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Lucas

Banzoli
O Mistério do Castelo de
Wartburt

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 1


Sumário

Prefácio ...........................................................................................................................................3
Prólogo ...........................................................................................................................................5
A caminho de um sonho ..............................................................................................................6
Na Alemanha...............................................................................................................................10
No castelo de Wartburg .............................................................................................................16
Fim da linha .................................................................................................................................19
Na prisão ......................................................................................................................................22
À espera de um milagre .............................................................................................................24
Esperando socorro ......................................................................................................................26
O reencontro ................................................................................................................................30
Apêndice ......................................................................................................................................33

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PREFÁCIO

"Em teoria, pregamos que devemos amar o próximo como a nós mesmos, andar a
segunda milha, dar a outra face. Mas, na prática, até mesmo o nosso ‘tudo bem?’ não
passa de uma mera pergunta retórica, sem qualquer expectativa de ouvir uma resposta
negativa. Até porque não estamos perguntando aquilo para tratar as feridas do
próximo: estamos apenas querendo ser gentis. Mesmo em nossas igrejas, muitos estão
sofrendo calados, sem contar nada a ninguém, por não poderem contar com a
confiança nem mesmo de seus melhores amigos ou por medo de ser considerado um
‘derrotado’” (Lucas Banzoli)

Ainda não atinei com os motivos que levaram Lucas Banzoli – ou simplesmente Lucas –
a escolher-me para prefaciar seu livro. Admito a hipótese de que a deferência vise
homenagear ao leitor, ou seja, todos os cristãos que sempre se interessam pelos seus
curiosos artigos e livros de relatos totalmente plausíveis, relacionados com a Verdade da
Bíblia – a excelente Palavra de Deus. Ou seria ainda pelo respeito demonstrado para
com seus arroubos, pertinácia, estudos e feitos de um homem de Deus determinado
perante os seus maiores desafios? Ou, finalmente, a escolha de meu nome teria sido
motivada pelas palavras de incentivo para levar a cabo a presente obra?

Misto de historiador e teólogo, Lucas consegue transmitir às páginas de seu livro o


entusiasmo e o forte do cristão, que se fazem necessários em amplas as áreas em que
abordou o altruísmo e como devemos pensá-lo. Tal que seu personagem, Paulo,
percorre uma das histórias na quais inúmeros cristãos passam atualmente, a de um
cristão light. Aquele cuja perseverança reina em saber e saber, talvez até liderar e não
viver o Evangelho, ou seja, amar como o Mestre amou.

Vemos também histórias fortes e expressivas como um paisagista sobre cada


personagem coadjuvante aqui presente. A outra faceta de seu caráter – seu empenho
na Verdade – ocupa a maior parte do livro, dedicada a destacar a sua auto-
determinação e busca de realização espiritual dos leitores em meio às deslealdades e
complôs das entrelinhas, levados a efeito por indivíduos invejosos e sem caráter, que
ele, como um autêntico evangelista, interpreta como pessoas carentes de afeto e
perdão, necessitados de “novo nascimento” em Cristo, para alcançarem o direito de
contemplarem a Luz.

O leitor dotado de observação sutil não deixará de perceber sua capacidade magistral
de retratista da paisagem humana e social, bem como também a vida de seus
personagens. Como a maior parte do livro transcorre durante um passeio de aprendizes
cristãos ao belo chão da Alemanha, mais precisamente castelo de Wartburg e castelo de
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Wittenberg, onde contamos com a belíssima história de Matinho Lutero, veremos que
inúmeros foram os artifícios e estratagemas empregados pelo protagonista Paulo para
mostrar o seu lado ao seus colegas, o que acaba em que o mesmo se envolve numa
trama, não da visita ilustre a querida Alemanha, mas de um único pensamento: o seu.

O protagonista peca em seus pobres pensamentos dotados de apenas julgamentos e


falta de zelo para com os demais, mesmo este sendo um homem de Deus. Assim, vemos
que nós podemos nos deixar levar pelo desenrolar de nossos pensamentos e nossos
objetivos, sem pensar na ajuda para com o próximo.

O livro oferece ao leitor um relato dos problemas dessa viagem percorrida na


Alemanha, sem noções de auto-piedade e consciente do valor do próximo, podendo ser
esse um coadjuvante-protagonista em nossa vida cristã, pois não vivemos sozinhos.
Retratando-lhe assim a alma, põe em devido relevo o altruísmo, não somente pela
necessidade, pois cada um tem sua história e suas dificuldades. Veremos que as vidas
aqui apresentadas são muito mais do que podemos observar se olhássemos de fora e
tentando julgar o “livro pela capa”. Veremos nessas pessoas nós mesmos, na correria
do dia-a-dia, sem olhar o irmão e saber se ao menos ele é um necessitado.

Posso concluir falando principalmente do nosso lado espiritual egoísta, que nos cega
desde quando somos crianças, onde a atenção é voltada para nós. Se não mudarmos o
juízo, como serviremos de exemplo apenas exprimindo palavras mesmo essas sendo
bíblicas? O maior exemplo damos pelo que as pessoas veem em nós, a expressão da
vida, aquela vivida com amor, assim podemos mostrar com a nossa própria vida um
verdadeiro filho de Deus.

Por mim, recebi com alegria o honroso convite do inesquecível irmão em Cristo e amigo
leal Lucas Banzoli, para dar uma olhada aos originais dessa obra. Assim pude, antes do
público leitor, maravilhar-me com o que aqui está escrito.

RAFAEL PARIS SCHESSOF

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O MISTÉRIO DO CASTELO DE WARTBURG

PRÓLOGO

Já era quase meia-noite. O dia tinha sido difícil. Paulo havia dado duro para conseguir
estar ali, onde a história começou a ser escrita. E, agora, lá estava ele: preso, sem ter
feito nada de mal que merecesse prisão. E ele não estava apenas preso: estava arrasado,
decepcionado, inconformado. Isso não era justo. Ele só estava querendo ajudar nas
investigações, e foi parar em uma cela fria, suja, sem a menor higiene, com bichos e sem
nenhuma esperança. Sede, fome, frio, dor. Uma junção de todos os sentimentos que
partiam sua alma amargurada. Foi quando ele clamou a Deus, em protesto:

– Senhor, o que foi que eu fiz para merecer isso? Eu sou teu servo, prego o evangelho,
tento ser santo, oro, leio a Bíblia, gastei tudo o que eu tinha para vir até aqui... por que
raios o Senhor me faz passar por isso? Isso é totalmente injusto! Eu não mereço isso!
Por que os ímpios prosperam, tem sucesso e saúde, e eu sou tratado deste jeito? É isso
o que eu ganho por servi-lo? Não vale a pena! Eu tento te agradar e fazer a tua vontade,
estou pregando o evangelho, e ainda é deste jeito que você me retribui? Se for para ser
assim, eu não mais buscá-lo nunca mais! Chega desta vida!

Enquanto Paulinho murmurava contra Deus, aos prantos e completamente


inconformado, ele escuta de longe um corinho. Parou de murmurar, engoliu as lágrimas
e passou a tentar escutar o que é que alguém estava cantando. Não foi difícil identificar
a música, pois era um hino cristão, que Paulo conhecia desde muito tempo. O volume
dos cânticos aumentava cada vez mais. Dessa vez, ele percebeu que não era apenas um
homem cantando, mas dois. Ele não podia vê-los, apenas os ouvia, e os outros presos
também os escutavam, calados e atônitos.

Sim, o nome de Deus estava sendo louvado naquela prisão. Independentemente de


quem estivesse glorificando a Deus na cadeia, certamente estaria na mesma condição
dele. Enquanto esses dois homens cantavam e os outros presos os ouviam, o carcereiro
dormia, tomado pelo mais profundo sono. Foi quando, de repente, sobreveio um tão
grande terremoto que os alicerces do cárcere se moveram, e logo se abriram todas as
portas, e as correntes de todos se soltaram.

Paulinho, sem perder tempo, saiu correndo, em disparada. Nem parou para ver quem
estava cantando. Não parecia importante. O que importava, para ele, é que agora ele
estava solto. E livre.

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A CAMINHO DE UM SONHO

– Na semana que vem começaremos nossa excursão pela Europa. Iremos visitar os
lugares históricos de maior importância no contexto da Reforma Protestante, que
ocorreu no século XVI. Visitaremos o castelo de Wartburg, onde Lutero se escondeu da
perseguição que sofria e onde traduziu o Novo Testamento do latim para o alemão em
apenas onze semanas. Também passaremos pelo mosteiro agostiniano onde Matinho
Lutero estudou, pela igreja de Santa Maria onde ele pregava e por Worms, onde foi feita
a famosa Dieta de Worms. Mas o ponto alto da viagem será pela igreja em que Lutero
pregou suas 95 teses, em 31 de Outubro de 1517, no castelo de Wittenberg – disse o
pastor Walter, da igreja em que Paulo congregava, animado com a excursão que seria
feita no Domingo.

Paulo era um jovem cristão convertido há cinco anos, e com vinte e um já era muito
interessado pela história da Igreja cristã. Seu livro preferido, a Bíblia, já tinha lido várias
vezes, e se ocupava na leitura de livros cristãos, em especial os escritos dos Pais da
Igreja e dos Reformadores. Lia, relia e anotava cada parágrafo importante, pois sabia
que ele só estava ali porque um dia homens de Deus se levantaram para pregar o
evangelho em um tempo sombrio, contra tudo e contra todos, muitas das vezes
derramando seu próprio sangue. Gostava da vívida e real descrição de Tertuliano, no
século II: “O sangue dos mártires é a semente de novos cristãos”.

Por isso, seria decididamente importante participar daquela excursão pela Europa, que
começaria na Alemanha e se estenderia por uma semana, pela Inglaterra e pela França.
Só havia um problema: o preço. A igreja tinha feito de tudo para conseguir custear a
maior parte dos custos das viagens e hospedagens, mesmo assim uma parte teria que
ser paga pelas próprias pessoas.

Paulo não era exatamente pobre, mas sua família constantemente passava
necessidades. Sua mãe, dona Auzira, era dona de casa, e seu pai, seu Sebastião, ganhava
dois salários mínimos para trabalhar dez horas por dia em uma indústria
automobilística. Com o dinheiro ganho mensalmente, mal dava para pagar as despesas
da família. O próprio Paulo ganhava um salário mínimo como estagiário, trabalhando de
manhã. De tarde ele tinha que estudar, em uma faculdade pública. Como iria ajuntar
todo o dinheiro necessário para a excursão?

– Você vai para a excursão, Paulinho? – disse Marcos, o seu melhor amigo da igreja.
Paulinho era como Paulo era chamado pelos colegas de trabalho, de faculdade e de
igreja. Apenas sua família o chamava de Paulo.

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– Eu quero muito ir, mas não tenho condições. Teria que trabalhar um mês inteiro para
pagar todas as despesas, e ainda faltaria dinheiro.

– Se eu pudesse, emprestaria todo o dinheiro necessário. Mas estou tão duro quanto
você. Apenas tenho o suficiente para a excursão. Ouvi dizer que há uma vaga de
emprego para entregar panfletos a tarde inteira, por vinte reais por dia. É uma pena que
você tenha faculdade neste período.

Paulo pensou bem. Era verdade que ele tinha aula à tarde, mas poderia faltar uma
semana que não iria reprovar por isso. Por outro lado, ele nunca havia trabalhado nisso.
Entregar panfletos era uma realidade totalmente diferente para ele. Nunca havia
pensado que poderia fazer isso um dia. Vinte reais por dia durante uma semana não era
tudo o que ele precisava, mas já era alguma coisa. Poderia cortar gastos e juntar o
dinheiro necessário.

Ele pensou bem na ideia, até que decidiu topar. Conseguiu aquela vaga e passou a
entregar folhetos a tarde toda, exposto ao maior sol do dia. No final da semana, pediu
um adiantamento de onde trabalhava de manhã, juntou ao que já tinha e teve o
extraordinário gosto de saber que havia conseguido o suficiente para ir à excursão!

Havia trabalhado duro para isso, e até passado por algumas humilhações. Mas, no fim
das contas, tinha valido a pena. Afinal, agora ele iria presenciar na prática aquilo que
apenas imaginava como era. Iria ver com os próprios olhos aquilo que apenas lia sobre.
Iria ver a história se passar diante de seus olhos, revivendo os fatos do passado. Iria
retornar ao ponto onde toda a Reforma começou, onde teve início essa nova página na
história do Cristianismo.

– Se apressem todos, partiremos em dez minutos – disse a irmã Sara, uma das
diaconisas da igreja.

Já era Domingo, e Paulo havia esperado tanto por aquele momento. Entrou naquele
ônibus que partiria para o aeroporto como se estivesse dando um passo para a glória.
Aproximadamente cem jovens de várias igrejas iriam se reunir nessa excursão. Mas, de
todos eles, Paulinho era certamente o mais animado. No dia, era como se todo o
esforço empreendido para chegar até ali não tivesse sido nada. Sentou-se ao lado de
Marcos no último banco do ônibus.

No banco da frente estavam Melissa e Andressa, duas grandes amigas que tinham
muito pouco em comum. Melissa era quieta, tímida, só falava com quem era de seu
círculo de amizade. Por isso mesmo, pouco falava com Paulo. Talvez seja a única pessoa
da igreja que não o chamava por “Paulinho”, mas por Paulo mesmo. Isso quando falava,

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porque na maioria das vezes apenas cumprimentava. Já Andressa era elétrica, falava
com todo mundo de um modo que parecia íntima de todos. Marcos não a suportava.
Paulo ainda tinha mais paciência.

– Tomara que você não apronte nada desta vez, Paulinho! – disse ela brincando,
lembrando do que ocorreu quando houve uma gincana no grupo de jovens, em que ele
deletou os arquivos do computador da igreja por engano e acabou com a brincadeira
sobre perguntas bíblicas.

– Você devia ter ficado feliz, pois estava em último lugar! – lembrou Paulinho, também
em tom de brincadeira.

Neste momento ele vê Henrique, um garoto mais jovem que ele, mas profundamente
exibido e arrogante, entrando no ônibus. Geralmente ele costumava implicar com Paulo
e Marcos, que tentavam não ligar para as suas provocações. Ninguém sabia se ele era
convertido de verdade. De fato, ninguém sabia se ao menos ele tinha feito uma
profissão de fé, apenas frequentava os cultos de Domingo, junto a seu amigo Thiago, da
mesma índole que ele.

Há alguns meses, desde que ele começou a frequentar o culto, alguns objetos da igreja
começaram a desaparecer. Primeiro foi o candelabro que a igreja usava de forma
decorativa. Depois foi uma guitarra de um dos integrantes do grupo de louvor. Até a
Bíblia do pastor Walter havia desaparecido. Ninguém ousava encarar Henrique ou
acusá-lo destes crimes, mas todos desconfiavam dele e contavam entre eles que ele
poderia ser culpado, ou que provavelmente tinha alguma coisa a ver com os sumiços
repentinos de alguns objetos da igreja. Como de costume, ele mal entrou no ônibus e já
foi encarando Paulo e Marcos:

- Aí estão os dois trouxas, quero dizer, amigos.

Paulo e Marcos não respondiam, mas guardavam silêncio. Na maioria das vezes
ignoravam ou fingiam não perceber a presença de Henrique, mas às vezes Marcos
perdia a paciência com ele e retrucava na mesma moeda. Desta vez, eles foram
interrompidos pelo pastor Walter, que acabou com todo o falatório no ônibus para
anunciar as regras da excursão.

– Ninguém pode se afastar, em nenhuma circunstância, de mim e do resto do grupo.


Para qualquer coisa, como ir ao banheiro ou comer algo, me consulte primeiro.
Lembrem de levar seus celulares, mas se vocês se perderem na Alemanha será muito
difícil encontrá-los. Não vamos nos responsabilizar pela irresponsabilidade de ninguém.
Não conversem nem façam nada a ninguém que não seja do grupo. E lembrem-se que

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lá vocês estarão sujeitos à lei deles. Evitem ao máximo fazer qualquer coisa que
perturbe a ordem, sejamos luz e exemplo para todos.

O pastor Walter geralmente era sorridente e andava de bom humor, mas às vezes sabia
ser rigoroso e rígido no uso de sua autoridade na igreja. Ninguém questionava sua
liderança, pois agia com temor e tremor. O ônibus partiu e chegou ao aeroporto. De lá,
seriam mais doze horas de viagem até a Alemanha. Um longo percurso, que aguardava
perigos muito maiores.

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NA ALEMANHA

Depois de doze longas horas de viagem, Paulo e todos os demais da excursão


chegaram a Wartburg, cidade que seria o local da primeira parada: o castelo de
Wartburg.

– O que exatamente esse castelo tem de tão importante? – perguntou Renato, outro
amigo de Paulo, que não sabia ao certo o que estava fazendo ali, apenas foi porque
seus amigos foram.

– Aqui foi onde Martinho Lutero se refugiou, depois da Dieta de Worms – respondeu
Paulo.

– Qual foi essa dieta que o Worms fez? E quem é esse Lutero?

Pelo jeito, o desconhecimento de Renato era mais gritante que o que se pensava. Mas
Paulo era calmo, e passou a explicar-lhe resumidamente a questão.

– Martinho Lutero foi um monge alemão nascido no século XVI, que, inconformado com
a venda de indulgências que a Igreja praticava em sua época, redigiu 95 teses e deu
início à Reforma Protestante.

– O que eram as indulgências?

– Indulgência era o perdão dos pecados que a Igreja Católica concedia a um pecador.
Naquela época, ela vendia indulgências, ou seja: vendia o perdão dos pecados e a
salvação. Eles diziam que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, uma alma sairia
voando do purgatório para o Céu. Lutero não se conformava com isso, e respondeu:

“Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e a cobiça; a


intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus. Deve-se ensinar aos
cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do
que se comprassem indulgências. E deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um
carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências
do papa, mas a ira de Deus”.

Paulo, então, leu algumas das 95 teses de Lutero, onde este dizia:

“Por que o papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema
necessidade das almas - o que seria a mais justa de todas as causas -, se redime um
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número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da
basílica - que é uma causa tão insignificante? Por causa do dinheiro, permitem ao ímpio
e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus; porém, por que não a redimem
por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta, por amor gratuito? Por que
o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos mais ricos Crassos, não constrói com seu
próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o
dinheiro dos pobres fiéis?”

– E foi por isso que Lutero quis reformar a Igreja?

– Esse foi o começo. Ele pensava que, se o papa soubesse das exaltações dos
pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a basílica de São Pedro a edificá-
la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas. Mas o papa, ao invés de reagir aos
abusos dos vendedores de indulgências, decidiu reagir contra o próprio Lutero, e o
excomungou da Igreja. Quando Lutero soube que o papa estava envolvido na venda de
indulgências e que era cúmplice de todo esse abuso existente na Igreja, ele passou a
condenar o papa também.

– Apenas uma única coisa eu não entendi. Qual foi essa dieta que Worms fez? Ele
conseguiu emagrecer mesmo? E o que isso tem a ver com Lutero?

Marcos, já irritado com a estultice de seu amigo Renato, tomou a palavra e disse:

– Cara, Worms não é uma pessoa, é uma cidade alemã. E essa “dieta” não foi uma dieta
alimentar. O significado primário de dieta é “uma assembleia política onde se discute o
interesse de diversos Estados nela representados”. No caso específico da Dieta de
Worms, ela foi uma reunião de cúpula oficial, governamental e religiosa, chefiada pelo
imperador Carlos V, na cidade de Worms, em 1521. Lutero foi intimado por esse
imperador a participar dessa Dieta para renegar suas convicções religiosas que eram
contrárias a Igreja de Roma, a igreja oficial do Estado. Mas ele, ao invés de renegar sua
fé, disse:

"Que se me convençam mediante testemunho das Escrituras e claros argumentos da


razão, porque não acredito nem no papa nem nos concílios já que está provado amiúde
que estão errados, contradizendo-se a si mesmos - pelos textos da Sagrada Escritura
que citei, estou submetido a minha consciência e unido à palavra de Deus. Por isto, não
posso nem quero retratar-me de nada, porque fazer algo contra a consciência não é
seguro nem saudável. Não posso fazer outra coisa, esta é a minha posição. Que Deus
me ajude!”

Paulo continuou, contando o final da história:

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- Lutero seria condenado por heresia e, muito provavelmente, seria morto na fogueira
da Inquisição, como eram os demais que eram considerados “hereges” em seu tempo.
Mas, quando estava voltando de Worms para retornar a Wittenberg, o príncipe-eleitor
da Saxônia, Frederico, ordenou que Lutero fosse capturado por um grupo de homens
mascarados a cavalo, conferindo-lhe guarda no isolado castelo de Wartburg, onde
estamos agora. Aqui Lutero traduziu a Bíblia do latim para o alemão, para que o povo
pudesse ler as Escrituras em sua própria língua. Ele estava tão inflamado pelo desejo de
que o povo pudesse ler a Bíblia que traduziu o Novo Testamento inteiro do latim para o
alemão em dois meses e meio.

Sem mais perguntas, Renato fingiu que tinha entendido tudo e não esboçou mais
perguntas. Enquanto eles estavam explicando cada uma dessas informações a Renato,
Henrique prestava uma atenção descomunal em tudo aquilo. Não abria a boca, mas
Paulo percebeu que tinha algo a mais ali. Depois de ouvir atentamente cada palavra que
Paulinho e Marcos diziam, ele exclamou:

- Eu quero entrar nesse castelo de Wartburg!

- Não pode, hoje ele está fechado para visitas.

Henrique fez uma cara descontente, visivelmente irritado por ouvir essa negativa. Mas
não respondeu nada. Ficou pensativo e observou bastante o local. Depois, seguiu seus
colegas para o próximo destino, que seria o castelo de Wittenberg. Todos estavam
seguindo o pastor Walter, mas, como eram muitos, se dividiam em pequenos grupos de
amigos. Paulo estava junto a Marcos, Renato, Melissa e Andressa, com Henrique e
Thiago próximos, os irritando quando tinham oportunidade. Quando já estavam quase
chegando ao castelo de Wittenberg, pararam em uma praça e lá viram alguém jogado
ao chão, perto de um assento de madeira, em péssimas condições. Não era possível ver
seu rosto, mas parecia ser um mendigo.

- Mas mendigo na Alemanha? – indagou Melissa.

- Nem todo país é tão de primeiro mundo quanto parece – respondeu Andressa.

- Thiago, tira uma foto, encontramos um mendigo na Alemanha! – ordenou Henrique ao


seu amigo.

Thiago tirou uma foto com uma câmera Polaroid, daquelas máquinas fotográficas
antigas, em que a foto sai revelada na hora. Não satisfeito com a foto, Henrique chegou

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mais perto e deu um chute fraco no mendigo, para ver se ele se levantava ou esboçava
alguma reação. Mas nada.

- Sai daí, Henrique! – gritou Marcos, indignado com aquela cena patética.

- Temos que ajudar esse homem, vamos fazer alguma coisa por ele – insistia Andressa.

- Melhor não, lembre-se das palavras do pastor Walter: “não conversem nem façam
nada a ninguém que não seja do grupo”. Ele não é do grupo, ou é? – respondeu Paulo.

- Mas ele pode estar precisando de ajuda. Vamos levá-lo a um hospital ou sei lá onde –
ainda insistia Andressa.

- Hospital? Nem sabemos onde tem um hospital aqui na Alemanha. E isso nos faria sair
completamente do curso da nossa excursão. Vamos sair rápido daqui, pois o resto do
grupo já está tomando distância, mal consigo ver o pastor Walter daqui. Se ele perceber
que estamos parados e desobedecendo suas ordens, iremos retornar ao Brasil sem
entrar no castelo de Wittenberg!

Sem conseguir refutar as palavras intransigentes de Paulinho, Andressa teve que se


conformar, a contragosto. Deixaram o mendigo onde estava e correram para alcançar o
restante do grupo antes que levassem uma bronca do pastor Walter, que já estava
muito à frente. Finalmente, chegaram à porta da igreja de Wittenberg. O pastor não
perdeu a oportunidade e fez algumas declarações ao chegar:

- Pessoal, este aqui é um local histórico. Vocês estão na frente do local onde, há
quinhentos anos, começou a Reforma Protestante. Vocês estão onde Martinho Lutero
pregou suas 95 teses contra a venda de indulgências. Vocês estão onde a história
começou a ser escrita...

E ele continuava aquele discurso formal por longos minutos. Enquanto isso, Paulo se
deu conta do sumiço de Henrique e Thiago. Olhando por todas as partes, não
conseguia encontrá-los em lugar nenhum. Deu um toque em Marcos e perguntou se ele
sabia para onde aqueles dois foram. Ele também se assustou quando viu que eles
haviam desaparecido. Por mais que aqueles dois os irritassem não poucas vezes, eram
da igreja, eram irmãos, tinha uma certa consideração e afeto por eles. Foi quando Paulo
teve uma ideia e exclamou:

- Já sei! Eles devem ter voltado para bater mais naquele mendigo de rua. O Henrique só
parou quando você o impediu, mas com certeza eles só estavam esperando o resto do

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grupo avançar para que eles pudessem voltar e fazer o que quisessem com ele. Vou
atrás deles agora!

Paulinho deixou Marcos e saiu em disparada para alcançar Henrique e Thiago, pelo
mesmo trajeto de onde tinham vindo. Eram cinco minutos de distância, que ele correu o
mais rápido que suas pernas lhe permitiam. Afinal, não queria perder de vista o resto do
grupo.

Finalmente, chegou ao local onde antes estava o mendigo. Olhou ao redor e... nada.
Nem sinal do mendigo, de Henrique ou de Thiago. Pensou se aquele era o local exato.
Talvez fosse apenas parecido. Não era possível que não houvesse mais ninguém. Aquele
mendigo não parecia ter forças para se levantar sozinho, e nem se mexeu quando foi
anteriormente chutado por Henrique. Com certeza aqueles dois haviam levado aquele
mendigo para sabe-se lá onde, para fazer com ele sabe-se lá o que.

Tentando se aventurar na tentativa de encontrar os três, ele deu voltas no local. Não
achava nem uma única alma vivente. De vez em quando passava por ali algumas
pessoas, mas não era possível se comunicar com elas. Não sabia falar inglês para que
pudesse dialogar com os alemães, e muito menos sabia o próprio alemão! Sabendo
disso, uma luz veio repentinamente na cabeça de Paulo:

- Eles estão no castelo de Wartburg!

Ele se lembrou do modo pelo qual Henrique olhava ambicioso para aquele castelo, que
era rico em grandeza e em formosura, e também em sua descontentação ao saber que
não podia entrar naquele dia. Henrique era obstinado, e ia atrás de tudo o que queria,
até que conseguisse aquilo que buscava. Não aceitava um “não” como resposta. E era
muito estranho que ele não tivesse respondido nada depois de ter recebido um “não”
naquela ocasião. Para Paulinho, isso só podia significar uma coisa: ele e Thiago levaram
o mendigo para dentro do castelo de Wartburg! Ele não sabia como eles teriam
conseguido entrar, mas Henrique era astuto, certamente deveria ter arranjado algum
meio.

Mas tinha um problema: Wartburg ficava a trinta minutos de Wittenberg – e isso se ele
corresse muito! Se ele fosse até lá, poderia voltar e não encontrar o grupo. Estaria
perdido na Alemanha, sem saber falar alemão nem inglês. Pelo menos tinha uma
esperança: seu celular. Bastaria uma ligação e pronto: alguém iria buscá-lo em
Wartburg. O pastor Walter com certeza ficaria indignado, mas era um risco que ele teria
que correr. Além disso, se ele fosse bem rápido, talvez pudesse chegar a Wartburg antes
de Henrique. Se eles estavam mesmo carregando um mendigo na rua, não iriam
conseguir chegar lá tão cedo. Bastaria dez ou quinze minutos de corrida a pé que Paulo

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poderia alcançá-los facilmente. Ele pensou sobre tudo isso, e decidiu: ia correr na
direção deles. Ao castelo de Wartburg.

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NO CASTELO DE WARTBURG

Paulo começou a correr em disparada. Se ele tinha mesmo razão, não demoraria mais
que quinze minutos para alcançá-los. Depois, seria só livrar o mendigo das mãos deles e
levá-los já ao pastor Walter, para dar uma bela de uma bronca neles, e ainda por cima
premiá-lo como o “herói” do dia. Um final típico de filme, que Paulinho esperava
alcançar. O que ele não contava era que, depois de dez minutos correndo sem parar, ele
não encontrasse ninguém. Já sem tanto fôlego, começou a correr mais devagar. Outros
dez minutos, e nada. Quinze, e nada. Vinte, e nada. Depois de quase quarenta e cinco
minutos correndo, Paulo havia chegado ao castelo de Wartburg, sem encontrar
ninguém pelo caminho, que ao menos levantasse suspeitas de Henrique, Thiago ou do
mendigo.

Desesperado e decepcionado, ele pegou seu celular, para admitir o fiasco e dizer para o
pastor Walter ficar tranquilo, que ele já estaria voltando. Pegou o celular. Não demorou
muito para se deparar com uma notícia que o tirou do sério: havia acabado a bateria do
celular. Ele havia esquecido de desligá-lo durante toda a viagem a Alemanha, e não
tinha mais bateria, nem carregador. Irado, ele perdeu a paciência e lançou o celular ao
chão. Ele se espatifou completamente, se fazendo em pedaços. Havia caído sobre uma
rocha, e bateu contra ela com toda a violência.

Paulinho ficou em pânico. Sua raiva era maior do que o que ele esperava. Havia lançado
seu celular ao chão com uma força descomunal. Já tinha ficado com raiva antes, mas
nunca ao ponto de quebrar seu celular. E pior: na hora em que ele mais precisava dele.
Sem celular, longe de Wittenberg e sem o mesmo fôlego para fazer o mesmo trajeto
dentro de apenas quarenta e cinco minutos, ele sabia que teria que voltar naquele
mesmo momento se quisesse ter alguma chance de rever seus amigos.

Quando já estava quase retornando, ele vê um homem jogado ao chão, ao longe, em


uma ponte. Era impossível saber se era o mesmo mendigo que você estava procurando,
mas dois mendigos na Alemanha já era coisa demais para ser mera coincidência. Seu
espírito aventureiro falou mais alto e ele decidiu esperar mais um pouco antes de voltar.
Iria apenas confirmar se era ou não o mesmo mendigo que estava naquela ponte, e,
quem sabe, achar algum sinal de Henrique e Thiago.

***

A ponte ficava próxima ao castelo de Wartburg. Aquele homem estava deitado ao canto
dela, e abaixo dela havia um grande rio. Chegando mais perto, você percebeu que
aquele homem não era o mesmo mendigo que foi visto anteriormente. Na verdade, ele

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nem mesmo era um mendigo. Estava bem vestido, cabelo feito, sapato de marca, e até
um chapéu elegante. Mas estava largado numa uma ponte, por qualquer razão. E isso
não era tudo: aquele homem sofria de epilepsia. Estava tendo convulsões ali, se
revolvendo no chão.

Paulo percebeu que ele trazia alguma coisa em seu paletó. Erguendo a mão, tomou
daquele homem aquilo que parecia ser uma foto. Quando virou e viu o que era, tomou
um susto: era a foto que Thiago tinha tirado do mendigo! Era até possível ver Melissa ao
canto direito e Marcos ao canto esquerdo da foto, com o mendigo caído no meio. Paulo
não teve dúvidas: Henrique e Thiago estavam por perto.

Ele se lembrou de que não era possível ver a cara daquele mendigo. Podia ser o mesmo,
com roupa trocada. Quando Henrique e Thiago perceberam que aquele homem sofria
de epilepsia, teriam ficado com medo e o largado perto do castelo, para depois
tentarem invadi-lo. Devia ser isso. Mas havia um problema: como que aqueles dois iriam
conseguir trocar a roupa de um mendigo e vesti-lo com outra? Não tinha sentido. Só
havia um único jeito de saber: entrando no castelo de Wartburg.

***

Paulo geralmente não era de quebrar regras ou infringir a lei. Zelava por guardar a Lei
de Deus e a as leis dos homens. Mas, nessa circunstância, isso não parecia que deveria
ser levado em conta. Então, deixou aquele homem epilético ali mesmo no chão e foi em
direção ao castelo de Wartburg.

Entrar naquele castelo não era nada fácil. Afinal, ele fica a 400 metros acima do nível do
mar. Teria que subir as escadas durante um bom tempo se quisesse chegar lá, e, depois,
teria que ter muito mais sorte se quisesse arranjar algum jeito de entrar. Após vários
minutos subindo as escadas, chegou à porta: fechada. Havia apenas um guarda
montando vigia. Pela porta principal não teria como entrar. Se Henrique e Thiago
entraram no castelo, com certeza eles fizeram um outro caminho.

Olhando por todas as partes, Paulo percebeu que na parte lateral do castelo havia várias
janelas. Eles teriam que ter escalado o muro se quisessem chegar às janelas – e contar
com a sorte de que uma delas estivesse aberta. Mas isso não seria nenhum empecilho
para a mente audaciosa de Henrique. Paulo, então, se dirigiu ao canto, buscando escalar
o muro até chegar às janelas. Viu que uma delas estava aberta. Todas as outras
fechadas. Se eles tinham entrado por algum lugar, seria com certeza ali. Tentou ir com
calma, discretamente, para não causar suspeitas ao policial que guardava vigia.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 17


Chegando mais perto, percebeu que aquele muro era muito mais alto do que parecia de
longe. Parecia quase impossível que alguém conseguisse escalá-lo a mãos, sem ajuda
de nenhum equipamento. Paulo tentou escalar pelo menos uma vez, mas, antes que
pudesse chegar à metade, caiu. Por sorte, o que havia abaixo era grama, que abafou a
queda, a dor e o barulho. Mas não o suficiente para que não chamasse a atenção do
guarda.

Paulo percebeu que havia dado suspeitas ao guarda, e que ele estava se aproximando.
Tentou se abaixar o que pôde para se esconder entre os galhos de uma árvore. O
guarda se aproximava cada vez mais. Olhou para a direção onde Paulo estava, mas não
fixamente a ele. Deu mais um passo à frente. Paulinho suou frio. Se fosse descoberto,
seria preso e não teria como se explicar. Tentando se agachar um pouco mais, fez um
barulho entre os galhos. Levantou mais suspeitas. O guarda se aproximou ainda mais.

Para a sorte de Paulo, ele estava com uma camisa verde, que servia de camuflagem
entre a grama. O guarda, desconfiado, olhou mais um pouco e decidiu voltar. Talvez
tivesse sido apenas um bicho, deve ter pensado. Paulo reuniu forças para sair dali. Não
podia voltar pelo mesmo local de onde veio, ou iria levantar mais suspeitas. Decidiu dar
a volta. Seria muito perigoso, mas parecia a única alternativa. Para o seu desespero,
começava a chover. O dia já estava escurecendo, talvez já fosse seis da tarde.

Paulinho, agora, estava mais do que em apuros: estava longe de casa, longe dos
amigos, sem celular, sem ter como se comunicar com os outros e preso na parte de fora
de um castelo. A situação piora quando ele vê que seria impossível continuar a volta ao
castelo. Havia uma declinação de dez metros, embora Paulo não conseguisse ver onde
era o chão. Já machucado com a última queda, decidiu não arriscar mais. Iria voltar e
esperar o turno do guarda acabar, para que pudesse sair dali e esquecer de uma vez por
todas essa história, torcendo para que o grupo ainda estivesse em Wittenberg.

Sob chuva, frio e dor, ele esperou embaixo daquele mesmo galho que antes esteve ao
se esconder do guarda, montando vigia, para ver quando ele iria sair. Demorou meia
hora para que isso acontecesse. Aproveitando a oportunidade, saiu dali o mais rápido
possível, desceu as escadas e correu. Chegando ao local onde antes estava com o
homem epilético, próximo a ponte, viu uma estranha movimentação. Eram ambulâncias,
que chegaram tarde demais. Aquele homem havia morrido.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 18


FIM DA LINHA

Marcos estava preocupado. Seu melhor amigo havia saído e não tinha voltado mais.
Será que estava perdido na Alemanha? Teria sido sequestrado? Algum bandido havia
feito algo mal a ele? Não sabia. Esperou meia hora para que ele voltasse. Se possível,
com Henrique e Thiago. Enquanto isso, o pastor Walter continuava com seus sermões:

- ...Vocês estão onde a história começou a ser escrita. Mas o que realmente deve ser
questionado é: o que você tem feito para reformar sua própria vida? Nós somos a
Igreja, o Corpo de Cristo. Cada um de nós somos membros deste corpo. Como corpo,
devemos crescer, amadurecer, buscarmos a Deus, a santificação, o domínio próprio, o
amor. Não devemos buscar apenas o nosso próprio bem, mas pensarmos no próximo
mais do que em nós mesmos. Devemos orar pelos cristãos que estão presos
injustamente como se nós mesmos estivéssemos presos com eles. Devemos ajudar o
pobre, o órfão, a viúva e o necessitado como se fôssemos nós mesmos que
estivéssemos ali, naquela situação. Devemos reformar continuamente o nosso próprio
coração, transformar o nosso modo de pensar, renovarmos a nossa mente. Devemos
Reformar a Igreja, começando por nós mesmos. A Reforma não foi apenas um grande
ato do passado, sem nenhum reflexo para os séculos seguintes. A reforma deve ser
contínua, devemos sempre olhar para frente e não nos cansarmos de fazer o bem, pois
no tempo certo colheremos, se não desanimarmos. A Igreja é reformada quando os
cristãos são reformados. Quando eu e você morremos para nós mesmos para vivermos
por Cristo. Quando não lutamos pela nossa própria satisfação pessoal, mas pelo bem do
próximo. Quando tudo o que temos e tudo o que somos de nada vale, se não tiver
amor. Senão, a Reforma terá sido em vão. E em vão as nossas vidas.

O pastor Walter não havia terminado ainda, mas Marcos já havia esgotado sua
paciência em esperar Paulo. Já havia se passado mais de meia hora, e, se ele não fizesse
nada, poderia perder o seu amigo para sempre. Decidiu que iria atrás dele. Deixou o
grupo e começou a correr. Chegou ao local onde estava antes o mendigo, mas não
achou ninguém. Continuou pelo caminho, em direção a Wartburg. Quando já estava
quase chegando, começou a chover.

Marcos procurou algum lugar onde pudesse se abrigar, fugindo da chuva. Mas, no
lugar, o que encontrou foi o celular de Paulo. Estava quebrado, partido ao meio. Se a
situação já era crítica, com isso ficava ainda pior. Quem teria quebrado o celular de
Paulo? As suas suspeitas de que seu amigo teria sido sequestrado começavam a se
confirmar. O sequestrador teria se livrado de qualquer vestígio de Paulinho, jogando seu
celular ao chão. Começou a gritar:

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 19


- Paulinho! Paulinho! Você está aqui?

Algumas pessoas que passavam na rua olhavam assustadas, provavelmente sem


entender o que estava sendo dito, mas ninguém respondia coisa alguma. Nem sinal de
Paulinho. Se os sequestradores tinham levado seu amigo, ele não devia estar muito
longe dali, onde seu celular foi encontrado. Talvez o tivessem levado a algum matagal.
Olhou para frente, e não era difícil ver a extensa área verde em torno do castelo de
Wartburg. Teriam levado Paulo ao castelo? Não sabia. Mas valia a pena conferir.

***

Paulo estava chocado. Aquele homem estava morto, e ele não havia feito nada para
ajudá-lo. No lugar, quis correr ao castelo de Wartburg, o que não lhe foi nem um pouco
útil. Sentiu-se culpado, mas já não havia nada que pudesse ser feito agora. Teria que
voltar rapidamente a Wittenberg, se ainda quisesse ter alguma chance de encontrar o
grupo. Foi quando ele escutou alguns gritos ao longe, pouco perceptíveis, que diziam:

- Paulinho! Paulinho! Você está aqui?

Era seu nome! E, por tê-lo chamado por “Paulinho”, com certeza só podia ser alguém
do grupo. Agora sim ele tinha certeza de suas dúvidas: Henrique realmente estava ali,
vigiando-o desde o início, tramando alguma coisa, como sempre. Agora estava
tentando assustá-lo. Mas onde? Onde estaria Henrique? Não era possível discernir ao
certo de onde vinha aquela voz. Se pudesse apostar em algum lugar, diria que vinha do
castelo. Voltou seus olhos novamente a ele, até que viu um garoto correndo as
escadarias que davam para a porta principal, a mesma por onde ele já havia ido e
votado. Era isso: ele finalmente o tinha encontrado!

Paulo foi correndo atrás dele. Se fosse rápido, poderia alcançá-lo e lhe dar uma bela de
uma lição. Chegou ao primeiro degrau quando o outro garoto já estava quase lá em
cima, tão rápido que corria. Paulinho não conseguia seguir o mesmo ritmo, pois havia
se cansado muito com tudo isso, além de estar mancando, ainda com fraturas por causa
da queda. Queria pelo menos não perdê-lo de vista. E isso ele conseguiu até chegar ao
topo. Quando chegou, não viu mais ninguém. Seja lá quem tenha corrido, tomou um
dos dois lados. Pelo meio não teria ido, pois a porta estava fechada. Ele poderia ter ido
à esquerda, como o próprio Paulo tinha feito antes, ou tomado a direção oposta.

Uma dúvida cruel. Paulo decidiu ir pela esquerda.

Seguiu o mesmo caminho que já tinha ido anteriormente, visando a mesma janela que
continuava aberta. Sabia que não teria como chegar lá, mas se Henrique tivesse ido pela

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 20


esquerda não poderia chegar a outro lugar. Paulo tentou se desviar dos galhos de
árvore. Chovia e já estava anoitecendo, o que piorava sua visão. Viu um movimento à
frente.

- Henrique? É você?

Neste instante, alguém o agarra por trás e o joga ao chão. Não teve tempo para pensar.
Essa queda pareceu pior do que a última.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 21


NA PRISÃO

Marcos correu o mais rápido que pôde, tão grande que era sua preocupação por Paulo.
“A vida dele depende de mim”, pensava ele, enquanto corria. Chegou ao topo e se
deparou com uma porta fechada. Não tinha o que fazer. Era tomar a esquerda ou a
direita. Sem muito tempo para pensar, preferiu seguir pela direita. Enquanto ele corria,
viu um policial chegando ao posto. Marcos chegou a um lugar sem saída.
Decepcionado, preferiu retornar. Era perigoso demais entrar no castelo de Wartburg.
Não acreditou que por algum momento realmente achou que tivessem levado Paulinho
ao castelo. “Que ideia absurda”, ele disse.

***

Era a hora da mudança de turno. Um vigia noturno tomaria o lugar daquele que
guardava vigia à tarde. Ele havia se atrasado um pouco, mas finalmente chegou. E, pelo
jeito, já teria trabalho deste cedo, pois viu um jovem correndo para uma área proibida,
no meio do matagal. Foi atrás dele. O jovem gritou algumas palavras sem sentido. O
guarda entendia apenas o alemão. Aquele jovem poderia ser um traficante, falando em
códigos com alguém. Havia parado no meio do mato. O guarda não hesitou: o deteve,
lançou ao chão e deu voz de prisão.

Disse para se identificar, mas aquele jovem não respondia nada. Falava algumas coisas
sem sentido, talvez fosse outro idioma. Para confirmar, tomou a liberdade de pegar sua
carteira de identidade. Descobriu que ele era da “República Federativa do Brasil”. Seria
um traficante brasileiro ou só mais um imigrante ilegal? Não sabia. Mas o pôs na cadeia
até averiguar o caso.

***

Paulinho foi levado até uma prisão. Não sabia onde estava, só sabia que foi levado em
uma viatura até uma cadeia, onde foi jogado em uma cela particular. De lá, ele começou
a chorar e a clamar, dizendo:

– Senhor, o que foi que eu fiz para merecer isso? Eu sou teu servo, prego o evangelho,
tento ser santo, oro, leio a Bíblia, gastei tudo o que eu tinha para vir até aqui... por que
raios o Senhor me faz passar por isso? Isso é totalmente injusto! Eu não mereço isso!
Por que os ímpios prosperam, tem sucesso e saúde, e eu sou tratado deste jeito? É isso
o que eu ganho por servi-lo? Não vale a pena! Eu tento te agradar e fazer a tua vontade,
estou pregando o evangelho, e ainda é deste jeito que você me retribui? Se for assim,
então eu não mais buscá-lo nunca mais! Chega desta vida!

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 22


***

Por volta da meia-noite, aqueles dois homens estavam orando e cantando hinos a Deus,
e os outros presos os ouviam. De repente, houve um terremoto tão violento que os
alicerces da prisão foram abalados. Imediatamente todas as portas se abriram, e as
correntes de todos se soltaram. O carcereiro acordou e, vendo abertas as portas da
prisão, pegou sua arma para se matar, porque pensava que os presos tivessem fugido.
Mas um daqueles homens gritou:

- Não faça isso! Estamos todos aqui!

***

Paulinho, sem perder tempo, saiu correndo, em disparada. Nem parou para ver quem
estava cantando. Não parecia importante. O que importava, para ele, é que agora ele
estava solto. E livre. Mas para onde ele iria? Ele estava perdido, em algum lugar da
Alemanha. Não sabia falar inglês nem alemão. Estava chovendo, e ele estava ensopado
dos pés à cabeça. Ainda mancava e sentia fortes dores. Não bastasse a primeira queda,
essa segunda o pegou desprevenido, quase quebrou a coluna. Foi dor sobre dor. Sua
camisa já estava rasgada, seu cabelo despenteado, sua calça marcada pela lama da
terra, parecia um mendigo. E ele já estava exausto de tudo isso, caindo de sono.

Para onde ir?

Não tinha o que fazer, nem para onde ir. Decidiu se entregar ao sono e à má sorte. Caiu
perto de um assento de madeira naquela praça. E seja o que Deus quiser.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 23


À ESPERA DE UM MILAGRE

Era dia de trabalho. Seu Frederico, de 52 anos, se levantou cedo, às seis da manhã.
Tomou um banho, tomou seu café da manhã, deu um beijo em sua esposa Antonina e
foi ao serviço. Ele trabalhava no campo, no setor agropecuário. Estava muito feliz
naquela semana, pois recentemente se tornara avô. Seu filho Isaac lhe dera uma neta,
de nome Margarete. Com menos de uma semana de vida, tinha olhos verdes e um
sorriso lindo, que conquistava qualquer um.

Ser avô era a realização de um sonho. Os médicos diziam que ele não iria passar dos
quarenta, porque sofria constantemente de ataques epiléticos. Por mais que ele fizesse
tratamento com medicamentos, muitas vezes acabava tendo convulsões em casa, no
serviço, e, às vezes, até mesmo na rua. Por isso, era importante que ele contasse sempre
com pessoas de bem, que o ajudassem quando ele mais precisasse. E, graças a Deus,
até ali ele tinha chegado aos cinquenta e dois anos firme e forte. Nem suas convulsões,
nem sua idade, o impediam de ir trabalhar com alegria, sustentar sua família e
frequentar a igreja.

No horário de almoço ele foi até a praça comer algo. Depois, decidiu ligar a seu filho
Isaac. Perguntar como estavam as coisas, se precisava de algo, se queria alguma ajuda.
Sempre se prontificava a ajudar seus filhos e sua esposa, em tudo o que fosse
necessário. No meio do caminho, ele viu uma foto caída no chão. Tomado por uma
estranha curiosidade, se abaixou e olhou. Era uma foto de um mendigo, deitado
naquela praça. Mas o mendigo não estava mais lá. Como ele gostava de ajudar as
pessoas, decidiu ficar com a foto para ele, para quem sabe identificá-lo um dia e se
lembrar de ajudá-lo, caso um dia visse aquele mendigo pessoalmente.

Então, ele colocou aquela foto em seu paletó, entrou no carro e continuou conversando
com seu filho por celular. Até que seu Frederico parou de responder. De repente, teve
uma nova convulsão. Já fazia dois meses que isso não acontecia, e parecia bom demais
para ser verdade. Seu filho, Isaac, percebeu na hora o que estava acontecendo e
acionou a ambulância, que ainda tardaria a chegar ao local.

Frederico, com dificuldades, parou o carro, pois não tinha a menor condição para
atravessar a ponte. Deixou o carro e se arrastou até o canto da ponte, para ver se
alguém o ajudava. Se ele continuasse dentro do carro, ninguém poderia fazer nada por
ele. Ficou algum tempo se contorcendo ali na ponte, sem ninguém dar atenção. Poucas
pessoas passavam por perto, e as que passavam estavam ocupadas demais com outras
coisas para darem atenção a ele.

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Até que ele viu um jovem se aproximando. Não conseguia dizer uma palavra, mas, se
pudesse, teria abraçado aquele garoto e dito um “Deus te abençoe”, por ter sido o
único a ir prestar ajuda àquele velho carente e necessitado. Ele sempre ajudava quem
precisava, e agora estava sendo ajudado também. Mas aquele jovem, ao invés de tirá-lo
dali, chamar alguém, acionar a ambulância ou prestar socorro, preferiu tomar dele
aquela foto que ele trazia em seu paletó. E, depois de analisá-la com um espanto e
admiração fora do comum, foi embora. Deixou-o no mesmo lugar, como um ninguém,
sofrendo sozinho e desamparado.

***

Dona Antonina era uma senhora simpática e alegre. Era feliz com o marido que tinha e
com a vida que Deus lhe deu. E, assim como seu marido, ela também tinha um motivo
especial para estar feliz naquela semana, que era o nascimento de Margarete. Todos os
dias que seu marido ia trabalhar ela orava para que pessoas boas e de bom coração o
ajudassem, caso seu marido fosse acometido por alguma nova convulsão. E ela contava
os minutos para vê-lo de volta, ao chegar em casa.

Mas naquele dia ela teria uma notícia diferente, que lhe partiria o coração.

- Dona Antonina, por favor, a senhora é a esposa de Frederico Tetzner Schmidt?

Pelo tom de voz de quem estava falando do outro lado da linha e pelo som das
ambulâncias ela já começou a chorar, sabendo que algo de muito ruim teria acontecido.
Mas não esperava o pior.

Dona Antonina ficara viúva.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 25


ESPERANDO SOCORRO

- Sai daí, Henrique! – gritou Marcos, indignado com aquela cena patética.

Henrique saiu, inconformado. Queria ver a cara daquele mendigo, na Alemanha. Não se
conformava apenas com uma foto que nem o rosto mostrava.

- Vamos embora, Thiago, esses trouxas não vão nos deixar fazer nada enquanto
estiverem por perto – disse Henrique, enquanto atirava aquela foto ao chão, irritado.

Esperaram alguns minutos até que o grupo tomasse distância, fingindo que os estavam
seguindo de perto. Depois que o grupo já tinha virado a esquina, eles voltaram
correndo até o local onde aquele mendigo estava. Não planejavam chutá-lo ou socá-lo,
apenas queriam uma foto em melhores condições do que a última. Aproximaram-se
com cuidado, porque sabiam que o mendigo poderia estar dormindo e, se acordasse,
poderiam ter complicações pela frente. Também tinham cuidado em fazer tudo aquilo
de forma rápida, para não levantarem suspeitas de ninguém do grupo quanto à
ausência deles.

- Thiago, pegue de novo a máquina fotográfica da sua avó – disse ele, ironizando o fato
de aquela máquina ser muito antiga.

Thiago pegou a máquina. Henrique se aproximava.

Tocou a mão direita no mendigo. Este não se movia. Será que estava morto? Tinha que
confirmar. Virou o corpo para ver o resto. Quando os dois viram, não acreditaram.
Levaram o maior susto.

- O quê? Você?!

***

Paulo decidiu se entregar ao sono e à má sorte. Caiu perto de um assento de madeira


naquela praça, e dormiu feito uma criança. Já era mais de meia-noite. O dia tinha sido
cansativo, ele ficara mais de doze horas correndo atrás de Henrique e Thiago, tentando
desvendar algum mistério em torno de um mendigo, investigando e invadindo o castelo
de Wartburg, caindo de muros, sendo preso e dormindo na praça. Já não tinha mais
esperanças de salvamento. Sua única expectativa era de que alguém do grupo o visse ali
e o ajudasse, pois qualquer alemão que passasse por lá iria pensar que ele estava
mendigando.

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 26


Mas como alguém do grupo iria passar por ali? Não sabia onde estava, podia ser
qualquer praça na Alemanha. Quantas praças existem na Alemanha? Umas mil, ele
pensou. Tinha sido conduzido a uma prisão que ele não fazia a mínima ideia de onde
ficava, e depois andado até uma praça, a qual nem pôde observar direito, pois estava
chovendo, o Céu estava escuro e ele caindo de sono. “Deus, por favor, me liberta”, disse
ele, lembrando do terremoto que o libertou da última prisão.

Mas agora ele não estava exatamente em uma prisão. Estava solto. E livre. Mas sentia-se
pior do que quando estava preso. Quando preso, ele tinha um teto que o protegia da
chuva e que o guardava do frio da noite, e comida no horário de almoço. Agora, ele
estava perdido, jogado ao chão como um cachorro, longe de seu grupo, sua família,
seus amigos. Longe de Deus. Havia murmurado contra Ele, como se a culpa de tudo isso
fosse dEle.

Enquanto outros presos que estavam em piores condições louvavam a Deus, ele estava
murmurando e reclamando da vida e de sua má sorte. Não, nesse momento nem
mesmo um terremoto poderia salvá-lo. Ele precisava de afeto humano. Precisava de
uma mão que o ajudasse a se levantar dali. Precisava de um abrigo. Precisava do pão
nosso de cada dia. Precisava que os outros membros do Corpo padecessem por ele,
como se eles mesmos estivessem padecendo junto.

Ele decidiu reunir forças para se levantar. Não tinha a mínima ideia de para onde ir, mas
pelo menos poderia tentar buscar ajuda. Então ele se deparou com um fato ainda mais
lastimável: não conseguia se levantar. A dor que ele estava sentindo parecia pior do que
a que ele sentia no dia anterior. Estava imóvel, no chão, mais dependente de Deus do
que nunca.

Foi então que ele ouviu de longe alguns passos. Esses passos ficavam cada vez mais
audíveis quanto mais se aproximavam. Alguém estava vindo. Alguém não, alguns.
Parece que um grupo inteiro estava se aproximando. Era tudo o que ele queria e mais
precisava. Mas os que iam passando seguiam adiante. Iam embora. Mais e mais passos
se aproximavam, e mais e mais passos se iam. Quando já pensou que todos tinham ido,
ele ouve alguém dizer:

- Mas um mendigo na Alemanha?

Ele se lembrava daquela voz. Era a voz de Melissa! Paulo se animou, seu espírito vibrou,
mas seu corpo permanecia estático, ao chão. Ainda não conseguia se mover, mas ouvia
a ajuda que estava chegando.

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- Nem todo país é tão de primeiro mundo quanto parece.

Era a voz de Andressa. Se Paulinho pudesse se levantar e dizer algo, iria pedir para
ajudá-lo a sair dali. Estava desesperadamente precisando de apoio, e aquela era a única
saída. Se os membros do Corpo não o ajudassem, quem iria ajudá-lo?

- Thiago, tira uma foto, encontramos um mendigo na Alemanha!

Neste momento, Paulo sente um chute nas costas. Um chute fraco, mas que doeu mais
do que qualquer outro que ele já levou. Suas costas já estavam doloridas do dia
anterior, ainda estava machucado e agonizando, sofrendo por causa daquilo, e qualquer
chute, por menor que fosse, já era suficiente para causar-lhe uma dor indescritível.

- Sai daí, Henrique!

Era a voz de Marcos. Seu melhor amigo! Se Marcos soubesse que era ele, com certeza
não hesitaria em ajudá-lo.

- Temos que ajudar esse homem, vamos fazer alguma coisa por ele.

Paulo torceu como nunca antes fez na vida, para que Andressa fosse escutada. Era tudo
ou nada. A sorte dele estava lançada nas mãos daquele que iria decidir o caso.

- Melhor não, lembre-se das palavras do pastor Walter: “não conversem nem façam
nada a ninguém que não seja do grupo”. Ele não é do grupo, ou é?

Paulinho teve vontade de gritar: “Sim! Eu sou!!!” Mas não podia. Estava imobilizado e
totalmente sem forças.

- Mas ele pode estar precisando de ajuda. Vamos levá-lo a um hospital ou sei lá onde.

- Hospital? Nem sabemos onde tem um hospital aqui na Alemanha. E isso nos faria sair
completamente do curso da nossa excursão. Vamos sair rápido daqui, pois o resto do
grupo já está tomando distância, mal consigo ver o pastor Walter daqui. Se ele perceber
que estamos parados e desobedecendo suas ordens, iremos retornar ao Brasil sem
entrar no castelo de Wittenberg!

Paulo já estava completamente fora do curso da excursão. Estava sem teto, sem comida,
sem ajuda, sofrendo sozinho e sem ter o que fazer para sair por si mesmo daquela
situação. Precisava de alguém que lhe estendesse as mãos, que lhe levasse a um

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hospital, que lhe prestasse socorro. Mas, ao invés disso, alguém preferiu sugerir que o
deixassem ali, largado, no chão.

Aquele grupo foi embora. Paulo caiu na depressão. A desilusão e a tristeza que sentia
superavam qualquer sentimento que já tivesse sentido antes. Se nem as pessoas da
Igreja o ajudaram, quem poderia o ajudar? Os do mundo? Se os que deveriam ser luz
nada fazem, quanto menos aqueles que não são. Não tinha jeito: estava fadado a
permanecer ali até morrer.

Então ele ouve passos. Mais uma vez. Será outro grupo? Será que alguém voltou para
lhe prestar ajuda? Será que aquele que deu a opinião de deixá-lo ali se arrependeu e
voltou para socorrê-lo?

- Thiago, pegue de novo a máquina fotográfica da sua avó.

Alguém se aproximava. Tocou em seu corpo. Virou para que pudesse vê-lo. A luz do sol
era forte, Paulo não conseguia abrir os olhos para ver quem era. Só pôde ouvir um grito
que misturava assombro e surpresa:

- O quê? Você?!

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O REENCONTRO

Henrique e Thiago estavam espantados e confusos. Mal haviam deixado o grupo – onde
Paulo estava – e já o encontraram caído, ao pé de um banco em uma praça, parecendo
um mendigo.

- O que você está fazendo aí? – perguntou Henrique.

Paulinho reuniu forças para responder:

- É uma longa história...

- Levante-se, vou dedar agora mesmo ao pastor Walter que você está longe do grupo
para dormir em uma praça. Que vergonha! Será que não teve tempo para dormir no
avião?

Henrique e Thiago perceberam que Paulo estava ruim mesmo, mal conseguia falar nem
se levantar.

- Henrique, acho melhor darmos uma mãozinha a ele. Vamos levá-lo ao pastor Walter,
ele saberá o que deve fazer.

Henrique e Thiago levantaram Paulo e levaram ele com cuidado ao pastor Walter.
Chegando lá, ouve um burbulhinho entre os presentes:

- O que aconteceu com ele?

- Nossa, como ele está mal!

- Como ele está ensopado dos pés à cabeça, se faz sol e o vimos agora há pouco? Onde
ele se meteu?

O pastor Walter veio em seu socorro com grande preocupação. Imediatamente o


conduziu a um hospital que ficava ali na região.

- Vamos, você vai ficar bem.

No hospital, Paulo foi tratado de seus ferimentos. Tomou água, comeu alguma coisa e
voltou a ter forças. Já não havia o que temer. Ele estava a salvo, graças aos seus dois
algozes. O primeiro que foi vê-lo no hospital foi Marcos. Os dois deram um forte
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abraço, e Paulo contou toda a inimaginável história que se passou com ele. Marcos
surpreendeu-se, mas estava feliz porque seu amigo estava bem. Havia pensado o pior.
Entregou-lhe o seu celular quebrado, que havia guardado após vê-lo no chão. Paulinho
segurou firme, pois sabia que era um símbolo de uma história que jamais alguém iria
acreditar se contasse.

***

Bem novamente, Paulinho seguiu o grupo até a parte de dentro da igreja que fica no
castelo de Wittenberg, onde Lutero pregou suas 95 teses e onde ele está sepultado. O
pastor Walter leu partes do Sermão de C. H. Spurgeon, que foi pregado na manhã de 11
de Novembro de 1883, sobre a Justificação pela Fé:

«Lutero proclamou perdão do pecado pela fé em Cristo sem dinheiro e sem preço, e as
indulgências do papa foram logo objetos de escárnio. Lutero viveu pela sua fé. Ele
poderia ter vivido uma vida tranquila, mas fez questão de denunciar o erro furiosamente
como um leão ruge em cima de sua presa. A fé que havia nele o encheu de vida intensa
e ele mergulhou em uma guerra com o inimigo. Depois de alguns anos, ele foi
convocado para ir a Augsburg, apesar de seus amigos o aconselharam a não ir. Lá o
chamaram de herege, para responder por si mesmo na Dieta de Worms. E todo mundo
ordenou-lhe que ficasse longe, pois ele com certeza seria queimado, mas ele sentiu que
era necessário testemunhar. E, em um vagão, ele passou de vila em vila e cidade em
cidade, pregando conforme seguia!

As pessoas pobres saiam para agitar as mãos para o homem que estava de pé para
Cristo e para o Evangelho com o risco de sua vida. Você se lembra de como ele se
colocou diante daquela augusta assembleia. Embora ele soubesse que sua defesa lhe
custaria a vida, para ser provavelmente comprometida com as chamas, como João Huss
foi, ele se portou como homem para o Senhor, seu Deus. Lutero aprendeu a ser
independente de todos os homens, pois ele lançou-se sobre o seu Deus!

Ele tinha todo o mundo contra ele e ainda assim viveu alegremente. Se o papa o
excomungou, ele queimou a bula de excomunhão! Se o imperador o ameaçou, ele
alegrou-se porque se lembrou das palavras do Senhor: "Os reis da terra se levantam, e
os príncipes dos países juntos. Aquele que está sentado nos céus se rirá" (Salmo 2).
Quando eles disseram-lhe: "Onde você vai encontrar abrigo se o príncipe-eleitor não
protegê-lo?". Ele respondeu: "Sob o escudo amplo de Deus". Lutero não podia ficar
parado. Ele tinha que escrever e falar!

Estes homens habitaram com Deus na santa ousadia de viver em oração, ou então não
poderiam ter vivido tudo o que viveram. A fé de Lutero se prendeu à cruz de nosso

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 31


Senhor e não seria movida dela. Ele acreditava no perdão dos pecados e não podia se
dar ao luxo de duvidar. Ele lançou âncora na Sagrada Escritura e rejeitou todas as
invenções de clérigos e de todas as tradições. Ele assegurou a Verdade do Evangelho e
nunca duvidou.

E agora, hoje, as verdades de Deus proclamadas por Lutero continuam a ser pregadas e
serão até o nosso Senhor, Ele mesmo, vir. Então, a Cidade Santa não precisará de vela
ou da luz do sol, porque o Senhor, Ele mesmo, será a Luz de Suas pessoas (Ap.22). Mas,
até lá, temos de brilhar a luz do Evangelho, dando o nosso melhor por Deus e pelo
próximo. Irmãos e irmãs, vamos nos posicionar por Ele, para que, como Lutero, vivamos
pela fé, por meio do Espírito Santo que opera em nós.»

***

Então, Paulo entendeu que não tinha sido levado à Alemanha à toa, ou somente para
visitar locais históricos, por mais importante que fossem. Ele tinha sido chamado para
abençoar vidas, para pregar o evangelho, para fazer o seu melhor a Deus e pelo
próximo. Mas, ao invés disso, correu o dia todo em busca da própria glória, querendo
fazer justiça com as próprias mãos, desejando ser o herói do dia, quando, na verdade,
ele foi salvo exatamente por aqueles a quem ele perseguia.

Quando tudo o que deveria ser feito era ajudar os que estavam sofrendo, dar auxílio ao
pobre e ao doente, ao carente e ao necessitado, ele estava invadindo propriedade
alheia, ignorando os que precisam de ajuda, esquecendo-se de que Deus colocou em
nossas mãos a vida ou a morte. Não apenas da nossa vida, mas do próximo. Não apenas
a morte física, mas a espiritual. Porque Deus não nos colocou neste mundo para
levarmos apenas as nossas próprias cargas, mas para “levarmos os fardos pesados uns
dos outros e, assim, cumprir a lei de Cristo” (Gl.6:2).

E qual é a Lei de Cristo? “Ame o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda a alma e
com todas as forças, e o seu próximo como a si mesmo” (Mt.22:37,39). Paulinho
percebeu que a maior expressão do amor a Deus é adorá-lo nas mais difíceis
adversidades da vida, e que a maior expressão do amor pelo próximo é tratá-lo como se
ele fosse você mesmo. Descobriu, por fim, que o maior mistério não estava no castelo
de Wartburg, mas estava nele, em sua boca e em seu coração, para anunciar as boas
novas aos pobres, curar os quebrantados de coração, pregar liberdade aos cativos e
proclamar as boas novas daquele que nos chama para a ressurreição e a vida.

FIM
O Mistério do Castelo de Wartburg Página 32
APÊNDICE

“Lembrem-se dos que estão na prisão, como se aprisionados com eles; dos que
estão sendo maltratados, como se fossem vocês mesmos que o estivessem
sofrendo no corpo” (Hebreus 13:3)

Tentei neste livro passar a noção que o escritor de Hebreus expôs no verso acima: tratar
o próximo que é maltratado como se fôssemos nós mesmos que estivéssemos sendo
maltratados no lugar deles. E isso não é nada fácil. Na maioria das vezes, estamos tão
preocupados com o nosso próprio bem estar, com nossa própria saúde, com nossa
própria casa própria, carro, dinheiro ou qualquer outro bem material, sentimental ou
espiritual que estamos pouco nos importando com o próximo.

Em teoria, pregamos que devemos amar o próximo como a nós mesmos, andar a
segunda milha, dar a outra face. Mas, na prática, até mesmo o nosso “tudo bem?” não
passa de uma mera pergunta retórica, sem qualquer expectativa de ouvir uma resposta
negativa. Até porque não estamos perguntando aquilo para tratar as feridas do
próximo: estamos apenas querendo ser gentis. Mesmo em nossas igrejas, muitos estão
sofrendo calados, sem contar nada a ninguém, por não poderem contar com a
confiança nem mesmo de seus melhores amigos ou por medo de ser considerado um
“derrotado”.

A igreja moderna e sua indiferença para com o próximo é gritante, mesmo entre os
próprios membros do Corpo. Se nós, que somos membros do Corpo de Cristo, não
ajudamos o próximo, quem é que vai ajudá-lo? Se nós, que somos a luz deste mundo,
não a fazemos brilhar, quem é que vai fazer brilhar a luz? Deus não levantou ninguém
para cuidar apenas de si mesmo, zelando pela sua própria satisfação pessoal. Deus
levantou um Corpo, onde todos os membros dependem uns dos outros:

“Assim, há muitos membros, mas um só corpo. O olho não pode dizer à mão: 'Não
preciso de você'! Nem a cabeça pode dizer aos pés: ‘Não preciso de vocês’! Pelo
contrário, os membros do corpo que parecem mais fracos são indispensáveis, e os
membros que pensamos serem menos honrosos, tratamos com especial honra. E os
membros que em nós são indecorosos são tratados com decoro especial, enquanto os
que em nós são decorosos não precisam ser tratados de maneira especial. Mas Deus
estruturou o corpo dando maior honra aos membros que dela tinham falta, a fim de
que não haja divisão no corpo, mas, sim, que todos os membros tenham igual cuidado
uns pelos outros” (1ª Coríntios 12:20-25)

O Mistério do Castelo de Wartburg Página 33


Se você acorda com o pé direito machucado e mal consegue tocá-lo ao chão sem doer,
não estará bem até que este problema seja resolvido, ainda que todo o resto do seu
corpo esteja bem. Se você acorda com febre, fica na cama o dia todo, mesmo que o
resto do seu corpo esteja funcionando bem. Se você acorda com uma forte dor na
coluna, você não se sentirá bem enquanto não tratar este problema, mesmo se todos os
outros ossos estiverem perfeitos.

Com o Corpo de Cristo é a mesma coisa. Se você vê um irmão passando por algum
problema, alguma dificuldade, alguma aflição, alguma dor, é seu dever consolar, prestar
ajuda, dar socorro e auxílio, como se fosse você mesmo que estivesse passando por
aquilo tudo. Por isso Paulo disse: “Alegrem-se com os que se alegram; chorem com os
que choram” (Rm.12:15). Mas, se não somos capazes de ajudarmos nem os próprios
irmãos da fé, como iremos fazer o mesmo aos que não são? Como iremos ser o “sal da
terra” (Mt.5:13) e a “luz do mundo” (Mt.5:14), se não refletimos Cristo com as nossas
atitudes?

Como diz uma canção da banda cristã norte-americana Casting Crowns:

«Mas se somos o corpo


Por quê Seus braços não estão alcançando?
Por quê Suas mãos não estão curando?
Por quê Suas palavras não estão ensinando?
E se somos o corpo
Por quê Seus pés não estão indo?
Por quê Seu amor não está mostrando-lhes que há um caminho?»

(“If We Are The Body” – “Se nós somos o Corpo”)

Deus ajuda o carente e traz o pão ao necessitado? Sim. Devemos sempre orar para que
Ele dê o pão nosso de cada dia. Mas esse pão não vai cair do Céu como o maná: Deus
usa pessoas para ligarem sua vontade dos céus à terra. Os mais altos céus pertencem ao
Senhor, mas a terra ele a confiou ao homem, diz o salmista (Sl.115:16). Cabe ao homem
cuidar da terra, ser um intermediário entre Deus e os outros seres humanos, rogar a
Deus que dê semente ao que semeia e o pão ao que come, mas ao mesmo tempo não
fechar suas mãos aos necessitados.

Deus usa o Seu Corpo para fazer a Sua vontade se cumprir na terra. Mas, se os
membros deste Corpo ignoram-se mutuamente, toda a sorte de males irá crescer, não
por culpa ou responsabilidade de Deus, mas pela omissão e indiferença do homem.
Cabe a nós ligarmos na terra aquilo que Deus liga no Céu (Mt.18:18), porque a terra ele
confiou aos homens.

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Então, onde estão Seus braços, para alcançarem o perdido? E Suas mãos, para curarem
o enfermo? E Suas palavras, para pregar as boas novas do evangelho? E Seus pés, para
irem levar a Palavra aos povos não-alcançados? E Seu amor, para mostrar ao mundo
que há um Caminho e um Salvador? Estamos aqui. Nós somos a Sua Noiva. Nós somos
a Igreja. Desperta-nos, Senhor, por Cristo e por Teu Reino.

Amém!

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