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Universidade Federal de Rio Grande – FURG

Faculdade de Direito
Disciplina de Antropolgia Filosófica

TEMATIZAÇÃO
ANTROPOLÓGICA A PARTIR
DE HANS ANDERSEN

Aluno: Pedro da Cunha Trassantes


Matrícula nº 47372 – Turma “C”
Sobre o Autor Hans Christian Andersen

Eis o autor que reinventou o conto de fadas para a contemporaneidade. Seu primeiro livro
de literatura infantil foi publicado em uma época na qual as crianças já eram objeto de preocupação
por parte dos adultos. A sociedade que passou a valorizar a infância atentava para a construção da
vida de cada indivíduo, considerando seus pensamentos, convicções, desejos e particularidades. A
literatura, por sua vez, também sofreu transformações, as personagens não eram mais estereotipadas
e as aventuras incluíam aspectos relativos a tensões subjetivas.

Andersen colocou muitos conflitos emocionais modernos, incluindo o sofrimento subjetivo


dos personagens, dentro de um formato que se beneficiou dos recursos dos contos fantásticos.
Assim, recriou os contos de fadas para as necessidades de um tempo em que a sociedade passava a
contar com novas demandas e se apresentava num formato bem diverso de outrora, com surgimento
de alguns valores e sucumbência de outros.

Dentre as peculiaridades de Andersen, vale salientarmos a mistura entre o maravilhoso e o


realismo presente em sua matéria literária. Nas narrativas, não há fadas, exceto uma presente em
“Os Cisnes Selvagens”, fato que não impede a onipresença do maravilhoso em seu universo. A
maioria dos contos apresenta personagens, espaços e problemáticas presentes na realidade.
Seguindo a dualidade maravilhoso e real, vê-se o dueto entre a ternura e violência, em que suas
histórias tem grande número de finais em que o personagem-foco sai derrotado e os finais
“negativos” superam os finais “felizes”.

Considerações antropológicas presentes no conto “O patinho feio”, de Hans andersen

O conto faz parte da coleção lançada em 1844, época em que Andersen já criava suas
próprias histórias. Assim, o patinho feio que se consolidou e se perpetuou através de gerações na
literatura ocidental, é fruto exclusivo da imaginação do autor. O conto, já bastante conhecido entre
crianças do mundo todo, narra a trajetória do patinho que, por ser diferente dos irmãos, é rejeitado
pela mãe e pelos outros. Após um período de maus-tratos, o patinho decide fugir, e essa fuga é uma
sucessão de agressões e sofrimentos até que ele encontra os cisnes e se descobre como sendo um
deles.

Naquele momento, as crianças já despertavam preocupações tanto nas famílias, quanto na


sociedade como um todo. A literatura vivia uma fase de revoluções e transfomações, bem como a
toda sociedade, por conta das recentes revoluções (industrial e francesa), onde houveram mudanças
de paradigmas, valorações morais e sociais. Aspectos relativos a tensões subjtivas passavam a
figurar entre as temáticas literárias, logo, através dessa perspectiva, o Patinho Feio é um dos
primeiros heróis modernos escritos para crianças, cujo drama se baseia em um profundo sentimento
de rejeição, no qual poucas histórias infantis foram capazes de uma empatia tão forte e duradoura
com o público, certamente por traduzir muito bem a angústia da criança pequena.

O patinho, diminuído perante os outros e em busca de sua identidade, sintetiza o mundo


infantil, uma vez que a criança é vista como um ser menor na sociedade dominada por valores do
mundo adulto. Da leitura do conto, observa-se claramente os períodos de transição que ocorrem na
vida de qualquer ser humano, ou seja, os ritos de passagem, e estão presentes em “O Patinho Feio”,
e a ocorrência deles na estrutura narrativa pode propiciar à criança o reconhecimento e a valorização
desses momentos de transição inerentes à condição humana. Vale ressaltar que os ritos de passagem
são momentos de mudança que ocorrem na vida de todas as pessoas, nos âmbitos biológico,
religioso e social, como o nascimento, a morte, o casamento, a adolescência, o autoconhecimento, a
descoberta do novo. Certamente seja esse o grande trunfo do conto e o seu elo de ligação com o
saber antropológico, haja vista que é na infância que se consolida boa parcela de nossa
personalidade e da nossa própria noção de ser, de existir.

A maneira como são narrados os ritos de passagem em “O Patinho Feio” é um atrativo


para as crianças. O conto já se inicia pelo nascimento do Patinho Feio e de seus irmãos:
“Finalmente, um após o outro, os ovos foram estalando: “Pip, pip! diziam, e as gemas adquiriam
vida e botavam a cabecinha de fora.” Em seguida, ocorre o que podemos entender como o primeiro
dos ritos de passagem, que é a fuga do patinho do convívio familiar, que após um período de
rejeição e maus-tratos, o patinho decide ir embora, e isso acarreta várias mudanças em sua vida,
promovendo a descoberta do novo, como o encontro com os gansos selvagens no brejo, a chegada
na casa da velha senhora, o momento na casa do camponês. Ao encontrar os gansos selvagens no
brejo, pela primeira vez a personagem se depara com a morte, pois presencia o assassinato dos
animais pelo caçador: “Bang, bang! ouviu-se nesse momento acima deles, e os dois gansos
selvagens caíram mortos entre os juncos e água tingiu-se de vermelho...” Além disso, o
personagem sente medo ao deparar-se com aquela situação: “Juncos e bambus deitaram-se para
todos os lados; foi um horror para o pobre patinho, que enfiou a cabeça embaixo da asa...” O
patinho enfrenta muitas dificuldades desde que sai de perto de sua família até seu encontro com os
cisnes, o que permite sua identificação com um grupo que o aceita como um igual. Assim, o
momento em que Patinho Feio se transforma em cisne marca sua chegada à maturidade e configura,
portanto, outro rito de passagem: “(...) mas o que ele viu na água cristalina? Ele viu debaixo de si
sua própria imagem, mas não era mais um pássaro cinzento, grosseiro, feio e sem graça, era um
cisne.” O reconhecimento com o novo grupo separa a vida do patinho da vida anterior, algo como o
ser humano adulto que “encontra” seu caminho, seja profissionalmente ou mesmo ao constituir sua
prole, onde o fator identidade se traduz no convívio com pessoas que compartilhem afinidades,
sejam essas sentimentos ou objetivos comuns para obtenção de algo.

Outro aspecto decisivo do conto, advém do significado que ele assume para o leitor. A este
cabe assumir o papel do patinho, vítima da rejeição dos outros por razões variadas, algumas
irracionais, outras fruto do comodismo que leva à marginalidade os que recusam incorporar papéis
sociais convencionais. Nesse sentido há o aprofundamento da ideia do conto, visto que o ser
humano tem largas dificuldades em lidar e aceitar a rejeição, seja qual seja. Ainda dentre aspectos
contundentes do conto, vê-se o posicionamento do patinho como seria o da criança, ou seja, não há
representações diretas de cunho moral, social ou religioso em toda a narrativa, e Andersen deixa
aberta uma lacuna “invisível” (e talvez não tão intencional) à uma interpretação mais acurada e
profunda, de modo que todo o conto pode ser trazido para a esfera do mundo adulto em busca de
análises e reflexões sobre algumas questões da personalidade e comportamento humanos.

Conclusivamente, verifica-se que o patinho é o personagem representação da criança. Sua


aventura consiste na busca da própria identidade e do lugar que irá localizá-lo perante os demais.
Dessa forma, ao encontrar essa identidade, o patinho se localiza e é aceito. O conto fala da
autodescoberta e da descoberta da própria identidade, onde ambas condições são imprescindíveis
para a construção do indivíduo e essa “auto-aceitação” é pedra fundamental para obtenção do que
convencionamos chamar “felicidade”, além que todos esses fatores conjugados, constituem o que
compreendemos por crescimento.

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