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Arrume a casa, Dona Maria! Vai ter Copa!

Arrume a casa, dona Maria, que vem visita! Prenda os cachorros, dê banho nas crianças, passe uma
vassoura no chão, jogue a poeira pra debaixo do tapete, faça um café e... por aí afora. É mais ou menos esta
ideia que uma Copa do mundo traz para o Brasil. O país muda com as exigências para sediação deste evento
mundial. Iniciam-se reformas e investimentos em aeroportos, transportes, no setor de hotelaria, turismo em
geral e etc, etc, etc. Vultosas somas são direcionadas a este propósito. Muito dinheiro é gasto neste processo. E
grande parte deste dinheiro veio do seu bolso, caro amigo leitor. Dos impostos que sequestram nossos salários
todo ano.
As reformas e investimentos são importantes para o país, mas é lamentável que a principal motivação
para a melhoria centra-se no evento e não nas necessidades do povo brasileiro. Um povo que sofre com a
miséria e com a má distribuição de renda. Um povo, que em grande parte, sucumbe ao desemprego, a uma
educação que carece de qualidade, à falta de moradia e, consequentemente, a uma criminalidade sem
precedentes na história de nosso país. Tudo isto poderia ser amenizado e diluído gradativamente com recursos
que “sabe-se-lá-para-onde” são destinados.
Enquanto acompanhava a Operação de desocupação da favela do morro do Alemão, escutei o seguinte
comentário, vindo de uma repórter: “Autoridades governamentais afirmam que o exército ficará no morro até o
término das festividades da Copa do Mundo”. Um verdadeiro absurdo ouvir isto! Quer dizer então que depois
que a copa acabar a cobra pode fumar lá na favela? Foi isto que entendi?
E a saúde do povo? A educação? O trabalho? O salário? O dos políticos já aumentou, né! E a merreca
do pobre, aumenta quando? Vai ser uma linda comemoração para gringos em território brasileiro. Com o salário
que ganhamos e o preço dos ingressos que, com certeza, não serão baratos, a copa do Brasil vai ser um evento
pra lá de estrangeiro em território nacional, Yes, of course! Mas não se preocupem, poderemos acompanhar o
evento pela televisão com a narração do Galvão Bueno (Por favor, não ria. Não ria, pô! A coisa é séria!).
Será que a população da região serrana do Rio, de Santa Catarina ou outras regiões devastadas por
enchentes e deslizamentos de terra estão animadas para esta Copa? Eles perderam tudo, se o Brasil perder, não
vai fazer diferença, não é mesmo? Desgraça pouca é bobagem, bobagem.
Se nossos governantes realmente se preocupassem em representar o povo que o elegeu, renunciariam ao
direito de sediar esta copa sob a alegação de que suas crianças precisam de educação de maior qualidade, que
seus idosos precisam de um sistema de saúde mais eficiente e uma aposentadoria que honre o passado de quem
ajudou a construir este país. Estariam ocupados demais para pensar em Copa, pois teriam que se preocupar com
a distribuição de renda, com o aumento do salário que sustenta a sobrevida de milhares de famílias do país. E
também estariam preocupados com as reformas de seus órgãos públicos e da própria política, que há muito
tempo grita por socorro e mudança.
Você pode até dizer, caro leitor, que estou sendo radical demais, que a Copa é um evento bonito,
cultural e até mesmo educativo, pois une todos os povos em uma comemoração esportiva e tudo o mais.
Concordo em gênero, número e grau. O problema não é a Copa, é o país. O Brasil precisa vencer as oitavas de
final contra a corrupção, as quartas de final contra a criminalidade e outros adversários para depois pensar em
“relaxa e goza” (ou seria “relaxa e joga!”). Primeiro vamos resolver os problemas internos do nosso país para
depois querer fazer bonito para os outros.
Mas, por outro lado, se tirassem as crianças das ruas e dos semáforos, melhorassem a distribuição de
renda, a escola, o salário; se acabassem com o problema da corrupção, da criminalidade e da violência; e
dessem o auxílio que os idosos tanto precisam, como conseguiriam explorar a esperança do povo e conseguir,
desta forma, a eleição?
É, dona Maria não percebeu que arrumar a casa depressa só levanta mais poeira. E, ao invés de limpar,
suja tudo. Vai com calma dona Maria. Devagar com o andor que o santo é de barro e a política é de lama. Mas
ela não nos ouve. Está preocupada demais com os sons de vuvuzelas, fogos de artifícios e gritos de “gooooool”
que se aproximam no horizonte.

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André Luiz Raphael – Profirmeza

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