, desde as primeiras declarações de direitos dos Estados
americanos – a começar pela da Virgínia, de 1776 – e da Declaração
Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a imuni-
zação dos direitos fundamentais por intermédio de normas jurídi-
cas com status superior se tornou predicamento de qualquer ordem
constitucional, ao lado da definição da forma de Estado, da organi-
zação do poder e do sistema de governo.
Dentro da estrutura constitucional, possuem os direitos fundamen-
tais o mister de “proteger a dignidade humana em todas as dimensões”5,
funcionando como condicionantes formais e materiais de validade da
ordem jurídica, quer em decorrência da posição hierárquica superior
que assumem, quer “por vincularem a ordem jurídica sob o prisma do
conteúdo de tais direitos”6.
Em face da mutabilidade dos interesses humanos, os direitos fun-
damentais costumam ser identificados por gerações, que demarcam
momentos históricos de seu evolver.7
A primeira geração (ou dimensão) dos direitos humanos surgiu com
o próprio advento do Estado de Direito (ou Estado liberal), na segunda
metade do século XVIII.
Essencialmente, mencionados direitos eram os de natureza indivi-
dual ou civil (liberdade de iniciativa, inviolabilidade de domicílio, livre
disposição sobre a propriedade, sigilo de correspondência etc.) e os de
caráter político (liberdade de associação e reunião, direito de sufrágio
5
Cf. Luiz Alberto David Araujo; Vidal Serrano Nunes Júnior. Curso de Direito Constitucional, p. 81.
6
Cf. Marcos Augusto Maliska. O Direito à Educação e a Constituição, p. 57.
7
A propósito do tema, v. Motauri Ciocchetti de Souza, Ministério Público e o Princípio da Obrigatorie-
dade – Ação Civil Pública e Ação Penal Pública, p. 32 e s.
16 Motauri Ciocchetti de Souza

e de opinião, direito de acesso aos cargos públicos), submetidos a um


regime constitucional.
Têm como valor básico a liberdade do ser humano.
Constituem direitos de defesa do indivíduo em face do Estado, pos-
suindo como preocupação “definir uma área de domínio do Poder
Público, simultaneamente a outra de domínio individual, na qual es-
taria forjado um território absolutamente inóspito a qualquer inserção
estatal”.8
O individualismo e a busca da liberdade que ensejaram o surgimen-
to da primeira geração de direitos, contudo, fizeram aprofundar as de-
sigualdades existentes no seio social.
Com efeito, em que pese o liberalismo idealizado por John Locke
tenha representado “um ponto de mutação de relevância dificilmente
comparável na trajetória recente da civilização ocidental”, os direitos
por ele consagrados possuíam consistência puramente jurídica e de
natureza tipicamente negativa, posto consubstanciarem severas limita-
ções à atuação estatal, ensejando o surgimento, no seio da sociedade, de
classes dominantes, detentoras dos meios de produção e da riqueza. Em
outras palavras, o liberalismo assegurava direitos, mas não concedia
“condições de vida necessárias ao seu exercício”.9
Imprescindível mostrou-se, dessarte, a assecuração de novos direi-
tos fundamentais, cujo escopo precípuo fosse o de propiciar a todos
o atendimento de suas necessidades mínimas, fomentando, assim, a
igualdade.
Adveio, em corolário, a segunda geração dos direitos humanos fun-
damentais, a qual consagrou os denominados direitos de natureza so-
cial, que visam a oferta dos meios materiais imprescindíveis à efetiva-
ção dos interesses individuais positivados.
Dita geração almeja, como dissemos, concretizar o princípio da
igualdade a partir da intervenção do Estado em relações como a eco-
nômica e a social.
Nessa senda, o indivíduo precisa ter condições materiais necessárias
para aproveitar as liberdades clássicas, obtidas na primeira geração de
direitos humanos. Tal dimensão objetiva, dentre outras coisas, propi-
8
Cf. Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, op. cit., p. 87.
9
Cf. João dos Passos Martins Neto, Direitos Fundamentais, p. 108/109.
. As gerações dos direitos fundamentais 17

ciar o desfrute e o exercício pleno de todos os direitos e liberdades ante-


riormente afirmados em documentos constitucionais.10
O poder de intervenção do Estado – contra o qual foram criados
mecanismos assecuratórios da liberdade do ser humano – passou, as-
sim, a ser considerado essencial para a garantia dos denominados direi-
tos sociais, para a efetivação do princípio da igualdade por intermédio
do atendimento das necessidades coletivas da população.
A geração em comento não previu novos instrumentos protetivos
em face do Estado, mas, sim, a necessidade de atuação positiva por par-
te deste, no sentido de atender às pretensões sociais.
Mercê de tal fato, os direitos fundamentais de segunda geração – ao
reverso dos anteriores, denominados negativos – costumam ser tratados
como direitos positivos, pois “reclamam não a abstenção, mas a presen-
ça do Estado em ações voltadas à minoração dos problemas sociais”.11
Inverte-se, dessarte, “o objecto clássico da pretensão jurídica fun-
dada num direito subjectivo: de uma pretensão de omissão dos poderes
públicos (direito a exigir que o Estado se abstenha de interferir nos di-
reitos, liberdades e garantias) transita-se para uma proibição de omissão
(direito a exigir que o Estado intervenha activamente no sentido de
assegurar prestações aos cidadãos)”.12
Como exemplos, temos os denominados direitos sociais (ao traba-
lho, à educação, à saúde), os econômicos e os culturais.
O ser humano, contudo, possui a tendência de viver em grupamen-
tos sociais.
Enquanto integrante do corpo ou de segmentos sociais, obviamente
não há negar-se a existência de direitos cujo exercício extrapola a esfera
individual de atuação do homem, fato que ensejou o surgimento de
nova dimensão dos direitos fundamentais.
De efeito, os denominados direitos de terceira geração são os coleti-
vos em sentido lato – mormente os difusos –, abarcando valores como
proteção do meio ambiente, do patrimônio cultural, dos padrões urba-
nísticos, da informação e da ordem econômica e social.
Os direitos coletivos em sentido amplo demandam intensa e efetiva
participação dos integrantes da sociedade, o que constitui “um fenô-
10
Neste sentido, cf. André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, p. 360.
11
Cf. Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, op. cit., p. 88.
12
Cf. José Joaquim Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, p. 365.
18 Motauri Ciocchetti de Souza

meno do maior interesse na experiência jurídico-política contemporâ-


nea”, nos dizeres de Luis Felipe Colaço Antunes.13
A intervenção social é o produto de uma livre opção política e o fruto
do capitalismo desenfreado, sendo indispensável para o resguardo de
valores gerais, para que seja assegurada uma saudável qualidade de vida.
A essência dos direitos de terceira geração “se encontra em senti-
mentos como a solidariedade e a fraternidade, constituindo mais uma
conquista da humanidade no sentido de ampliar os horizontes de pro-
teção e emancipação dos cidadãos”, nos dizeres de Luiz Alberto David
Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior.14
A identificação desses interesses tornou notória a insuficiência do
aparelho estatal administrativo e judiciário tradicional, calcado que es-
tava no ideário liberalista, que comporta apenas referências individuais.
Há doutrinadores que afirmam, ainda, a existência de direitos hu-
manos de quarta dimensão, advindos da “globalização do neoliberalis-
mo, extraído da globalização econômica”, dentre os quais se compreen-
deriam os direitos das minorias, cuja proteção é fundamental para que
se verifique o verdadeiro nível democrático de um país 15, ou decorren-
tes dos avanços da engenharia genética, que ensejam novas demandas
sociais, referentes “aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa
biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada
indivíduo”.16
Em todo o processo de evolução histórica, contudo, impende ob-
servar que ideologicamente os direitos fundamentais mantêm os mes-
mos postulados: instituir mecanismos de defesa “contra as agressões
aos elementos constitutivos da condição humana abstrata” e “direitos
de amparo contra os malefícios das situações de hipossuficiência na
ordem social concreta”.17

13
In Para uma Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos – Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra,
v. 60, p. 191.
14
Op. cit., p. 88.
15
Cf. Paulo Bonavides, que assevera serem compostos pelo direito à democracia, ao pluralismo e à infor-
mação. Cf. Curso de Direito Constitucional, p. 570/574. Com a devida vênia, entendemos que menciona-
dos direitos se encontram já inseridos naqueles nominados coletivos em sentido amplo, característicos
da terceira dimensão, cujos contornos não se exauriram – antes, fazem parte de um “processo evolutivo
ainda inconcluído”, nos dizeres de João dos Passos Martins Neto (op. cit., p. 117).
16
Cf. Norberto Bobbio, A Era dos Direitos, p. 6.
17
Cf. João dos Passos Martins Neto, op. cit., p. 118/119.

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