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Biografia revi
r) .J o poeta sen
poemas qUI

~~JjJi BJ ~J
Inéditos e relançamentos retomam prosa e
influenciol
autores come
Manuel Bandeirí
e Viniciu:
verso do poeta da delicadeza crítica de Morae:

AÇORES NA LINGUAGEM DE SANTA CATARINA' DICIONÁRIOS DO ACORDO ORTOGRÁFICO


Abertura
8 MURAL
De Gaulle, o coreto do peixe e a maior
palavra da Iingua portuguesa

10VíRGULAS
O recorde de público de Machado de
Assis, o prêmio de João Ubaldo. Ribeiro
e outros fatos do idioma

pistas sobre a pronúncia das palavras


Retóricas na prática 52 DITO & ESCRITO durante o Impêrio Romano, por
Imprecisão em texto jornalístico Mário Eduardo Viaro
26 LÉXiCO eleva ponte paulistana às nuvens,
A nova acepção do vocábulo "jejum': por Josuê Machado 65 BERÇO DA PALAVRA
por John Robert Schmitz Márcio Cotrirn remonta às origens
da expressão "gato por lebre"
34 OBRA ABERTA Interfaces
Beth Brait visita o texto jornalístico e
54 LÓGICAS DA LfNGUA 66.0 PORTUGUtS É UMA FIGURA
discute as fronteiras do gênero O poeta João Cabral de Melo Neto em
Aldo Bizzocchi analisa os modos
apenas uma linha, por Marcílio Godoi
36 RETÓRICA verbais alternativos aos da gramática
José Luiz Fiorin analisa três formas de
confrontação em um debate 56 VERSÃO BRASILEIRA
Nova tradução de O Livro das
38DISCURSO Perguntas retoma poêtica de Pablo
Os disparates e absurdos da retórica politica Neruda, por Gabriel Perissê
contemporãnea, por Izidoro Blikstein
58TÉCNICA
Brauiio Tavares aborda
Gramáticas cotidianas a questão da métrica e
os desafios da forma 22 ESPORTE
50 CONTRAPONTO fixa As metáforas
Sírio Possenti dá conselhos para quem acha esportivas que
que a craseé um bicho-de-sete-cabeças 60 LiNGÜINHA habitam o imaginário
O novo livro de lonesco e popular brasileiro
os jogos de linguagem

62 ETIMOLOGIA
Documento do sécuio 3 dá
---
18 IMIGRAÇÃO 28 ACORDO 46VARIANTE
JAPONESA ORTOGRÁFICO A influência
Presença portuguesa Josué Machado dos Açores
e centenário da avalia a nova sobre o
imigração mostram geração de estado
que amizade dicionários brasileiro de
entre japoneses que chega Santa Catarina,
e lusófonos é com a unificação por Mónica
de longa data da grafia Cristina Corréa

FOTO OE [APA: IlUSTRA(Ao OE ROBERTO WEIGANO


Âeditora t
Carta ao leitor ""f:"Seqmen O
Presidente: Edimil!rOn (ardia!
Vice-presidente: Roberto Müller Filllo

Teoria da composição Diretoria: ll,Kiano do Carrro


Marcio Cardial
RitilMartinez

REViSTA

LINGUA
ANO 111- NÚMERO --
35 - SETEMBRO
www.rellistillingl.la.com.br
15SN:1808-3498
DE 2008

Olr.tor-Geral: Luciano do Carmo


Editor: Luiz Costa Pereira JI.
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Subeditora: Rachei Bonina
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Consultor editorial: .losué Machado
Fotografi.: Gustavo Morila
Dilgramlçio: Simone Midori Maki
Colaboradores: Aldo Bizzocchi, Beth Bralt, areunc Tavares,
Edgafd Murano, Gabriel pertssê, Izidoro Bliksteln, Jean Lauaod,
John Robert Schmltz, José Luiz Fiorin, Mario Eduardo Viaro, Marcmo
GoeIoi, Mônica Cristina Correia, Sirio Possenti (texto).
Luiz Roberto Malta e Maria Stella Valli (revisão).
Processamento de Imlgem: Paulo Cesar salgado
Produçio Gr'fica: Sidney Luiz dos Santos
o modo de Manuel Bandeira, é preciso lançar a teoria do fluxo

A poético sórdido, do qual a própria poesia de Bandeira seria


modelo e matriz.
Composiçãopoética sórdida:
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Opoema de Bandeira: estado de atenção com de- e-mail: assinatura@editorasegmento.com.br
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Luiz Costa Pereira Junior, editor

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luizeosta@editorasegmenlo.com.br

a"~ M
ANER
~""'''''.o''.~·
gua 33, julho), pois refletimos de". Uso freqüente nas ex- PRESENTE
acerca da análise tradicional pressões "dentre nós'; "dentre Receboa revistadesdemaio
de frases com pronome "se", tôs", "dentre vocês", "dentre como um presente de uma
partícula apassivadora e índice outros". "Alguns dentre vocês amiga bibliotecária, que se
de indetenninação do sujeito.O se opõem ao acordo ortogrd- interessou muito pelos artigos
resultado foi bastante satisfató- fico." Melhor usar com verbos da revista acreditando em sua
rio e,de quebra, osalunos ainda de movimento que exigem utilidade para mim, que sou
tiveramde pesquisarmais sobre preposição de: ressurgiu den- professora de Letras. Foi um
a relação lingüística e sintática Ire os mortos; dentre as estre- dos melhores presentes que já
de uma análise gramatical. las, uma sobressaía; dentre os recebi. Sinceramente, gostei
Paula Patrícia Santos nadadores, um destacou-se. muito dos artigos. Pretendo
DIAS GOMES Oliveíra, Aracaju (SE) "Entre",preposição, significa, continuar com a assinatura.
Sempre gostei das novelas entre outras coisas} "a meio Preciso com urgência fazer
de Dias Gomes, mas não tinha DITO & ESCRITO de", "em meio a"} "intervalo cursos, gostaria de participar
idéia da importãncia dele para Como leitor assíduo e re- numa série". Devia decidir-se de algumas oficinas, mas vou
a cultura brasileira. Língua cém-assinante desta concei- entre a mulher ea guilhotina; esperar pelas on-line, porque
(34, agosto) me abriu osolhos. tuada revista, quero ressaltar a decisãofoi tomada entre os moro no interior. Um abraço
Vivao povo brasileiro! como de muito interesse a políticos;a água econia entre a todos da revista.
Luiz Amorim de Aguiar, coluna Dito & Escrito,uma vez suas pernas. A legenda pode- Ange/aMariada Cruz (SP)
Alfenas (MG) que aborda temas relevantes ria ser, sim: "Dirigiu, entre
da escrita, com base em textos outros, osfilmes ...".
SE FOSSE FíSICA correntes de fontes diversas do
MACAU ERRATA
Sou professora-tutora de jornalismo. Mais especifica-
1. Por lapso, o nome
uma universidade particular, Na reportagem sobre a
mente com relação a "Duas
língua portuguesa em Ma- do filólogo português
nos cursos de Licenciatura em Mortes" (Língua 33), que
Letras - Português. Como assí- cau (Língua 33), faz-se Francisco Adolfo Coe-
trata da incorreção de uma
nante e leitora assídua da Lín- referência a um dialeto local lho saiu como Francisco
determinada legenda, gostaria
gua, gostariade parabenizá-los denominado "patuá". Esse Afonso Coelho em Lín-
de saber, sobre a legenda "Di-
gua 33, página 60.
pelaqualidadedosartigosema- termo (proveniente do francês
retor de Tootsie (1982), dentre
térías publicadas. É uma coin- patois), no sentido de dialeto,
2. Embora escrito
outros [...]",0 porquê do uso de
cídência maravilhosa observar inclusive dialeto crioulo de
"dentre" em vez de "entre". corretamente no texto
que a revista sempre aborda Macau, aparece em nossos
Júlio César Ramos, Alvosda Desqualificação
(Língua 34, páginas
assuntos que estou a trabalhar dicionários com a forma pa-
Florianópolis (SC)
em sala de aula com meus alu- toá. Por sua vez patuá (do 36-37), o sobrenome de
nos, assuntos que faço questão Resposta dIJ colunista Jo- tupi patauá) é uma espécie Mayana Zatz foi grafado
incorretamente como
de levar para serem discutidos. sué Machado: "Dentre" é con- de cesto ou balaio.
Como a exemplo de "Se fosse tração das preposições "de" e Mariano Kawka, "Katz" na legenda.
física...",de SírioPossenti (Lín- "entre " Significa "dIJ meio Pinhais (PR)

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(( Não se cria nada com um texto que se
compreende com demasiada exatidão.»
MIGUEL DE UNAMUNO (1864-1936), ESCRITOR, POETA E FILÓSOFO ESPANHOL

(( O romance
custa só você, o
lápis e o papel,
embora demande
muito mais tempo e
trabalho. Cinema é
uma atividade muito
mais superficial do
que a literatura. (...)
Digo, com base,
que fazer cinema
é mais fácil. »
GLAU8ER ROCHA (1939-1980,
CINEASTA 8RAsILEIRO

(( Palavras são um brinquedo


que não fica velho. Quanto
mais as crianças usam palavras,
mais elas se renovam.»
JOS~ PAULO PAES (1926-1998),
POETA ETRADUTOR 8RASILEIRO

(( Todas as palavras são


igualmente lindas.
Nós é que as corrompemos.»
NELSON RODRIGUES (1912-1980),
DRAMATURGO BRASiLEIRO

(( O que é bem dito


diz-se com rapidez. (...)
O bom, se é conciso,
é duas vezes bom.»
BALTASAR GRACIÁN (160l-1658),
TEÓLOGO E FILÓSOFO ESPANHOL
Concurso

Monografias de Guilherme de Almeida


A Academia Paulista de Letras com énfase na atuação do poeta no in- Os candidatos podem inscrever-se
lançou o Concurso de Poesia Gui- tercâmbio cultural Brasil-Japão."Poesia por carta (Academia Paulista de
lherme de Almeida. Em parceria Guilherme de Almeida"foi lançado em Letras, Largo do Arouche, 312 I
com a Aliança Cultural Brasil-Japão, comemoração aos 100anosda imigra- 324, Centro, 01219-000, 5ão Paulo)
vai entregar RS50 mil à melhor mo- ção japonesa. O poeta, que em 1956 ou e-mail (alianca@aliancacultural.
nografia inédita que enalteça a vida fundou e presidiu a Aliança Cultural org.br), enviando três exemplares
e obra de Guilherme de Almeida, Brasil-Japão, escreveu muitos haicais. originais até 31 de outubro.

10
A tênue linha entre o amor e o ódio.
Da mesma autora de Uma vida interrompida

Seis anos depois do lançamento do livro que a consagrou perante a crítica e o público,
Alice Sebold volta às livrarias com Qyase noite. Uma leitura perturbadora e fascinante
sobre os laços frágeis e complexos entre mãe e filha.

A
.ediouro .com. br/quasenoite AG I R
Um lançamento Agir. Já nas livrarias. WNW
Humberto Werneck
muito rascunho. O hipopóta-
Língua portuguesa - De on- tão. Se não fosse arrastado
mo, por exemplo, é um rascu-
de veio o interesse por uma ã boemia por Ovalle, não
nho de Deus."Ovallefazia esse
figura tão gauche na vida? seria exposto ãquelas cenas,
tipo de analogia. E não repetia
Humberto Werneck - histórias, a estados de espírito.
palavras que lia. Contavauma
Gostode personagensque não Ovalle deixou-se extravasar
passagem da Bíblia na base
são de primeiro plano e, como nos amigos, contando coisas
do "Aí,Jesus abraçou, botou
jornalista, tendo a iluminar que eles aproveitariam. Dante
a cabecinha no ombro de São
os menos manjados. Escolher Milanoescreveusobreo sujeito
João, e disse:'Meu írmãozinho,
Ovalle me foi natural. Em _ Ovalle- que seapaixona por
meu filhinho ...'''.
1961, li Duas Faces, do Ivan um manequim numa vitrine.
Ângelo, em que um conto, Bandeira transformou uma
Via a si mesmo como obra?
Suicida, tinha epígrafe de um história ocorrida na casa de
Eleera a própria. Uma ca-
certoJayme Ovalle:"O suicídio Ovalle no poema em prosa O
Noturno da Rua da Lapa. O
Eu,que não tenho racterísticasua era a gratuida-
é um ato de publicidade". Nos de, o descompromisso de for-
velho Germano, de Encontro religião, tenho
meus 16 anos, achei aquilo o malizar uma obra. Qualquer
máximo. Corri ã biblioteca, Marcado, do Fernando Sa- por padroeira
artista reserva o melhor de si
mas não vi registro dele, só a bino, é Ovalle decalcado. Há Sherazade. Se não
para a obra. Já Ovalle tinha
menção como compositor de uma infinidade de crônicas contar a história
consciência de que: 1) era ar-
Azulão. Depois, volta e meia do Fernando em que Ovalle direito, o sultão tista; 2) não tinha meios para
lia essenome, Ovalle.Aíme dei é o modelo, mesmo que não corta minha formalizar a arte contida nele.
conta de que ele esteve numa tenha se impregnado de um
cabeça. Se escrevi Era eufartado de arte e a extra-
periferia da cultura. Nunca no espírito ovalliano.
algo e você parou vasava no convívio.Sentia que
centro, mas por ali, resvalando
Como define esse espírito? de ler no meio, não escreveria algo altura
ã

nas figuras de relevo. da arte que tinha. Tanto que a


Espirituoso, filosófico, ta- você me
decapitou. pouca poesia que escreveunão
Como resume o fascínio lentoso,com uma iluminação
era boa. Amúsica é, mas não
que ele exerceu? hipnótica, tudo ao mesmo -. superlativa: sua obra-prima,
O assombroso em Ovalle tempo. Ovalle era sobretudo
Azulão, tem 16 compassos,
foi ele ter influenciado gran- poético, construía imagens
uma miniatura de música,
des nomes da literatura sem poderosas. Comodiz Schmidt,
que só se toca dobrada, do
ter obra. Você vê uma luz na mesma hora em que não
contrário duraria menos de
ovalliana refletida em Murilo se sabia se ele seria capaz
um minuto de execução.
Mendes, Manuel Bandeira, de completar uma frase, ele
Augusto Frederico Schmídt, criava formulações verbais
Por que ele não concebia
Dante Milano, Fernando Sabi- sintéticas,preciosas,da melhor
uma obra?
no e Viniciusde Moraes. literatura. Ovalle olha um
Em 1926, Bandeira fez a
chato e diz: "Fulano faz muito
maior propaganda do Ovalle
Como se mede a influência calor". Vinicius de Moraes o
a Máriode Andrade.Aoencon-
de quem não tem obra com entrevista. Os outros planetas
trá-lo, Mário ficou encantado
que influenciar? não são habitados, diz Ovalle.
mas viu que o outro não seria
Bandeira fez poemas lin- Por quê? Porque Deus é um
de criar nada. Ovallenão tinh:
dos sobre ele e admite que, carpinteiro esbanjado. Para
instrumental e nutria plano:
não fosse Ovalle, talvez não fazer uma mesa, a Terra,deixa
ambiciosos. Queria reescreve
tivesse escrito os poemas de pó de serragem espalhado,
a Bíblia, veja só. Mas mal er:
Libertinagem tais como es- os outros planetas. "Deus fez
alfabetizado, escrevia mal e uma mania de diminutivos Trecho
porcamente. Atéme pergunto que contaminou Vinicius de OVALLE CONHECE A NAMORADA
se ele não começou a escrever Moraes. Essa coisa de o Vini-
em inglês para não errar em cius usar diminutivos, que lhe Em O Santa Sujo, Humberto Werneck relata episódios
português. Era despreparado, deu o apelido de "poetinha", como o da ocasião em que Jayme Ovalle conhece a futura
mulher, Virginia Peckhan, em Nova York.
não tinha as ferramentas, não foi apanhada do Ovalle, diz
sabia fazer Não tinha máqui- Otto Lara Resende. É difícil "Cuidava da aparência. O senão, para Virgínia, era o
na de escreverou biblioteca,só reconhecer a influência de monóculo, que além de'feio, ridículo: 'caía,ficava sujo. não
os livros que lhe davam. Lia a alguém sem obra. Concluí que dava para enxergar: Já no primeiro encontro, na galeria de
Bíblia, os jornais, e ponto. a maneira de vero mundo é já arte, ela observara, e mais tarde registrou num poema:'Hi5
uma obra, mas imaterial. monoele (Og5:

E mesmo assim foi um Quando o conheceu, notou também que ele tinha 'uns
gênio criador? Sua arte era conversar. buraquinhos no rosto: e lhe perguntou:
Sim, mas não tinha preo- Foi assim que ele criou - Vocé teve muitas espinhas quando era rapaz?
- Não, não, eu apanhei de garfo .."
cupação autoral. Imagino que, uma teoria,a NovaGnomonia,
se aflorassealgo numa conver- que saltou de uma conversa de
sa, Drummond ou Bandeira bar. É a divisão da humani-
hesitassem: "Não, isto que eu dade em categorias. Imagino
ia dizer vale poema, não vou quantas conversas interessan-
entregar aqui, na porta da tíssimas ninguém registrou.
livraria José Olyrnpío". Com Mas Bandeira estava ali e, por
Ovalle, não. A consolidação acaso, a registrou. É Ovalleem
de uma obra, ele só tentou em estado puro: uma teoria ao sa-
Londres, entre 1933 e 37. Foi bor da conversa. Há um episó-
quando pôs suas músicas em dio muito legal: após a morte
partitura e escreveu poesias de Schmidt em 1965, a viúva,
em inglês. Não se sentia na Yedda,sobrinha de Ovalle,teve
obrigação de guardar algo de lidar com questõespráticas.
para uma obra. Foi a uma mesa branca, para
ver se baixava o espírito do
Ainda assim, sua não-obra marido. Quem baixou foi
follnRuente •.. Ovalle, que teria dito: "Aqui
A influência dele não era estamos todos nus". Essa frase
só vista nas coisas que outros virou a epígrafe de um poema
colhiam, mas na maneira de Bandeira, Mensagem do
como ele vivia. Como não era Além. Até medi unicamente
artista, viviapoeticamente. Era Ovalle foi influente.
um gerador de poesia, diz Fer-
nando Sabino. Suas impres- Ele era devoto, mas sensua-
sões digitais na obra alheia lista. Como conciliava?
estão muito mais numa ma- Nocristianismo dele cabia
neira de ver o mundo. Muitos tudo, porque não estava preso
fisgaram manias, jeitos,sobras a dogmas. Fazia salada com
dele. Fora as pequenas coisas, candomblé, achava que os
só dele. Tinha, por exemplo, pecados não são os ditos pela
Humberto Werneck

Igreja, mas outros. Não vejo aquela coisa: antes de tudo,


em atitude e palavras dele vai-se a arquivos, conversa-se
sinal de que a carne tenha sido com pessoas. A diferença com
um embaraço para sua alma. Ovalle é que havia pouca coisa
pesquisável. Há momentos que
Qual o desafio de texto são puros buracos. E há agra-
numa biografia? vantes: sobre ele houve misti-
A preocupação de am- ficação, lorota e invenção. As
bientar o personagem. É es- mesmas histórias deformadas
tranhíssímo fazer um recorte a cada relato. Não só havia
do sujeito com pano de fundo pouco como muita confusão
neutro, no tempo e espaço. In- no pouco que havia.
tuí e depois precisei descobrir
de que maneira transmitiria Como resolveu isso?
aos outros o encantamento Confrontando fontes e
de Ovalle. Como contar uma vendo o que era verossímil.
história assim? Ainda mais Um exemplo é a história de
cheia de buracos? que ele se esbofeteava. É ver-
dade. Dava uns tapas na cara,
Como estruturar histórias? "apanha judeu, apanha ju-
Eu, que não tenho re- deu". Mas Gilberto Freyre dizia
ligião, tenho por padroeira que ele usava um chicote para
Sherazade. Se não contar a flagelar-se. Outro delírio das
história direito, o sultão corta fontes foi a famosa obra que
minha cabeça. Se escrevi e teria trazido de Londres. Auto-
você parou de ler no meio, res de respeito contam que ele
você m_e,decapitou. O relato trouxera livros escritos, que vi-
deve dar conta do persona- raram mala cheia de originais,
gem e, sem forçar a barra, ser daí a baús imensos e o livro
interessante. É a preocupação A História de São Sujo, que
de encadeamento, de fazer na verdade nunca escreveu.
uma coisa puxar outra, sem Quando vi, Ovalle trouxera
Vinicius de Moraes - Que é Deus? degraus excessivos. Mas não 50 laudas de um poema, 'lhe
Ovalle - Deus é o movimento. O movimento à imagem e queria adotar cronologia orto- Foolisb Bird, e umas 40 de
semelhança do desenrolar-se de uma missa. O movimento doxa. À, vezes, falo de alguém poemas pequenininhos.
em liturgia. (...) e digo que, mais adiante, ele
fará tal coisa. Jogo bolas pra Isso O desanimou?
o que acha da relação entre homem e mulher, Ovalle? frente e vejo como fica. Quando comecei a pes-
(...) No fundo, são seres inimigos. Inimigos inseparáveis. quisa fui atrás dos baús. Meu
Pode existir respeito, admiração, mas amizade - nunca. A
gente vê que eles são inimigos porque o ato sexual é aquela
o que se deve evitar num momento 1 foi o de dizer: "Vou
texto de biografia? encontrar tesouros. Vourevelar
luta romana entre os dois.
De saída, tomar partido. a poesia desse homem, que
Você, como católico, aceita o ato sexual independen- As biografias, em geral, são a ninguém conhece". Momento
temente do sentimento de procriação? favor. Mas é preciso um olhar 2: descobrir que não existia
Eu sou contra qualquer burocracia. mais isento. Já a pesquisa é nada ou, se existia, era fraco.
não tinha informação a dar.
Mas não inventei nada. O
inventado por outros registrei
como invenção. Há histórias
malucas sobre Ovalle. Ade que
um anjo disse que ele morreria
em dois anos. Mentira, mas re-
gistrei como atribuída a ele.

Ovalle prova uma dimen-


são de autoria sem obra?
Meio que desabei: ia passar esse Sim, desde que alguém dê
tempo todo seguindo o rastro corpo a essa obra. E quem deu
de um poeta ruim? Momento corpo a Ovalle foram grandes
3: constatar que isso não era autores. O caso dele não se
importante. O importante é confunde com o dos escritores
Ovalle: ele era a obra. que são mais interessantes
que a obra. Pois pretendem ser
Quando iniciou a biografia? escritores, têm projeto literário.
Reúno material há tem- Ovalle, não. O verbo se fez car-
pos, no início sem o propósito ne no caso dele. Escrever, bem
de escrever nada. Em 1991, sei, é empreitada de sedução.
pedi uma bolsa. Não sabia a Gostaria apenas de estar à
dificuldade que me aguarda- Espirituoso, se Fernando agisse de outro altura desse personagem.
va. Passei os 17 anos seguintes li losófico, modo. Não me interessaria
tentando recompor a história. tanto por tipos que estão em Como foi biografar só
talentoso, com
Fui várias vezes interrompido, torno de Ovalle, como Dodô, com vestígios?
uma iluminação
várias vezes desisti .. figura fascin;~te do livro. E Um biógrafo tem por vezes
hipnótica, tudo Fernando Sabino não tinha dificuldade para encontrar o
Por quê? ao mesmo mesmo de me dar nada. Depois veio, mas uma vez encontrado,
Nesse tempo, o livro menos tempo. avalie disso, sempre que pesquisava ele o segue. No meu caso, foi
andou que andou parado. 'Pri- era sobretudo um pouco, o livro arrancava. uma procura por fragmentos.
meiro, contava com Fernando poético, Ovalle não deixou quase nada
Sabino, que convivera, pouco construia Por que demorou tanto? escrito, morou em vários luga-
é verdade, com Ovalle. Tinha Foi como o técnico que res, de Belém a Londres. Signi-
imagens
camaradagem com ele, desde cata, num terreno enorme, os ficava pesquisas em arquivos
poderosas.
meus 17 anos, em 1962. Mas, cacos do avião que explodiu de jornais, achando coluni-
Olhava um chato nhas aqui e ali. Representava
quando entrei no projeto, ele a 10 quilômetros de altitude,
ficou enciurnado. Dizia que
e dizia:"Fulano para remontar o quebra-cabe- ler volumes imensos para
Ovalle era assunto dele. Vi faz muito calor". ça e entender o que houve. pescar linhas. Eu jogava redes
que não poderia contar com aleatórias. Foi um trabalho de
ele. Essa impossibilidade me Por falta de dados, a narra- garimpagem e colagem desse
fez recorrer a caminhos que tiva chegou a empacar? avião chamado O Santo Sujo.
não usaria. Percebo hoje que Houve momentos em que Ficou tudo bem coladinho.
o livro teria sido mais pobre tive de confessar ao leitor que Agora, quero ver se voa... •
Lusofonia
POR"EDGARD MURANO

o PIONEIRISMO LUSO E A IMIGRAÇÃO MACiÇA


PARA O BRASIL TORNARAM A LíNGUA PORTUGUESA
UMA VELHA CONHECIDA DO JAPÃO

rasil e Japão têm mais em comum do que a cen-

B tenária imigração japonesa no país dá a entender.


Bem antes do fluxo migratório bancado pelos
barões do café, de 1908 ã década de 70, os portugueses já
haviam deixado rastro, e traços de seu idioma, no Japão.
Portugal foi o primeiro país do Ocidente a chegar lá,
no século 16, e datam dessa época os primeiros registros
de trocas, não só religiosas e comerciais como lingüísticas,
entre as culturas lusófona e nipônica.
Prova disso é o parentesco fonético entre as palavras,
como a japonesakoppu e sua correspondente "copo", além
dekirisutan,shabon etabako, respectivamente "cristão",
"sabão" e "tabaco". Tais termos, assim como buranko
(balanço), igirisu (inglês) e iruman (irmão), simulam a
pronúncia portuguesa com os sons de que dispõe o idioma
japonês. A língua japonesa, aliás, sempre teve facilidade
para empréstimos. Além da base vocabular em comum
com a China, o japonês fisga vocábulos até do alemão
(arubauo vem deAl'beit, "trabalho").

Aclimatação
A receptividade do japonês a novos vocábulos é tanta
que nem expressões regionais brasileiras foram poupadas:
consta do dicionário Português-japonês Romanizado,
de Shigueru Sakane e Noemia Hinata (Vertente, 1986), o

A HERANÇA PORTUGUESA NO JAPONÊS AS PALAVRAS QUETfM UM Pt EM PORTUGAL

TERMOS RELIGIOSOS "Senhor Tanaka"). A nossa palavra foi Hoje. o padre católico é táza, do mglés
Tentasan (tentação) - Termo reinterpretada como nome de um diabo, tatbet (faza 90 kakai ni kimashtto, "o

encontrado numa traduçâodo Padre o "Senhor Tenta'; tendo sido alterado o padre chegou à igreja"). A origem do
Nosso de 1591: waref(l wo tentasan signihcado da frase para"não nos entre- :.n final não é explicada pela literatura.

ni Iwnas/litamou koto nakare ("não que ao Senhor Tenta': Pode tratar-se do acusativo latino, tão
nos deixeis cair em tontaçáo"). A freqüente na liturgia (Palrem omnipo

sílaba -san é freqüente em japonês Bateren (padre) - Termo comum tentem: Deus Pai), o que explicaria a
e significa "senhor" (Tanaka-son, em obras históricas da era portuguesa. consoante surda interior.
termo "paulista" (San pauro shu) como também se deu: termos japoneses, como Reduto oriental: o bairro da liberdade,
em São Paulo, abrigou parte dos
sinônimo de "teimoso", tal qual usado no "origami", "mangá" e "judô", aclima- japoneses que desembarcaram no país
sul do país, além de "paulistano" com o taram-se no Brasil, livres de alterações
sentido de "desconfiado", ambos os sen- significativas, e hoje usufruem de "livre no Japão. Apresença lusitana restringiu-se
tidos confirmados pelo Houaiss. cidadania" no idioma de chegada. Já ou- à religião e ao comércio, sem interferência
- Alíngua portuguesa serviu de "pon- tros vocábulos sofreram adaptação, como do Estado. Para ela, Brasil e Japão só se
te" entre a cultura japonesa e a brasileira, ponkan (mexerica) ,kabocha (abóbora), aproximaram de fato posteriormente, por
uma vez que Portugal chegou ao Japão na byobu (biombo) ekaki (caqui). " força da necessidade de mão-de-obra.
mesma época em que colonizava o Brasil Eliza Tashiro, professora de japonês - Até mesmo o comércio que se de-
- diz a historiadora Célia Sakurai, autora da USP,minimiza o fato de Japão e Brasil senvolveu entre o Japão e os portugueses,
de Osjaponeses (Contexto, 2007). terem em comum o passado lusitano. Em no leste asiático, é considerado informal,
se O contato pioneiro entre Portugal que pese a presença pioneira de comer- pois em muitos casos não necessitou de
e Japão seria só o início de uma abertura ciantes lusos em seu território, não teria autorização do rei português. Acredito
lenta e gradual para o Ocidente, o inverso havido, para ela, colonização portuguesa que, após a retomada das relações no
século XIX, o intercâmbio estabeleci- ã soberania nacional. Um livro como O do Centro de Estudos Rurais e Urbanos
do entre Portugal e Japão é mais de de Carlos de Souza Moraes, A Ofensiva (Cer-u!USP), assinala que, embora os
caráter diplomático - afirma Tashiro. japonesa no Brasil (Livraria do Globo, seminários fossem de curta duração, o
1942), condenava a entrada desordenada baixo número de reprovações causou
Intolerância lingüística de imigrantes no país, que ele chamava de espanto entre os professores brasileiros.
No plano político-social, o Japão "povoamento" e não "colonização".
começa a adequar-se às exigências do Embora haja diferenças gritantes na Haicai
capitalismo a partir de 1868,início da era estrutura de ambas as línguas, acredita-se A interação de linguagens entre os
Meiji,período de modemização e abertura que os japonesesestavam empenhados em países passou também por formas verbais,
do país. "A nova elite no poder acredita aprender o português. Segundo Tomoo como o haicai, poética japonesa, trazida
que o melhor meio de resistir ao Ocidente Handa, autor de O Imigrante japonês ao Brasil no início do século 20. Consiste
é ocidentalizar o Japão e sua economia. - História de sua Vida no Brasil (T. A. em três versos de 5, 7 e 5 sílabas. Tendem
Para realizar essa tarefa, os japoneses, Queiroz Editor, Ltda., Centro de Estudos a fazer referência natureza, com apreço
à

acostumados a aprender com os estran- Nipo-Brasileiros,1987), entre 1933e 1934 pelo detalhe e poder de sugestão.
geiros,mobilizam todas as suas energias", foram realizados, nas cidades de São Pau- No português, não foram poucos
escreve Sakurai, em Osjaponeses. lo, Presidente Prudente e Lins,seminários os que atribuíram ao haicai um poder
Para se ter idéia da ânsia de aprendiza- com noções de português e cultura geral sanea-dor, responsável por enxugar
do nipônica, nessaépoca uma missãocom- sob orientação de professoresbrasileiros. • certas tendências verborrágicas da lite-
postapor burocratas eestudantes japoneses Aessaaltura, o aprendizadoda língua já ratura. Teria sido a fonte de inspiração
passou meses nos EUAe Europa em busca havia se tomado indispensávela imigrantes para acabar com "o mal da eloqüência
decompreensãosobrea cultura estrangeira quedesejassempassarem examese lecionar. balofa e roçagante", diz Paulo Franchetti,
e suas instituições. É nesse contexto de Em seu ensaioRelatos orais defamt1ias de estudioso do haicai, retomando palavras
abertura doJapão a outrospaíseseculturas, imigrantes ja- do crítico Paulo Prado sobre Oswald de
com incentivo à imigração, que se situa a poneses: ele- Andrade.Já o premiado haicaísta gaúcho
história do povojaponês no Brasil. mentospara Ricardo Silvestrin, colunista do jornal
Séculos depois do contato entre Por- a história da Zero Hora, vê em escritores brasilei-
tugal ejapão, a chegada de japoneses em educação ros a pista da influência
nosso país virou um marco cultural no brasileira, japonesa sobre nossa
Brasil,que só no estado de São Paulo con- a pesquisa- variante do idioma.
centra 1,3 milhão de japoneses e descen- dora Zeilade Bri- - Se formos
dentes. Cerca de 250 mil nativos doJapão to Fabri Demartini, ver a poesia de
vieram ao Brasil até a década de 70. Oswald de An-
No Estado Novo, muitos imigrantes drade, lá tem
eram discriminados por se comunicarem Imagem de capa um espírito do
do livro Os dizer pouco do
em sua própria língua, sobretudo os ja- Japoneses, da
poneses, vistos então como uma ameaça editora Contexto haicai. Mário

20
Quintana também tem vários haicais
nos seus livros. E mesmo a visão de
mundo dele se aproxima da poesia
chinesa e japonesa - afirma Silvestrin.

Difícil equivalência
A tradução do japonês para o por-
tuguês envolve lima busca por equiva-
lências muitas vezes difíceis de serem
estabelecidas. É O caso de baimi, que
em linhas gerais quer dizer "sabor de
haicai". Ou da expressão onomatopaica
para-para (gotejante) e de kiti-kiti,
(algo apertado). Outra que dificilmente
seria traduzida a contento em português
é wabi, profundo sentimento de solidão e
melancolia; e sabi (resignada solidão).
-A mais surpreendente relação entre
japoneses e os lusófonos, no entanto, está
no léxico. EmA Língua Portuguesa em
Viagem (TFM Verlag, 2003), organizado
por Marília Mendes, o pesquisador Georg
Bossong analisa a receptividade do ja-
I
• ponês à língua portuguesa no ensaio "O
elemento português no japonês". Escreve
1 que empréstimos do português na língua
japonesa informam sobre a fonética do
Japão, e divide tais empréstimos em dois
grupos: os termos religiosos, que se rela-
cionam com a atividade jesuítica e foram
desaparecendo aos poucos, e os advindos
da cultura material, que persistem até
hoje. Os exemplos destas páginas podem
dar idéia de uma relação mais estreita do
que fariam imaginar os 18 mil quilôme-
lançada em 1942, obra partidária do regime Vargas atacava a imigração nipônica tros que separam Brasil e Japão. •

róng (penugem, tecido macio, penas). O é descrito assim num dicionário:"legumes com karakana (alfabeto mais recente),
termo composto "penugem de cisne" é e mariscos frescos, delicadamente envol- como os demais estrangeirismos. O
o conceito chinês para veludo. A grafia tos em ovo, dourados em óleo leve': A composto cria a associação"glúten do
chinesa foi adotada no japonês. mas com grafia alternativa com kanjl (ideograma) céu" O termo deve antes relacionar-

a pronúncia portuguesa. com uma mistura de kanji e hiragana (al~ se com o verbo "temperar': Esta tese
fabeto para palavras estrangeiras), ou só é corroborada pelo fato de a forma

renpura [lemp(e)ra] - O prato nacio- com hiragana, demonstra que a palavra é tempra existir no indo-português, com
nal japonês conhcodo em todo o mundo qenuinemente japonesa. Não se escreve o significado de "tempero':

FONTE: o ELEMENTO PORTUGuEs NO JAPONtS, GEORG BOSSONG, 2003


oaparte da atração exercida pelos ríssimo lugar, sem competidor próximo. Enquanto outros jogos praticamente

B esportes e pelos jogos, tema opor-


tuno agora que as Olimpíadas
de Pequim ainda estão fresquinhas
Para expressar situações de nossa vida
profissional, empresarial, escolar, familiar,
amorosa etc. é a centenas de situações do
fornecem só metáforas prefixadas, a força
psicológica do futebol é tanta que permite
improvisar metáforas em situações novas,
na memória, reside no fato de que, futebol que recorremos. como, digamos, a de um vendedor que
de algum modo, representam a vida e Assim, se alguém tem o domínio de se queixa a seu gerente que o colega lhe
diversos de seus aspectos. uma situação, "está com a bola toda". Se a deu "um carrinho por trás" e efetuou
Daí também a grande quantidade de pessoa comete uma falha grosseira, "pisou indevidamente uma venda a um cliente
metáforas esportivas. Metáforas presen- na bola"; mas se teve um bom desempe- que era dele; o acusado pode defender-se
tes até na Biblia: São Paulo compara os nho, "deu show de bola". Osexemplos são replicando que "foi na bola" ou que era
esforços requeridos pela vida cristã aos inúmeros (ver página 24). " bola dividida"; enquanto o primeiro
dos atletas e corredores que almejam
o primeiro prêmio (I Cor. 9: 24 e ss.).
No século 19, ante o preconceito de
UMA DISPUTA PARTIDA
A RAZÃO PELA QUAL UM JOGO PASSOU A SER CHAMADO DE "PARTIDA';
certas igrejas contra o esporte ("culto MESMO NÃO CONTENDOA IDtlA DE PARTiÇÃO
ao corpo", desrespeito ao "dia do Se-
Do xadrez medieval surgiu uma atuais "problemas de xadrez": por
nhor" etc.), esse "aval" do apóstolo era
expressão hoje usadíssima para mui- exemplo, em tal situação das peças
esgrimido por cristãos esportistas, que
tos esportes e jogos:"partida". Por que no tabuleiro, as brancas jogam e dão
invocavam esse versículo da Epístola
se diz uma "partida de futebol'; de vô- xeque-mate em três lances.
aos Coríntios (daí o famoso time inglês lei, basquete, ou até de pôquer? Que Os partidos tornaram-se muito
Corintbian, que teve seu nome adotado é que há de partida, partição nesses populares e acabaram por significar
na fundação do nosso Corinthians). casos? Na verdade, se atentarmos à não só o "jogo partido'; mas também
Já no primeiro tratado de xadrez do etimologia, trata-se de um uso im- o jogo completo de xadrez e, com
Ocidente, o Libro dei ajedrex, composto próprio, excetuado o caso originário o tempo, na falta de outro termo, a
(a partir dos tratados árabes) por O. de certas situaçôes do xadrez. realização completa de um prélio de
Alfonso o Sábio, em 1283, os jogos apa- t que no xadrez medieval, os outros jogos e esportes.
movimentos dos atuais bispos e Do "jogo partido" do xadrez
recem como metáforas da vida. Nessa
dama eram muito mais limitados, o medieval decorre também um in-
obra, a invenção do xadrez é atribuída
que tornava o jogo ainda mais lento. teressante fato da lingua inglesa.
a um concurso que um rei teria feito Como os problemas de xadrez tra-
Para agilizar a ação enxadrística,
precisamente para premiar o sábio que estabeleceram-se os "juegos de par- zem situaçôes de desfecho (como
apresentasse um jogo que melhor repre- tido': situações artificiais, com pou- a de mate em 2 ou 3 lances), na
sentasse a condição humana. cas peças, como se o jogador tivesse língua inglesa, jeopordy (francês
Naturalmente, o xadrez aparece como pegado o bonde andando e medievai jeu
modelo trazido pelo candidato que acre- começado a observar o jogo só parti) passou

ditava "que mais vale a inteligência do a partir do lance, digamos, 50, a significar até
e encontra-se assim com uma hoje: situação
que a sorte, pois quem se guia pelo juízo
partida, aquilo que já Alfon- de perigo ou risco
inteligente faz suas coisas ordenadamente
so chama de"juego partido'; em geral (similar a
e, mesmo que perdesse não teria culpa,
que correspondem aos "estar sinucado").
pois estaria agindo segundo modo conve-
niente"; enquanto outro sábio, que consi-
derava a sorte como fator preponderante,
apresentou o jogo de dados; etc.

Dentre todos os nossos referenciais


lúdicos de metáforas, evidentemente, de o
longe é o futebol que ocupa o primei- ~
vendedor insistirá que foi "carrinho sem
bola", "agressão fora do lance" etc.
Naturalmente, esse domíniodo futebol
decorre do enorme interesse que desperta
em toda a população, que, desse modo,
dispõe de um vivo e riquíssimo código al-
ternativo de comunicação. Curiosamente,
muitas metáforas procedem de campos
que despertam, hoje, muito poucu inte-
resse nos falantes: se, digamos, o vôlei e o
basquete atraem muito mais interessados,
não são páreo, no entanto, para o turfe, o
bilhar ou o boxe. A razão talvez esteja na
particular configuração destes, que produz
potencialmente situações de metáfora;
além de ter a seu favor, uma tradição es-
tabelecida numa época na qual eram mais
populares e pouca gente se interessava por
vôlei ou basquete.

[I IÇ-
Mesmo pessoas que não acompanham
corridas de cavalos intuem que as emoções
do turleemparelham com as de outrasdís-
putas da vida (recorde-se o famoso tango
Por una Cabeza) e falam normalmente
que, digamos, nas eleições municipais de
São Paulo, a disputa está entre Alckmin,
Kassab e Marta, e Maluf corre por fora (o
mesmo Maluf que antes de o PT chegar à
presidência dizia que o PT não era "cavalo
de chegada") ou é um azarão. Se Alckmin
e Kassab se aliassem, a eleição seria uma IMAGENS DO
"barbada" etc. Enfim, é páreo duro e só na
reta final é que se saberá qual candidato
FUTEBOL
cruzará o disco de chegada. Claro que me
refiro aos candidatos dos partidos grandes, Sentido Expressão
Tem o domínio de uma situação Está com a bola toda
porque os outros não pagam placê.
Comete uma falha grosseira Pisou na bola
Naturalmente, com o PSDB dividido,
Teve um bom desempenho Deu show de bola
Alckmin, que é a bola da vez para ser
Identifica-se com os ideais da instituição Veste a camisa
fritado, está numa sinuca de bico e Serra, Aposenta-se Pendura as chuteiras
que só confia no seu taco, deu uma grande Busca o bem da empresa e não aparecer Joga para o time
tacada ao emprestar-lhe um apoio mais Recorre à lei para prevalecer sem razão Quer ganhar no tapetão
para formal. Aliás,ele já tinha cantado essa t retraído e não se mostra como é Está na retranca
jogada nas eleições presidenciais: era óbvio Leva aos subalternos a orientação superior Faz o meio de campo
que era Lula que estava na boca da caçapa. Tem experiência Tem cancha
Fracassa no namoro por falta de iniciativa Quem não faz, toma
(note-se que "cantar a jogada" é expressão

24
originária do snoober, que adaptou-se chave para a compreensão da tendência tão poderosa que chega muitas vezes a
também ao jargão futebolísitico). a criarmos metáforas a partir dos jogos e pensar a realidade como metáfora (para
Seja como for,Alckmin sempre prefere competições esportivas: a imaginação. o Alcorão, cada coisa no mundo é um
o nocaute a jogar a toalha: o que denota Ao contrário do xadrez moderno, sinal de Deus) e, até mesmo, a metáfora
notável falta de jogo de cintura: ainda que consideramos como mera estrutura como realidade. No extremo desse caso,
mais com tantos pesos pesados da política lógica; na Idade Média, o jogo era visto entre as célebres Rubaiyat (literalmen-
paulista na disputa. Maluf, que mesmo como excitantes manobras de guerra te: "quadrinhas") de amar Khayyam
quando está nas cordas, nunca acusa (por exemplo, a torre que, tal como a encontramos esta preciosidade:
o golpe, será que vai usar nos debates a torre que sitiava o inimigo, só podia "Para falar claramente e sem metá-
técnica do dincb e a de aplicar sutilmente mover-se horizontal ou verticalmente; foras [I?)] / Somos as peças do xadrez
golpes baixos ...? os pobres peões, que sucumbiam em jogado pelo Céu / Que brinca conosco no
Curiosamente, do vôlei e do basquete, grande quantidade na batalha etc.), de tabuleiro do ser / E depois ... voltamos, um
quase não há, entre nós, metáforas: pro- política de Estado, de vida etc. E o vemos por um, ã bolsa do Nada."
curando no Google, encontrei uma ou utilizado em muitas pregações religio- A imaginação popular está de pronti-
outra do tipo: "não gostei da entrevista sas da época (o peão que é promovido dão para dar vida à metáfora esportiva. Não
dos Nardoni no Fantástico: o repórter ao chegar à oitava casa e se enche será preciso chegar à próxima Olimpíada
só levantava a bola para eles cortarem". de soberba; os maus bispos, que se para perceber isso. •
E, quando, após infrutíferas buscas movem na diagonal por interesses
por imagens do basquete, finalmente escusos e oblíquos, etc.).
Luiz Jean Lauand é professor titular
encontrei um comentário - no Portal Mas a medalha de ouro vai da Faculdade de Educação da USP.
Gl da Globo - de que certo produto da . para a imaginação oriental, leanlauagusp.br

Amazon: "pode até não ser uma cesta de


três pontos, mas é no mínimo uma bela
enterrada", mas tratava-se de tradução de
um artigo do Neto York Times ...
Entre as escassas contribuições de
outros campos, encontram-se o "grid de
largada" e a "pole positíon" (digamos,
para a "corrida" eleitoral); a "ginga"
da capoeira (que dispõe de um
riquíssimo léxico, mas é mui-
to esotérica para
transcender
o âmbito
Jadel Gregório, promessa
dos iniciados que ficou só em sexto
e atingir a grande massa) ou o "estar lugar no salto triplo:
apesar do fiasco do Brasil
em xeque" do xadrez. nos Jogos, olimpiada
renovou uso de termos
esportivos no cotidiano
Ima 'In o
O xadrez medieval (para não falar do
árabe ...), responsável pela transformação
da palavra "partida" em si-
nônimo de jogo (ver qua-
dro na página 23), dá a

- e •
COBERTURA BRASILEIRA DE JOGOS GARANTIU
NOVA ACEPÇÃO A UM SOFRIDO VOCÁBULO
POR JOHN ROBERT SCHMITZ

E
m reportagens sobre esportes, es- "colocar ou pôr íim" aos "incômodos 1. "privação parcial ou total de qual-
tampadas na imprensa, o vocábulo jejuns". ili jejuns em questão podem ser quer alimento";
"jejum" apresenta um sentido atribuídos à improdutividade individual 2. "abstinência de alimentos";
diferente que não é percebido de imediato de diíerentes atletas ou à falta de empenho 3. "abstinência ou privação física,
pelos usuários do idioma em geral e nem ou de entrosamento por parte de equipes moral ou intelectual";
sempre registrado pelos especialistas e clubes inteiros. 4. desconhecimento de determinado
(gramáticos, lingüistas e lexicólogos) O "jejum" no mundo dos esportes assunto ou matéria".
que acompanham as mudanças que é, sem dúvida, infeliz. Todos sofrem. Em Com base na freqüência do "jejum"
ocorrem na língua portuguesa contem- primeiro lugar, o próprio atleta que vive nos textos esportivos, estamos diante um
porãnea. Agora que a Olimpíada acabou pressionado pelo técnico, pelos colegas novo uso do vocábulo que merece ser
(e o futebol brasileiro disputou ouro no e pelos dirigentes. Em segundo lugar, o registrado nos dicionários do português.
feminino e só bronze no masculino), vale próprio torcedor que sente empatia com Proponho, por isso, o seguinte verbete:
observar frases retiradas das páginas es- a situação do jogador e com a equipe que "Jejum: carência de suoesso por certo
portivas no Brasil e também em Portugal passa por determinados momentos sem a tempo numa modalidade esportiva - falta
(no caso, o último exemplo): alegria de vitórias. O pobre "sofredor" até de gols, de vitórias, de prêmios, de meda-
"Slater quebrajejum e bate recorde." conta os dias do "jejum", rezando que o lhas e de títulos".
"O Corinthians quer encerrar um período seja breve, amargando saudades A nova acepção conserva O traço
jejum neste sábado." de tempos mais felizes. semântico [+ sofrimento] que faz
"O Fluminense acabou na noite deste parte da prática de "jejuar". A palavra
domingo com um incômodojejum." Verbete "jejum" se origina de latimjejullus,
" ... para cc/ocarfim a umjejum de Os vários exemplos são pertinen- -a, -um. Etimológica e historicamen-
oitôrias que incomoda." tes, pois mostram uma nova acepção te, está associada ao discurso religioso.
"Leão destacapeso tÚJ jejum do Galo no português brasileiro do vocábulo A prática de "jejum" envolve uma
Atlético-MG." "jejum", muito diferente, por exemplo, abstinência de certos alimentos por
"Longo jejum de golas." do que está na versão eletrônica do di- um determinado período de tempo
Há um número de verbos que co- cionário Ilouaiss. Das quatro acepções como penitência. Quando o "jejum"
ocorrem com o substantivo "jejum" como registradas pelo dicionário, as últimas for por tempo indeterminado, a prática
"quebrar", "encerrar", "acabar com" e duas são de sentido íigurado: se torna verdadeira manifestação polí-
tica, isto é, "uma greve de fome" cuja Mundo afora Mas lembremos que O Houaiss
finalidade é fazer os outros "sofrerem" Todos os idiomas têm exemplos de registra outra acepção de "jejum": "des-
e pressioná-los a atenderem ao pedi- vocábulos que ampliam os seus signi- conhecimento de determinado assunto
do do indivíduo em jejum. Quantas ficados e outros que perdem "terreno". ou matéria", mas sem exemplificação
pessoas realmente "padeceram" com Algumas palavras são mais "imperia- com uma oraçào-modelo. Talvez os
o "jejum" de dom Luiz Flávio Cappio, listas" do que outras. A palavra latina leitores deste artigo possam pensar em
bispo de Barra (BA)? Houve sofrimento jejunus deixou a sua marca nas várias alguns exemplos? O Dicionário Brasi-
por parte dos que apoiaram o gesto do línguas romãnicas, pois temosjeune, em leiro da Língua Portuguesa (Mirador
religioso e também por parte dos que francês, ajuno em espanhol, digiuno em Internacional e Companhia Melhora-
queriam, por lima razão ou outra, que italiano, e dejuni em catalão. Mas, em mentos de Sào Paulo, 1976, p. 1005)
ele suspendesse o jejum. português, diferente das outras línguas registra O substantivo jejuno: "que está
O próprio verbo "sofrer" é outro exem- românicas, o referido vocábulo incor- em jejum" e quem ignora certo campo:
plo da expansão de significados de uma porou a acepção de "ausência ou falta" "jejuno em física".
palavra. O NovoAurélioSéculoXXi (Nova na prática esportiva. Em italiano, "estar sem notícias" é
Fronteira, 1999, p. 1876) registra o sentido O vocábulo "jejum" também se usa esseredigiuno de notizie e quem não
figurado do referido verbo: "Os gêneros em contextos nos quais existe uma "fal- sabe nada de matemática é digiuno de
alimentícios sofreram um aumento con- tal>ou "ausência", mas não está presente matemática. Em espanhol, não estar in-
siderável nos últimos anos". O Dicionário necessariamente um sofrimento ou lima formado sobre deterrninado sobre é "estoy
da Lingua Portuguesa Contemporânea privação. Na língua oral, ouvem-se frases en ayunas sobre tal asunto".
(Academia das Ciências de Lisboa e Edito- como: "Depois de um longo jejum, teu O vocábulo "jejum ", originalmente
rial Verbo, 2001, p. 3442) arrola também amigo entra em contato", "Queira des- restrito ao léxico religioso, "invadiu"
a frase: "O preço da gasolina sofreu um culpar o prolongado jejum, mas estive outra área - o mundo dos esportes, graças
grande aumento". Notável condição a de fora em visita familiar". O "jejum" nestes à colaboraçào, é claro, dos usuários do
"sefrer" e "jejum", palavras com cargas exemplos se refere a um intervalo de português brasileiro. •
semânticas ligadas à provação do ser, te- tempo sem notícias dos amigos e colegas
nham ganho no país sentidos talvez mais (nem por correio eletrônico, telefone ou
John Robert SchmiU ê do Departamento de
tênues do que as acepções consagradas até carta) devido à correria da vida moderna lingüística Aplicada do Instituto de Estudos da
há pouco tempo. (ou pós-moderna). linguagem, da Universidade Estadual de Campinas
CHEGAM ÀS
LIVRARIAS OBRAS
ADAPTADAS À
UNIFICAÇÃO
ORTOGRÁFICA, QUE
SERÁ OBRIGATÓRIA
PARA OS DIDÁTICOS
A PARTIR DE 2010

POR JOSUt MACHADO

ALFABETO passa de 23 para 26 letras. K. ~


voltam de onde, na prática, jamais sairam.

TREMA é eliminado das palavras portuques


aportuguesadas, mas permanece em nomes pró,
estrangeiros e derivados: Hübner, hüberiano, MI
Palavras como "agüentar': "cinqüenta': "argüir" e "1
qüilo" ficam sem trema.

ACENTUAÇÃO c) As paroxítonas homógrafas (acento diferencial),


como em: "côa" (verbo "coar"); "pára" (verbo); "péla" (subs-
Perdem o acento: tantivo e verbo); "pêlo" (subst.), "pélo" (verbo) e "pelo':
a) Osditongos gj eQj de timbre aberto das paroxitonas (a sílaba Mantém-se em pôde e W. Facultativo: substantivo"fôr-
tônica é a penúltima), como em "assembléia'; "heróico" e "jóia" ma'; em oposição ao substantivo e forma verbal "forma"
Continuam acentuados § e Qi de oxítonas e monossílabos (3' pessoa do singular do presente do indicativo).
tônicos de timbre aberto: constrói, dói, herói, anéis, anzóis, cruéis,
fiéis, faróis, papéis. E mantém-se o acento no ditongo de timbre d) O j e o l!tônicos das paroxítonas se precedidas de
aberto éu: céu, chapéu, ilhéu, véu. ditongo, como "baiúca': "feiúra': "cheiínho" e "saHnha".

b) Os hiatos ee e 00. (No caso de gg. em crer, dar, ier, ver e de- e) O l! tônico de formas verbais rizotônicas (com
rivados, na 3' pessoa do plural). Como em: "crêem'; "dêem'; "lêem': acento na raiz) quando parte dos grupos ill!.e e gyj; ill!.e
"vêem': "abençôo': "côo': "corôo" "enjôo': "perdôo" e "vôo': e ggi:"apazigúe': "argúem': "averigúe': "obliqúes"
Hora de remarcar os
.. /.

rcronanos
unificação ortográfica entra em às quase 200 mil escolaspúblicas do país. no português. Como ainda há dúvidas

A vigor no Brasil em janeiro, mas


haverá um período de três anos
de adaptação às regras. Mais frente,
à
Diante dessas informaçôes, confir-
madas por Carlos AlbertoRibeiro Xavier,
assessor especial do ministro da Edu-
sobre a redação de muitas palavras,
principalmente por causa do hífen,
esses números constituem espantoso
deverá valer para os outros sete países de cação, Fernando Haddad, as editoras já refi~amento estatístico produzido pelos
expressãoportuguesa. Assimo português trabalham para lançar seus dicionários redatores do Acordo.
deixará de ser a única língua com duas renovados. De todo modo, ninguém
ortografias e poderá ser idioma oficial deve se desfazer de dicionários e obras Rapidez
na Unesco, como defendia o filólogo de referência. Não perdem o valor. Basta Outra razão para manter os livros
Antônio Houaiss 0915-1999), inspira- conhecer as alterações previstas, que se atuais? Lembrar que os dicionários
dor da mudança. resumem, para nós,à supressãodepoucos valem sobretudo pela expressão de
Nessestrêsanos de convívêncíae tran- acentos e à tentativa meio furada de sim- significados, que não mudam com o
sição,asduasortografiasserãoaceitasaqui plificaro uso do hífen, tracinho diabólico, acordo, e que nas gramáticas a orto-
em todas as instâncias. Para os períodos cuja extinção ninguém lamentaria, a não grafia é só um dos aspectos do uso da
leuvos de 2010 em diante, no entanto, ser poucos sábios tristes. língua, não o principal.
o governo brasileiro comprará só livros Enfim, são mudanças pouco expres- As editoras nacionais relançarão
didáticose de referência com a ortografia sivas, que afetam mais os portugueses.
-,
seus dicionários até o fim de 2009. Se
unificada.Sãomilhõesdeexemplarespara Em porcentagem, 0,43% de modifica- não houver surpresas, o Aurélio sai na
o ensinofundamental e médiodistribuídos ções no vocabulário brasileiro e 1,42% frente, até o fim de 2008 ou no primeiro

o HfFEN QUE MUDA Antes Depois


Ante-sala, anti-rugas Antessala, antírrugas
o uso do hífen é problema malresolvído, com casos Auto-retrato, contra-senso Autorretrato, contrassenso
em discussão na ABL,mas valem as seguintes regras: Extra-regimento, infra-som Extrarreqlrnento, infrassom
Ultra-romântico, ultra-som Ultrarromântico, ultrassom
a) Não se usa se o prefixotermina em vogal e segun-
Semi-sintético, supra-renal Semissintético, suprarrenal
do elemento começa com [ ou í, que se duplicarão.
Supra-sensível Suprassenslvel
Mas o hífen se mantém quando os prefixos hiper-,
inter- e super- se ligam a elementos iniciados por r. b) Usa-se quando o prefixo termina com mesma vogal que
Como em: hiper-rancoroso, híper-realista, híper- inicia o segundo elemento."Antiinflacionário': "arquiinirniqo" "mi-
requintado, hiper-requisitado, inter-racial,inter-regional,
inter-relação, inter-resistente, super-racional, super-
realista, super-resistente, super-revista.
Masnão se usa com o prefixo
comece pela vogal
=
croondas': "microônibus': por exemplo, ganham hífen.
ainda que segundo elemento
º: "coocorrer", "cooperar': "coordenar':

2
será lançado em 2010, diz Breno Lemer, Aeditoras portuguesas apostam suas
trimestre de 2009, anuncia Emerson
diretor-geral da Melhoramentos. Aversão fichas. ATexto,do grupo Leya,editou dois
Santos, diretor-geral da divisão de Livros
completa do Caldas Aulete estará na _ Novo Dicionário da lingua Portugue-
e Periódicos da Editora Positivo.
internet, infonna Paulo Geiger,editor da sa, médio, 1.653páginas, e Novo Grande
Meses depois será lançado o novo
Dicionário da lingua Portuguesa, 2.048
Houaiss, porque a equipe técnica termina Lexikon Editora.
Os minidicionários são capítulo ã páginas em 2 volumes. A Porto Editora
de rever a segunda edição em março de
parte. Houaiss.Aurélio e Micbaelis, com fez o Dicionário de lingua Portuguesa
2009,prevê Mauro Salles de ViUar,diretor
30 mil verbetes, foram lançados para a 2009, "o único com o antes e o depois",
do Instituto Antônio Houaiss.OMichaelis
Bienal do Livrode São Paulo em agosto também médio, 1.728páginas.
já de acordo com a unificação. O da Bechara observa que talvez os por-
Academia Brasileira de Letras, publicado tugueses tenham sido rápidos demais
pela Editora Nacional, sairá até outubro por tratarem de forma discutível e con-
com 33 mil verbetes. Asurpresa na área traditória certos aspectos da grafia não
foi a rapidez com que os portugueses claramente definidos pelo acordo, em
prepararam dicionários conformes ã particular em relação ao hífen. Paulo
unificação e os lançaram já no começo Geiger explica:
do ano. Ainda mais pela resistência que - Oacordo menciona os prefixosJl]i:,
opõem ao acordo e porque ele só deve. l!ffi: e ~, que devem se unir por hífen,
vigorar na Terrinha a partir de 2014. e exclui as formas átonas pre-, pro- e
PQâ: que se aglutinam com o elemento

Remota seguinte. Mas é omisso quanto ao re- e


Mauro ViUardiz não acreditar num não O inclui na lista de prefixos ou de
recuo português ao acordo porque os go- "elementos não autônomos ou falsos
vernosjá oficializaram sua aceitação. Mas prefixos" que pedem hífen quando o
Evanildo Bechara, da ABL,teme que os elemento seguinte começa com a mesma
portugueses ainda o abandonem, porque vogal com que ele termina,
a população dá evidentes demonstrações Outro exemplo de Geiger para a
de contrariedade. não-inclusão do re- nesses casos: ele
- Já houve deserçõesde parte a parte. não pede hífen antes de elementos que
Basta lembrar os acordos de 1931 e de começam com h, como todos os outros;
1945. Depoisde assinados, foram rejeita- o h apenas cai ante o re- como em
dos por uma ou outra parte. "reabilitar" e "reaver".

Usa-se o hífen quando o segundo elemento começa


o HIFEN QUE MUDA por h: ants-hipófise, anti-herói, anti-higiênico, anti-he-
morrágico, extra-hepático, neo-helênico, semi-herbáceo,
c) Não se usa se o prefixo termina em vogal diferente da que
super-homem, supra-humano etc. Mas:desumano, de-
inicia o segundo elemento.
sumidificar, inábil, inumano. (2° elemento perde o h).
Antes Depois d) Não se usa o hífen em compostos em que se
Auto-escola, contra-indicado Autoescola, contraindicadção perdeu a noção de composição.
Extra-oficial,infra-estrutura Extraoficial,infraestrutura Antes Depois
Intra-ocular Intraocular Manda-chuva Mandachuva
Neo-expressionista Neoexpressionista Pára-quedas Paraquedas
Semi-árido, supra-ocular Semiárido, supra ocular Pára-Iama, para-brisa Paralama, para brisa
Ultraelevado Pára-choque Parachoque
Ultra-elevado

30
que as vogais ~ e Q soam quase sempre
com timbre aberto?
Algo semelhante se passa com o
prefixo 1];-. Só que no dicionário da
Texto, 1];aparece seguido de hífen antes
de segundo elemento começado com ~,
embora seja átono. Estão lá registrados,
portanto: "re-edição", "re-educação",
"re-eleição", "re-ernpossar". Obviamente,
com o timbre fechado. lmprevisão dos
sábios que redigiram o Acordo, preci-
pitação da editora e provável distração
da equipe que preparou o dicionário. (O
Vocabulário Ortográfico da ABLmanterá
"reedição", "reeducação" etc.)
Bechara: temorde que Portugal recue, a exemplo dos acordos de 1931 e 1945 Nocaso das palavras compostas porverbo
+ substantivo,outros casosde incoerência no
- Por isso, não estou convencido de "catavento", "paralama", "mataburro'', acordo, que registra "guarda-chuva", mas
que o acordo estipula "re-eleger", "re-edu- "matapiolho" etc. E "lerolero", mas "rnandachuva": "paralama", "parabrísa",
car". Ele não é claro quanto a isso. "ruge-ruge". E aí? mas "para-choque" etc.Odicionário da Textc
Por aí se vê que o dicionário da Texto ignora essas diferenças e usa sempre hífen,
Critérios insondáveis saiu com algumas dessas aparentes mas registra incoerências como "lengalen-
Geiger reconhece que o uso do hífen contradições. Registra "preeminên- ga" e "zaz-traz", entre outras.
é problema malresolvido e lembra que cia", "preestabelecer", "preexcelêncía",
critérios continuarão insondáveis. "preexistência" etc. e "pré-escola".
- Houaiss, a quem eu enviara uma Dirão ser clara a diferença: Jl[é:: com o
lista de palavras compostas "duvidosas" timbre aberto, acentuado, é seguido de
quanto ao hífen, devolveu-a anotada, hífen; com timbre fechado, sem acento,
mas sem coerência nem critérios cla- sem hífen. Mas saberão todos, que não
ros: "marca-passo" (verbo + subst), especialistas, reconhecer quando o.pre-
mas "mataborrão"; "limpa-trilhos", fixo é tõnico ou átono? Quando deve ou
mas "pegaladrão"; "bate-estaca", mas não ser acentuado? E no Nordeste, em

4) Com prefixos tônicos acentuados


o QUE NAo MUDA NO HIFEN pré-, mQ- e ~ se o segundo elemento tem vida à parte
Continua-se a usar hífen nos seguintes casos: na língua: pré-bizantino, pró-romano, pós-graduação.

1) Em palavras compostas que constituem unidade sintagmáti- 5) Com sufixos de base tupi-guarani que repre-
ca e semântica e nas que designam espécies: ano-luz, azul-escuro, sentam formas adjetivas: =ª.Ç!b ~ e -mirim. se
conta-gotas, guarda-chuva, segunda-feira, tenente-coronel, beija- o primeiro elemento acaba em vogal acentuada ou a
flor, couve-flor, erva-doce, mal-me-quer, bem-te-vi. pronúncia exige a distinção gráfica entre ambos: amoré-
guaçu, manacá-açu, jacaré-açu, paraná-mirim.
2) Com os prefixos gJS:, sota-, soto-, vice-, vizo-: ex-mulher,
seta-piloto, soto-mestre, vice-campeão, vlzo-rei. 6) Com topônimos iniciados por grão e g@efor-
ma verbal ou elementos com artigo: Grã-Bretanha,
3) Com prefixos llil!l!l: e pan- se o segundo elemento começa Santa Rita do Passa-Quatro, Baía de Todos-as-Santos,
por vogal e m ou n: pan-americano, circum-adjacência. Trás-as-Montes etc.

3
cada palavra discutível. Com o trabalho Breno Lerner, da Melhoramentos, é um
cuidadoso ao extremo, a surra dos críticos dos que se queixaram:
será menor. - A dificuidade, neste momento, é
Registrará, por exemplo, "erva mate", a falta de referências. O texto do acordo
mas "erva-de-santo--inácio", nome de plan- é vago em aiguns tópicos, chegando
ta; "bico de papagaio", anomalia em discos a se contradizer em relação ao uso do
da coluna vertebral, sem hífen, como toda hífen. Como até agora não temos o Volp
locução, e "bico-de-papagaio", planta. reformado, cada editor adota sua própria
interpretação do texto.
Solução difícil
Trabalho de base É quase certo, no entanto, que o Volp
O fato é que a Comissão de Lexico-
"O lacunoso acordo", como o chamou ficará pronto a tempo de ser usado pelas
logia e Lexicografia da ABL (Eduardo
Bechara, previa que o Volpseria o trabalho editoras. Assim que o infernal hífen for
Portella, Evanildo Bechara e Alfredo
de base para a preparação dos dicionários. minimamente domado, a ABL poderá
Bosi) se debatia até meados do ano
O atraso na preparação provocou a quei- transmitir a elas os resultados antes de
para solucionar problemas como esses
xa dos editores, que talvez não possam publicar o listão. É a esperança de que
e lançar em novembro o novo Vocabu-
esperar a lista normativa da ABL.Por isso, não haja trombadas interpretativas
lário Ortográfico da Língua Portuguesa
prepararam seus minidicionários como entre dicionários de respeito. •
(Volp) - a relação com a grafia oficial
de 360 mil vocábulos. Embora tais puderam, resolvendo por si as contradi.
problemas pareçam insignificantes, ções do Acordo, ãs vezes com consultas
não podem ficar sem solução bem-fun- tnformaís à ABL.
damentada num catálogo dessa impor-
tância, espécie de bíblia lexicográfica. Paulo Geiger, da lexikon
Editora: versão completa
Por isso, a Comissão decidiu considerar do dicionário na internet
exceções os exemplos contraditórios do
acordo. Bechara admite que o trabalho
não ficará perfeito:
_ Procuramos eliminar dúvidas e
Caldas
Aulete
normatizar o Vocabulário da melhor
maneira possível, mas sempre haverá crí-
ticas. Depois de muita discussão, tivemos
de arbitrar em casos não previstos porque
os problemas vão surgindo do exame de

7) Com os advérbios mal e bem quando formam HIFEN EM LOCUÇÕES


uma unidade sintagmática com significado e o segundo
elemento começa por vogal ou por h: bem-aventurado, Não se usa hífen nas locuções (substantivas, adje-
bem-estar, bem-humorado, mal-estar, mal-humorado. tivas, pronominais, verbais, adverbiais, prepositivas ou
Mas nem sempre os compostos com o advérbio bem conjuntivas), como em: cão de guarda, fim de semana,
se escrevem sem hifen quando tal prefixo é seguido café com leite, pão de mel, pão com manteiga, sala de
por elemento iniciado por consoante: bem-nascido, jantar, cor de vinho, à vontade, abaixo de, acerca de,
bem-criado, bem-visto (ao contrário de "malnascido", a fim de que.
"malcriado" e "malvisto").
São exceções algumas locuções consagradas pelo uso.
8) Nos compostos com os elementos além, aquém e É o caso de expressões como: água-de-colõnia, arco-
sem: além-mar, além-fronteiras, aquém-oceano, recém- da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia,
casados, sem-número, sem-teto. ao-deus-dará, à queima-roupa.

32
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HÁ TRÊS FORMAS DE CONDUÇÃO DE UM DEBATE QUE
ENTRA NA FASE DA CONFRONTAÇÃO

POR JOSÉ LUIZ FlOR IN

4/4/2008). Não sabemos até hoje o que a) impor restrições aos pontos de

D
urante a CPI que investigava o
uso dos cartões corporativos do se passou de fato. No entanto, isso não vista que podem ser apresentados ou
governo Lula surgiu a notícia de interessa aos propósitos deste artigo, pois o questionados;
que a Casa Civil da Presidência da Repú- que importa é o tipo de argumento usado, b) pressionar o oponente a abster-se
blica teria elaborado um dossiê com gastos segundo a imprensa. de apresentar uma dada opinião;
realizados no governo Fernando Henrique. c) desacredítar o adversãno.pondoem
Aoposição entendeu que se tratava de uma Rebater dúvida sua experiência, sua imparcialida-
intimidação dos governistas. O ministro Numa discussão, alguém apresenta de, sua integridade ou sua credibilidade.
Jorge Hage, chefe da Controladoria-Geral um ponto de vista e outro põe-no em dú- A primeira forma é estabelecer que
da União, teria dito aos parlamentares: "É vida ou rebate-o. A resolução de disputas certos temas não podem ser discutidos. É
possível que surjam coisas mais graves do pressupõe a explicitação das divergências. o que se tenta fazer, quando um assunto é
que as que já foram descobertas até agora" Num ambiente democrático, as pessoas considerado sacrossanto e, portanto, não
(Veja, 26/3/2008, p. 46). Paulo Bernardo, podem apresentar qualquer opinião ou pode ser questionado: por exemplo, não se
ministro do Planejamento, sugeriu que a pôr em dúvida qualquer idéia ou juízo. podem fazer charges e piadas sobre figuras
Comissão examinasse as chamadas contas Isso significa que o direito à liberdade de religiosas, não se podem questionar as
tipo B, um fundo de despesas que existia expressão implica que não haja restrição atividades de familiares do Presidente da
antes da criação dos cartões corporativos nem aos argumentos nem às pessoas que República e assim por diante.
(Veja, 26/3/2008, p. 48). Um líder do go- os enunciam. Não se pode, portanto, impor Amaneira mais extrema de evitar que
verno teria afirmado: "Se abrir esse baú, condição referente ao conteúdo proposi- alguém diga alguma coisa é impedi-lo
a Matilde (ex-ministra que renunciou a cional nem ao status e à posição do falan- fisicamente, pela morte ou pela prisão.
cargo depois que veio à tona o fato de que te. Em princípio, numa discussão, não se de fazê-lo. Foi o que aconteceu com o
fizera compras numfi-ee-sbop com cartão poderia impedir a apresentação de pontos jornalista Tim Lopes, que estava apu-
do governo) vira uma freira franciscana" de vista nem pôr em dúvida a credibilidade rando a exploração sexual de crianças
(FSP, 15/2/2008, p. A4). do oponente. No entanto, essas afirmações e adolescentes em bailes funk. É o que
Em 20 de fevereiro, a ministra Dilma são teóricas e abstratas. No mundo real, as fazem os ditadores com os oposicionistas.
Rousseff diria a empresários, em um jan- coisas se passam diferentemente. No entanto, isso não é o mais comum. O
tar, que estava levantando gastos tucanos Assim, há três formas de condução da que ocorre numa discussào é intimidar o
e o governo não iria apanhar quieto (FSP' discussão na fase da confrontação: adversário, é fazer uma ameaça, na maior
parte das vezes,velada. Esseprocedimento as conseqüências". Observe-seque há uma apresentação de temas que não estejam
recebeo nome latino deargumentum ad restrição ameaçadora depoisda afirmação na pauta ou proibir a manifestação de pes-
baculum, que poderia ser traduzido como da liberdade de expressão. soas que não estejam credenciadas para
"argumento que apela para o porrete". Foi Outra maneira de evitar que alguém dela participar; num processo, não são
esseo argumento utilizado pelosgovernis- apresente um ponto de vista é colocá-lo admissíveis o testemunho dos esposos ou
tas na CPI do uso do cartão corporativo, como responsável por conseqüências de outros parentes de primeiro grau. Num
quando insinuaram que haveria gastos desagradáveis ao enunciador ou a uma litígio judicial, pode-se pôr em dúvida os
"estranhos" no governo anterior. terceira pessoa, para uma causa, para uma conhecimentos de um perito, já que seu
entidade. É o que se chamaargumentum ponto de vista tem relação com seus co-
Intimidação ad misericordiam (argumento que faz nhecimentos; pode-se, num julgamento,
São argumentos ad baculurn frases apelo ã piedade): "Se você denuncíar esse mostrar a falta de confiabilidade de uma
como: "Proíbo-o de tocar nesse assunto"; caso de corrupção, vocêprejudicará o par- testemunha. Pode-se também apontar
"Não se esqueça de que participarei da tido"; "Se você fizer tal crítica, você fará o contradições no curso de uma discussão.
Comissão que vai julgar sua promoção"; jogo dos adversários"; "Se você tornar isso Os argumentos ad baculum e ad
"Por que você não se cala?" (frase dita público, eu serei prejudicado"; "Se você misericordiam são eficazes, mas revelam
pelo rei da Espanha [uan Carlos I ao apresentar esse ponto de vista, você trará um enunciador argumentativamente frá-
presidente da Venezuela Hugo Chaves danos para a causa da igualdade racial". gil, pois,embora possacalar seu oponente,
durante a Ir Cúpula Ibero-Americana não é capaz de demonstrar cabalmente
(FSP' 13/11/2007) Eficácia o erro ou o despropósito da opinião. São
Esse tipo de argumento, explícita ou Esse tipo de argumento é sempre um usados não só para levar alguém a deixar
implicitamente, mostra que haverá con- instrumento eficaz numa discussão. No de manifestar um ponto de vista,mas tam-
seqüência desagradáveis para o oponente. entanto, há contextos em que seu uso é bém a fazer ou não fazer alguma coisa:
Muitas vezeso argumento ad baculum é válido e outros em que é um meio de evitar "Se você não pagar o resgate, seu filho
muito indireto, poisconsiste em assegurar um ponto de vista pela impossibilidade de será morto"; "Doe agasalhos para os que
enfaticamente que não há nenhuma mostrar seu erro ou seu despropósito. Em morrem de frio no inverno". •
pressão sobre o oponente: "Vocêestá num contextos institucionais, pode-se impedir
José Luiz Fiorin e professor do Departamento de
país livre e, por isso, tem todo o direito de a discussão de certo assunto: por exem- lingüística da USP e organizador, com Margarida Petter;

dizer o que quiser, desde que arque com plo, numa assembléia, pode-se coibir a de AfricQ no Brasil (Contexto)
A TENTATIVA DE OBTER CONOTAÇÃO

o e o io
POSITIVA DE DISPARATES, CONTRA-SENSO:
E ABSURDOS MARCA A RETÓRICA POLfTIG
POR IllDORO BLlKsrEIN

do constrangimento
conseguindo assim persuadir os ouvintes ção no significado da mensagem. Assim,
mídia nos tem brindado com

A um "prato cheio" de exemplos


de disparates e absurdos no
discurso de personalidades do mundo
ou leitores. Collor, por exemplo, ao tentar
justificar o confisco da poupança, utilizou
a metáfora da caça ao declarar que:
"Eu tinha apenas uma bala para derru-
poderíamos verificar que a inflação é um
fenômeno bem mais complexo do que um
tigre e que ela não pode ser derrubada
por apenas uma bala ou mesmo por
político e artístico.
bar o tigre da inflação e acertei no alvo". um ippon, o golpe fatal do caratê (outra
Cabe esclarecer que disparates e ab-
Muitas dessas metáforas, entretanto, • metáfora de Collor).
surdos ocorrem porque o discurso, mais
do que informar, tem, antes de tudo, a baseiam-se, freqüentemente, em falsos
função de gerar um efeito positivo nos pressupostos e estereótipos que levam a Dribles
conflitos e contradições entre o discurso Pois bem, a retórica do presidente
receptores, sobretudo diante de situações
e a verdade dos fatos, o que acaba por Lula também é sustentada por metáforas
constrangedoras, embaraçosas ou difíceis
de explicar. Recorremos, então, à lingua- configurar os absurdos, os disparates e os dos mais diferentes campos semânticos: a
contra-sensos. Mas é bom lembrar que, guerra, o esporte, a saúde, a família etc.
gem figurada - sobretudo as metáforas
- para tomar mais palatável e mais visível em nosso senso comum, não percebemos aobjetivo, como já vimos, é causar um
o absurdo, salvo se prestarmos bem aten- efeito positivo nos receptores, driblando
a idéia positiva que queremos transmitir,
situações constrangedoras e embara-
çosas. Tal foi o caso da posse de Carlos
Minc em substituição a Marina Silva, no
Ministério do Meio Ambiente. Asituação
era difícil e constrangedora (o que se
Mine beija pode perceber, aliás, na expressão facial
Marina na
passagem de de Marina Silva, na ótima foto de Alan
posto: Marques - Folha de S. Paulo, 28/5/08,
Lula em
ação A4). Para driblar o mal-estar, Lula utili-
zou a metáfora do esporte, comparando a
troca de ministros ã substituição de Pelé,
contundido, por Amarildo, na Copa do
Mundo de 1962, Chile:
"Faz de conta que você
[Carlos Minc] está entran-
do no lugar de Pelé...".
Leituras podem
serfeitas:
1. Numa pri-
meira leitura, di-
ríamos que Lula
homenageia Marina que, equiparada a
Pelé, seria a grande craque do ambienta-
lismo. Por outro lado, Minc surge como o
jovem que brilhará como o então desco-
nhecido Amarildo.
2. Numa segunda e mais atenta leitu-
ra, a comparação com Pelé da Copa de 62
não é muito lisonjeira, pois este saiu con-
tundido e, portanto, "lnutilízável'' para o
jogo. Poderíamos perguntar: Marina está
contundida e é "inutilízável''? Há, nas
dobras do discurso de Lula, o pressuposto
de que Marina não é mais útil.
3. O mal-estar é diluído por Lula ao
declarar para Marina que: "Nossa amiza-
de é inabalável". Pergunta: alguém pôs
em dúvida a amizade de Lula por Marina?
Esta frase esconde o pressuposto de que a
amizade entre o presidente e a ex-ministra
foi abalada. Aonegar o rompimento, Lula
estaria "apagando" o mal-estar.
Mas Pelé _lafina e... a Amazônia
continuam muito contundidos. •

t:Ddoro Bitstein e pcofes5Of da Universidade de São


Pat*l e da fundação Getulio Vargas.
Irene no céu,
por Graça lima,
em Berimbau e
Outros Poemas \ ~lImentn dI ritmo é o entusiasmo de ser que responde pelo
(Nova Fronteira) Manuel Bandeira cerca êxtase que contagia - e o que de mais
/ cada atributo (a beleza, a in- apaixonante haveria'
teligência, a graça, a lembrança Essa "qualidade" (se a vida for quali-
querida), desenvolve as vias de força dade), insinua o poeta, escuda a adoração.
de cada qualidade antes de partir impede que o que se sente pelo outro se
para a próxima resposta questão
à
esgote em propriedades particulares que.
que se propõe. Os versos que o no cotidiano, tendem a ser valorizadas. O
poeta usa têm métrica livre, mas poema faz uso retórico do ritmo, o mo-
sente-se a rédea do ritmo, que, mento em que se fundem ínformação vital
puxado pelo (falso) mote "O e ápice declamativo, com a sensibilidade
que eu adoro em ti,", se acelera para preparar a chegada desse momento.
a cada estrofe.
Até que, na cinza das horas, rhlim: C:IIl

algo muda no poema. Muitas são as pérolas em Manuel


Carneiro de Souza Bandeira Filho (1886-
o que eu adoro em tua natureza, 1968), no nível de Madrigal Melancólico.
Não é o profundo Instinto maternal Algumas, no entanto, nunca viraram livro.
Em teu flanco aberto como uma ferida. Agora, a editora Cosac Naify começou
Nem a tua pureza. Nem a tua Impureza. a trazer a público os inéditos do autor.
trl uto
Descarnado de propriedades aciden- O que eu adoro em ti Lançará, a partir deste semestre, em edição
-lastima-me e consola-mel capríchada, sua poesia amorosa desconhe-
tais, o que sobra de uma paixão? Um a
um, o poema descarta predicados que vêm O que eu adoro em ti, é a vida. cida e uma nova leva de crõnicas nunca
à mente. Se não é beleza, por certo será a reunida num só volume.
inteligência. Se não esta, a presença de A mudança do verso inicial da es- Aedição com inéditos, de Elvia Bezerra,
espírito, talvez o humor, decerto a gracio- trofe indica que algo diferente será dito terá reproduções fac-similares de quatro
sidade ou a lembrança da infância. em seguida. Bandeira destrincha poesias e dois bilhetes, desenhos do
qualidades opostas ao prepa- próprio autor e um estudo sobre o
o que eu adoro em ti, rar o arremate: emocionais (o tema do amor em Bandeira. A cole-
Não é a tua inteligência. instinto maternal) e cerebrais tânea ilustrada pretende fazer um
Não é o teu espírito sutil, (o apreço cultural à pureza,. :...::: painel biográfico do autor, entre
Tão ágil, tão luminoso, o unpulso calculado rumo~' o período de 1963 e 68, data
- Avesolta no céu matinal da montanha. ao laSCIVO) POIS com ! -7: de sua morte. Foi quando
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

o que eu adoro em ti,


Não é a tua graça musical,
elas mantém a tônica do
poema sugerida nas es-
trofes antenores, mas num
~
~I:L
ntrno que se precipita nos dOIS
versos finais
J~,

I
~
"I
1
\
\\
\ compôs até uma paródia
de Vou-me Embora pra
Pasárgada, para uma
paixão de fim de lida.
- Os poemas mostram
Sucessiva e renovada a cada momento. Essaênfase.essarnudan- f • faceta não conhecida, a
Graça aérea como o teu próprio çade tom, a precipitação ".J 1 I história de alumbramento
brusca provocada pela \, J que Bandeira viveu aos 78
~to.
Graça que perturba e que satisfaz. exclamação ("lastima- I ') anos, quando se apaixonou
me e consola-me!"), abre I/I / f / ) i I por uma mulher de 28.
o que eu adoro em ti, terreno para o impacto da ~ \~
Não é a mãe que já perdí. informação final é 'J ' í li J2) Versão de Guignard
Não é a Innã que já perdi. a vida, pulsão vital, rI/ I~
~ ~j
L '--- -- ) para Santa Maria
l! meu paí. impulso da vontade; (VIL: Egipciaca. de Bandeira

42
Elvía identificou semelhanças entre composição. O falho no ser humano é pela importância histórica de sua poesia,
a amostra do novo livro e ao menos três tratado por ele com a reserva permissiva como a de Q!; Sapos, crítica a "certos ridí-
poemas de obras editadas pelo autor, como de um confessor compreensivo. O fatídi- culos do pós-parnasianismo", apresentada
O Fauno. co é nele descrito com leveza, humor e na Semana de ArteModerna, em fevereiro
- Háassociação clara entre alguns dos resignação. É assim que, por uma causa de 1922.Assimcomo Pneumotôrax e Vou-
inéditos e os conhecidos. Apoesia de Ban- de fé, Santa Maria Egipcíaca dá o corpo me Embora pra Pasárgada, ou como
deira tem muito de biográfica, embora na ao balseiro, para atravessar um rio. Que Evocação de Recife ou Poética, pequenas
maioriados poemas de amor que publicou a dama branca (a morte) o visita. Que se grandes peças de uma engrenagem que
ele tenha omitido a fonte de inspiração. toma amigo do rei de Pasárgada. Que uma ajudou a abrir caminho para o verso livre
Dizia-se que ele sublimava paixões. notícia de jornal vira verso. Ou lrene, sua e para uma dicção poética à brasileira.
- Coisa nenhuma e nisso concordo ama preta, entra no céu.
com o crítico ivan junqueira. Gosto em Um poema seu desenvolve quase
Bandeira principalmente da delicadeza de sempre um espanto de observaçào,quando
seu erotismo. Eleé de um lirismo discreto, não pinça um momento fugidio, com a
achava que a língua inglesa facilitava a ironia travessa de um amigo discreto.
tradução, porque nela mesmo a maior Em mais de uma ocasião, o
ternura não ficava "melada". Sua poesia crescendo de seus versos prepara a
era sensual até pela delicadeza que lhe era irrupção no ritmo, que nào raro estala
característica - diz Elvia Bezerra. rente ao final do poema.
A pesquisadora acredita que Bandeira
chegou a um grau de refinamento dessa ~ eu quereria o meu último poema
delicadeza no erotismo em poemas como Que fossetemo dizendo as coisas mais
Arte de Amar ("Deita o teu corpo sobre simples e menos intencionais
outro corpo/ Que os corpos se entendem / Que fosse ardente como um soluço sem
Masas almas, não.") e Unidade, especial- lágrimas
mente o último verso("no momento fugaz Que tivessea beleza das flores quase sem
da unidade"). É essetipode sutileza,defende perfume
Elvia, que permitiria ao leitor fruir vários Apureza da chama em que se consomem
níveisde leitura na obra bandeiriana. os diamantes mais límpidos
Apaixão dos suicidas que se matam
Ritmo dissoluto sem explicação
Manuel Bandeira é o poeta da deli-
cadeza que procura liberdade de movi- Aqui, o penúltimo verso de O
mentos. Tal busca parece tê-lo levado,por Último Poema, num trecho cuja
exemplo, ã experimentação formal (foi extensão fora antecipada (au-
um dos precursores do Modernismo e tri- torizada) pelo segundo verso,
lhou do verso livre à forma fixa, passando prolonga a recitação e faz a
pela poesia concreta). Levou-o também à retomada de fôlego funcionar
predileçào por certos temas, como o des- no poema como uma apre-
conforto ante o confinamento, a lucidez sentação calculada para a
no trágico e a cumplicidade com a morte. constatação final.
Mas,principalmente, o desejode liberdade
de movimentos parece ter levado o poeta Referência
à observação carinhosa sobre o que há de Manuel Bandeira
ordinário no mundo. costuma ser lembra-
O poeta transforma fatos pessoais e do em vestibulares e
a mazela cotidiana em matéria bruta de compêndiosliterários
OBRA AGITA MERCADO EDITORIAL Estou farto do lirismo comedido
LANÇAMENTOS,NOVASANTOLOGIASE REEDiÇÕESAMPLIAM Do lirismo bem comportado
HORIZONTEDACOMPREENSÃODAOBRA DE BANDEIRA Do lirismo funcionário público com livro
de ponto expediente protocolo
Embora a obra poética de Bandeira esteja (desde a festa dos 80 anos do
e manifestações de apreço ao sr. diretor
poeta, em 19 de abril de 1966) agrupada e editada pela Nova Fronteira sob
o título de Estrela da Vida Inteira, há três anos a agência literária Solornbra,
do Rio, tem diversificado a oferta de sua obra. Estou farto do lirismo que pára e vai
Essa a razão de o público brasileiro ter testemunhado a publicação recente averiguar no dicionário o cunho
de novas antologias, como A Aranha e outros Bichos (Nova Fronteira); Belo Belo vernáculo de um vocábulo
e outras Poemas (José Olympio); Para Querer Bem (Moderna) e Bandeira de ()
Bolso (L&PM).Acaba de sair do forno As Cidades eas Musas (Desiderata), seleta Quero antes o lirismo dos loucos
temática organizada por Antonio Carlos secchin, e a Nova Fronteira prepara o O lirismo dos bêbedos
infanto-juvenil As Meninas e o Poeta, reunião de poemas de circunstãncia.
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O gás dado a Bandeira passa ainda pela reedição de obras fora de catálo-
O lirismo dos clowns de Shakespeare
go, como 50 Poemas Escolhidos pelo Autor e Crônicas da Provincia do Brasil
(Cosac Naify); Seleta em Prasa e Verso e Alguns Poemas Traduzidos
(José Olyrnpiol, e a edição, repaginada, de Berimbau e Outras - Não quero mais saber do lirismo que
Poemas (Nova Fronteira). não é libertação.

Iniciativas Bandeira, no entanto, tem asas mais


No exterior, informa Alexandre Teixeira, amplas. É, por exemplo, um cronista cos-
da Solombra, foram há pouco publicados mopolita e polivalente o que vemos flagra-
Estrella de la vida entera (Adriana Hidalgo
do em CrônicasInéditas 1 (1920-1931),
Editora), na Argentina; e Vicente Huidobra
organizadas porJúlio Castafion Guimarães
e Manuel Bandeira, co-edição bilíngüe da
Academia Chilena de la Lengua e da Academia para a Cosac Naify. Se o ofício da escrita
Brasileira de Letras, com circulação no Brasil e no Chile. impõe ser sensato, Bandeira o será tanto
A Solornbra negocia agora a nova edição da Obra Po- por meio de ironia e coloquialidade quan-
ética (ou da Obra Completa), em papel biblia, pela Nova to de gravidade e consistência.
Aguilar, e busca parceira para uma biografia do autor. Por - Sua prosa era bem diferente da idéia
fim, negocia com a Novo Século a reedição de traduções que hoje se faz de crônica. Seu texto repor-
do autor, coma O divino Narciso, de Sóror Juana Inéz de la ta os fatos cotidianos, traz comentários à
Cruz, e A Máquina Infernal, de Jean Cocteau.
vida cultural do momento, a um passo da
atividade crítica - diz Castafion.
Prosa inédita
A mais animadora iniciativa, no entanto, parece
ser mesmo a de tirar do baú obras inéditas, como Virada
as que Cosac Naify tem proposto. Entre inéditos e Castafion acaba de lançar, pela editora
republicações, a editora trará este semestre Apre- Globo, Por que Ler Manuel Bandeira,
sentaçôo da Poesia Brasileira e Crônicos Inéditas 2, uma apresentação biográfica e literária
continuação do volume editado este ano com a prosa para, segundo o autor, situar o leitor e
nunca fixada em livro pelo escritor (o primeiro volume mostrar que a poesia não era, em Bandei-
traz mais de cem textos de 1920 a 31, o segundo, ra, atividade isolada do cronista, crítico e
quantidade similar, de 1932 aos 40).
tradutor. O pesquisador da Fundação Casa
Além de Crônicas da Pravincia do Brasil, Poemas
de Rui Barbosa, no Rio, vê uma virada de
Religiosos e Alguns Libertinos ganhou as prateleiras
com a editora. Já Andori- temas e de estilo nas crônicas bandeirianas
nha, Andorinha e Flauta de a partir de meados dos anos 20.
No traço de Loredano,
para Seleta em Prosa e Verso Papel terão novas edições - No início, ele abordava concertos.
(José Olympiol até o ano que vem. músicas e livros num texto próximo d3
As crônicas segredam até produções
poéticas marginais. Em "Saudades dos
telefones do Recife", de julho de 1929, ao
comentar O fim da função das telefonistas
na nova era da comunicação direta por fio,
compôs o poema de circunstância "Comu-
nicação Cortada", que não constava em
livro e parece até antecipar a intennedia-
ção sacai dos serviços de atendimento ao
cliente dos dias atuais:

- Número, faz favor?


- Meu bem, você cortou a comunicação!
- Queira desculpar, com que número
estava ligado?
- Não sei, minha flor!
- Provavelmente chamarão depois.
- É possível, meu amor!

As questões de seu tempo, o cotidiano


urbano em rápida mutação e a vida nas
metrópoles de há um século ganham apre-
ciação da delicadeza irônica de Bandeira,
a que a nova safra editorial dá dimensão.
Conhecia-se o Bandeira que usava a prosa
como testemunho da consciência técnica
l do poeta. Em mais de um texto, o autor

•• revelava detalhes da construção de seus

-,
i poemas, oferecendo um painel dos recur-
sos expressivos que empregava.
crítica. Depois, os temas mudam, e ele vira o tipo de reflexão e muitos dos fatos que o Suas crônicas, no entanto, mostram
o analista da cidade, do cinema. Seu estilo poeta retratou fazem eco até hoje. Na colu- que Bandeira mantinha o espírito aberto.
também muda, refletindo a passagem da na "Música", de setembro de 1925, mostra- Até sobre o idioma. Em "Fala Brasileira",
concepção anterior, simbolista e de poesia se cismado com os clichês da crítica de de Crônica da Província do Brasil, de-
metrificada, para o Modernismo. arte, que nos anos 20 costumava usar, de fende a ampliação de limites da retórica
Bandeira teria mantido a unidade de forma indiscriminada, certas expressões, literária. "É que a linguagem literária en-
estilo de um momento a outro pelo cuida- como "forma" e "técnica". tre nós divorciou-se da vida. Falamos com
do com o idioma, avalia Castafíon. "Existe na forma uma realidade ideal singeleza e escrevemos com afetação."
- Mesmo quando toma liberdades com subjetiva que escapa a essa gente. Fonma Bandeira advoga para a escrita uma
o idioma, o conhecedor da língua se desta- para eles é uma realidade tátil, nada mais. tradição mais próxima da fala, "correta
ca. O Modernismo se instala em sua prosa Arte, fabricação. Ouve-se freqüentemente mas sem afetação literária, da sociedade
na reprodução de falas do cotidiano, no dizer: Fulano tem muita técnica mas não brasileira culta". Para ele, uma expressão
apelo ao oral e ao humor, na incorporação tem sentimento. Esse Fulano, dizemos nós, que muitos achem errada e abusiva pode
de uma visão irônica sobre os fatos. poderá ter muito mecanismo, mas não terá até ter menor energia, menos concisão e
Apesar de feitas no calor do momento, técnica nenhuma se não tem sentimento. elegância. Mas terá "muito mais caráter".
as crônicas de Bandeira mantêm o interes- A técnica, como a arte, é essencialmente Era um homem assim, de dicção
se, não só pelo valor histórico, mas porque expressiva", escreve Bandeira. delicada, mas ousada. •

4
I

Caracterização popular do monstro Bernúncia


(ao lado) e pescadores de Florianópolis
(acima): termo do português antigo mantido
em Santa Catarina por influência açoriana

dore local, espécie de serpente gigante, muito peculiar na língua portuguesa

- H
á um folguedolitorâneode Santa
Catarina com uma palavra que que vai "engolindo" a molecada na do Brasil, ocorrida em particular nr
pode causar espanto ao visitante brincadeira do boi-de-mamão. Durante litoral catarinense, a de Açores, un
desavisado,de outro Estado. essa festa, que é uma variação do bum- arquipélago situado no nordeste di
ba-rneu-boi, cada garoto tragado pelo oceano Atlãntico, a 2 mil quilômetro
"Brinca, Bemúncia, brinca: monstro deve permanecer debaixo do a leste da Península Ibérica.
pano que constitui o tal bicho-papão, A expressão catarinense deriva d
Ela brinca bem. latim e proveiode abrenúnlias, presenl
se não brincar direito, aumentando-lhe o tamanho.
A explicação pode ser satisfatória na cerimônia católica do batismo, paI
Ela aqui não vem"
para quem quer saber a fonte do folgue- renunciar-se ao mal:
- Renuncias ao demônio?
o que viria a ser "Bemúncia"? Um do, não a origem do termo. A palavra, - Renuncio.
nativo dirá que se trata de figura do fol- na verdade, testemunha uma influência
AÇORIANOS BRASilEIROS. ~
COMO IMIGRANTESDE UM ARQUIP~LAGODO ATLÂNTICO
VIERAMPARARNO SUL DO BRASIL

Composto por nove ilhas, o rina. Da imigração à abertura da


arquipélago de Açores deve seu estrada BR-101, ligando a ilha ao
nome a uma espécie de águla- sudeste e sul do pais, passaram-se
gavião, o "açor", encontrada por 200 anos. Os ilhéus ficaram, de
marinheiros no século 14. Com 1750 a 1950, limitados ao trans-
o fluxo populacional exagerado porte marítimo e vivendo num
nos Setecentos, os habitantes sistema rural e pesqueiro.
das ilhas foram incentivados pela Distribuiam-se em freguesias,
coroa portuguesa a rumar para o na então ilha de Nossa Senhora
sul do Brasil, onde a colonização do Desterro, comunidades como
ia a passos lentos e as invasões a da Lagoa da Conceição, hoje um
espanholas ainda eram ameaça. A ponto turístko. Em 1894, a terra foi
cultura açoriana atravessou B mil rebatizada, entre controvérsias, por
quilômetros até sedimentar-se em Floriano Peixoto e passou a chamar-
Santa Catarina. se Frorianópolls.
Embora também se tenham di- Nos aportes culturais, desta-
rigido ao Pará e Maranhão, o maior cam-se a renda de bilro, ofolguedo
contingente de açorianos foi para o do boi-de-mamão, a cantoria do
sul, na Ilha de Santa Catarina e na Divino Espírito Santo, os festejos
área continental fronteiriça, com de Reis, Natal, Ano Bom e São
uma vila em Laguna. Sebastião, a pesca artesanal e os
A "insularidade" cultural favo- engenhos de farinha, cuja impor-
receu a permanéncia de alguns tância na economia do Estado e na
traços açorianos em Santa Cata- guerra do Paraguai foi grande.

"

Ao longo dos séculos, abrenúntias tempo e na grande miscigenação que premiado com o Jabuti pelo Dicionário
se fez "brenúncia", "brenunça" ou se reflete no falar atual da região de Novos Termosde Ciênciase Tecnolo-
"bernunuça", tornando-se substantivo (ver página 48). Mas o fato é que gias (com Franco Vidossich, 1996).
(como no nome do monstro) ou em os 6.07\ açorianos imigrados entre Em sua tese de doutoramento,
interjeições, com o sentido de "Deus me 1748 e 1756 para esse litoral - dos Furlan estudou a influência açoriana
livre!","Esconjuro-te!". Tal evolução pode quais certa parcela avançou para o na língua de Santa Catarina, em tra-
ter-se operado em Açores ou no litoral território gaúcho - deixaram legado balho pioneiro: Influência Açoriana
caiarinense. Fato é que o termo no Brasil cultural, sobretudo lingüístico. no Português do Brasil em Santa
se usa apenas em Santa Catarina, o que Determinar as características dessa Catarina, de 1989. Para tais estudos,
justifica considerá-lo um catarinensismo herança e comprová-Ias cientifica- esteve por dez meses em Portugal e
de origem açoriana. mente implica relacioná-las com todas visitou os Açores.
as variantes registradas no tempo em O pesquisador, que coordenou para
Contribuição cultural cada uma das regiões de colonização Santa Catarina o Atlas Lingüístico-
A curiosa derivação do nome da portuguesa. A essa árdua tarefa propôs- Etnográfico da Região Sul (2002),
Bernúncia exernpliíica uma contri- se o professor Oswaldo Antônio Furlan, destaca características lingüísticas
buição cultural cujas pistas são de aposentado pela Universidade Federal de catarinenses que não existiram sem a
difícil resgate porque apagadas no Santa Catarina. Poliglota, Furlan já foi presença açoriana.

47
Açores: a população foi
estimulada a ocupar o
. Brasil para deter avanço
"você" e suprimiu o "tu" no século 19,
Características espanhol no século 18
Os açoriano-catarinenses, por exem- e que em Portugal se usa pouco.
plo, preservam a tendência paroxito- Em frases como: "José, tás bem? fosse
nizante do português. Acrescentam ~ ao mare? como passa o vosso neto? tá
às oxítonas em :.1, :.r, 2, ;z: "sal-e", certo o que vossa mecê conversô? Acra-
"mar-e", "rnes-e", "faz-e", Também dita no que vô te dize".
chiam (ou álveo-palatalizam) o/s/ Os catarinenses com influência aço-
seguido de consoante ou pausa: riana conservam também numerosas
"Se qués, qués; se não qués, diz" (Se formas arcaicas, como "esprito" (espí-
queres, queres; se não queres, dize). rito), "por riba" (por cima) e "pro mó
Tal chiado, registrado pela primeira de", que faz as vezes de conjunção final
vez em Portugal em 1746, já estaria "(para) a fim de".
_ Meu estudo quis verificar o grau de
difundido entre os açorianos de 1748-
1756. Esse dito típico ilustra também validade ou não da hipótese do dialetólogo
que eles ainda preservam, nas formas de Paiva Boléo, de Coimbra, segundo o qual
tratamento familiar, as do latim Ç'tu" haveria forte influência açoriana no por-
e "vós"), bem como o respeitoso "vossa tuguês do Brasil, especialmente em Santa,
mercê", que no Brasil derivou para Catarina. Mas a pesquisa dele se limitou

GARIMPEIRO DE TRADiÇÕES
A HISTÓRIADO PESQUISADORFRANKLlNCASCAESAJUDA A
ENTENDERA INFLU~NCIADO ARQUIP~LAGOA 8 MILKMDO BRASIL

O trabalho de resgate da origem Cascaes anotava a lápis os diálogos


açoriana na linguagem de Santa e poemas dos ilhéus primitivos. Algu-
Catarina, como o realizado de forma mas narrativas, de autoria de Cascaes
pioneira por Oswaldo Antonio Furlan, foram editadas em dois volumes, O
tem sido garantido pelo acervo e pelos Fantástico na Ilha de Santq Catarina,
escritos do artista plástico Franklin Cas- com prefácio de Furlan. Suas anotações -- ~:;:;.
'---
caes (1908-1983), o maior compilador são até hoje consideradas importante
\ base de dados sobre o primitivo falar
da cultura ilhoa.
ilhéu, dos lavradores ou pescadores de
Natural do Desterro em 1908,
Cascaes fez pesquisa de campo, visi- cuitura tradicionalista, que se mantive- . -----~
tando pescadores e lavradores. Anotou ram isolados até 1975.
contos, tradições, falares, cantigas e
poemas. Como artista, desenhou e
esculpiu. Sempre às suas custas, num
• esforço que resultou em vasto material
doado à UFSC.Cascaes chegou a ir ao
próprio Açores para realizar pesquisas.
Começou a estudar as tradições açoria-
nas em Santa Catarina em 1946. Sem
formação acadêmica específica - ele
foi analfabeto até os 20 anos -, Cascaes
levantou um acervo invejável, com
925 desenhos, 286 cadernos e 1.2S0
esculturas e acessórios.
a poucas conversas com poucos nativos. A na Madeira e nos Açores. Já a palavra
matéria é movediça e complexa. Os que "gueixa" designa, no Brasil meridional,
negaram a influência açoriana o fizeram "potranca ou égua". Nos Açores designa
em termos genéricos, não fizeram nem "novilho". O pesquisador Furlan crê que
estudos profundos nem específicos, o que a palavra possa derivar do flamengo
limita a validade de suas afirmações. gbêitie (cabrito) em alemão Ziege,
cognatos de "gaita", instrumento feito
Chimarrita com pele de cabra.
No tocante ao léxico, além da Certas expressões ouvidas em Santa
palavra "bernúncia", Furlan destaca Catarina, no entanto, chamam a atenção
"chimarrita" e "gueixa" como proce- dos turistas e de lusófonos de outras re-
dentes da influência açoriana. O pri- giões, mas não derivam necessariamente
meiro vocábulo deriva de "samarra" ou do açoriano. Pesquisadores como Furlan
"chimarra", do basco pelo castelhano mostram que não é possível, contudo,
"zarnarra", espécie de túnica ou bata apontar com exatidão o que veio daque-
sem mangas. Acrescido do diminutivo las ilhas distantes para essa outra ilha
-ita, passou a designar uma dança distante, pois aqui se plasmou e originou
portuguesa de roda, ainda conhecida uma nova linguagem-cultura. +

LEGADO EM RISCO
EVOLUÇÃOMETROPOLITANAPODE DEIXARND PASSADO
OS TRAÇOSAÇORIANOSNA LINGUAGEMCATARINENSE

A influência açoriana em Santa morros, onde se criaram 63 bolsões


Catarina tende a ser cada vez menos de pobreza. Os demais dois terços
perceptível. A previsão dos especia- têm, em geral, significativo grau de
listas é que, a longo prazo, as carac- poder aquisitivo e cultural. A mú-
terísticas do falar nativo de Santa tua influência estaria ocorrendo em
Catarina perderão força, resistindo processo lento e pouco perceptível.
em redutos residenciais (sobretudo - Com o passar do tempo, a
nas periferias) e faixas etárias altas. força da cultura socioeconõmica, da
Prevê-se o surgimento de um
-- ....-.
escolarização, da midia haverão de
-.- falar misto, com predominãncia provocar um processo de asfixia dos
::;7-
;.....
_-~

--I das características dos mais pode-


rosos no saber e na economia: os
traços típicos luso-açorianos, assim
como esse processo está reduzindo
Desenhos do acervo de Cascaes, estudado
imigrados desde 1980, ano em que a pouco o uso das línguas das várias
por Furlan (abaixo e ao lado): lendas locais Florianópolis começou a despontar etnias formadoras da gente de Santa
como a capital com alto índice de Catarina, sobretudo a alemã, a itaiiana
imigrantes, atraídos por uma alter- e a polonesa - diz Oswaldo Furlan.
nativa aos grandes centros urbanos Os traços comuns aos falares
do país e pelos atrativos do litoral brasileiros, em especial os sulinos,
catarinense. Vindos do interior e dos estão entrando a galope na lin-
estados e países vizinhos (Uruguai e guagem cotidiana, em detrimento
Argentina), formaram um contigen- dos traços típicos do falar açorla-
te de etnias diferentes, um terço dos no-catarinense, que estariam se
quais ocupando áreas de preser- tornando, por sua vez, motivo de
vação permanente, sobretudo os curiosidade e humor.

49
a) Usa-se crase em casos como "vou Suponhamos, no entanto, que se quei-

T
odo mundo conhece - ou inventa
- um escritor que teria dito que a à praia", "vou àquela cidade"; ra compreender o fenômeno da crase com
crase foi feita para nos humilhar. b) Não se usa crase em casos como "A base em regras explícitas de gramática.
Aafirmação até parece verdadeira, tantos cidade fica a 80 km" (nunca se escreve Também se trata de tarefa bem simples -
os equívocos cometidos neste caso - mas "à 80 krn"); mais simples do que muitos outros temas
quase sempre numa só direção. Noentan- c) Não se usa crase em casos como de gramática - já que estão envolvidos
to, o uso do acento grave conhecido como "Ela deu um livro a Pedro", (nunca se poucos conceitos e termos técnicos.
crase é simples. Pelo menos, deveria ser, escreve "à Pedro"); Para compreender o fenômeno, é
considerando-se que os conceitos envol- d) Não se usa crase em casos como melhor começar do começo e não reduzi-
vidos não são nada complexos. "Prefiro isso a viajar de trem" (nunca se lo apenas a um de seus casos. Ou seja, é
Pode-se aprender a usar crase corre- escreve "à viajar"). melhor entender. mesmo o que seja a tal
tamente por intuição, ou generalizando a Com esses modelos - na verdade, crase. Ver-se-áque se trata de um fenôme-
partir de casos claros. É possíveleliminar bastam "à praia" e "àquela", e com algu- no absolutamente familiar. •
a maior parte dos erros se ficar claro o ma capacidade para analogias, toma-se Slrio Possenti é professor do Departamento de
que ocorre em: praticamente impossível errar. Lingüística da Unicamp

o CASAMENTO DAS VOGAIS


Embora o termo seja usado para ou entre vocábulos num grupo de força. Crase,elisão ("d'água" > de água)
um caso (acento grave em casos de A juntura é aberta se uma das vogais e ligação ("três amigos" = [trezmigos])
ocorrência de ª), a crase é um fenôme- cai, e fechada se ambas se mantêm. são casos de juntura fechada. Em pre-
no bem geral. O encontro de duas vo- Nos vocábulos compostos ou derivados fixações como"sublocar" ([sub-locar])
gais, em geral na juntura de palavras, em que, pelo contato das formas que e hiato ("ela ama" = [élaáma], "vê-a"
provoca a queda de uma delas. os constituem, duas vogais átonas fi- [vê-a]), há juntura aberta. (Adaptado
Juntura é o contato entre duas cam contíguas, tem-se juntura fechada de Mattoso Cãmara Jr., Dicionário de
formas mínimas - dentro do vocábulo ("aguardente" > água ardente). Filologia e Gramático. J. Ozon Editor.)
SÓ NO FEMININO O TESTE DE SUBSTITUiÇÃO

Drama para alunos e fabricantes Se um aluno aprende a regra básica (só se usa crase diante de palavras
de placas é a grafia, mais especifica- femininas), o que impede ocorrências como "à 80 krn" "à correr" ou "à Pedro",
mente, a colocação ou não de acen- evita a maior parte dos erros correntes.
ª
to grave na letra em casos como Pode-se ir mais longe, ou seja, tornar mais explícita esta regra. Pode-se
"à casa I a casa'; "às oito I as oito': "a utilizar um teste de substituição.
partir / à partir" etc.). A crase está Na maior parte dos casos, pode-se ter razoável certeza de que se deve usar
ligada à regência verbal. Depende crase quando"a" + feminino (à casa) puder ser substituído por "ao" + masculino
em boa medida de o verbo "exigir" (ao rancho).
preposição, como em "ir a': "chegar Ou, alternativamente, se, com a mesma palavra feminina (casa), o sentido
a" (ir à praia, chegar à cidade). permanece mais ou menos o mesmo com a substituição de "a" por "para a" (vou
A regra básica diz que se usa o à casa = vou para a casa).
sinal de crase quando há fusão da Fica visível que a preposlçâo'para'; muitas vezes quase sinônima de "a" ("Vou
preposição "a" com artigo "a" (tam- a Paris" = "Vou para Paris"; "Deu um livro alo) Pedro" = "Deu um livro para (o)
bém com pronomes demonstrativos Pedro"), está no lugar do primeiro "a~ seguida de outro "a" (a + a = para + a).
"aquele", "aquela'; "aquilo"), O que A regra, então, é simplesmente a seguinte:
implica que, excetuados os demons- Usa-se crase diante de palavras femininas, quando ocorre uma preposição
trativos, por começarem por vogal ª' seguida de um artigo (a + a = à).
o sinal de crasesó se usadiante de pa-
lavras femininas. Isso se deve a uma
razão clara: só elas estão precedidas CASOS ESPECIAIS
do artigo "a': Como há seqüências
do tipo lia praia'; "a casa': "a menina" Resta compreender alguns casos especiais:
etc, e, diante delas pode ocorrer de a) "àquele(s), "àquilo" - que não são formas femininas, mas são exemplos bem
um verbo ser seguido da preposição característicos de crase, isto é, de encontro de duas vogais em juntura de palavra;
(como "ir a': "dar a': "chegar a': etc), b) expressões como"móveis à Luís XV"ou"cabelo à Ronaldo"(que usualmente
está criado o ambiente para a ocor- são explicados como signíficando"à moda de ..:');
rência da crase e do conseqüente c) uma lista de expressões que é melhor ter à mão para consulta - e que, com
uso do acento grave. o tempo, se memoriza. Em geral, há explicações razoáveis para elas.
Por exemplo, trata-se sempre de preposição ou de locuções preposicionais
("com a'; "por meio da'; "ao lado da" etc.) mais o artigo "a': Assim, por exemplo, es-
O ENCONTRO creve-se "Escrever à mão" (com a mão?),"sentar à mesa" (ao lado da mesa?) etc.
DE VOGAIS Celso Luft fornece uma regra básica para todos esses casos: a crase serve
para eliminar possível ambigüidade: "à boca miúda", "à caça","à beira" etc. Por
No exemplo "Ele foi à casa da isso, nunca se emprega com palavras masculinas ou com verbos, óbvio: "a bem
dizer': "a lápis':"a contragosto", lia custo" etc.
vovó': por que há acento grave na
vogal que precede "casa"? Porque
essa seqüência deriva de "Ele foi ,

a" + "a casa da vovó': Ou seja: a) a O TESTE DA SENSATEZ


regência de"ir"(foi) pede"a" - como
em "Ir a Buenos Aires': - e este "a" A melhor solução - única - é não acreditar em regrinhas, escrever sempre e
é uma preposição; b) "casa" pode ter à mão uma lista de expressões que pedem crase... Há alternativa, na verdade,
ser precedida de "a" e esse "a" é um e inteligente: deixar de ser cri-cri com questiúnculas e não dizer que, se o escre-
artigo. Tanto a preposição quanto vinhador esquecer da crase em "Pintou à tinta': então ele disse uma barbaridade,
o artigo são vogais. Duas vogais que "alguém pintou a tinta': Convenhamos que se trata de erro mais grave de
juntas produzem sua fusão. Na leitura do que de escrita ... Os estudiosos de texto já nos convenceram de que
verdade, há queda da primeira e a ler um texto supõe cooperar com ele, em função de grande número de regras
permanência da segunda, o que fica pragmáticas e/ou de fatos de intertexto ou interdiscurso. Por que não seríamos
dificil de perceber quando as duas cooperativos em questões de ortografia? Para nos vangloriar de um conheci-
são iguais (caaveira > caveira). mento banal? A crase parece ter servido mais para humilhar aprendizes ...

5
Os estais da nova ponte
REDATOR E REPÓRTER CONFUNDIRAM MEDIDAS E BOTARAM NO CÉU A NOVA PONTE COM SEUS CABOS COLORIDOS

POR JOSUÉ MACHADO

Da torre pendem os 144 cabos de aço inglesa,stay, registra JOsé Pedro Machado,
om a inauguração da ponte estaia-

C da sobre o rio Pinheiros, a cidade


caótica e algo descaracterizada de
São Paulo ganhou mais um símbolo dos
revestidos de polietileno colorido, os estais, Dicionário Etimológico da Língua Por-
que sustentam as estruturas em posição tuguesa (Livros Horizonte).
horizontal ou inclinadas em relação ao Há o também substantivo divergente
solo. Daí haver estais de cada lado da torre "esteio" (amparo, apoio, arrimo, auxilio)
vários e pouco característicos: a Avenida
em direção das pistas opostas em tração e e talvez tenha chegado ao português pelo
Paulista; o Teatro Municipal; o Masp; a
equilíbrio penl1anente do conjunto. catalão esteio. "Estai" e "esteio" se rela-
tristeza das avenidas Marginais Pinheiros
Ponte estaiada em curva é novidade cionam claramente pelo sentido. O que
e Tietê à noite com quilômetros de luzes
mundial por causa das dificuldades técnicas importa é que "estai" integra o vocabu-
de veículos nos congestionamentos: claras
de cálculo com os estais, dizem os sábios que lário náutico e denomina cada cabo que
para cá, vermelhas para lá, dependendo do
a projetaram. A torre é formada por duas' sustenta verticalmente mastros, chaminé
ponto de observação. Outros símbolos ou
hastes abertas no solo, próximas a um terço ou outra peça do navio. No caso da ponte,
cartães-postais da cidade cinza? Poucos e
do topo e distantes de novo daí para cima, o mastro sustenta as pistas pelas quais
inexpressivos.
quase como um ~, O outro ~ da ponte. Na trafegam os veículos.
Agora, a ponte. Inaugurada em maio,
verdade pontes, porque são duas principais, Em pontes estaiadas, pode haver mais
o jornal publicou texto sobre a festa sob
além dos braços que cruzam pistas internas de uma torre, o que dependerá da exten-
o título: "Com 138 m de altura, ponte
da marginal, mas não o rio. são das pistas de cada uma. Ela facilita a
estaiada é aberta".
De estais, portanto, ponte estaiada, ligação da zona oeste com a su\. Transfere
Eis um título impreciso e feioso. Sim a
que moleques irreverentes já chamam de congestionamentos de um ponto a outro
ponte foi aberta, mas o que fica a 138 me-
"estílíngão". "Estai" é rara palavra técnica como qualquer bom funi\: entrada fácil,
tros de altura é o topo do mastro, a torre de
vinda do holandês staeye; na origem, peça saída difíci\. Mas essa é outra história. •
sustentação das duas pistas de 900 metros,
em curva, que cruzam o rio Pinheiros, uma de madeira para sustentação; chegou ao
sobre a outra, metros abaixo, como um ~ de português pelo francês antigo'~tai, estay, Jcsué Machado é jornalista, autor de Manualda
atual étai. Remotamente, de procedência Falta de Estilo (Editora Best Seiler).
hastes curvas. Distração, claro.

52
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LE\lNARDD DA VINCI
!f52·1S19
pinfr. escultor,
cie ista, arquiteto.
eng nheiro e músi

R I.,A,5 DE 1 20
• • SSOl-\S E 2 "
ECONHECI"EN O TRABALHOS, COM PARTlCIPI>CÃO DE I.\"IS DE 3.000 PE O CO I-\E
,~ TO CIEN . ... RE/>.S O
T/F/CO PARA ALUNO E INSTITUiÇÃO' PREMIOS N/>.S5 />.

8' CONGRESSO ACIONAL DE INICIAÇÃO CIENTíFICA

C ~ NIC-5EME5P
6' CONGRESSOIN1tRNACNlIIALDE INIC~ clEIIliAcA

INT-5EME5P

2008
• A
gramátiCa tradicional nos ensina

es Irra
que o português tem três modos
verbais: indicativo (situação efe-
tiva: "O dia está chuvoso"), subjuntivo
(situação potencial: "Espero que ele
venha") e imperativo (ordem para que

POR ALDO BIZZOCCHI do verbo o receptor execute uma ação: "Feche a


porta"). Tanto que Paschoalin e Spadoto,
em sua Gramática - Teoria e Exercícios,
afirmam: "modo indicativo- exprime um
fato certo,uma certeza; modo subjuntivo
MODOS VERBAIS SEMANTICAMENTE - exprime um fato possível,duvidoso, hi-
ALTERNATIVOS AOS DA GRAMÁTICA MOSTRAM potético;modo imperativo- exprime uma
QUE DIFERENTES MANEIRAS DE CONCEBER AÇÕES ordem, um conselho, um pedido".
Mas a gramática baseia seu conceito
PEDEM DIFERENTES FORMAS DE EXPRESSÁ-LAS
de modo, fundamentalmente, no aspecto
formal dos vemos e não na sua dimensão
• semântica. Por exemplo,a frase"Talvezele
esteja doente" equivale a "Ele está talvez
doente": são duas formulações sintáticas
diferentes da mesma informação; a mera
mudança de posição do advérbio "talvez"
altera o modo do verbc.Mas,afinal, a idéia
manifestada por essas frases é efetiva ou
potencial? Dito de outro modo, o verbc é
semanticamente - e não apenas morfolo-
gicamente - indicativoou subjuntivo?
Pode-se argumentar que "Talvez ele
esteja doente" significa "Pode ser que
ele esteja doente", por isso o verbo deve
estar no modo subjuntivo. O problema
desse racíocínío é que "Pode ser que ele
esteja doente" é um período composto
por subordinação enquanto "Talvez ele
, ;
esteja doente" é um período simples.

Frases como "talvez


ele esteja doente"
e"ele está talvez
doente" revelam a
ocorrência de modos
verbais semânticos
e pragmáticos,
além do indicativo,
do subjuntivo e do
imperativo

Portanto, o advérbio "talvez" teria o a natureza da ação expressa pelo verbo e "Modos" da realidade
mesmo valor de uma oração. Contudo, da maneira como o emissor concebe tal Portanto, os modos semântico-prag-
esse mesmo raciocínio não explica "Ele ação (potencial, efetiva etc.). máticos são as maneiras como o locutor
está talvez doente", em que "talvez" não Mas,também em princípio, diferentes caracteriza a ação ou estado que relata.
exige o subjuntivo. (Teríamos, nesse maneiras deconceberaçõespedemdiferen- Temos as seguintes possibilidades:
caso, uma oração intercalada "Ele está, tes formas lingüísticas de expressá-las,daí I) Situação efetiva (o locutor tem
quem sabe, doente"?) queo modosemântioo,e mesmo pragmáti- certeza de que o fato se deu ou se dará);
O fato é que a determinação do co, se toma uma classe gramatical. Sóque, 2) Situação virtual (o fato pode verifi-
modo verbal pela gramática se baseia se existe uma correspondência biunívoca car-se, mas não ocorreu ainda);
no critério morfológico, isto é, na entre o semântico-pragmático em certas 3) Situação incerta (o fato pode ter-
conjugação do verbo. Assim, "fazes" é línguas, em outras - a maioria, aliás - essa se dado, mas o locutor ignora ou não
indicativo, "faças" é subjuntivo e "faze" relação se vê bastante transtornada. tem certeza);
é imperativo. Tudo muito claro, não Por exemplo, o inglês traduz o mais 4) Situação hipotética (o locutor con-
fosse o fato de que certas formas de um das vezes pelo indicativo ações que nós, sidera um fato abstratamente, sem que ele
modo são idênticas às de outro (por falantes do português, expressamos pelo precise ou venha a se realizar);
exemplo, "faça" pode ser subjuntivo ou subjuntivo ("ifhe comes" = "se ele vier"). 5) Indução a que asituação ocorra (o
imperativo; "canta" pode ser indicativo Em compensação, nos referimos pelo locutor apela ao interlocutor que realize a
ou imperativo", e assim por diante). indicativo a situações que os italianos ação expressa no enunciado); e
exprimem no subjuntivo ("perguntei 6) Instituição ritual da situação (o
Queé modo? quem era o seu pai" = "domandai chi próprio enunciado cria, ao serveiculado, e
O Dicionário de Lingüística, deJean fosse suo padre"). Em algumas línguas, graças à autoridade do locutor, a situação
Duboiset aiii, afirma que o modo "é uma nem mesmo a concordância de tempo por ele expressa).
categoria gramatical, em geral associada verbal é respeitada, como em "Icb frag- Do ponto de vista lingüístico,as frases
ao verbo,e que traduz (I) o tipo de comu- te, wer sein Vater sei", que em alemão "Talvezele estejadoente" e "Ele está talvez
nicação instituído pelo falante entre ele e quer dizer, literalmente, "perguntei doente"denotam uma situaçãocujoestatuto
seu interlocutor (estatuto da frase) ou (2) quem âti<! o seu pai". de verdadeé desconhecidodo emissor,em-
a atitude do falante com relação aos seus Tudo isso é ilustrativo de que, se o bora se saiba que ele ou está doente ou não
?'ÓPriosenunciados". modo reflete a relação entre o enunciado está.O modo semântioo,diferentementedo
Já o Moderno Dicionário da Lin- lingüístico e a realidade, então, semanti- gramatical,se relaciona ao conteúdo lógico
'!UO Portuguesa, mais conhecido como camente, há outros modos verbais além do enunciado, aos esquemasoognitivosdos
tichaeiis. define modo como "variações dos três apontados pela gramática nor- falantese à própria natureza ontológica da
que - mbos tomam e pelas quais eles mativa. Afinal,não comunicamos língüis- realidade.Por uma questãobastante razoá-
expnmem as diversasmaneiras por que se ticamente apenas fatos concretos, fatos vel de economia lingüística, nenhuma
realizam os f:uos por eles expressos". Ou presumidos e ordens.Também veiculamos língua que se conheça tem tantos modos
seja, o modo il'IIl a ver,em princípio com desejos,aspirações,imprecações,fórmulas gramaticais quantos são os modos semân-
rituais ... Por isso, temos de considerar ticos. É por isso que o português expressa
também o modo desiderativo,que exprime em apenas trêsparadigmas de conjugação,
um desejo sabidamente irrealizável ou por sinal com elementos comuns entre
hipotético ("Ali, se eu fosse rico!", "Bem eles, os seis - ou mais - possíveismodos
que ele podia me ajudar ... "), o optativo, de conceber a realidade. Detcda maneira,
espécie de imperativo dirigido a uma vemos o quanto a gramática tradicional
terceira pessoa e/ou ao próprio emissor se distancia da realidade da linguagem e o
("Que ele se dane!", "Que possamos estar quanto a sua análise é simplista. •
vivos até lá"), e o perfonnativo, em que
o próprio enunciado institui a realidade Aldo Bizzocchi é doutor em Lingüística pela
USP e autor de Léxico e Ideologia na Europa Ocidental
que descreve ("Eu vos declaro marido e (Annablume) e Anatomia da Cu/ruro {palas Athenal
mulher", "Asessão está encerrada"). www.aldobizzocchi.com.br

5'
em que Salvador Allende venceu. Recebeu edição, agora com belíssimas ilustrações
poeta chileno Pablo Neruda

O (1904-1973) consagrou suaexis-


tência às palavras. Diante delas se
prosternava, como afirmou num de seus
do novo presidente chileno a função de
embaixador em Paris, cargo a que renun-
ciou em 1973: aproximava-se do desfecho
sua luta contra um câncer. Faleceu nesse
de lsidro Ferrer.
Trata-se de uma torrente de perguntas.
As respostas ficam por conta do leitor. Visto
por alguns editores como um livro infan-
textos. Este fascínio pelo verbo, associado a
mesmo ano, em setembro, dias depois do to-juvenil, talvez seja mais útil para adul-
uma poderosa imaginação, concretizou-se
tos que temem exercitar a curiosidade sem
em poemas inesquecíveis. Neruda entre- golpe militar que derrubou Allende.
Em 1974, a Editora Losada.de Buenos fim. Envoltas pela indagação contínua,
gou-se sem reservas à palavra poética.
Aires, publicou uma das mais singulares multiplicam-se as imagens do universo
Além da poesia, a política. Seus últimos
nerudiano: pirilampos, nuvens, orquídeas,
quatro anos de vida estiveram particular- obras póstumas de Neruda: Libra de las
tartarugas, uvas, vilarejos, trens, vulcões,
mente marcados pela cena política chilena. preguntas. Mais tarde, no centenário de
nascimento do poeta, em 2004, a Editora peixes, lágrimas, luas ... São ao todo 316
Chegou a ver seu nome lançado pelo Parti-
espanhola Media Vaca preparou nova perguntas desconcertantes e enigmáticas
do Comunista como candidato às eleições

56
COMENTARIOS

o verbo espanhol seguir também


significa, como em português, "ir
atrás de': mas existem outras acepções.
No caso do verso "sigue adentro de mia se
fue?", o sentido é o de permanência. Por
isso, Ferreira Gullar, mais acertadamente,
optou pelo verboestar": o menino que o
poeta foi está, continua dentro dele.

"Seguir; em outro verso - "por qué


me sigue el esqueleto?" r, tem sentido
contrário ao que alga Savary definiu. O
esqueleto não permanece. Na verdade,
segue a alma nesse movimento de profun-
do desánimo, de acordo com a expressão
"el alma se me cayó", não perfeitamente
csrnpreendida pelos dois tradutores.

No poema UI/, Ferreira Gullar repete


a palavra "tubarão", para traduzir
Htiburón"e "escualo", julgando talvez que
"esqualo" palavra existente na língua
portuguesa, não seria reconhecida pelo
leitor médio. Já alga Savary segue à risca
a escolha de Neruda e emprega duas
palavras para o mesmo tipo de peixe.

No mesmo poema UI/, os dois versos


"Quién devoró frente a mis ajas / un ti-
burón I/ena de pústuios?" recebem versões
divergentes. alga Savary, correndo o risco
da ambigüidade, permite-nos imaginar
que o poeta quer saber quem devorou o
tubarão, ao passo que Guilar, colocando
a preposição "a" antes do pronome in-
Imagens surreais, como se Salvador Dali para0 francês. Para o inglês, em 1991. No terrogativo e introduzindo duas virgulas
estivesse píniando com palavras. Brasil, em 1980, a L&PM Editores lançou salvadoras, deixa claro que a pergunta é
a tradução de alga Savary. Neste ano de sobre quem foi devorado pelo tubarão.
2008, com base na nova edição ilustrada,
Esta obra é um autêntico testamento a editora Cosac Naify publicou a tradução A solução de alga Savary, tradu-
poético. Herdamos. os leitores, sua per- zindo "desvencijar" por "desvenci-
assinada por Ferreira Gullar.
lhar", na passagem "Quién me mandó
plexídade perante o "beco da morte" e a As perguntas estão distribuídas em
desvencijar / las puertas de mi propio
"gargalhada do mar", Intrigado com a ir- 74 poemas. Não há uma lógica rígida
orgul/o?", não é a mais adequada. A
ritação dos vulcões, com o chapéu da noite nessa distribuição. Asurpresa prevalece. opção de Ferreira Gullar pelo verbo"es-
repleto de buracos, com o choro alegre das Seleciono três poemas para cotejar as cancarar" condiz melhor com as portas
nuvens, Neruda celebra o espírito humano duas traduções. • do orgulho. Ou as portas do orgulho
em estado de interrogação. estavam tão fechadas que só poderiam
Gabriel Pertssé é professor do Programa de Mestradoem
Já em 1979, o livro recebeu tradução Educação da Unlnove (SP). www.perisse.com.br realmente ser desvencilhadas ... ?

Si
Aosabor da

-: e 1a
A CONFECÇÃO DE POEMAS DE FORMA FIXA
É UM PROCESSO CONTíNUO DE DESCOBERTA
DE NOVAS SOLUÇÕES LINGüíSTICAS
QUE OBRIGA O ARTISTA A SER MAIS CRIATIVO

POR BRAUlIOTAVARES

áuma certa redundância em fa- Sentimos prazer estético quando essa

H larmos em "poesia metrificada".


Toda poesia tem métrica. Cada
frasedeuma poesia,ou mesmode um tex-
to em prosa, pode ser medida em stlabas,
expectativaé resolvidade modo satísfató-
rio - quando percebemosque a regra foi
obedecida, mas o assunto se encaixou e
distribuiu no interior da forma com tanta
Masquando usamos essetermo queremos fluidezquanto a água num copo.
dizer: a poesia com versos de tamanho Amétrica é,tanto quanto a rima, uma
repetido,regular,onde todasas linhas têm regra auto-imposta para forçaro artista a
aproximadamente o mesmo tamanho. ser mais criativo.Quando cada linha que
Maisadequado é chamarmos a esse tipo escrevemostem de ter o mesmo número
de poesia "poemas de forma fixa": existe de sílabas, descobrimosque as primeiras
um tamanho predeteominadõ'para cada palavras que nos ocorrem nem sempre se
verso,e é precisoseguir esta regra. encaixam nesse limite. Somosforçadosa
Nossa fooma fixa mais familiar, na procurar outras. Achamosuma que serve,
poesia,é a quadra, feita de quatro versos, mas nessecasovaiserprecisomudar outra
cada um com sete sílabas métricas: "Me coisaque já estavaescrita.Enesseprocesso
debrucei na janela/para ver meu bem contínuo de descobrir novas soluções e
passar / vi outra moça tão bela / que haomonizá-Iascomo que já estavapronto,
fiquei a imaginar. ..". Em formas fixas o poeta (principalmente o poeta princi-
assim,métricae rima sejuntam para criar piante) vai descobrindo os mecanismos
um efeito de repetição, de expectativa. internos que fazem a força do verso: o
rtr"" flfll""
6'"'1"',6'11, 'li, / //1111
-LL li.l ,1,/ 11 11/ /f/f1/
d',11 , 1/1
r
Til
'B
,////;~~

/~~~~

/~/
'/
vocabulário. o som das palavras, a cadência, o modo autor preferevanar tamanhos, mas de ' ~
como elas se organizam na frase, as pequenas surpresas maneira regular - digamos, alternando .'...;' -::~
poéticas às quais só chegamos porque não pudemos usar versosde 7 e de 10sílabas. Vanar a extensão dos ' -::~
a primeira coisa que nos veio à cabeça. versos na estrofe é bom recurso contra a monotonia. ' ". /
OlavoBilac,em livroscomo.larças de FogoouAlma In- •/
Exercício quieta, tem poemas em que versosdediferentestamanhos •,-
A regra não é obrigatória, claro. Há poetas que são são usados de maneira simétrica ao longo das estrofes.
excelentes nas formas fixas mas não em versolivre (que Isto dá ao poema, ao mesmo tempo, boa variedade de
em princípio parece mais fácil). E existem muitos que ritmos e um formato geral harmonioso. •
se exprimem bem no verso livre, mas não conseguiriam
Braulio Tavares é compositor e autor de Contando Hist6rias em Versas
escrever cinco decassílabos seguidos nem para ganhar (Editora 34, 2(05). btavares 13@terra.com.br
um prêmio. Isto tem a ver com a Índole de cada um, a 8109: mundotantasmobloqspot.corn

sua linguagem. Cada poeta tem de descobrir qual é "sua


praia", quais são as formas de expressão em que ele pode
render O máximo de si mesmo. Alguns passam a vida
procurando e nunca têm certeza de terem achado.
Praticar as formas fixas, os versos rigorosamente
metrificados, é sempre bom exercício, mesmo que o
poeta conclua que nada que escreveu assim vale ser
publicado. Maso resultado dessa prática irá se refletir no
que ele escrever daí para a frente. Grandes poetas como
Carlos Drummond, CeciliaMeireles,Viniciusde Moraes,
Fernando Pessoa, Mário Quintana, Manuel Bandeira,
exprimiam-se com a mesma segurança tanto no verso
livre quanto no metrificado. Esta foi uma conquista
do Modernismo: deixar o metrificado como opção,
não como obrigatoriedade. Nos poemas em verso livre
dessesautores, vê-se uma noção de ritmo que talvez não
tivessem desenvolvido se não fossem forçados a praticar
a métrica rigorosa das formas fixas.

Soneto
Talvez a forma fixa mais popular em português,
depois da quadra, seja o soneto, cujos versos em geral
têm 10sílabas em duas estrofes de quatro versos (quar-
tetos) e 2 de três (tercetos). Aoitava, usada por Camões
em Os Lusíadas, é estrofe de oito versos decassílabos,
cuia ordem de rimas é: ABABABCC. Na poesia popular
00. ordeste usa-se ainda a décima cultivada na Penín-
:bérica no Renascimento: dez versos que seguem o
esquema de rimas ABBMCCDDC.
O poema rnetriJicado não tem de ter todos os versos
do mesmo tamanho. Em muitas formas poéticas o

9.'8"111'11,,., 111',""
'"''

5'
,
A palavra absurda POR LUIZ COSTA PEREIRA JUNIOR

o DIA EM QUE IONESCO APOSTOU


~~ NA LINGUAGEM DA CRIANÇA
1&rJt':J? ra aposta arriscada. Mas contos de Ionesco para

E Crianças (Martins Fontes, RS 20,86) mostra que Eu-


gene Ionesco encara o teste da ficção infantil, gênero
difícil, que engole muito autor de prosa adulta.
O livro, de 1983, é farra de nonsense. O pai da pequena
[osete conta uma história em que todos se chamam "[aqueli-
ne''. Depeis, insiste que um telefone é um queijo. E "queijo" se
chama" caixa de música", que se chama "tapete", que se chama
"lâmpada". Acadeira, orienta o pai, é uma janela. O nome da
janela, na verdade,.é caneta. O travesseiro é um pão e este, uma
cama.losete começa, então, a falar como o pai a ensinara: "Vejo
pela cadeira quando como meu travesseiro".
Francês nascido na Romênia, tonesco (1912-1994) ganhou
fama em 1950 comA Canlora Careca, marco do teatro do absur-
do. Só o absurdo, para ele, seria capaz de representar um mundo
aleatório e inexplicável. Sua obra denuncia a realidade que tem
jeitão de objetiva mas é bizarra. Acoerência racionalista, as regras
sociais e da conversação são caricaturas vivas, com existências só
formais.lonesco propõe, com isso, ser intérprete do mal-estar moder-
no, das situações enrijecidas pelas convenções, mas sem significação.
Na edição ilustrada per Etienne Delessert, o autor aplica tal diagnóstico
ao universo infantil. E resgata a idéia de que a criança vê a palavra com
uma materialidade e um frescor de descoberta que não são inocentes.
A percepção de que as palavras e as coisas não têm vínculo obrigatório, e os signos
são arbitrários, pode até confundir alguns espíritos lineares. Mas que o ziguezague absurdo de
I I' I palavras cria um choque de sentidos divertido, ah, isso cria.

LíNGUA INDICA
Os livros
o Gato Malhado Faz de
de Sayuri
e a Andorinha Conta que
é Verdade De Lúcia
Sinhá Hiratsuka,
De"Jorge Amado, Com- De Silva na Tavano,
Editora Girafinha, Edições sM,
panhia das Letrinhas,
32 p., RS 21 144 p., RS 22
128 p., RS 34.
Pedro adora histórias contadas: Mesmo na guerra, sayuri tem comida
o mau humor do Gato lhe rendeu a
fama de malvado. Na floresta, ninguém pelo pai e pela mãe - tanto que vive no ~ à mesa e a companhia de quem ama. Sua
se aproximava dele, só a andorinha si- mundo da lua, a inventar personagens e : única tristeza é ver seus livros enterrados
brincadeiras. Na escola, o menino acaba : no quintal por força das circunstãncias. Ela
nhá - curiosa que era. Da amizade entre descobrirá que não foi a única a guardaras
descobrindo mais amigos para brincar:
diferentes nasce um sentimento maior,
de faz-de-conta-que-é-verdade. : livros que começam a brotar pela casa.
para surpresa dos demais bichos.
AURELlNHO
O grupo Positivo lançou o Aurelinho,
CO-RüM educativo para estimular as Requisitos do sistema
crianças a perceber a correspondência
e re o som das letras e a representação Microsoft Windows 985E, 2000, XP
grá ca de uma palavra. No computador, Pentium IV 1.2 Ghz
a criança interage com uma versão ele- Pentium IV 2.4 Ghz (recomendado)
trônica do dicionário Aurelinho, pode 256MB RAM
brincar de libertar as palavras que foram 512 MB RAM (recomendado)
escondidas por um monstro roxo cha- 800 MB de espaço livre em disco
mado Ted. Quanto mais se ganha num Resolução minima 800 x 600, '6 bits
jogo-da-velha, por exemplo, mais se Unidade de CD-RüM 12X
ajuda a libertar palavras aprisionadas por Placade som compatível com Windows.
um feitiço de Ted.

6
A PRONÚNCIA DOS
ANTIGO~ DOCUMENTO ATRIBUíDO A GRAMÁTICO
DO SÉCULO 3 DÁ PISTAS DE COMO SE
DIZIAM PALAVRAS NO IMPÉRIO ROMANO
E A RAZÃO DE CERTOS TERMOS TEREM
ASSUMIDO A FORMA ATUAL

POR MÁRIO EDUARDO VIARO

um pomar E os vizinhos (provavelmente de cidade para cidade)


também teriam pomares do latim falado em outras regiões, seja
contíguos, sem cercas, de pelo vocabulário, seja pela pronúncia.
modo que só convencio- Particularizou-se ainda, após a queda
nalmente se saberia a quem do Império Romano, por novas pala-
pertence esta ou aquela árvore vras, de origem sueva e de outros falares
da zona limítrofe. germânicos. Sabe-se com certeza da
Na conquista de Portugal, reti- presença na península de vândalos e,
rado das mãos dos mouros, entraram as mais tarde, visigodos. Isso sem falar dos
maginaruma língua portuguesa variantes do espaço lingüístico chamado alanos, vindos de muito mais longe, que

1I
I
I uniforme em seus primórdios é
comum, mas incorreto. Essa visão
tem suas raízes no mito da torre de Ba-
"galego", em contato com o espaço "leo-
nês", embora seja difícil crer que existisse
um idioma galego uno ou um leonês uno
falavam uma língua iraniana.

Colcha de retalhos
Antes do estabelecimento do latim,
bel, descrito no livro bíblico de Gênesis numa época em que só o provençal tinha
e reforçada pela imagem romântica das algum tipo de padronização. À medida ainda mais caos: na Península falava-se
árvores genealógicas das línguas desde que Portugal descia rumo ao sul, na sua fenício e grego. Somente na área cor-
August Schleicher. Mas, estudando a formação, mesclava-se essa fala com O respondente ao futuro Portugal viviam
língua mais intimamente, percebe-se que árabe e com o moçárabe, sem falar que muitas tribos que, provavelmente, falavam
é o contrário que ocorre: no início, toda nas tropas e nos novos habitantes havia línguas indo-européias, sobretudo célticas,
língua é caótica. Um sistema uniforme quem falasse dialetos franceses, sobretudo mas é bem provável que línguas de outros
viria muito depois. o borguinhão (e sabe-se lá qual mais). troncos convivessem ali desde a pré-
Uma representação visual mais real Antes desse episódio, havia mais história, como ainda hoje testemunha a
seria assim: cada palavra de uma língua caos: o latim ali falado, que geraria língua basca na Espanha. Os textos falam
seria uma árvore, o que inclui princi- o galego e O leonês, diversamente do de turdetanos, túrdulos, igeditanos, presu-
palmente suas múltiplas raízes. Uma latim escrito dos grandes escritores ros, gróvios, brácaros, zelas. Os chamados
língua, porém, não seria uma árvore, mas e da Igreja Católica, se diferenciava lusitanos viviam entre o Douro e O Tejo
e falavam uma língua indo-européia de dade racial, cultural ou lingüística
afiliação muito discutível, dada a escassez para dar-nos a segurança de algum
de testemunhos escritos. Mais tarde, o orgulho patriótico infantil. São
nome "lusitano" seria (abusivamente) colchas de retalhos feitas de
incorporado a toda a nação portuguesa. outras colchas de retalhos.
O romantismo presente nessas de- O estudo científico da lin-
nominações obscurece o entendimento guagem separou-seda gramá-
de leigos e de alguns estudiosos da lin- tica ao aprender a valorizar
guagem - filólogos ou lingüistas. Falar documentos tidos como de
desses povos é como interpretar ruínas e pouco valor literário, já no
cacos de vasos, relacionando-os a outras final do século 18. Não é
ruínas e outros cacos. Não há continui- preciso, aliás, a existência de

UMBIGO
Curiosa é a forma imbilicus
em vez de umbilicus (AP58) Des-
se étimo vem a forma popular (e
desprezada, aqui e em Portugal)
"embigo" presente nos textos
medievais, mas abandonada em
prol da forma preferida pelos pu-
ristas, "umbigo': Assim, "umbigo"
e"embigo" coexistiam nos textos,
mas "umbigo" foi considerada a
forma correta pela semelhança
com o umbiticus latino. Não se
trata de uma forma culta, mas
de uma semi-erudita. Como em
muitos outros casos, o eruditis-
mo só aparece nas derivações
sufixais (como em "umbilical").

MESA
A desnasalização também
é um fenômeno nagrado pelo
Appefldix Diz que o correto é
anso e não "asa" (AP 76) Essa
palavra portuguesa deriva dire
tamente da forma vulgar, assim
ccmornesa" que também já era
desna)dlizada no latim vutq.tr,
diíerenterncntc do latim cl,íssi-
co, que dizia mema.
- -_._-

gramáticas nonnativas para


a existênciada nonnativi-
dade. Um povoou uma
cidade, no auge de
seu desenvolvimento
e riqueza, tende costu-
meiramente a desprezar
outros povos e cidades.
O que alavanca esse or-
gulho é a descoberta de
documentos e monu-
mentos que sobreviveram
miraculosamente.

Pronúncia antiga
Um caso espetacular de sobrevi-
vência é o de uma lista de 227 palavras
na gramática de Valério Probo e, por
isso, conhecida como APpendix Probi
(AP). A lista não foi feita por ele, mas
algum acidente histórico fez que fosse
associada ã sua gramática, dando-lhe
sobrevida. Trata-se de um dos documen-
tos mais importantes para conhecer,
entre outras coisas, a pronúncia do
latim do século 3 d.C.
Com apenas 19anos, serafim da Silva
Neto (1917-1960) ofereceu ao público
brasileiro uma das melhoresediçõesdessa
I
obra, mencionada até pelo romanista
italiano Carlo Tagliavini. Aobra de Silva
Neto comenta cada uma das palavras,
associando-as a outras similares em por-
tuguês e em outras línguas, bem como
" aponta outras fontes, inclusive o CorpUS
Inscriptionum Latinarum.
Alista atribuída a ValérioProbo traz
importantes pistas para pequenos misté-
rios etimológicos. Enquanto não quiser-
mos pôr a mão na massa para resolverde
fato essespequenos enigmas e estivennoS
apenas à busca de fatos espetaculares,
infelizmente reinarão a especulação, o
achismo e o amadorismo nos estudos
etimológicos da língua portuguesa. •

Mário Eduardo V1aro é professor de língua Portuguesa


pela USP,autor de Por T,ós dos Palavras (Globo: 2004}
Gato por lebre
UMA EXPRESSÃO QUE PODE SER MEDIEVAL E
PALAVRAS QUE SINALIZAM OUTROS PAfSES

POR MARCIa COTRIM

C
omer gato por lebre é ser enganado.Já "vender gato
por lebre" é enganar alguém, e com dolo. Em ambos
os casos, há ludíbrio. O sujeito é vítima ou vigarista.
Historicamente, tem sido notório o gradual convívio de
cães e gatos como companheiros do ser humano. Em Portugal,
inclusive, é conhecido o ditado "casa sem gato nem cão, casa
de velhaco ou ladrão".
Uma lei do século 13 fixava o preço da pele do gato, além
das peles de vitela, cordeiro, cabrito, raposa, lontra, marta e outros
bichos. Era barata, um terço da de raposa, sem falar nas peles de luxo
como a de lontra ou de marta, o que demonstra que o gato ainda
não era considerado totalmente doméstico - servia para ser comido e
I

para dar pele ao homem. CAMERUM


Em termos culinários, houve tempo em que a tenra e delicada carne do gato, depois
de receber temperos com que absorvia melhor os condimentos, tornava praticamente o pais africano é conhecido
imperceptível a diferença entre ela e a de lebre. erroneamente, no Brasil, como
Aliás, durante cercos militares a grandes cidades - como no de Paris em 1871 -, o Camarões sobretudo pelo desta-
que de sua equipe de futebol em
gato foi considerado pitéu refinado, ninguém se lembrava de lebre no cardápio.
competições internacionais. Só
Seja como for, nestes tempos de tantos enganos e desenganos, muita gente
que seu nome correto é Camerum.
continua entrando pelo cano por causa de espertalhões que nem sabem o que é Um pouco de história: no século
lebre, muito menos imaginaram comer carne de gato, mas conhecem perfeitamente 1S, os navegadores portugueses
a arte da embromação.. • chamavam o estuário do rio Wuri
de "rio dos camarões': pela abun-
Márcio Cotrim é autor, dentre outras obras, dos livros O Pulo do Gato I e /I (Geração Editorial). dância de um certo crustáceo
marco.cotrlmecorreloweb.ccmbr www.marciocotrim.com.br
parecido com o camarão - apenas
parecido. Mais tarde, no periodo
ELlSEU em que foi coiônia alemã, a re-
gião era chamada de Kamerum.
Sede do governo francês, o Palácio do E1iseu fica próximo à mais importante Em 1961, adotou o nome oficial
viu pública de Paris, a famosa Avenue des Champs flysêes, que liga a praça de República do Camerum, em
da Concórdia à Étolle, onde se acha o Arco do Triunfo. Mas o que eram esses homenagem ao explorador inglês
Champs Élysées, os Campos Elisios? Verney Lovett Cameron, que andou
A denominação é um tributo à Mitologia grega, como ensina Raimundo muito tempo por lá e se tornou im-
Magalhães Jr. Segundo os gregos, o mundo terminava num grande rio - o Rio portante figura no país. Quanto aos
Oceano -, em cuja margem ocidental estavam situados os Campos Elísios.Neles, camarões -também chamadas de
os homens virtuosos repousavam dignamente após a morte, divertindo-se dia baratas-da-mar (glup!) -, apesar da
e noite, reinava eterna primavera e todos os seres eram imortais. repulsiva designação, continuam
Como dizem os sábios, quando a lenda é mais fascinante que a realidade, sendo uma iguaria festejada nas
publique-se a lenda. melhores mesas do mundo ...
o PORTUGUÊS É UMA FIGURA

A geometria de uma linha só


POR MARClllO GODOI

,I

"ANTES FAÇO o PLANO DO LIVRO, DECIDO O NÚMERO DE POEMAS,


O TAMANHO, OS TEMAS. CRIO A FORMA. DEPOIS ENCHO:'

JOÃO CABRAL DE MELO NETO

omo fazer uma imagem em inacabáveis lixas", no desconcertante de música. Rigoroso engenheiro da

C síntese de alguém que já é a


própria figura do essencial?
tma linha s(Í? \ào dá para ser com
poema () 01'0 de i<{/lilliJ{/.
,l/orle e l'ida Sercrina. seu poema
mais famoso. é auto de \atal criado
palavra, negara geometricamente a
criação pelo descontrole, pela paixão:
queria a poesia pelo método. exata.
menos traços? O verso de .10:10Cabral sob encomenda em 1956. Só dez anos Sua proeza foi ser. como se tentou
de 'leio \rto é, para usar imagem depois, com música de Chico Buarque, traduzir na figura acima. ao mesmo
sua. simples como () sol de um com- o texto seria encenado e viraria, lite- tempo vísceral e de pedra.
primido de aspirina. I~enxuto. mas ralmente. lima "peça" de resistência.
Marcílio Godoi é erttste plésnco e jornalista, autor
potente. e inteiriço como um 0\'0, vlas Cahralmilitava mesmo era contra de Oi(Jonório dm Polovroslnveneta> (Sag0i, 2007).
o substantivo que ele talhou a "mil sentimentalismos. Dizia nào gostar wwwrnemoedítortel.corn.br

66
OUTUBRO 2008
SEG TER QUA QUI SE:.<SÁB DOM

A arquitetura do discurso: da palavra ao texto


Esta oficina mostra, por meio de um princípio lingüístico universal, como as palavras
formam orações e frases, estas formam parágrafos e estes fonnam textos, bem como são
estruturadas técnicas de planejamento e produção textual.

Aldo Bizzocchi NOVEMBRO 2008


SEG TER QUA QUI SEX SÁB DOM
Datas: 13, 20, 27 de outubro e 03 de novembro
2
<li 4 5 6 789
kcc 1(. q) acaderrnca 10 11 12 13 14 15 16
Por que escrever um artigo? - objetivos da divulgação dos trabalhos técnicos. A redação científica.
Tipos de discurso presentes nos artigos de divulgação científica. Como elaborar um projeto de texto.

Vívian Rio
[] t '17 t 20 de OUll1'Jr'J

Reforma ortográfica e revisão gramatical


Saiba quais serão as mudanças que acontecerão na língua portuguesa depois da reforma
ortográfica, e também: revisão dos principais tópicos gramaticais: crase, pontuação, acentuação,
regência, concordância, colocação pronominal, conjugação de verbos e flexões nominais.

João Jonas
Datas: 08, 15, 22 e 29 de outubro

Escrita criativa
Explorar a expressão criativa. O escrever como criação livre é pleno de história pessoal, e não se desenvolve
somente com o domínio de técnicas mas, antes, através do contato com a forma espontânea de escrever. Este
projeto de oficina de escrita visa exercitar o percurso de cada um, conforme suas possibilidades e limites: a
fluidez de narrar desenvolve uma voz tanto na escrita quanto na postura pessoal.

Lelia Maria Romero "

Datas: 02, 09, 16 e 23 de outubro

Especial autores de vestibular


Análise de obras selecionadas pela UNICAMP e FUVESr. O curso será dividido em dois
blocos: análise de cada obra individualmente; análise comparativa das obras.

João Jonas
D.1t. O" 10 1'" 24 e n de cutuh o das 10h<O às 21h
~

Vocênão Jaz i~
do que mudou na
LÍnBua PortuBuesa?
Fica tranquil?!
ara de se preocupar,
seja aut0te:j!ciente e
consulte o~Míni Houaiss.

Chegou o Mmi Houaiss: o primeiro


dicionário brasileiro integralmente -
adaptado ao acordo ortográfico da
Língua Portuguesa, que entra em
~ =111Moderna
vigor em 10 de [aneiro de 2009;
-====1 OBIUIl!

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