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O Que É Isto – O Tráfico de Drogas?

Crítica
Hermenêutica da Falácia Política e
Ideológica do (Conceito de) Tráfico de
Drogas e de Seu Mandado Constitucional
Expresso de Criminalização
T hiago F abres de C arvalho *
D aniel N ascimento D uarte **

RESUMO: O presente trabalho pretende revolver a temática das


drogas no Brasil, a partir da percepção de que o conceito ainda do-
minante de tráfico de drogas, reproduzido pela dogmática penal,
pela criminologia tradicional e pelos discursos midiáticos que ins-
trumentalizam o paradigma da guerra, amparados pelo mandado
constitucional expresso de criminalização, reflete uma objetificação
da realidade, e, desse modo, a assunção de uma postura abertamente
autoritária sobre o tema, uma vez que inviabiliza o debate democrá-
tico e a transformação da realidade social. Além disso, busca refletir
por quais razões “epistemológicas” o conceito de tráfico de drogas
assume uma tradução metafísica, alheia aos pressupostos filosóficos
da viragem linguística e do paradigma da hermenêutica filosófica.
PALAVRAS-CHAVE: Tráfico de drogas; hermenêutica; filosofia
penal.

* Mestre e Doutor em Direito pela Unisinos, com estágio de doutoramento na Universidade de


Coimbra, Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos e Garantias Constitucionais
da Faculdade de Direito de Vitória (FDV), Advogado, Coordenador do Grupo de Pesquisa
Direito, Sociedade e Cultura.
** Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória
(FDV), Membro do Grupo de Pesquisa Direito, Sociedade e Cultura, Especialista em Direito
Penal Econômico e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
(Portugal), Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES), Advogado Criminalista, Pesquisador financiado pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado do Espírito Santo (Fapes).

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ABSTRACT: The purpose of this study is to discuss the question of


drugs in Brazil, from the perception that the dominant concept of
drug traffic, reproduced by the penal dogmatics, by the traditional
criminology and by the mediatic discourses that instrumentalise
the paradigm of war, supported by the constitutional order of cri-
minalization, reflects an objetification of reality, and, therefore, an
assumption of an authoritarian opening posture about the theme
mentioned, since it does not allow the democratic debate and the
transformation of social reality. Besides, this study intends to reflect
upon the epistemological reasons why the concept of drug traffic
assumes a metaphysical translation disregarding the phylosophical
assumptions of the linguistic turn and from the phylosophical her-
meneutics.
KEYWORDS: Drug traffic; hermeneutics; penal philosophy.
SUMÁRIO: Introdução; 1 A virada hermenêutica e o giro ontológi-
co-linguístico: primazia da linguagem no âmbito da hermenêutica
filosófica; 2 O Dasein (ser-aí), a pré-compreensão e a busca pelo sen-
tido; 3 A diferença ontológica no contexto do círculo hermenêutico:
o movimento da compreensão; 4 Historicidade, limitação e finitude;
5 O que é isto – O tráfico de drogas? Entificação da realidade e a
falácia política e ideológica representada pelo mandado expresso de
criminalização; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO
Diante das inúmeras e inéditas manifestações em torno da descrimi-
nalização das drogas, do respeito às identidades culturais e às opções indi-
viduais de vida que não afetem direitos alheios, consubstanciados no ideal
moderno de autenticidade e dos processos de luta por reconhecimento das
formas e dos estilos de vida plurais e alternativos aos imperativos de uma vi-
são dominante da ordem social (Taylor, 2000; Honneth, 2003), impõe-se uma
profunda reflexão sobre tema de tão relevante controvérsia.
Isto porque o modelo político adotado pelo Brasil em relação às drogas,
batizado com extrema argúcia por Nilo Batista de “política criminal com der-
ramamento de sangue”, exige uma rápida transformação, sob pena de man-
termos em curso esse verdadeiro massacre cotidiano de indivíduos e grupos
sociais vulneráveis, instrumentalizado de forma acrítica e autoritária pelo
discurso penal e criminológico hegemônico da “guerra às drogas”.
Esse verdadeiro “genocídio em ato”, termo pelo qual Raúl Zaffaroni
(2001) expressa a operacionalidade real dos sistemas penais do capitalismo
tardio, protagonizado pelo confronto armado cotidiano nas favelas e perife-
rias dos grandes centros urbanos, associado ao fenômeno do encarceramento
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em massa da juventude negra e pobre recrutada pelo comércio de drogas ilí-


citas, impõe, definitivamente, um profundo e amplo debate sobre a questão.
Nesse sentido, o presente trabalho pretende revolver o tema a partir
da seguinte indagação central: Em que medida o conceito ainda dominante
de tráfico de drogas, reproduzido pela dogmática penal, pela criminologia
tradicional (etiológica) e pelos discursos midiáticos que instrumentalizam o
paradigma da guerra, amparadas pelo mandado constitucional expresso de
criminalização, refletem uma objetificação (entificação) da realidade, e, desse
modo, a assunção de uma postura abertamente autoritária sobre o tema, uma
vez que inviabiliza o debate democrático e a transformação da realidade so-
cial? E, ademais, por quais razões “epistemológicas”, o conceito de tráfico de
drogas assume uma tradução metafísica, alheia aos pressupostos filosóficos
da viragem linguística e do paradigma da hermenêutica filosófica?
Tais indagações permitem um revolvimento do chão linguístico no
qual se assenta o proibicionismo, abrindo espaço para a desconstrução de
uma postura objetificadora da realidade social, propondo, assim, uma ruptu-
ra definitiva da apreensão do “ente tráfico de drogas” descolado de seu ser,
isto é, de seus sentidos históricos, sociais, políticos e ideológicos.
Nessa trajetória, a hipótese que orienta as nossas reflexões consiste pre-
cisamente na percepção cabal de que o conceito de tráfico de drogas, alheio
e refratário à viragem linguística e criminológica, reflete uma perspectiva
objetificadora (ente enquanto ente), mantendo-se distante das possibilidades
de sua apreensão a partir da diferença ontológica. Isto quer dizer, pois, que o
tráfico de drogas apresenta uma caracterização metafísica, apreendido como
uma realidade que possui uma natureza intrínseca, como um mal (crime)
em si, nos termos de uma ontologia clássica, ou determinada como crime
pela razão universal e absoluta do sujeito do conhecimento, nos moldes do
paradigma da filosofia da consciência, mas jamais como uma manifestação
fenomenológica, percebido em seu ser, isto é, em seu sentido histórico-social.
Por essa razão, o mandamento constitucional expresso de criminali-
zação do tráfico de drogas representa uma falácia política e ideológica, ao
fomentar o paradigma da guerra, do estado de exceção permanente1 como es-

1 A concepção de Estado de exceção permanente que será trazida e referenciada neste ensaio é
justamente a visão crítico-filosófica advinda das reflexões de Giorgio Agamben, onde, diante
de um contexto de guerra, e constante descarte de direitos, identifica as balizas da exceção,
como atual regra sustentadora dos intentos governamentais, oportunidade em que, o
pensador, enquadra-a como paradigma governamental da contemporaneidade: “A criação
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tratégia de gestão dos conflitos sociais, minando, desde o interior do próprio


texto da Constituição, os horizontes simbólicos dos direitos fundamentais e
de uma sociedade verdadeiramente democrática, aberta à circularidade da
atribuição de sentidos, à fusão de horizontes plurais acerca da vida digna,
permitindo sempre novas formas de compreensão e tratamento dos conflitos
sociais.
Para tanto, faremos uso do instrumental teórico hermenêutico, enten-
dido como “interpretação ou hermenêutica universal”, segundo o qual o su-
jeito, mergulhado na linguagem de sua faticidade e existência e na sua condi-
ção-de-ser-no-mundo (Dasein), não pretende construir uma (meta)linguagem
rigorosa sobre o objeto investigado; nem tampouco aspira a uma descrição
neutra e objetiva desse objeto, consoante consagrado pelo paradigma científi-
co positivista, mas estabelecer um processo de atribuição de sentido por meio
de uma “fusão de horizontes” (Streck, 2011; Stein, 2000; 2001; Heidegger,
1988; Gadamer, 2005; Ricouer, 1990)2.
Com respaldo em Susan J. Hekman (1986), a hermenêutica filosófica
aqui trabalhada, associada à sociologia do conhecimento, aspira não descurar
da inegável origem social do discurso científico e sua inscrição nas formas
de legitimar uma dada ordem de dominação na sociedade. A assunção de
tal matriz teórica implica o reconhecimento de que “as ciências sociais estão
empenhadas na interpretação do sentido do social e não na busca da verdade
científica”. Trata-se, pois, de questionar a legitimidade teórico-política dos
discursos penal e criminológico no interior da ordem social estratificada.

voluntária de estado de emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado


no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos,
inclusive dos chamados democráticos. [...] o estado de exceção tende cada vez mais a
se apresentar como o paradigma de governo dominante na política contemporânea”
(Agamben, 2004, p. 13). Sobre tal discussão, de maneira mais profunda e com olhos para o
contexto brasileiro, reflexões foram externadas no trabalho denominado “‘Direito Penal do
Inimigo’ e o ‘Direito Penal do Homo Sacer da Baixada’: exclusão e vitimação no campo penal
brasileiro” (Carvalho, 2007).
2 Boaventura de Sousa Santos (2004, p. 27) ressalta que, para a racionalidade científica moderna,
as ciências sociais devem obedecer aos mesmos cânones da observação e experimentação
empíricas típicos das ciências da natureza, se almejam apresentar um conhecimento preciso
da realidade social. Nesse sentido, o conhecimento baseado na formulação de leis gerais e
eternas da natureza tem como pressuposto metateórico a ideia de ordem e estabilidade do
mundo, a ideia de que o passado se repete no futuro.
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Partimos, portanto, da exigência de superação do paradigma positivis-


ta, que se funda em um certo número de premissas que estruturam um “siste-
ma” coerente e operacional de ideação científica e pretendem sedimentar “o
postulado de uma ciência axiologicamente neutra”, quais sejam:
1. A sociedade é regida por leis naturais, universais e invariáveis e, no
plano da vida social, reina uma harmonia natural;
2. A sociedade pode, portanto, ser estudada a partir dos mesmos câ-
nones científicos empregados pelas ciências da natureza; e
3. “As ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem li-
mitar-se à observação e à explicação causal dos fenômenos, de for-
ma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias,
descartando previamente todas as prenoções e preconceitos”. No
entanto, “o axioma da neutralidade valorativa das ciências sociais
conduz, logicamente, o positivismo, a negar – ou melhor, a igno-
rar – o condicionamento histórico-social do conhecimento” (Löwy,
1998, p. 16-17).
Assim, pretendemos contribuir para a demonstração da falácia política
e ideológica que representa tanto o conceito (entificado) de tráfico de drogas,
quanto a sua inclusão como cláusula constitucional expressa de criminaliza-
ção, o que determina a falsa compreensão de que se trata de uma exigência
racional, universal e irrenunciável, o exclusivo tratamento punitivo imposto
ao comércio de drogas ilícitas.

1 A VIRADA HERMENÊUTICA E O GIRO ONTOLÓGICO-


-LINGUÍSTICO: PRIMAZIA DA LINGUAGEM NO ÂMBITO DA
HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
A linearidade da relação sujeito e objeto sempre fora percebida como
uma sujeição básica que tangenciava os preceitos da filosofia do conhecimen-
to, desde o classicismo à modernidade. Na epistemologia ou teoria do co-
nhecimento clássica, pregava-se uma essência da realidade, na qual o objeto
(detentor de uma ordem intrínseca) vinha a se impor ao sujeito, a quem cabe-
ria somente descrever aquilo que se revelava por si só, ou seja, adequaria um
conceito (o intelecto) à coisa. Trata-se, portanto, de uma ontologia ou teoria
do ser. O ser existe de um modo absoluto, independentemente de qualquer
atividade cognoscitiva. Nesse sentido, as leis da razão são leis do ser. A ver-
dade seria, nesse contexto, a adequação do entendimento (pensamento) às
coisas tal como elas são.
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A modernidade, por sua vez, estabelece a ruptura com os preceitos


clássicos, superando a epistemologia (ou ontologia) pautada na prevalência
do objeto em detrimento do sujeito, oriundo do paradigma3 filosófico ante-
rior. Tal ruptura deposita todas as reflexões na figura do sujeito (na sua cons-
ciência), determinando a exteriorização da subjetividade plena, da primazia
da razão, do cogito cartesiano, isto é, na afirmação radical do “penso, logo
existo”.
Na medida em que, nesse novo momento filosófico, cabia ao sujeito
dizer o mundo, evidenciava-se ali, portanto, a constatação de que a tarefa do
pensamento era anterior à própria existência (que antes se revela enquanto
essência, enquanto verdade dada).
Neste contexto, a primazia da consciência do sujeito revelava um des-
locamento do eixo onde residiria a atividade cognoscitiva. O sujeito observa-
ria e descreveria o objeto a partir de sua subjetividade (razão) e, para tanto,
se utilizaria de um método racional e lógico para tal empreitada, o que lhe
possibilitaria acessar com sucesso tal realidade, sempre de um ponto de vista
racional. Não sem razão, tal momento paradigmático fora denominado filo-
sofia da consciência.
No alvorecer do século XX, mediante uma brusca quebra paradigmá-
tica (uma clara revolução filosófica), a reviravolta linguístico-pragmática na
filosofia contemporânea, impulsionada por pensadores como Humboldt e
Wittgenstein, arruína as bases do pensamento filosófico tradicional. Isto por-
que até então a linguagem era percebida como elemento secundário, mero
instrumento destinado a ser manipulado pelo sujeito no ato do conheci­mento.
Isto porque, desde Platão e Aristóteles, a linguagem era considerada
como um instrumento secundário do conhecimento humano. Em suas abor-
dagens, estes filósofos entendiam-na como um mero instrumento de media-
ção entre o sujeito e a realidade objetivada. Assim, no campo de uma longa
tradição da filosofia ocidental, a linguagem era vislumbrada como um me-
canismo de captação da “essência” dos objetos e do próprio mundo. Com
efeito, Manfredo Araújo de Oliveira (1996, p. 120) adverte que esta tradição
de pensamento sempre postulou a pressuposição de uma isomorfia entre a
linguagem e a realidade: porque há uma essência comum a um determinado
tipo de objeto, é que a palavra seria capaz de designá-lo e, assim, aplicar-se

3 O conceito de paradigma a que se refere este ensaio é justamente o conceito divulgado e


trabalhado em sua gênese por Thomas Kuhn (1998) em sua obra basilar A estrutura das
revoluções científicas.
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a diferentes objetos, porque possuem essa essência. Nesta medida, a palavra


designaria, precisamente, não a coisa individual, mas o comum a várias coi-
sas individuais, ou seja, a sua essência.
Em decorrência, para esta postura tradicional, a linguagem poderia re-
fletir uma cópia do mundo, porém o decisivo e fundamental seria a estrutura
ontológica da realidade que a linguagem deveria anunciar. Assim sendo, ela
afirma a existência de “um mundo em si que nos é dado independentemente
da linguagem, mas que a linguagem tem a função de exprimir” (Oliveira,
1996, p. 121). Nesse espectro, esta forma de pensamento postularia a capta-
ção de um “em si”, de uma natureza intrínseca da realidade, a qual caberia
à razão conhecer e à linguagem apenas comunicar. A linguagem apareceria,
assim, como um instrumento secundário de comunicação do conhecimento
do mundo.
No entanto, com Wittgenstein, mormente a partir da segunda fase de
seu pensamento, opera-se uma radical crítica à tradicional visualização da
problemática da linguagem pelo pensamento filosófico do Ocidente. Rom-
pendo com sua elaboração intelectual anterior, ele propõe uma desqualifica-
ção da concepção objetivista da linguagem, visível no neopositivismo lógico
e na filosofia da consciência, direcionando os seus argumentos no sentido de
erodir as pressuposições epistemológicas destas posturas.
Em sua análise, o filósofo austríaco considera impossível a existência
de um mundo “em si” independente da linguagem. Para ele, só temos o mun-
do na linguagem; nunca temos o mundo “em si”, imediatamente, mas ape-
nas e tão somente por meio da linguagem. Nessa perspectiva, a linguagem
assume fundamental importância como pressuposto para qualquer análise
filosófica. Ela deixa de ser vislumbrada apenas como mero instrumento de
comunicação de um conhecimento já realizado, para erigir-se como condição
de possibilidade para a própria constituição do conhecimento enquanto tal
(Oliveira, 1996, p. 129).
Parte-se, portanto, para uma tentativa de ruptura com o essencialismo,
na busca de se operar um resgate da consideração do contexto socioprático
em que as palavras são efetivamente utilizadas, presentes na filosofia da lin-
guagem ordinária. Assim, a viragem linguística procura demonstrar a impor-
tância da linguagem como condição de possibilidade para a elaboração do
conhecimento e para a própria compreensão do mundo. Tal análise permitiu
a percepção das vaguezas e ambiguidades da linguagem, além da possibili-
dade de sua adaptação a contextos não previstos. Sendo assim, a significação
é sempre provisória e decorrente de um determinado contexto social.
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A partir dessas novas bases filosóficas, a fenomenologia emerge, es-


pecificamente em seu viés hermenêutico, inicialmente com Husserl, e con-
solidando-se nas reflexões de Heidegger, identificando na importância e na
primazia da linguagem o essencial ponto de partida para as reflexões filo-
sóficas debruçadas na busca pela compreensão dos fenômenos. Emergia, a
giro linguístico, uma verdadeira revolução paradigmática que aponta as dis-
cussões filosóficas para o viés hermenêutico, o que caracterizou a chamada
virada hermenêutica, sendo “a experiência hermenêutica o corretivo pelo qual
a razão pensante se subtrai ao encanto do elemento de linguagem, sendo ela
mesma constituída dentro da linguagem” (Gadamer, 2005, p. 520).
Ai reside, pois, o ponto central na nova postura filosófica. Desde a fi-
losofia hermenêutica, que detém como maior expoente Martin Heidegger,
até a hermenêutica filosófica, com(o) base de maior amadurecimento em
Gadamer, a linguagem desempenha papel protagonista para o desenrolar de
todas as reflexões. A hermenêutica, enquanto pensar filosófico, parte justa-
mente dessa viragem linguística; na medida em que insere a linguagem como
principal chave que dispomos para conhecer o mundo, uma vez que “a tota-
lidade significativa da compreensibilidade vem à palavra. Das significações
brotam palavras” (Heidegger, 1988, p. 219).
Desse modo, não há mais uma essência das coisas ou um determinismo
consciente e racional do que elas vêm a ser, conforme os modelos filosóficos
anteriores. Neste contexto de primazia linguística, para um objeto chegar a
esse patamar de absorção e exteriorização ao conhecimento, primeiramente e
de forma prévia ele deve ser constituído linguisticamente como tal.
Heidegger identifica o discurso como “fundamento ontológico-exis-
tencial da linguagem” (1988, p. 219). E para esse discurso, ambiente da lin-
guagem, é dado crédito primordial para a existência do ser, sendo um local
privilegiado de exteriorização e articulação das pré-compreensões que o ser
já carrega consigo. Aduz o mestre alemão que,
do ponto de vista existencial, o discurso é igualmente originário à dispo-
sição4 e à compreensão. A compreensibilidade já está sempre articulada,

4 A abertura da compreensão se faz como disposição (angústia, sofrimento, paixão) e se efetiva


como linguagem. Mesmo antes de qualquer escolha pessoal, o indivíduo já se encontra
jogado no mundo. Portanto, a disposição (afecção ou sentimento de situação) não constitui um
ato de vontade, mas estrutura ontológica, pois estar diante do mundo é condição ontológica
de possibilidade de todo e qualquer ente mundano. Sem essa disposição, não há diálogo,
nem sentido, nem compreensão possível. Pela abertura o mundo se faz projeto. E Dasein é
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antes mesmo de qualquer interpretação apropriadora. O discurso é a arti-


culação dessa compreensibilidade. Por isso é que o discurso se acha à base
de toda interpretação e proposição.

Dessa forma, a linguagem (personagem-mor do discurso) configura-se


não como um mero instrumento por meio do qual se conhece o mundo e os
seus objetos, mas sim como condição de possibilidade, onde ela é a base consti-
tutiva do próprio sujeito. Nesse sentido, “a linguagem é a casa do ser”, nós
somos constituídos pela linguagem e só há possibilidade de conhecimento (e
consequente compreensão do mundo) mediante a linguagem como estrutura
ontológica de nosso ser.
Em suma, não há possibilidade de compreender o mundo se ele (e seus
objetos) não existe(m) linguisticamente para o sujeito. O mundo e tudo que
nos aflige dentro dele só podem ser ditos e compreendidos na e pela palavra.
Logo, correto dizer que, além de condição de possibilidade para o exercício
da busca pela compreensão, a linguagem é constitutiva, pois, além de consti-
tuir o ser, também constitui o mundo como tal é apresentado para este indi-
víduo. Ou, como prefere Gadamer (2005, p. 572), “não só o mundo é mundo
apenas quando vem à linguagem, como a própria linguagem só tem sua ver-
dadeira existência no fato de que nela se representa o mundo”.
A linguagem é viga mestra da experiência hermenêutica. Gadamer, em
Verdade e método, após uma análise genealógica da questão linguística que
partiu desde a filosofia grega e desembocou na importância ontológico-lin-
guística no âmbito hermenêutico, ressalta a sua importância na constituição
do homem enquanto ser no mundo:
A linguagem não é somente um dentre muitos dotes atribuídos ao homem
que está no mundo, mas serve de base absoluta para que os homens tenham
mundo, nela se representa mundo. Para o homem, o mundo está aí como mun-
do numa forma como não está para qualquer outro ser vivo que esteja no
mundo. Mas esse estar-aí do mundo é constituído pela linguagem. [...] A origi-
nária humanidade da linguagem significa, portanto, ao mesmo tempo, o
originário caráter de linguagem do estar-no-mundo do homem. (Gadamer,
2005, p. 571-572 – grifos nossos)

Continua o filósofo, ao destacar com propriedade a já mencionada rela-


ção linguagem-mundo em correlação com a importância daquela no pensar-

projeto antes de realizar um projeto, uma vez que não decide sem mais, mas sempre a partir
de um chão linguístico, histórico, existencial, que torna possível a realização de qualquer
projeto (Almeida, 2002, p. 241 e ss.).
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-agir hermenêutico: “Precisamos seguir essa [a nosso ver, essencial] relação


entre linguagem e mundo, para alcançarmos um horizonte adequado para o ca-
ráter de linguagem da experiência hermenêutica” (2005, p. 572 – grifos originais).
Além disso, tem-se que a linguagem é um universo autêntico onde se
descortina o diálogo. Para os intentos deste ensaio, este ponto é de suma im-
portância. A linguagem ganha corpo em um movimento discursivo-relacio-
nal entre os indivíduos, que é o diálogo e que, em suma, é a articulação do que
já advém com o ser, ou seja, articulação da sua linguagem.
A linguagem é totalidade, no interior da qual o homem se localiza e age
(Streck, 2011, p. 261). Ernildo Stein, ao trabalhar com as reflexões de Gadamer
acerca da linguagem, ressalta ser possível extrair três teses que o filósofo de-
fende em relação a esta primazia linguística:
[...] primeiro, o objeto hermenêutico é determinado linguisticamente, ou
ainda, o objeto hermenêutico é constituído pela lingualidade; segundo, o
processo hermenêutico, o processo de compreensão e interpretação é tam-
bém determinado pela linguagem; terceiro, a linguagem forma o horizonte
de uma ontologia hermenêutica. (Stein apud Streck, 2011, p. 261)

A propósito, o próprio Gadamer, em escrito denominado Heidegger e a


linguagem (1990), oportunidade na qual interpreta o seu mestre, atenta, nesse
universo linguístico, para a suma importância do diálogo em um percurso
compreensivo na medida em que reconhece que “a linguagem só é verdade
onde há diálogo, ou seja, na convivência” (2007, p. 41).
Diante de todo esse contexto, traçado aqui em linhas gerais, a herme-
nêutica, enquanto busca acesso compreensivo ao mundo, encontra na lin-
guagem a sua viga mestra, “pois é o modelo da linguagem e sua formação
de realização – ou seja, o diálogo – que suporta não somente o entendimento
entre os homens, senão também o entendimento sobre as coisas de que é feito
nosso mundo” (Streck, 2011, p. 247).
A importância do diálogo, relação dos sujeitos e que possibilita o aces-
so ao conhecimento mútuo, ganha essencial importância para os intentos
conclusivos do presente ensaio, pois é a chave para demonstrar posterior-
mente o quanto esse exercício dialogal – imanente de um pensar e do agir
hermenêutico – se perfaz em essência dentro de um viver em sociedade, e
também ocupa papel de igual valor na evolução das discussões jurídicas e
no amadurecimento dos próprios debates compreensivos da sociedade e da
democracia.
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Dando continuidade aos intentos dessas reflexões iniciais, algo que


deve ser fixado é que a construção de um conhecimento só é possível a partir
de uma construção prévia de linguagem que materializa (exterioriza) a pré-
-compreensão (estrutura prévia da compreensão) que também é ontologica-
mente constitutiva do ser. É sobre este ponto que os esforços agora se voltam.

2 O DASEIN (SER-AÍ), A PRÉ-COMPREENSÃO E A BUSCA PELO


SENTIDO
Conforme já adiantado, o ser é inseparável da linguagem (que o cons-
titui e lhe apresenta o mundo). Da mesma forma, este ser também é indis-
sociável de suas pré-compreensões, sendo praticamente sinônima qualquer
relação entre ambas, ou seja, o homem é o que lhe é possibilitado linguisti-
camente, bem como é enraizado por aquilo (experiência, tradições, diálogos,
divisões, etc.) que já carrega previamente consigo.
O Dasein nada mais é que a existência humana personificada na me-
dida em que vive no mundo. Com efeito, “Heidegger usa o termo Dasein
para denominar esta receptividade peculiar da existência humana para o ser
(automanifestação) dos entes. Em alemão, Da significa aqui ou aí, enquanto
sein corresponde ao verbo ser. Assim, Dasein significa o local onde o ser ocor-
re, a abertura na qual a presença acontece” (Zimmerman apud Streck, 2011,
p. 251). Por isso que, de forma sinônima, neste ensaio também o denomina-
mos de Ser-aí.
Este Ser-aí, portanto, é inseparável do mundo, “há uma co-originali-
dade entre ser e mundo” (Streck, 2011, p. 242). Diante disso, ele possui duas
essenciais características: a faticidade e a existência. Assim, “não há primeiro
o Ser-aí e depois o mundo ou vice-versa. O Ser-aí é ser-no-mundo e sua fa-
ticidade é estar-jogado-no-mundo, sua existência é ter-que-ser-no-mundo, sendo
que, desde sempre, está junto aos entes” (Streck, 2011, p. 242).
Tal Ser-aí, conforme já anunciado, possui a pré-compreensão como
composição constitutiva de seu ser. Heidegger localiza tal pré-compreensão
(pre-sença ou estrutura prévia da compreensão) como estrutura ontológica
do Ser-no-mundo e isto é basilar para a compreensão dos ditames da filosofia
hermenêutica:
A pre-sença [que aqui será referida/denominada como pré-compreensão]
é um ente que, na compreensão de seu ser, com ele se relaciona e compor-
ta. Com isso, indica-se o conceito formal de existência. A pre-sença existe.
Ademais, a pre-sença é o ente que sempre eu mesmo sou. [...] Estas deter-
minações do ser da pre-sença [...] devem ser vistas e compreendidas a prio-
ri, com base na constituição ontológica que designamos de ser-no-mundo. O
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ponto de partida devido da analítica da pré-sença consiste em se interpre-


tar esta constituição.

Neste passo, pré-compreensões (pre-senças na tradução aqui utilizada)


soa como sinônimo do próprio Dasein. Esclarece Heidegger: “Esse ente que
cada um de nós somos e que, entre outras, possui em seu ser a possibilidade
de questionar, nós o designamos com o termo pre-sença. A colocação explí-
cita e transparente da questão sobre o sentido do ser requer uma explicação
prévia e adequada de um ente (pre-sença) no tocante a seu ser” (1988, p. 33).
Somos, portanto, seres diferentes, pois somos os únicos a conseguirmos bus-
car e compreender o sentido do ser.
O ser-no-mundo (ser-aí, ou Dasein) é o ser que compreende ser. Está
jogado em um mundo entre a sua faticidade e a sua existência (guiado por
seu – co-originário – universo linguístico). Portanto, a busca pela compreen-
são e o próprio compreender são um existencial imanente ao ser-no-mundo.
Assim, conforme já salientado, a linguagem não é um instrumento pelo
qual se conhece a realidade, pois ela já se apresenta previamente por meio de
uma condição prévia de linguagem, que, e este é um ponto crucial, inevita-
velmente compõe a pré-compreensão do (ou que é o) Dasein (ser-no-mundo).
Portanto, essa condição prévia de linguagem se dará em um contexto vital da
própria existência, sendo, dessa forma, a existencialidade condição simples e
inevitável capaz de constituir o modo como vamos conhecer as coisas.
Então, o questionamento de como é (ou será) possível o conhecimento
e quais são as suas condições de produção (oriundas de paradigmas ante-
riores), neste novo momento, passa a ser uma questão secundária diante da
globalidade da questão referente ao compreender da própria existência no
horizonte de um estar no mundo com os outros. Assim, a hermenêutica antes
de questionar o que é o conhecimento e como ele se produz, vai perguntar O
que é ser? E quem é esse ser jogado no mundo que compreende ser? O que desde já
coloca em xeque os preceitos advindos da epistemologia clássica e do para-
digma da filosofia da consciência (relação sujeito-objeto referida no início da
nossa exposição).
Dessa forma, o ser-no-mundo (Dasein), enquanto parte de um percur-
so compreensivo e enraizado em um universo simbólico que o governa e de
pré-compreensões daí advindas, assume primazia, para além de sua razão a
priori – o que já fulmina os preceitos racionais prévios kantianos – (Heidegger,
1988, p. 37), onde, nesse novo contexto filosófico, a consciência também é
constituída (e não constitui). Em suma, substitui-se a ideia de uma razão
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transcendental pura (a priori) pela existência inevitável de estrutura prévia da


compreensão.
Por esse motivo, afirma Streck (2011, p. 241) que “aquilo que era rei-
vindicado por Kant foi desmistificado por Heidegger no momento em que
o filósofo descobriu o vínculo entre homem e ser”. Portanto, a importância
da linguagem, enaltecida no primeiro momento da revolução paradigmática,
ganha novamente primazia quando a relacionamos com o movimento lin-
guístico, denominado discurso por Heidegger, enquanto composição cons-
titutiva da estrutura ontológica do ser-no-mundo; o que é decisivo na sua
compreensão do próprio mundo, no qual está jogado. Aduz Heidegger que
“o discurso é um existencial originário da abertura, constituído primordial-
mente pelo ser-no-mundo [...]. A compreensibilidade do ser-no-mundo, tra-
balhada por uma disposição, se pronuncia como discurso” (1988, p. 219 – grifos
originais).
Na condição mundana em que é jogado o Dasein, percebe-se, pois, o
existir de uma relação ontológica consigo mesmo (“ser aí”) e, para além dis-
so, também é relação dialogal com os entes e com os outros (“ser com”).
Por tudo isso, vê-se que cada ser-no-mundo é singular e distinto, não
podendo falar-se, pois, em qualquer imperativo ou razão de cunho universal
e transcendental, articulada a priori, uma vez que tanto um ser quanto outro
estão mergulhados em universos diferentes, em situações e condições (lin-
guísticas) de possibilidades próprias e contextos pré-compreensivos também
próprios. No entanto, os seres se encontram no cenário, um universo dialogal
que inevitavelmente caminha para as novas compreensões e interpretações,
passando a descobrir a si mesmo e aos outros.
Não sem razão, Heidegger em Ser e tempo designa especial atenção a
este encontro (a este “ser com” os outros) e a sua correlação com a noção
de pré-compreensão (pre-sença) enquanto acontecimento ontológico pri­
mordial:
A caracterização do encontro com os outros também se orienta segundo a
própria pre-sença. [...] O “com” é uma determinação da pré-sença. [...] Na
base desse ser-no-mundo determinado pelo com, o mundo é sempre o mundo
compartilhado com os outros. O mundo da pre-sença é mundo compartilha-
do. O ser-em é ser-com os outros. O ser-em-si intramundano destes outros é
co-pre-sença. (Heidegger, 1988, p. 169-170 – grifos originais)

Diante de tal constatação, importante frisar que uma clara quebra com
o paradigma da filosofia da consciência exterioriza-se também, além das afir-
mações que se revelaram no decorrer da abordagem, no foco agora existente
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para a intersubjetividade, e não (mais) para a simples subjetividade. Portan-


to, resta claro que todo conhecimento e busca por compreensão é construção
intersubjetiva, já que o Dasein é inevitável relação com o mundo e isto é es-
sencial para entender o seu “estar no mundo”, condição que também lhe é
imanente.
Neste ponto, conforme salienta Heidegger, “o ser com os outros per-
tence ao ser da pre-sença, que sendo, está em jogo seu próprio ser” (1988, p. 175).
E continua o filósofo, agora atentando para a questão existencial antes men-
cionada, ao expor que “enquanto ser-com, a pre-sença ‘é’, essencialmente,
em função dos outros. Isso deve ser entendido, em sua essência, como uma
proposição existencial” (1988, p. 175).
A compreensão, mais do que uma busca, é intersubjetividade, e, mais
ainda, é um existencial. Nesse universo, a estrutura prévia da compreensão
(sinonímia ao próprio ser-no-mundo) detém um espaço irrenunciável em
todo este contexto de “compreensão + interpretação”, isto porque, sendo lin-
guagem condição de possibilidade, só se interpreta algo porque já, mesmo
que previamente, se compreendeu5. Gadamer, com a mesma primazia que
seu mentor e professor, Heidegger, também acentua que “a compreensão já é
sempre interpretação, porque constitui o horizonte hermenêutico [...]. Inter-
pretar significa justamente colocar em jogo os próprios conceitos prévios [...]”
(Gadamer, 2005, p. 514).
Dessa forma, diante dessa gama existencial que compõe o ser jogado
no mundo, o compreender não é uma atividade metodológica (puramente
subjetiva-racional ligada linearmente com os objetos). Premissa essencial da
filosofia hermenêutica que muito bem foi identificada por Lenio Streck (2011,
p. 240), expoente na temática:
Há em toda ação humana, uma compreensão antecipadora do ser que
permite que o homem se movimente no mundo para além de um agir no
universo meramente empírico, ligado a objetos. Nos relacionamos com as
coisas, com o empírico, porque de algum modo já sabemos o quê e como
elas são. Há algo que acontece, além da pura relação objetivadora.
Conforme também identificado pelo jurista gaúcho, o conhecimento se
perfaz em uma ponte pré-metodológica e pré-compreensiva construída com
os tijolos da existencialidade (advinda na bagagem linguística-tradicional)
do ser-no-mundo. Desde nossa constituição enquanto seres, desde quando

5 Tal ponto será melhor esclarecido quando da reflexão acerca da diferença ontológica (tó-
pico 3).
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fomos jogados nesse mundo linguístico, já compreendemos um pré-mundo


que se abre cada vez mais na medida em que se “exerce o existir”.
Desnecessário, portanto, nesse contexto perguntar o porquê (metodo-
lógico) de tal compreensão, ela existe porque previamente constitui o ser em
sua peculiaridade existencial, não é algo que está (arbitrariamente) à sua livre
disposição6, conforme já salientado por Gadamer, ao destacar que “o intér-
prete não está em condições de distinguir por si mesmo e de antemão os pre-
conceitos produtivos, que tornam possível a compreensão, daqueles outros
que a obstaculizam e que levam a mal-entendidos” (2005, p. 391); portanto, o
ser é fisgado por sua existencialidade, e não o contrário.
Daí ser essencial compreender que a consciência não advém previa-
mente para que se projete o mundo a partir dela, muito pelo contrário, é ela,
assim como todo o Dasein, projetada para o mundo. Ressalta Streck (2011,
p. 241): “Não há uma ponte entre consciência e mundo porque desde sempre
já estamos no mundo compreendendo o ser”.
Dessa forma, a máxima cartesiana, raiz da filosofia da consciência,
“penso, logo existo” dá lugar para um patamar muito mais real, existencial,
historicamente situado e mundano, qual seja, “existo, logo penso”. Não sem
razão, a consciência é produto da saga do ser-no-mundo, a existência precede
o pensar, pois ela o condiciona.
Sendo assim, este ser-aí é mais do que composto por pré-compreen-
sões, ele é (constitutivamente) as pre-senças que carrega consigo. O ser-aí
pré-domina um mundo prévio de linguagem que em um caminho dialogal
(discursivo – utilizando-se da, antes menciona, reflexão heideggeriana acerca
do discurso) encontra consigo mesmo e com os outros em um constante movi-
mento de pré-compreensões, compreensões, re-compreensões e que, em um
movimento circular, retornam em pré-compreensões. Daí advém a noção de
círculo hermenêutico – um dos teoremas de Heidegger –, na qual se passa a
relacionar em uma análise acerca de outro teorema: a diferença ontológica.

3 A DIFERENÇA ONTOLÓGICA NO CONTEXTO DO CÍRCULO


HERMENÊUTICO: O MOVIMENTO DA COMPREENSÃO
Crê-se que ficou evidente uma certa noção de movimento na leitura
das linhas que antecederam. Mesmo que de forma inicial, buscou-se demons-

6 Trata-se de uma reflexão que já feita por Gadamer: “Enquanto tais, os preconceitos e
opiniões prévias que ocupam a consciência do intérprete não se encontram à sua livre
disposição” (2005, p. 391).
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trar, desde o estopim da viragem linguística, que o caminhar do ser-aí é puro


e claro movimento hermenêutico.
Neste momento, o que se faz essencial pontuar é que este movimento
é circular e, mais do que isso, encontra pulsão na busca pela compreensão e
consequente interpretação dos fenômenos. Daí necessário esclarecer dois es-
senciais teoremas heideggerianos, o círculo hermenêutico e a diferença ontológi-
ca, em um contexto que, para os fins de nossa abordagem, atenção maior será
dispensada para o último.
As noções tanto de um quanto de outro dos teoremas em hipótese al-
guma se dissociam de tudo que até aqui foi exposto; muito pelo contrário,
com tais constatações encontram-se enraizados e inseparáveis.
No âmbito do círculo hermenêutico, o fato de existir constitutivamente
pré-compreensões imanentes à existência do ser-no-mundo, somado ao fato
de sua própria existência ser ditada por essa relação mundana, são premissas
essenciais para a compreensão do que vem a ser este movimento circular da
compreensão, ou seja, “é essa ideia de conhecimento – como articulação de
uma pré-compreensão originária – que Heidegger chama de ‘círculo herme-
nêutico” (Vattino apud Streck, 2011, p. 251).
Um movimento circular de tudo que já fora dito anteriormente e que
constitui a própria existência do ser-aí, onde a busca por compreensão (inau-
gurada, ou, melhor, somente possibilitada, por uma pré-compreensão), após
absorvida, transmuta-se em nova pré-compreensão e o movimento perma-
nece contínuo e um contexto sempre dialogal (reflexo de um ser-com), movi-
mentando-se linguisticamente em um caminhar hermenêutico.
O círculo hermenêutico, em seu movimento, é o local onde sujeito e
objetos estão co-implicados, palco onde se encena a intersubjetividade. Esse
movimento só ocorre porque o Ser-aí quer compreender o mundo na mesma
medida em que deseja também compreender a si mesmo.
Tal ideia, somada à concepção da pré-compreensão (intrínseca à exis-
tência do ser), revela que, nesse movimento circular, há uma ruptura com
qualquer pretensão fixa de começo, meio e fim (busca por um grau zero, por
uma essência ou por previsões futuristas objetivadas). Daí dizer que a pergun-
ta (os questionamentos) é/são privilegiada(os) nesse movimento. A pergun-
ta, portanto, é mais um elemento que dá ênfase ao movimento circular aqui
descrito.
Conforme já anunciado na descrição do Dasein, este ser-aí também é
essencialmente ser-com, característica esta que é refletida na intersubjetivi-
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dade, no diálogo, na interação entre os seres (estar-com). Uma existência que


se revela na pluralidade. É dizer que, no contexto deste movimento circular
hermenêutico, nossas interpretações sobre os entes do mundo não são exclu-
sivamente nossas, são produto de nossa história, de uma tradição que nos foi
legada, enfim, de nossa estrutura prévia de compreensão, que no nosso estar-
-no-mundo divide com outros seres.
O movimento que dá vazão ao círculo hermenêutico liga-se claramente
com estas pré-noções, é o caminhar da nossa própria condição existencial,
dentro de nossa própria faticidade em busca de um conhecer. É o movimento
da compreensão. Conforme lição do mestre gaúcho,
[...] o fato de podermos dizer que algo é, já pressupõe que tenhamos dele
uma compreensão, ainda que incerta e mediana. E mais! Só nos relacio-
namos com algo, agimos, direcionamos nossas vidas na medida em que
temos uma compreensão do ser. Ao mesmo tempo, só podemos compreen-
der o ser na medida em que já nos compreendemos em nossa faticidade. O
acompanhamento desta rápida exposição por si só já dá conta da estrutura
circular em que se movimenta o pensamento heideggeriano. Essa estrutura
circular é o círculo hermenêutico [...] [é] compreensão da faticidade e existên-
cia do Ser-aí. (Streck, 2011, p. 240)

Portanto, a estrutura prévia da compreensão (em um contexto de bus-


ca pela compreensão de seu próprio ser – que é composto pela compreen-
são também de tudo que o cerca) é o que determina o círculo hermenêutico,
e nesse contexto a interpretação é o próprio movimento da compreensão,
compreende-se (pre-sença/pré-compreensão), o que consequentemente gera
uma forma de interpretação, o resultado disso retorna ao âmago do Dasein
em nova pré-compreensão e, assim, o círculo caminha.
Por isso que Heidegger afirma que, apesar de o Ser-aí ser constituído
preliminarmente por suas pré-compreensões, ele não está jogado no mun-
do de forma completa, ou seja, elas não dizem a sua completude, essa será
buscada no caminho circular aqui descrito: “O ser-no-mundo é, sem dúvida,
uma constituição necessária e a priori da pre-sença mas de forma alguma
suficiente para determinar por completo o seu ser” (Heidegger, 1988, p. 91).
O conhecimento do ser-aí se desloca na ponte que parte do seu pró-
prio ser (pré-compreensivo) em direção a este mesmo ser, sabendo-se ainda
que não se parte sozinho (pois as compreensões são fruto de jogo linguísti-
co, intersubjetivo, incompleto e inacabado), e o encontro consigo se dará em
um porto (seguro ou inquietante) onde a descoberta dos outros e dos entes
ali também estará, já que descobrir com é descobrir a si mesmo. Conforme já
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destacado supra, na caracterização do Dasein, compreender, mais do que um


modo de conhecer, é um modo de ser.
Essa ponte que parte da pré-compreensão rumo à compreensão (e que
no percurso possui todos os elementos mencionados anteriormente, inter-
subjetividade, existencialidade, faticidade, linguagem-discurso-diálogo, en-
fim, mundanidade) é aonde de fato mora o conhecimento. Mas não é uma ponte
onde há, de um lado, um sujeito, e, de outro lado, um objeto, e no meio há um
método (racional) ligando linearmente ambos os lados (premissas oriundas
dos paradigmas anteriores). Ao contrário, é uma ponte que é constitutiva,
composta de tudo que é essencial (e inerente) à existência do Ser-aí, onde não
há direção predeterminada mitologicamente. Simplesmente, basta atravessá-
-la, que o movimento circular do ser-aí (si) para o ser-aí (si) junto do ser-com
(pré-compreensivo) para o ser-no-mundo-com-os-outros-descobrindo-o-ser-dos-
-entes encarregar-se-á de revelar sentido às buscas do ser que compreende
ser.
A arte sempre nos surpreende e, por não raras vezes, consegue trans-
mitir ideias complexas de forma tão agradável e reveladora que de fato nos
faz acreditar que ela é imprescindível. A ideia aparentemente complexa trazi-
da no parágrafo supra é sintetizada na canção “A Ponte”, do talentoso artista
pernambucano Lenine, quando versa: “A ponte não é de ferro, não é de con-
creto, não é de cimento, a ponte é até onde vai o meu pensamento; A ponte
não é para ir nem pra voltar; A ponte é somente pra atravessar, caminhar
sobre as águas desse momento”7.
Ademais, quem define o círculo hermenêutico com capacidade singu-
lar é Ernildo Stein. O pensador brasileiro, exímio conhecedor da obra heide-
ggeriana, o faz da seguinte forma:
O homem se compreende quando compreende o ser, para compreender o
ser. [...]. Heidegger vai dizer: ‘Não se compreende o homem sem se com-
preender o ser’. Então a ontologia fundamental é caracterizada por esse
círculo: estuda-se aquele ente que tem por tarefa compreender o ser e, con-
tudo, para estudar esse ente que compreende o ser, já é preciso ter compre-
endido o ser. O ente homem não se compreende a si mesmo sem compre-
ender o ser, e não compreende o ser sem compreende-se a si mesmo; isso
numa espécie de esfera antepredicativa que seria o objeto da exploração
fenomenológica – daí vem a ideia de círculo hermenêutico, no seu sentido
mais profundo. (Stein, 1988, p. 79)

7 A ponte. Autoria: Lenine. Álbum: Acústico MTV.


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Muitas reflexões poderiam ser trazidas diante da riqueza da definição


apresentada; no entanto, para os intentos aqui almejados, por ora, resta-nos
suficiente e nos dá a direção necessária para alocarmos a diferença ontológica
neste contexto circular.
Isto porque a diferença ontológica – e a possibilidade de sua absorção
no caminho pela compreensão do ser – surge como essencial nesse percurso
hermenêutico circular, haja vista os dois teoremas se interligarem, na medida
em que “o homem (Ser-aí) compreende a si mesmo e compreende o ser (círcu-
lo hermenêutico) na medida em que pergunta pelos entes em seu ser (diferença
ontológica)” (Streck, 2011, p. 241).
Em outras palavras, “o homem só compreende o ser na medida em que
pergunta pelo ente” (Streck, 2011, p. 241). É dizer, o ente só é ente em seu ser. O
ente não é ente somente enquanto ente! Logo, “o ser é sempre o ser de um ente”
(Heidegger, 1988, p. 35). E isto é essencial ter-se em mente para desembor-
carmos, em breve, em nossos intentos conclusivos, mais especificamente na
questão do tráfico de drogas (e sua repressão) no interior do texto constitu-
cional.
Ressalte-se que o ente não se liga ao objeto empiricamente considera-
do, não é mero objeto isolado. Falar em ente é falar em fenômeno, seja ele cien-
tífico, social, cotidiano, enfim, é o que nos cerca. Segundo Heidegger, chama-
-se de ente “muitas coisas em sentidos diversos. Ente é tudo de que falamos,
tudo que entendemos, com que nos comportamos dessa ou daquela maneira,
ente é também o que e como nós mesmos somos” (1988, p. 32).
Portanto, encontrar o ser de um ente é a busca pela compreensão (e con-
sequente interpretação) dos fenômenos que nos cercam. Ressalta o aclama-
do filósofo alemão que “elaborar a questão do ser significa, portanto, tornar
transparente um ente – o que questiona – em seu ser” (Heidegger, 1988, p. 33).
Em todo esse contexto, a pré-compreensão (pre-sença) ocupa o seu pa-
pel de motor dentro de todo esse movimento, não deixa de ser um ente, mas
é um ente diferenciado, que tem o seu ser refletido no ser de outros entes que,
por sua vez, é uma constante relação com o seu próprio (e também constante)
ser. Logo, a pré-compreensão, justamente por ser ontológica, revela um exer-
cício (seu ser) que reflete no ser dos entes, por isso que ela, ou, melhor, seu ser
só é sendo. Pontua Heidegger:
A pre-sença não é apenas um ente que ocorre entre outros entes. Ao con-
trário, do ponto de vista ôntico, ela se distingue pelo privilégio de, em seu
ser, isto é, sendo, estar em jogo seu próprio ser. Mas também pertence a
essa constituição de ser da pre-sença a característica de, em seu ser, isto é,
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sendo, estabelecer uma relação de ser com seu próprio ser. Isso significa,
explicitamente e de alguma maneira, que a pre-sença se compreende em
seu ser, isto é, sendo. É próprio desde ente que seu ser se lhe abra e mani-
feste com e por meio de seu próprio ser, isto é, sendo. A compreensão do ser
é em si mesmo uma determinação do ser da pre-sença. O privilégio ôntico que
distingue a pre-sença está em ser ela ontológica. (Heidegger, 1988, p. 38)

Entre outras justificativas já pontuadas, é também por isso que, pelos


preceitos de Heidegger, compreende-se para depois interpretar, ou seja, já se traz
algo absorvido compreensivamente (ser da pré-compreensão) para o movi-
mento circular-hermenêutico de interpretação. Dito de outro modo, “a inter-
pretação é sempre derivada da compreensão que temos do ser-dos-entes. Ou
seja, originalmente o Ser-aí compreende o ente em seu ser e, de uma forma
derivada, torna explícita essa compreensão através da interpretação” (Streck,
2011, p. 241).
Portanto, interpretação é exteriorização de uma compreensão, “é mo-
mento discursivo-argumentativo em que falamos dos entes (processo, Di-
reito, etc.) pela compreensão que temos de seu ser” (Streck, 2011, p. 241)8.
Somente ciente dessa “missão” o ser-aí exerce o seu papel existencial e intra/
extra compreensivo no mundo.
Dessa forma, a ideia essencial que compõe a denominada diferença on-
tológica é que o ser do ente já é o seu próprio sentido que se revela (em de-
terminado momento finito e enquadrado no universo pré-compreensivo do
ser-aí que busca o ser dos entes). Logo, o ente (o fenômeno) só é no seu ser. Um
fenômeno sem sentido (naquele momento temporal e histórico) é somente
um ente sem significado, a-histórico, congelado e sem lugar no movimento
do círculo hermenêutico.
A já mencionada “ponte” (também presente em verso e canção) sim-
plesmente existe para ser atravessada sem caminhos, eterna e objetivamente
fixados, de ida ou de volta. Soa quase como uma ponte tangencial ao caminho
do círculo hermenêutico – caminho este que é circular – e, diante dessa noção
de busca única pelo ser dos entes, o que se revela é que esse movimento de
circularidade, e isso é um ponto central para o objetivo de nossas discussões,
pode, inclusive possibilitar que pre-senças (pré-compreensões) sejam altera-

8 Se fez questão de destacar tal reflexão de Lênio Streck, pois ele a menciona relacionando-a
com o Direito. Ocorre que, e isso deve ser de fato fixado, toda essa reflexão, sejam as do autor
citado como as nossas neste ensaio, é oriunda expressamente das reflexões de Heidegger em
Ser e tempo (1988).
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das a depender do momento dialogal, da temporalidade e da disponibilidade


dos seres jogados no mundo.

4 HISTORICIDADE, LIMITAÇÃO E FINITUDE


Chega-se a um ponto que, junto com a diferença ontológica, é primor-
dial para enfrentarmos de frente o ente que, ao final, aqui entrará em jogo
discursivo-reflexivo. A busca pelo ser (sentido) dos entes será decisivamente
influenciada (delimitada) pelo momento temporal-histórico em que tal busca
se revela. Cada momento, inevitavelmente, revela uma compreensão.
Heidegger já anunciava que somos seres finitos e historicamente situa­
dos. O Ser-aí, em que pese ser privilegiado ao ponto de poder compreender
sentido nos entes, em contrapartida, é limitado à sua própria temporalidade.
Ressalta por mais de uma vez Heidegger que “somos seres para a morte”, o
que, desde já, exterioriza uma limitação profunda, pois toda a precariedade
da condição humana (física, psíquica e biológica) irá pertencer à forma que se
dará a compreensão das coisas no mundo.
Com efeito, “o ente é histórico em sua historicidade” (Heidegger, 1988,
p. 37). Já Gadamer interpreta com cautela peculiar tal afirmativa (e de forma
densa em sua obra Verdade e método), pois relaciona o movimento da compre-
ensão à denominada consciência histórica, destacando que o ato de interpretar
a realidade em seu sentido (o ser dos entes que se revelam e àquilo que o
Ser-aí tanto busca) depende de uma concretude histórica, pois o momento
histórico efetivo delimita certos preconceitos9 inerentes à pré-compreensão
(Gadamer, 2005, p. 360). No dizer de Gadamer, “é só o reconhecimento do ca-
ráter essencialmente preconceituoso de toda compreensão que pode levar o
problema hermenêutico à sua real agudeza”, isto porque, continua Gadamer,
em constatação digna de destaque: “A auto-reflexão do indivíduo não passa de
uma luz tênue na corrente cerrada da vida histórica. Por isso, os preconceitos de um
indivíduo, muito mais que seus juízos, constituem a realidade histórica de seu ser”
(2005, p. 367 – grifos originais).

9 Sobre este esclarecimento acerca da concepção de preconceito, Gadamer desempenha uma


reflexão em Verdade e método acerca de tal consideração: “Uma análise da história do conceito
mostra que é somente na Aufklärung que o conceito de preconceito recebeu o matiz negativo
que agora possui. Em si mesmo, ‘preconceito’ (Vorurteil) que dizer um juízo (Urteil) que se
forma antes do exame definitivo de todos os momentos determinantes segundo a coisa em
questão. [...]. ‘Preconceito’ não significa pois, de modo algum, falso juízo, uma vez que ser
conceito permite que ele possa ser valorizado positiva ou negativamente” (2005, p. 360).
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Dessa forma, é inegável a limitação do ser-aí enquanto ser capaz de


atribuir sentido (ser) de entes a ele apresentados em um caminho linguístico.
A limitação não é uma vontade ou algo escolhido, é uma realidade, e, acres-
centa-se, uma realidade histórica mundana e que se interliga com a ponte
hermenêutica (tangencial ao caminho circular) da compreensão. Mais uma
vez, a canção “A Ponte”, de Lenine, nos é valiosa, agora exteriorizando esta
ideia de limitação histórica: “A ponte é até onde vai o meu pensamento”
(limitação) “Caminhar sobre as águas desse momento” (momento histórico).
Portanto, a mobilidade dentro de nossa temporalidade é possibilitado-
ra de nosso compreender. Logo, com Gadamer, é inegável reconhecer que “a
autocrítica da consciência histórica acaba levando a reconhecer uma mobili-
dade histórica não somente no acontecer mas também no próprio compreen-
der” (2005, p. 385). É a junção do que o filósofo trabalha como (1) subdetermi-
nação ontológica do objeto da compreensão e (2) limitação de todo compre-
ender pela relação com o inapreensível, com o inconcebível (Reis, 2011, p. 60).
Essa tal limitação oriunda da historicidade (no sentido de finitude da
compreensão) mostra-se – já que intrinsecamente ligada com a compreensão
– como “relacionalidade ontológica que subdetermina o objeto da compreen-
são” (Reis, 2011, p. 62). A compreensão é histórica, há sempre e inevitavel-
mente historicidade na compreensão.
Tal discussão, em correlação com o papel do Ser-aí em todo esse con-
texto, é alocada em reflexão primorosa de Lenio Streck:
A verdade não é uma questão de método. Será, sim, uma questão rela-
tiva à manifestação do ser [reflexão já feita acima, lembremos da ponte],
para um ser cuja existência consiste na compreensão do ser. Ser, verdade,
vida e história são concebidos a partir da temporalidade absoluta, e não da
temporalidade enquanto qualidade de um eu a-histórico e transcendental,
próprios da metafísica. Na ontologia da compreensão, a vida é história,
onde o próprio ser se desvela no horizonte da temporalidade. O próprio
ser é tempo. Por isto, a vida, a existência concreta, emerge na compreensão
do ser. (2011, p. 257)

Neste momento, portanto, em breves linhas, o que se deve ter fixado


é que o conhecimento que qualquer ser produz é limitado, porque somos
seres finitos. Em suma, “a historicização do ser humano significa que todo
complexo de propriedades identificadoras de uma pessoa são elas mesmas
condicionadas historicamente. [...] a consciência histórica [tal peculiarmente
trabalhada por Gadamer] significa historicidade da própria razão humana”
(Reis, 2011, p. 60).
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Nesse sentido, recusa-se, e isto vem sendo feito durante todo momento
nestas reflexões, “uma unidade a priori da razão e a condicionalidade local
das formas de racionalidade” (Reis, 2011, p. 60), e tal premissa será de essen-
cial valia para o enfrentamento do fenômeno de estudo a seguir apresentado.
Logo, por derradeiro, convém ressaltar que, quando se produz algo,
é interessante que se submeta ao diálogo com outras pessoas, dessa forma, talvez, a
verdade, naquele momento, possa ser construída e possa vir a se manifestar; e este é
um ponto central para avançarmos e enfrentarmos o próximo momento.
Definitivamente, sem assumir as limitações temporais (expostas neste
tópico) e sem esse reconhecimento da essencialidade da intersubjetividade
e da divisão (ser-com) na busca pela compreensão, ressaltada supra, o resul-
tado em determinados casos será uma entificação atemporal e objetiva dos
fenômenos (entes/objetos), o que não é o que se espera de um percurso her-
menêutico.

5 O QUE É ISTO – O TRÁFICO DE DROGAS? ENTIFICAÇÃO


DA REALIDADE E A FALÁCIA POLÍTICA E IDEOLÓGICA
REPRESENTADA PELO MANDADO EXPRESSO DE
CRIMINALIZAÇÃO
Aterrissa-se, pois, nesta etapa, a reflexão ao fenômeno dos mandados
constitucionais expressos de criminalização, em especial do tráfico de drogas,
como perigosa entificação e negação da diferença ontológica; enfim, como
negação autoritária do próprio movimento da compreensão proposto pelo
paradigma hermenêutico e pela materialidade dos horizontes simbólicos dos
direitos fundamentais expressa no constitucionalismo pluralista e democrá-
tico.
O direito não é estanque às discussões filosóficas e delas não se disso-
cia. Afetados pelas rupturas paradigmáticas descritas anteriormente, o direi-
to não se encontra imune às transformações radicais impostas pelo debate
filosófico. Nesse sentido, eis o ente (fenômeno) aqui apresentado: o tráfico de
drogas enquanto objeto constitucional de imperativo tratamento penal. O grande
problema: a objetivação (entificada) do próprio ente “tráfico de drogas” e de
seu (obrigatório) tratamento punitivo – consubstanciada na nefasta nomen-
clatura de “mandados constitucionais expressos de criminalização” – como
manifesta contradição aos ditames de uma postura hermenêutica e democrá-
tica de gestão dos conflitos sociais e culturais.
Do ponto de vista da teoria constitucional, partindo-se de uma defini-
ção estritamente dogmática, e, por essa razão, entificada, os mandados cons-
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titucionais expressos de criminalização seriam um “elenco de normas que,


em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a crimina-
lização de determinadas condutas” (Mendes; Branco, 2011, p. 534).
Em nosso contexto, estão presentes, segundo a doutrina, mandados
constitucionais de criminalização que tangenciam as seguintes condutas10:
racismo (art. 5º, XLII, da CF); tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e ter-
rorismo (art. 5º, XLIII, da CF); ação de grupos armados, civis ou militares,
contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, da CF);
retenção dolosa do salário de trabalhadores (art. 7º, X, da CF); abuso, violên-
cia e exploração sexual da criança e do adolescente (art. 227, § 4º, da CF); e
crimes contra o meio ambiente (art. 225, § 3º, da CF)11.
Tais mandados de criminalização, ainda segundo a dogmática consti-
tucional, revelariam, observados os bens e valores envolvidos, um dever de
amparo protetivo fixado pelo constituinte, sendo, portanto, uma clara “ins-
tituição de um sistema de proteção por meio de normas penais”, onde des-
pontaria a “concretização de deveres de proteção mediante criminalização
de condutas” (Mendes; Branco, 2011, p. 535). Como destacado, o tráfico de
drogas representa uma das mais sólidas manifestações dessa imposição cons-
titucional criminalizadora.
A grande questão consiste no fato de que tal imposição constitucional
seja premissa absoluta para que, ad eternum (desconsiderando qualquer mo-
vimento interpretativo), o tráfico seja criminalizado, e mais, sempre e univer-
salmente reprimido mediante ferramentas penais.
Seguindo o modelo hermenêutico proposto, a cristalização do manda-
do expresso de criminalização do tráfico de drogas reflete uma postura auto-
ritária e abertamente metafísica do tema. Isto porque coloca fora de qualquer
discussão e qualquer diálogo o próprio “ente tráfico de drogas”, tornando,
portanto, congelado o seu sentido social e histórico. A criminalização do trá-

10 Janaína Conceição Paschoal (2003), sob um viés mais crítico e diante de um direito penal
mínimo, não concebe como mandados constitucionais expressos de criminalização os incisos
em que a Constituição refira-se somente em “punição” como é o caso do artigo relacionado
às crianças e adolescentes, pois, segundo a autora, uma punição não necessariamente tem
que se dar sob o âmbito penal. Interessante “saída” interpretativa.
11 Em que pese o texto constitucional, sabe-se da polêmica que gira em torno da possibilidade
ou não de responsabilização penal da pessoa jurídica no contexto dos delitos ambientais,
principalmente frente aos princípios da responsabilidade pessoal e da culpabilidade. No
entanto, tal temática, apesar de instigante, não é objeto do presente estudo.
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fico, na verdade, é um fenômeno construído socialmente, sendo que a opção


pelo tratamento punitivo reflete uma tomada de posição política e histórica
sobre o tema.
Não há que se falar em uma verdade impositiva ou em uma razão ab-
soluta. O ser é tempo e a busca pelo ser (dos entes) também é determinada de
forma definitiva pelo tempo. Consoante expõe Gadamer: “Para nós a razão
só existe como real e histórica, isto significa simplesmente: a razão não é dona
de si mesma, pois está sempre referida ao dado no qual exerce sua ação”
(2005, p. 367).
Nesse exato sentido, não existe o tráfico de drogas em si, mas apenas
o comércio de drogas que o Estado e a sua biopolítica consideram nocivos e
atentatórios a uma definição hegemônica da realidade social, sempre instru-
mentalizada por interesses econômicos, ideológicos e políticos, e, por essa ra-
zão, estabelece a sua opção por um tratamento repressivo e discriminatório.
Trata-se, pois, conforme já consagrado pelas criminologias críticas, de uma
realidade construída socialmente mediante complexos processos de intera-
ção social e de seleção estigmatizante. Enquanto fenômeno, o tráfico de dro-
gas poderia ser visualizado apenas como um mero comércio de substâncias
psicoativas e alteradoras do estado de consciência, assim como o álcool e o
tabaco, podendo assumir um tratamento não punitivo e abertamente demo-
crático, produto de visões plurais e alternativas do mundo e da vida social.
Do ponto de vista histórico, revela notar que a manipulação do conceito
de tráfico de drogas sempre refletiu, na verdade, formas concretas de rebai-
xamento político, que fabricam invisibilidade e humilhação social, mediante
a utilização do sistema penal como forma de “intervir moralmente” sobre
indivíduos e grupos sociais, e que remonta ao discurso penal antijudaico do
reino visigótico e ao sistema de moral escolástica, edificador do direito penal
e penitencial canônico. Tal rebaixamento faz do poder punitivo, no interior
dessa matriz constitutiva, um aliado na destruição da dissidência religiosa.
Com o seu peculiar rigor histórico, assevera Nilo Batista (2003,
p. 163-164), que, exemplarmente, na Idade Média,
[...] a promiscuidade conceitual entre delito e pecado, da qual resulta a sa-
cralização do primeiro e a politização do segundo, abrirá ao direito penal
canônico uma perspectiva de intervenção moral comparável a poucas ex-
periências judiciais da antigüidade, e cabalmente inédita quanto ao totali-
tarismo do discurso e à expressão quantitativa de suas vítimas. Essa inter-
venção moral do sistema penal estará doravante legitimada para ocupar-se
do pensamento, porque o pecado (e logo, o delito) pode perfeitamente resi-
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dir no pensamento, seja ele uma inquietação herética ou um desejo sexual


nefando.12

Assim, a matriz da intervenção moral, incrustada no campo penal, pro-


veniente do ranço da herança ibérica, legitima as atuais práticas de crimi-
nalização do tráfico e do uso de drogas e na consideração do traficante e do
usuário como seres moralmente inferiores, não sujeitos, monstros ou pestes,
necessitados de tutela, de recondução aos padrões morais e comportamentais
da sociedade competitiva e individualista, ou de brutalização e eliminação
física mediante as estratégias punitivas de controle social.
De fato, historicamente, o cuidado com a sanidade das relações sociais
e com os indivíduos, a busca incessante pela higienização do corpo social,
concretiza-se, insistentemente, por meio de estratégias de banimento da dis-
sensão, das fissuras na ordem simbólica instituída. Por esse motivo, a crimi-
nalização de algumas drogas corresponde, indisfarçavelmente, à indução de
políticas de controle social sobre grupos considerados disfuncionais, perigo-
sos, perturbadores, para uma específica definição dominante da realidade
social.
Nos EUA do início do século XX, lembra Thiago Rodrigues (2004,
p. 137-138) que, antes mesmo da elaboração das primeiras leis proibicionistas,
[...] o moralismo organizado e não-organizado já identificava o consumo de
substâncias indutoras de estados alterados de consciência aos hábitos de
minorias estigmatizadas. Assim, os negros eram identificados como con-
sumidores de cocaína; os chineses, como viciados em ópio; os irlandeses,
como inveterados bebedores de álcool; os mexicanos e outros hispânicos,
como indolentes e lascivos fumadores de maconha. [...] A ameaça parte “de
baixo”, das vielas e cortiços, dos homens com costumes “anômalos” e lín-
guas incompreensíveis, das doutrinas revolucionárias e instabilizadoras,
do outro que está dentro como peste.

Com efeito, expõe-se um elo visível entre a proibição das drogas e o in-
cremento das estratégias de controle penal sobre as classes e os grupos estig-
matizados. A sobreposição entre “classes perigosas”, “viciados” e traficantes

12 Nas preciosas palavras de Batista (2003, p. 165), “o sistema penal canônico se apresenta,
assim, como o instrumento de uma ordem totalizante e inexorável, que não admite
contestação ou desobediência, e a submissão do réu é recortada também a partir de uma
drástica redução na operatividade de sua defesa. Sem trocadilho, a repressão às heresias
cria o maniqueísmo penal, onde uma ordem virtuosa, representada pelo Tribunal canônico,
contempla o desviado inerme, cuja alma deve ser reconduzida ao grande programa
salvacional da igreja, ainda que ao custo de seu extermínio físico”.
120
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provou-se largamente poderosa, ao justapor três planos de graves ameaças


à imagem da ordem dominante: à moral, à saúde pública e à segurança pú-
blica. De outra sorte, no Brasil, “do estigma para a criminalização”, o ritmo
foi ditado, como nos Estado Unidos, pela capacidade das práticas sociais e de
governo conectar “grupos” e “venenos perigosos” (Rodrigues, 2004, p. 140).
Nilo Batista (2002) identifica, com precisão, os contornos históricos
desta matriz de intervenção moral que ainda se encontra na base da política
criminal de drogas no Brasil, uma “política criminal com derramamento de
sangue”. Em um primeiro momento, o autor constata que
[...] a inquisição nos permite compreender que o dogmatismo legal, com
sua aversão ao pluralismo jurídico, é condição necessária para uma crimi-
nalização do diferente, criminalização esta que sinaliza a coercitividade do
consenso e o reforça através da manipulação dos sentimentos ativados pelo
episódio judicial. (Batista, 2002, p. 238)

Todos esses mecanismos persistem à descriminalização histórica da


heresia e podem ser facilmente entrevistos em plena vitalidade no século
atual, com clareza em contextos mais politizados (judeus perante a ordem
nazista, socialistas perante tribunais militares no Cone Sul, etc.); porém, sem
muito esforço em conjunturas de conotações políticas ocultas, dissimuladas
(a guerra santa contra as drogas e o traficante-herege que pretende apossar-
-se da alma das crianças). Em seguida, Batista conclui que tal herança histó-
rica alimenta o atual modelo bélico, genocida, da política de drogas, no qual,
de acordo com o autor (1997, p. 143),
a droga se transforma no grande eixo – o mais impertubavelmente plástico,
capaz de acionar motivos religiosos, morais, políticos e étnicos – sobre o
qual se pode reconstruir a face do inimigo (interno) também num compa-
triota; no Rio de Janeiro, na figura de um adolescente negro e favelado que
vende maconha ou cocaína para outros adolescentes bem nascidos.

Nesse sentido, vê-se claramente que “o problema do sistema não é a


droga em si, mas o controle específico daquela parte da população conside-
rada perigosa” (Batista, 2003, p. 81). Aos adolescentes bem-nascidos aplica-
-se o modelo de controle médico, de tratamento e recondução às imagens
dominantes da boa ordem da sociedade. Aos jovens invisíveis e humilhados,
destina-se toda a brutalidade do encarceramento ou a insanidade genocida
da eliminação física13.

13 Em Batista (2004, p. 156), a autora ressalta que “as cruzadas contra as drogas, essa
combinação de elementos morais, religiosos e de confronto, produzem um direito penal
121
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Abril/Junho 2013

A intervenção punitiva, no domínio das drogas, retrata, visivelmente,


além de um sensível olhar discriminatório e excludente, ao visualizar como
moralmente inferiores indivíduos ou grupos que decidem livremente pelo
uso de substâncias consideradas ilícitas pela ordem dominante, a divisão de
classes da sociedade, que seleciona, segundo a cor e o status social, aqueles
passíveis de recondução aos padrões considerados convenientes à reprodu-
ção da boa sociedade, ordeira e justa.
No plano legislativo, essa evidência estampa-se na Lei nº 11.343/2006,
que radicaliza a diferenciação de tratamento entre o traficante, visto a partir
do paradigma do direito penal do inimigo (que caminha ao lado da exceção
permanente e que é reforçado por um mandado constitucional criminaliza-
dor em relação ao tráfico), uma vez que as condutas previstas no art. 33 da
referida lei, além de possuírem um apenamento semelhante ao do homicídio
cometido “por motivo de relevante valor social ou moral”, e superior à da
lesão corporal seguida de morte, são equiparadas aos crimes definidos como
hediondos.
De novo, o que está definitivamente em jogo na criminalização das
drogas é a gestão da subcidadania, do efetivo controle das “classes perigosas,
perturbadoras e disfuncionais” e do sujeito considerado inútil e improduti-
vo, não portador da dignidade do sujeito racional e, portanto, não dotado do
reconhecimento intersubjetivo que lhe determina o status de cidadão, seja em
razão da toxicodependência, ou simplesmente em razão do uso eventual ou
reiterado de substância alteradora do estado de consciência, o que permitiria
deduzir tratar-se de sujeito inadaptado, rebelde ou moralmente inferior.
De fato, o objetivo primordial do presente estudo não é, por completo,
demonstrar criminologicamente que a repressão penal ao tráfico é fracassa-
da, discussão já protagonizada por vasta literatura abalizada. A discussão
aqui proposta é anterior, pois gira em torno do próprio conteúdo semântico
do ente tráfico de drogas, tornado algo demonizado e intocável pelos dis-
cursos punitivos hegemônicos. Trata-se, pois, de revolver o chão linguístico
desse ente (tráfico de drogas), a fim de lhe descortinar os seus múltiplos sen-
tidos. É justamente a necessidade de perceber o ente tráfico de drogas não
enquanto ente, mas no seu ser. O que se pretende, pois, é justamente repudiar
a manipulação entificadora de um conceito, visto como um mal (crime) em si,
universal e a-histórico, o que determina o impedimento de um movimento

sem fronteiras forjando em Bangu I algo que aspira ser muito parecido com as imagens
sinistras dos prisioneiros de Guantánamo”.
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evolutivo e hermenêutico da própria discussão, cortada na gênese por esta


nefasta entificação (impossibilidade de sentido) atual. Daí porque o trabalho
tende mais para a filosofia e para hermenêutica do que propriamente para a
criminologia.
Por razões óbvias, o viés criminológico é inegável, justamente por
isso que não se poderia evoluir nas discussões sem se destacar estes pontos
criminológicos essenciais. No entanto, do ponto de vista da hermenêutica
filosófica, percebe-se claramente que não existe o tráfico (ente) enquanto trá-
fico (ente), mas apenas o ser do ente tráfico de drogas, isto é, o seu sentido,
sempre produto de uma construção social e histórica. A título de exemplo, o
que se pode pensar da criminalização do álcool na década de 1930 nos EUA?
Seria uma determinação universal, possuindo uma essência de verdade pe-
rene e imutável, da manifestação de um ente enquanto ente? Ou apenas uma
escolha política, profundamente equivocada, diga-se de passagem, de um
determinado momento histórico e de uma determinada visão de mundo po-
lítica e social? No caso das drogas, em especial a maconha, a cocaína e demais
drogas sintéticas, também não seria possível visualizar um sentido diferente
para as formas de tratamento de seus potenciais e nocivos abusos?
Resta evidenciado, portanto, que aquilo que era percebido como tráfico
de bebidas alcoólicas nos EUA hoje constitui mera referência histórica, e não
uma realidade congelada, intransmutável, perene e universal. O ente (tráfico
de drogas) enquanto ente é inacessível. Não existe uma essência de tráfico.
Ele só existe no seu ser (sentido), histórico e social. O sentido que se revela do
“tráfico de drogas” é sempre construído pela linguagem, pela faticidade, pela
historicidade do fenômeno da compreensão.
No caso, os discursos penais e criminológicos dominantes projetam so-
bre o trafico de drogas uma essência, impregnando o conceito de uma valora-
ção sempre negativa, demonizada, de um mal (crime) em si, sempre a partir
de sua consideração como realidade ontológica pré-constituída ao processo
de reação social, seja considerando-o como portador de uma ordem intrínse-
ca (mal enquanto mal), consoante os termos da ontologia clássica, ou deter-
minada como crime, a partir de uma operação racional universal e absoluta
do sujeito cognoscente, nos moldes do paradigma da filosofia da consciência,
mas jamais como uma manifestação fenomenológica, percebido em seu ser,
isto é, em seu sentido histórico-social.
Nesse sentido, por mais que a Constituição determine o tratamento
abertamente punitivo, ela termina por assumir uma tomada de posição au-
toritária e metafísica com relação ao tema, deslegitimando a priori visões de
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Doutrina Nacional
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mundo distintas, as inúmeras perspectivas históricas, culturais, ideológicas,


e alimentando a indústria do controle do crime e o estado de exceção per-
manente forjado pelo paradigma da guerra (em particular, em nosso caso de
análise, uma guerra falida às drogas).
Talvez, em uma perspectiva pessimista, tal realidade revela-se em uma
constatação de o Estado repressor não renunciar a interesses econômicos e
ideológicos que ocultamente ou escancaradamente legitimam a repressão.
Expõe Vera Malagutti14:
A guerra contra as drogas é fracassada em todos os objetivos que ela pro-
pôs – produção, comercialização, consumo, violência e corrupção policial –
mas ela continua regendo há mais de 40 anos no mundo e no Brasil. Então,
uma política com tantos fracassos deve ter alguma coisa por trás dela que é
um sucesso. Na minha modesta opinião, é porque ela alimenta a indústria
da guerra e do controle do crime.

Definitivamente, uma postura entificadora do imperativo de crimina-


lização do tráfico de drogas termina por negar todas as contribuições das
criminologias críticas sobre o tema, as inúmeras políticas sociais alternativas
ao controle do abuso de drogas, como a política de redução de danos, e coloca
o paradigma da guerra e o punitivismo como soluções irrenunciáveis. Trata-
-se, pois, de uma manifesta entificação do ser, de um verdadeiro sequestro da
temporalidade e da consciência histórica efectual no debate em torno do tema
das drogas.
Desse modo, a existência de uma “Constituição penal dirigente” tal
qual denomina Salo de Carvalho (2004, p. 195) só tende a reforçar um Estado
penal na medida em que enfraquece um Estado social de garantias. Não se
pode aceitar que exista, portanto, uma essência de obrigatoriedade de cri-
minalização do tráfico de drogas. É possível assumir posições alternativas
sobre o tema, levando-se em conta os direitos fundamentais e os princípios
decorrentes da materialidade constitucional, que impõe um tratamento não
violento dos conflitos, enquanto fundamento preambular da Constituição.
Neste sentido, primordiais são as conclusões de Gadamer (2007,
p. 48) em obra (coletânea de reflexões) denominada Heidegger em retrospectiva,
quando aponta que devemos romper

14 Entrevista disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/5258>. Acesso: 12 ago.


2012.
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Abril/Junho 2013

com o academicismo das avaliações e opiniões já prontas e concebidas por


meio da liberdade do juízo intelectual – mesmo correndo o risco do próprio
erro. Não acredito na linguagem universal da humanidade, assim como
não acredito em um clima gerado artificialmente para todos os habitantes
da terra. Mas acredito que a humanidade pode aprender a partir de suas próprias
experiências. (grifos nossos)

Nesse contexto, as experiências genocidas e repressivas relacionas com


o fenômeno do tráfico de drogas já nos dão conta de demonstrar que outras
discussões, descobertas e experiências devem entrar em cena, pois a limitação
e o reducionismo a uma guerra falida não são compatíveis com as transfor-
mações temporais e históricas que inevitavelmente acontecem no seio social.
Ter consciência da historicidade de toda discussão é conhecer os pró-
prios limites (até onde ela pode ir). E quando isto começa a ser percebido,
novas possibilidades devem se abrir. Com Salo de Carvalho, insiste-se, e é de
suma importância que isso seja destacado: “A pretensão e a soberba gerada
pela crença romântica de que o direito penal pode salvaguardar a humani-
dade de sua destruição impede o angustiante e doloroso, porém altamente
saudável, processo de reconhecimento dos limites” (Carvalho, 2004, p. 207).
Tal consciência (histórica) só reforça a afirmação de que nada impede
posterior e nova discussão para a real necessidade das respostas punitivas ao
fenômeno do “tráfico”, visto que, conforme já destacado, uma Constituição
como fundamento de um Estado penal ad eternum estaria a desconsiderar a
possibilidade de transformação da própria sociedade, o que vai de encontro
a tudo que aqui foi debatido. É preciso crer, tal qual Salo de Carvalho, que é
necessário o reconhecimento e a “consciência de que os riscos da sociedade
pós-industrial (riscos catastróficos e imensuráveis) estão para além da capa-
cidade de controle penal” (2004, p. 208). E o risco do convívio social com as
drogas é um deles.
Tal constatação nos leva a crer que a própria criação da constituição foi
um acontecer temporal (e, portanto limitado) e que os mandados de criminaliza-
ção estão engendrados por um contexto histórico-influenciador prevalecente
quando da criação da Carta Constitucional, o que não significa que em tem-
pos atuais necessariamente deveriam guiar a legitimação de um direito penal
do inimigo como primeira “alternativa” de abordagem nas questões presen-
tes em tais mandados. Consoante Paschoal (2003, p. 83) “as determinações
expressas de criminalização estão relacionadas não à necessidade de tutela
penal, mas a fatores históricos e/ou reclamos sociais predominantes quando
da elaboração da carta. Esses fatores ou reclamos podem não ser suficientes
para justificar uma criminalização em momento posterior ao do advento da
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Constituição”. Novas possibilidades são imanentes a um percurso herme-


nêutico, de forma inevitável, na medida em que a temporalidade revela as
limitações, tais possibilidades são encontradas pelo caminho.
Estritamente neste ponto da repressão bélica ao tráfico, a página histó-
rica, detentora de seus próprios limites – e hoje já o enxergamos claramente –,
deve ser virada, o círculo caminhou, a ponte se expandiu, e os seres-no-mundo
encontram hoje outras possibilidades em outros entes. Ficar estacionado atempo-
ralmente em um paradigma repressivo (lei e ordem) é não reconhecer a exis-
tência de um movimento temporal constante, presente hoje em uma socieda-
de contemporânea e que amanhã, de igual forma, também será ultrapassado
e a adequação a esse movimento deve ser natural e inevitável e não impos-
sibilitada, ainda mais por interpretações entificadas do texto constitucional.
Tal qual exposto desde o primeiro momento da presente exposição,
partindo-se da importância da linguagem, as novas experiências só se pos-
sibilitam quando o caminho hermenêutico de fato é traçado e, dessa forma,
o diálogo e a intersubjetividade são possibilitados. A opinião do outro (ser-
-com) é importante e não há que se aceitar a reprodução fechada do texto,
ainda que, em nosso caso, constitucional. Ressalta Gadamer (2005, p. 557)
que “de modo algum podemos pressupor como dado geral que o que nos é
dito em um texto se encaixe sem quebras nas próprias opiniões e expectativas
[de todos]”. E, continua o pensador, destacando a questão da importância do
outro:
[...] reconhecemos que também as opiniões não podem ser entendidas de
maneira arbitrária. Da mesma forma que não é possível manter por muito
tempo uma compreensão incorreta de um hábito de linguagem [...] tam-
pouco se podem manter às cegas as próprias opiniões prévias sobre as coi-
sas, quando se busca compreender a opinião do outro.

Diante de todo esse contexto, importante ter-se frisado que ter cons­
ciência (reconhecimento) histórica(o) – conhecer, ainda que superficialmente,
a limitação advinda da localização histórica – é ter a percepção que “o tempo
histórico é um tempo de criação e recepção, sendo, pois, o tempo do acolhi-
mento de heranças do passado e da abertura para as incertezas do futuro” (Reis,
2011, p. 59).
É por isso que uma abertura relacional e o reconhecimento dos limites
da realidade possibilitam uma possível crítica da ideologia. Em nosso caso, é
a melhor forma (e ela é inevitável, ante a toda movimentação hermenêutica
traçada no presente ensaio) para uma eficiente crítica de uma ideologia pe-
nal, repressora e punitiva.
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Não sendo assim, nos veremos diante de um círculo vicioso (sem saída,
sem evolução), onde um constante reprojetar que perfaz o movimento do
compreender e do interpretar, tal qual prega Heidegger, não terá vez. Por
derradeiro, fica o alerta de Gadamer (2007, p. 48), ao enaltecer a estrutura e o
movimento da interrogação heideggeriana: “Me parece um pouco cego que as
pessoas me perguntem o que ainda temos afinal a aprender com Heidegger.
Se ao menos pudéssemos aprender com ele! Não se trata aqui de aprender mas de um
saber-fazer”.

CONCLUSÃO
Partindo-se da viragem linguística e sua essencial importância na que-
bra filosófico-paradigmática que deu asas à filosofia hermenêutica, passando,
posteriormente, pelos conceitos que tangenciam este ser que debruça-se em
compreender, o Ser-aí, bem como o seu movimento circular, e sua localização
histórica e temporal, aportou-se no cerne do debate.
Dessa forma, as reflexões percorreram, fundamentalmente, a impor-
tante crítica hermenêutica ao conteúdo semântico do tráfico de drogas, na
sua manifestação metafísica e objetificadora, bem como aos fundamentos da
cláusula constitucional expressa de criminalização, que legitima o nefasto
e autoritário paradigma da “guerra às drogas”. Nos marcos do paradigma
da hermenêutica filosófica, destaca-se que o conceito de tráfico de drogas
está impregnado de valorações ideológicas negativas, demonizadas, impos-
tas pelo discurso penal e criminológico hegemônico, visto como um mal em
si, um ente enquanto ente, produto de uma visão unívoca e profundamente
antidemocrática sobre tema de tamanha e crucial relevância, absolutamente
descolado de seu ser, isto é, de seus sentidos históricos, sociais, culturais e
ideológicos.
O discurso penal e criminológico dominante, instrumentalizado pela
mídia de massa, cristaliza um sentido da atividade do comércio de drogas
ilícitas que foi absorvido de forma absolutamente acrítica pelo texto constitu-
cional, determinando um modelo de gestão de conflitos pautado pela guerra,
pelo massacre de indivíduos e grupos sociais vulneráveis, abrindo os canais
para a afirmação do paradigma do inimigo e do estado de exceção perma-
nente que dilaceram os horizontes simbólicos da democracia e dos direitos
fundamentais.
Nitidamente, tal modelo punitivo se contrapõe aos próprios horizontes
normativos dos direitos fundamentais expressos no texto constitucional, que
determina em seu próprio preâmbulo o compromisso com a “solução pacífi-
127
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ca das controvérsias”, tanto em âmbito interno quanto internacional. Desse


modo, os mandados constitucionais de criminalização devem ser visualiza-
dos em seu ser, em seu sentido constitucional, de acordo com a materialidade
dos direitos fundamentais inscritos em seu texto e nunca de forma objeti-
ficada. A crítica da ideologia penal dominante é, sem dúvida, a manifesta-
ção da historicidade do processo de compreensão do mundo, da consciência
histórica efectual enquanto elemento intrínseco do percurso hermenêutico e
democrático.
Nesse sentido, percebe-se claramente que a visão dominante acerca do
tráfico de drogas, da articulação de seu sentido objetificado, enquanto en-
carnação do mal e do diabólico, inviabiliza qualquer debate democrático em
torno da descriminalização do comércio e uso de drogas, assim como a busca
de novas alternativas de enfretamento dos potenciais e nocivos abusos de
substâncias psicoativas consideradas ilegais.
Portanto, a dogmática penal e constitucional precisa situar-se nos ter-
mos da diferença ontológica. O ente tráfico de drogas está aprisionado nessa
tentativa autoritária e metafísica de objetificação, de congelamento de seu
sentido. O perigo do atual conceito do tráfico de drogas, absorvido de forma
acrítica pela dogmática jurídica, trata-o como se representasse um conceito
universal, sem nenhuma substância histórica, política e ideológica. Há aqui,
de fato, uma entificação do ser. Como se o tráfico de drogas possuísse uma
essência, uma natureza intrínseca, forjada pelo discurso penal e criminológi-
co do inimigo, da guerra, da destruição do diferente. É preciso prestar aten-
ção na advertência de Gadamer, e buscar um novo saber-fazer.

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