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Perceção expressiva
Só podemos representar o visível, tudo aquilo que está diante de nós. Contudo,
Wollheim desafia a legitimidade dessa resposta substituindo-a pela teoria do
ver-em. Não deve ser o simples ato de ver, guia como critério responsável para
aquilo que pode ser representado, mas o ver-em. Considerar o visível como
condição necessária para a representação, segundo Wollheim constitui uma
limitação excessiva, indevida sobre aquilo que pode ser representado.
Richard Wollheim recordava o ensaio de Lessing, precisamente o ilustre
Laocconte, como forma de desmontar este conceito aparente. Onde, segundo
Lessing os limites da representação se cofundem com os limites da visão.
Todavia, a esfera visual é maior do que as prescrições nela constituintes
permitindo afirmar ser visível algo mesmo quando existem partes do objeto
que não estão representadas; a seleção da assimilação, mesmo que parecidas e
que em outras condições não seriamos capazes de distinguir e o
reconhecimento de uma ação mesmo que não a consigamos identificar. Como
podemos testemunhar nestes três exemplos que transcendem os limites
representáveis derrubando as orientações de Lessing.
Perceção expressiva
Afastando-nos um pouco da teoria do ver-em, existe uma outra dimensão da
teoria de Wollheim a que ele chama de perceção expressiva. Perceção expressiva
constitui uma importante capacidade percetiva dedicada à representação pictórica.
Tratando-se da relação direta dos mecanismos cognitivos com as emoções,
sentimentos ou estados de espírito. Wollheim estabelece um paralelismo entre a
teoria do ver-em e representação com a perceção expressiva; tal como o ver-em
precede a representação, a perceção expressiva precede a própria experiência da
pintura. Wollheim começa por distinguir duas experiências emotivas bastante
recorrentes no nosso quotidiano. A primeira consiste na projeção de uma emoção
particularmente intensa (tanto eufóricas como disfónicas) sobre aquilo que nos rodeia.
De certa maneira, existe uma filtração para o exterior em prol desse estado emocional.
Já o segundo fenómeno é quase diametralmente oposto ao primeiro e ocorre, segundo
o exemplo do autor, quando no decorrer de uma viagem surgir subitamente uma
extensão de uma paisagem que reproduz em nós um determinado estado de espírito.
Ou seja, existe uma correspondência súbita entre a desolação da paisagem e o nosso
estado de espírito que é caracterizado por uma introjeção, um influxo a partir do
exterior.
A perceção expressiva está mais próxima com o fenómeno da introjeção, no entanto
Wollheim acrescenta duas características à projeção. Primeiramente, assim obtida
uma emoção a partir da observação, esta funde-se com a sua perceção. Isto é, a
perceção não se limita apenas a invocar uma emoção (sendo possível distinguir entre
as duas) mas parte de uma integração profunda, misteriosa entre a perceção e a
emoção. Em segundo lugar, a perceção expressiva também se define pela projeção do
fluxo dos nossos sentimentos para aquilo que percecionamos.
Existem dois casos concretos de projeção afetiva que podem suceder de uma forma
simples ou de uma forma complexa. No caso da projeção simples, é clara a existência
de uma espécie de catarse, onde o sujeito transmite um determinado estado de
espírito sob um objeto particular, resultando num alívio desse sentimento, numa
descarga emocional. Na projeção complexa existe uma projeção afetiva não sobre um
objeto em particular, mas sobre o mundo em geral. Não se caracteriza por uma
filtração como na projeção simples, mas numa experimentação do mundo como
formando um conjunto com a emoção que projetamos sobre ele.
Outro aspeto importante no caso da projeção simples é que a emoção que o sujeito
tem sobre o objeto mantem-se a mesma desde o início. Um exemplo clássico desse
tipo de objetos que suportam a projeção simples é o salgueiro chorão. Representativo
do choro, o salgueiro apresenta várias características como o formato debruçado sobre
ele próprio, o facto de se situar normalmente junto de cursos de água como também
os vários nódulos que se assemelham a pequenas gotas de água nos ramos que
aparecem na primavera, induzem essa ideia de tristeza, melancolia ou nostalgia. Já no
caso da projeção complexa, o sujeito não apreende o mundo como imbuído dessa
emoção inicial. A emoção projetada no mundo não é aquela detetada nele mesmo,
esta apenas acaba por tingir toda a experiência naquilo que nos envolve.
Por outro lado, a projeção simples é relativamente arbitrária, no sentido em que não é
relevante as características do objeto sobre as quais se projeta a emoção, e transitória,
isto é, uma vez não justificada é apta de desaparecer tão depressa quanto começou.
Também não existe uma explicação linear, concreta para o facto de determinadas
partes do mundo ou determinados objetos suportarem melhor que outros esta
projeção subjetiva. Não há de facto uma demarcação rigorosa, exclusiva entre a
emoção projetada e as características do objeto.
Tudo o que sabemos é que existem vários fatores como culturais, subjetivos, históricos
… que podem influenciar essa transmissão, essa projeção. Então, Wollheim descreve
este processo como um processo de tentativa erro, onde a dificuldade em explica-lo
aumenta pelo facto da projeção se basear na fantasia.
Para insistir na perceção expressiva como um fenómeno percetivo, Wolheim tem que
em primeiro lugar se demarcar de duas tendências opostas na teoria estética das
emoções na arte. Uma tendência meramente linguística e uma outra designada
antropomorfista. Segundo a primeira tendência, Wolheim considera que os predicados
de emoções aplicados ás obras de arte são apenas um fenómeno linguístico ou
metafórico, que de fato as obras não são elas mesmas dotadas de expressividade
acabando por criar um desdobramento do conceito. Por sua vez, a tendência
antropomorfista defende este desdobramento, o da emoção subjetiva e o da
propriedade objetiva. Levando à conclusão absurda de que o sujeito acabaria por
acreditar que o mundo “pensa e sente como nós”.
Portanto entre esta conceção de expressividade e a conceção antropomorfista ou
expressionista, que considera que os quadros estão realmente dotados, Wollheim
propõe a sua perceção expressiva. Perceção expressiva que funciona para a expressão
como o ver-em funciona para a representação. Aquilo que distingue a perceção
expressiva da expressão, tal como aquilo que distinguia o ver-em da representação é o
facto de ambas introduzirem num determinado momento um critério de correção que
decorre das intenções do artista.
No caso do quadro de Gaspar David Friedrich, Das Große gehege, perto de Dresden de
1832, existe uma forma correta de ver, ainda que seja difícil de verbalizar. E da mesma
maneira que para a representação, a agenda intencional do artista deve incluir relatos,
entrevistas, sentimentos e emoções que este possa ter enfrentado ou expressado
enquanto a elaboração do quadro.
Apesar desta importância de assumir como intenções relevantes na conceção para a
constituição desse critério de correção expressivo, Wollheim recusa o princípio de
Tolstoí sobre a transmissão das emoções através da arte. Nesse sentido, a relação
entre a emoção e a obra seria a mesma entre a relação da emoção e a ação por ela
ativada. Contudo, a expressão pictórica é consideravelmente diferente da ventilação
de emoções por três aspetos: Em primeiro lugar Wollheim recusa o princípio da
experiência de Tolstói, ou seja, a tese segundo a qual o artista tem de ter sofrido
efectivamente, de alguma forma, a emoção para que ela possa ter causado a obra. Em
segundo lugar, a expressão pictórica é o resultado, devidamente controlado e
calibrado, de uma reflexão sobre a emoção, não de uma simples vibração ou
ventilação emocionais. Em terceiro lugar, a expressão pictórica não é “reactiva às
circunstâncias” e não surge como mero resultado de um estímulo interior ou exterior.