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XXVI O parto

No bolso do escritor, aparentemente um botão de roupa simples e um papel escrito


“gravar, lixo”. Assim, diariamente o escritor tratou de produzir papel o suficiente para colocar
o lixo de recicláveis. Em intervalos de dois ou três dias, recebia outro botão, de modos
sempre distintos, fosse por uma visita do faxineiro, ou na caixa da pizza, ou ainda, pela
janela. Ivan descobriu esse dispositivo de gravação de tela disfarçado e o escritor foi
esperto o bastante para entender seu recado. Em meio à “paredes que leem e ouvem”, os
dois pareciam ciberguerrilheiros a enfrentarem o direito a algo contra o qual as empresas
por intermédio da lei haviam tornado proibido. Sobre Violeta, o recado de modo algum
passara incólume. O guardara no fundo da alma, silenciando ante a confusão das
circunstâncias.

O escritor conseguiu produzir o bastante, para ficar com vários dias livre do
compromisso com Ivan e sua IA. Maggie estava enorme e programou seu parto para dali há
três dias. Não havia contrações, e seu médico dissera que o caso era de cirurgia.

Aquilo era muito estranho para o escritor, a vida para ele deveria pulsar livre, e uma
cirurgia programada no lugar de um parto não era algo com o qual um dia pensava que teria
que lidar. O Centro de TecnoMaternagem (CTM), hospital conhecido pelo alto uso de
tecnologia em fertilização, acompanhamento e parto era todo feito de vidro e metal. Havia
uma “ante-entrada” onde qualquer visitante já precisaria vestir suas películas estéreis - um
tipo de material transparente, com consistência entre o látex e o silicone, que era colocado
como um invólucro de todo o corpo da pessoa, inclusive sapatos. Os primeiros utilizadores
o chamavam de “camisões”, porque uma vez vestidos pareciam mesmo como se fizessem
das pessoas pênis gigantes envelopados por “camisinhas”, os antigos preservativos,
populares no final do século XX até meados do XXI*. Porém, a forma se amoldava aos
braços e pernas, que seguiam em livre movimento. Estranhamente, o corpo seguia
respirando, e um pequeno aumento de temperatura era compensado pela temperatura mais
baixa no interior do CTM. O produto impedia que qualquer poeira, pelo e particula ou
bactéria saísse dos visitantes e alcançasse o hospital. Ainda assim, o ar era extremamente
fresco, pela tecnologia de filtragem utilizada, e a iluminação era exatamente como a do
ambiente, com a vantagem dos raios UV serem controlados de acordo com a análise de
pele das células foto-inteligentes espalhadas pelos ambientes.

Precisava de tudo aquilo para um bebê vir ao mundo?

Bem, para Maggie, sim. “Só eles saberão lidar com minhas próteses”, ela disse outro
dia. O escritor imaginou que se fizesse muita força, ou dependendo da situação poderia
haver algum problema nos braços mecânicos e ela poderia se ver em apuros.

Embora estranho tudo corria de forma tranquila, até que Maggie foi colocada numa
cadeira de rodas e lhe disse “adeus” com a mão e um aceno amoroso. Ele não poderia mais
acompanhá-la a partir dali. Mercês tricotava por dentro de seu traje camisão, e o escritor até
se distraiu por alguns minutos, porque a habilidade de Mercês era espantosa, “poderia
desafiar uma máquina”, pensou. Duas horas que pareciam uma eternidade depois, uma
equipe de três mulheres e dois homens o chamou, revezando-se entre muitas falas:
- Sabe, sua esposa, com todas as suas características, teve complicações, e o
nascimento do bebê se tornou inviável, infelizmente.
- Fizemos o possível. Coletamos amostras, há chance de reconstruírmos seu DNA e
quem sabe em um futuro um bebê seu com Maggie poderá acontecer. Estamos
esperançosos com isso.
- Mas no agora, Margar-ete precisará ficar um pouco mais. Faremos alguns testes e
cuidaremos dela até que esteja pronta para voltar. Você precisa descansar. Daremos
notícias.
- Acreditamos que quanto antes encarar os fatos, mais rápido retomarão suas vidas.

Que difícil, que difícil! De uma hora para outra, não havia bebê, não podia ver
Maggie… MARGAR-ETE? Como aquela médica a chamou assim como a mãe de Maggie?
O stress, o turbilhão de sentimentos acompanhava os pensamentos que giravam na mente
do escritor enquanto ouvia a equipe.

“encontrei Violeta” “sou un palabrero”“As


máquinas podem lhe ajudar a tirar de si o
que tens a oferecer, mas não podem lhe tirar a responsabilidade”... “nem tudo é o
que parece, o que te frustrará não é mal, nemtudooque…”café.” “Foidifícil
encontraroPhiloriginal”.POISENTÃOADIANTEMINHAOBRA.COMP
LETA.bemvindoàMAX-MED-IATHEHAWLING BOOKS..

Ao final, abaixou a cabeça, e com ela e olhar cabisbaixo, acenou que sim, entendeu.
Voltou-se para o ambiente da recepção, assinou algum papel, e caminhou até a mãe de
Maggie, que estava de pé, com os olhos duros no escritor. Ao ouvi-lo, apenas disse: “o que
tem de ser, então é”.
Levou dois segundos olhando para aquela geladeira fria, inconformado. Então deu
de costas, caminhando até a saída do lugar. Mal as entre portas o separaram do ambiente
interno, foi tratando de remover o invólucro, que devido ao choque térmico em relação ao
ambiente externo ia se tornando flácido e desmanchando facilmente. Nem procurou saber
como e se a sogra voltaria, e para onde. Pegou um não tripulado com destino ao
café-bunker, uma viagem de 45 minutos, em que sua tormenta pouco variou; vendo-o
porém movimentado pela janela de vidro, não parou, reprogramando o veículo para lhe
levar de volta para casa.

(*) “Diga adeus às camisinhas” foi a campanha das indústrias farmacêuticas dos anos de
2060, quando lançaram as proteções em spray, a garantirem “proteção contra doenças e concepções
indesejadas. Para muitos, aquilo foi um “remake” da “revolução da pílula” do século anterior.

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