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P-005 - Alarma Galático - Kurt Mahr
P-005 - Alarma Galático - Kurt Mahr
ALARMA GALÁTICO
autor
KURT MAHR
Tradução de
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
O impossível acontece! Num ataque de surpresa, as
superpotências terrenas destruíram, na superfície lunar, a
nave dos arcônidas, uma raça semelhante aos homens, que
domina um grande império galático.
Apenas dois arcônidas sobreviveram ao ataque e
encontram-se em segurança junto a Perry Rhodan, o
homem que descobriu a nave dos arcônidas e, com o
auxílio dos recursos tecnológicos infinitamente superiores
dos mesmos, formou a Terceira Potência. Perry Rhodan
impediu a guerra mundial que há tanto tempo ameaçava a
humanidade. E agora, quando um novo perigo, vindo do
espaço cósmico desencadeia o Alarma Galático, mais uma
vez a Terceira Potência realiza uma intervenção decisiva.
= = = = = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = = = = =
— Você nunca compreenderá! Não conseguirá entender nenhum dos impulsos. Seu
cérebro ficará confuso. Você...
Thora interrompeu-se em meio à frase. As palavras não lhe acudiam com a rapidez
exigida por sua ânsia incontida.
“Como é fácil descobrir suas intenções”, pensou Perry Rhodan. “O que a deixa
preocupada não é meu cérebro. Na verdade, quer convencer-me de que sou um ser tão
subdesenvolvido que nunca chegarei a compreender seus segredos.”
— O que importa? — retrucou. — Você não tem nada a perder. Só poderá ficar
satisfeita ao ver Perry Rhodan transformado num idiota balbuciante, não é?
Thora percebeu que Rhodan lhe armava uma cilada e ficou aborrecida por notar que
isso era fácil para ele.
— Não se trata disso — respondeu em tom seco. — Os cristais informáticos só
podem ser ativados um número limitado de vezes. Devemos evitar qualquer desperdício,
especialmente quando a perspectiva de um fracasso é tão patente como no presente caso.
Perry Rhodan virou a palma da mão direita para cima.
— Thora, você está sendo injusta comigo! — disse em tom suplicante. — Não
compreendemos tudo o que nos foi apresentado até agora?
Thora estalou os dedos, num gesto de desprezo.
— O que você aprendeu até agora não é nada em comparação ao que lhe está
reservado.
Rhodan voltou-se para Crest que, como de costume, estava muito sério. Só quem o
conhecesse adivinharia pelas rugas de sua testa o quanto estava se divertindo.
“Uma única situação destas vale mil programas de ficção”, pensou Crest. “Oh
Senhor dos Mundos! A mais inteligente das arcônidas e um homem que é um verdadeiro
semideus; e comportam-se como crianças.”
Na verdade, tratava-se de coisas muito mais importantes. Depois de alguma
resistência, Thora acabara concordando em que Rhodan e Bell adquirissem parte da
ciência arcônida através do método de ensino hipnótico. Mas, agora que Rhodan
propusera que, para alcançar maior grau de eficiência, os últimos segredos lhe fossem
revelados, ela passou a opor uma resistência encarniçada.
Todavia, Crest ponderou que os dois arcônidas só poderiam contar com a energia
dos subdesenvolvidos, cujo auxílio poderia tornar-se muito mais eficiente se lhes fossem
transmitidos os conhecimentos necessários.
Apesar disso, Crest teve de fazer valer a autoridade de que se achava investido na
qualidade de membro da dinastia reinante dos arcônidas, e que também se estendia a
Thora, para quebrar a resistência que a mesma opunha à sugestão de Rhodan.
Este sentia-se bastante atingido pela obstinação de Thora, muito mais do que se
dava conta. Encerrando a palestra; disse:
— Muito obrigado pela confiança. Verá que a mesma não foi mal aplicada em mim
e em Bell.
Dirigindo-se a Thora, observou:
— Com o tempo, você se convencerá de que não tenho a menor intenção de
prejudicá-la ou ferir seu orgulho.
Achou necessário acrescentar essas palavras, embora soubesse que Thora não tinha
a menor receptividade para elas. Ainda não tinha.
***
***
Os robôs não saíram diretamente da nave. Antes disso, reuniram os objetos que,
segundo o programa, tinham de levar para fora.
Ao conceber seu plano, Rhodan tivera a idéia de não desperdiçar um instante do
tempo de que dispunham para cumprir as tarefas ambiciosas que se haviam imposto.
Rhodan percebeu uma chance que não deveria perder e que lhe permitiria obter, das
indústrias terrenas, as peças necessárias à construção de uma nave ultraveloz e de raio de
ação ilimitado, desde que fizesse encomendas bem definidas. Mas a montagem da nave
só poderia ser realizada sob a proteção da cúpula energética. Face às condições reinantes
na Terra, ele cometeria um erro de extrema gravidade se assumisse o risco de incumbir a
indústria terrestre da construção da nave. Esse receio tinha sua origem tanto na política
das grandes potências, como no caráter humano.
Rhodan sabia perfeitamente que o espaço existente sob a cúpula energética seria
bastante para realizar a montagem final, mas nunca pensara em comprimir todo o
processo produtivo numa área de apenas oitenta quilômetros quadrados.
Ficou entusiasmado com a atividade enérgica e resoluta dos robôs. Depois de
haverem retirado da nave os materiais de que precisavam para seu trabalho, empilharam
os mesmos num local afastado e puseram-se a aplainar o solo.
Rhodan tinha certeza de que, quando retornassem de sua viagem, grande parte do
serviço estaria concluída.
***
Tako Kakuta concluíra a leitura das anotações. Quando Rhodan entrou em seu
camarote, estava reclinado numa poltrona giratória, olhando, pensativo, para o alto.
— Compreendeu tudo? — perguntou Rhodan laconicamente.
— Sim, senhor. Não será nada fácil... Rhodan pegou uma cadeira e sentou em frente
de Tako.
— Ouça, Tako! — começou a falar em tom insistente. — O assunto é muito sério.
Para conservar a amizade de Crest e daquela mulher, teremos de construir uma nave cujo
raio de ação seja bastante amplo. Se não conseguirmos levá-los ao seu planeta natal e
trazê-los de volta, morreremos de velhice antes de conseguirmos fazer alguma coisa que
imponha respeito aos habitantes da Terra. Precisamos do auxílio de Crest e, para
conseguirmos que este faça por nós tudo que estiver ao seu alcance, precisamos de uma
boa nave.
— Sim, compreendo — disse Tako.
— Estarão atrás de você — prosseguiu Rhodan. — Será caçado pelos serviços
secretos e terá de cuidar-se o mais possível. Encontrará muita gente que, de olho no
dinheiro, gostará de entrar em negócios conosco e estará disposta a fornecer qualquer
coisa de que precisemos. Mas não duvide de que, entre essa gente, haverá pessoas que lhe
farão ofertas fabulosas e avisarão a polícia assim que você lhes der as costas. Nunca
confie demais na faculdade especial de que é dotado. O serviço secreto levará uns cinco
ou seis dias para descobrir que é um teleportador. Daí em diante, atirarão sem avisar, à
traição, se for necessário. Você receberá um traje protetor dos arcônidas, que lhe prestará
bons serviços. Mas, em última análise, o responsável pela sua segurança será você
mesmo.
Tako confirmou com um movimento de cabeça e repetiu:
— Sim, compreendo.
— Você mesmo decidirá por onde vai começar o seu trabalho. Talvez tenha mais
sorte junto às empresas privadas. Dar-lhe-ei uma relação completa dos artigos de que
precisamos. Na opinião de Crest, a nave deve ter, pelo menos, trezentos metros de
diâmetro. Muita gente pensará que você está louco, quando pedir andaimes para uma
construção de plástico de trezentos metros de altura, ou alguns geradores na base de fusão
com uma potência de cem milhões de megawatts. Além disso, deverá ter cuidado para
que nenhuma firma forneça tantas peças que se possa adivinhar para que servirão. Não se
iluda. Trata-se da tarefa mais difícil que já lhe foi confiada. Deverá estar preparado até o
momento de nossa decolagem.
Rhodan levantou-se. Tako também se levantou e fez uma mesura. Rhodan sorriu e
deu-lhe uma palmadinha no ombro.
— Faça um serviço bem feito, Tako! Muita coisa depende disso.
***
Rhodan estava preparando a relação que seria entregue a Tako. Eram muitas as
peças que teriam de ser providenciadas num breve espaço de tempo.
A indústria terrena não seria capaz de fornecer os mecanismos propulsores de
velocidade superior à da luz. Crest esperava encontrar, na nave destruída, algumas peças
que poderiam ser utilizadas. Quanto ao resto, encomendariam as partes separadas, que
teriam de ser montadas sob a cúpula energética.
Rhodan sentiu uma tensão eletrizante ao lembrar-se de que faltavam menos de
setenta horas até o momento em que conheceria o segredo da propulsão a velocidade
superior à da luz.
Fitando a lâmpada mortiça do camarote, deixou que seus pensamentos vagassem
livremente.
Bell entrou correndo, sem anunciar-se. Estava exaltado e fungava.
— Klein está dando sinal! — disse apressadamente. — Temos de mandar Tako para
fora.
— Klein?
Bell fez que sim.
— Acho que devíamos apressar-nos. Klein não gostará de ficar rastejando por muito
tempo pelo deserto sob o olhar de Tai-tiang.
Rhodan ligou o equipamento de intercomunicação. O rosto sorridente de Tako
surgiu na tela.
— Explique a ele! — pediu Rhodan, dirigindo-se a Bell.
— Klein transmitiu o sinal convencionado — disse pela segunda vez. — OPQ na
faixa de 6,3 megahertz. Está esperando no lugar combinado. Você deve-se pôr-se a
caminho o quanto antes.
Tako fez que sim.
— Irei imediatamente, capitão.
Nem deu tempo para desligar o aparelho. Viram que de um instante para outro ele
desapareceu do lugar em que se encontrava.
O capitão Klein ocupava três funções como agente: em caráter profissional,
trabalhava para o Conselho Internacional de Defesa; por convicção, lutava pela paz e o
entendimento entre os povos; e, finalmente, como aliado da Terceira Potência, também
desempenhava suas funções de agente secreto. Conforme se esperava dele, reunira-se às
suas tropas, juntamente com seus companheiros Kosnow e Li e se retirara em companhia
delas. Se assumia o risco de abandonar a segurança proporcionada pelo acampamento
militar para aventurar-se até as proximidades da cúpula energética, devia ter uma razão
muito forte para isso.
O sinal OPQ na faixa de 6,3 megahertz significava uma pequena elevação, situada a
cerca de seis quilômetros ao sudoeste do lago. Klein dispunha de várias senhas para
entrar em contato com a equipe de Rhodan. Cada uma delas indicava um lugar de
encontro.
Tako Kakuta voltou após quinze minutos. Rhodan e Bell fitavam a tela de
telecomunicação, para vê-lo materializar-se. Mas, em vez de fazer sua aparição em seu
próprio camarote, surgiu inopinadamente na sala em que Rhodan se encontrava.
Bell sobressaltou-se.
Tako não lhe deu atenção. Voltou-se para Rhodan. Parecia muito nervoso.
— Tenho notícias más, senhor! Pequim deu instruções a todos os setores da
indústria estatal para entregar imediatamente ao serviço secreto qualquer dos nossos
agentes que procure estabelecer contato com eles. Moscou deu ordens idênticas para o
seu território e, na área da OTAN, a partir de hoje, qualquer empresário que entabule
negociações conosco está sujeito a penas bastante graves.
Rhodan ficou pensativo por um instante.
— Algum espertalhão deve ter descoberto os nossos planos — disse com a voz
pausada. Deu dois passos, virou-se abruptamente e encarou o japonês. — Tako! Sua
tarefa continua inalterada. Apenas receio que terá de ser ainda mais cauteloso.
II
A nave decolou conforme fora previsto. Os robôs haviam trabalhado durante dois
dias, e a tarefa de que foram incumbidos estava adquirindo uma certa forma.
Havia um número suficiente de geradores de campo para manter a cúpula
energética, durante a ausência da nave. Alguns dos aparelhos foram colocados a bordo
para frustrar os planos que os comandos militares da Terra elaboraram assim que lhes foi
comunicada a decolagem da nave.
Durante a viagem, não havia qualquer serviço a executar. O equipamento de direção
automática da nave funcionou de acordo com os dados introduzidos por Crest.
A oitocentos quilômetros da Terra os equipamentos de bordo localizaram o primeiro
foguete. Em poucos segundos, surgiu nas telas de vigilância ótica sob a forma de um
fugaz raio metálico. Rhodan não conseguiu impedir que o susto lhe gelasse o sangue e o
fizesse prender a respiração por um instante. Viu a esfera incandescente gerada pela
explosão e só se acalmou quando comprovou que nada tinha sido alterado no interior da
nave. O brilho da explosão dissolveu-se no espaço e foi desaparecendo. A nave dos
arcônidas afastava-se a uma velocidade cada vez maior.
Rhodan virou-se. Bell estava atrás dele. Ambos conseguiram esboçar um sorriso
amarelo.
— Até parece uma festa de Natal — disse numa voz a que não conseguiu imprimir
firmeza suficiente para ocultar o medo de que, poucos momentos antes, se sentira
possuído.
Crest exibiu seu sorriso manhoso, mas amável. Thora manteve-se impassível. Seu
rosto imóvel continuou a contemplar a tela.
Houve uma série de novos ataques, entre oitocentos e três mil quilômetros de
altitude. O invólucro protetor da nave repeliu ao todo quinze foguetes sem que se sentisse
a mais leve oscilação.
Após isso, o bombardeio cessou e a nave entrou numa órbita situada a quatorze mil
quilômetros da superfície da Terra.
— Podemos dar início à instrução — disse Crest. — Como viram, os foguetes não
nos fazem nada. Mesmo que o bombardeio fosse reiniciado, isso não nos perturbaria.
Rhodan estava de acordo. Uma vez vencido o pavor do impacto de algum dos
foguetes, sentiu-se tomado de novo pela curiosidade de conhecer os últimos segredos da
ciência dos arcônidas.
O procedimento era idêntico ao que ele e Bell já tinham experimentado por várias
vezes. Deitados confortavelmente, foram ligados aos informadores-transmissores.
— O processo durará cerca de três horas — disse Crest. — Desta vez vamos lidar
com um assunto extremamente difícil; até para mim.
Depois de examinar o equipamento, perguntou:
— Estão prontos?
— Estamos — responderam Rhodan e Bell.
A consciência de Rhodan desvaneceu-se em meio ao pensamento a respeito dos
motivos por que Thora não teria vindo para assistir ao início da operação.
Rhodan nunca saberia contar o que sentira durante o tratamento. Só conseguia
lembrar-se de um torvelinho de informações fragmentadas, das quais não conseguia
extrair qualquer sentido. Não experimentava qualquer sensação corporal. Percebia
nitidamente o que estava acontecendo, notava tudo que se passava em seu cérebro. Mas,
se não fosse o processo de indução hipnótica que garantia a eficácia da instrução, não
saberia o que fazer das informações desconexas de que ainda se lembrava.
Sabia que o processo normal de instrução incluía um período de recuperação
cerebral, após a operação de indução hipnótica. Lembrava-se de que das vezes anteriores
em que adquirira uma parcela do saber arcônida através desse método, despertara alegre e
bem disposto.
Por isso, ao despertar com uma dor de cabeça latejante, soube imediatamente que
algo de imprevisto havia acontecido.
Crest, de pé ao seu lado, olhava-o com uma expressão de perplexidade.
Rhodan despertou imediatamente.
— O que houve? — gritou para Crest.
Ao lado dele Bell gemia. Rhodan não se preocupou com ele. Bell ainda levaria
algum tempo para recuperar a consciência. Crest estremeceu.
— Está passando bem? — perguntou Crest.
— Sim, estou passando muito bem. O que houve?
Não estava passando bem coisa alguma. A dor de cabeça era quase insuportável.
— Foi Thora — balbuciou Crest. — Ela...
Rhodan lembrava-se de que receara algo semelhante. A facilidade com que Thora
concordara com o projeto da instrução hipnótica fora suspeita. Deviam ter compreendido
logo que ela estava tramando alguma coisa.
Levantou-se, arrancando os fios de comunicação com o transmissor. Crest recuou
apavorado.
— Onde está essa mulher? — berrou.
— Na sala de comando! — disse Crest com voz lamentosa.
Rhodan não lhe deu mais atenção. A última coisa que ouviu ao sair da sala foi a voz
de Bell.
— Vá na frente, chefe! Daqui a pouco eu vou.
Rhodan passou pelo corredor que levava ao centro da nave. Pôs a mão no quadril e
tirou do coldre a pequena pistola Smith & Wesson que sempre trazia consigo. Por um
instante, lamentou não ter consigo nenhuma das armas dos arcônidas. Os pequenos
projéteis revestidos de aço seriam totalmente inúteis diante da escotilha da sala de
comando se Thora a tivesse fechado.
Ela a tinha fechado.
Não iria assumir qualquer risco face a dois homens cuja energia, medonha para as
concepções de um arcônida, já por diversas vezes lhe causara verdadeiro pavor.
Rhodan acionou o dispositivo de chamada e martelou a escotilha com os punhos
cerrados. Nenhuma resposta. Recuou três passos, até o local em que se encontrava a
primeira tomada de intercomunicação. Fez a ligação e esperou ansiosamente que a tela se
iluminasse.
Thora já esperava a chamada. Seu rosto tomou toda a extensão da tela. Rhodan
assustou-se. Nunca vira tamanho ódio no rosto de qualquer ser vivo.
— O que houve? — perguntou Thora calmamente.
Rhodan refletiu. Chegou à conclusão de que não adiantaria gritar com ela. Desde
que a conhecia sempre alcançara melhores resultados quando aplicava o método de fazê-
la sentir que se considerava superior a ela.
— Que tolice foi inventar desta vez? — perguntou tranqüilamente, com um sorriso
de escárnio.
Ao que parecia Thora se pusera de sobreaviso contra esse método. Não havia o
menor sinal do estreitamento instantâneo dos olhos que, das outras vezes, indicara o
quanto a ironia de Rhodan a ofendera.
Falou em arcônida, para dar a entender que considerava o assunto exclusivamente
seu.
— Estou cansada de me deixar tocar de um lado para outro por um homem-macaco.
É só.
Rhodan refletiu na resposta. Ouviu os passos de Bell, que se aproximava pelo
corredor. Com a mão direita, que Thora não poderia ver refletida na tela, fez-lhe sinal de
que se mantivesse afastado. Bell obedeceu prontamente.
— Diga-me uma coisa — voltou a falar Rhodan. — O que acha que pode fazer para
livrar-se de nós?
Pela primeira vez, notou um sinal de inquietação em seu rosto.
— Pousarei na Terra e cuidarei pessoalmente de tudo — respondeu Thora.
— De que coisas? Acha que conseguirá comprar uma nave novinha em folha por
aí?
— Não. Mas posso obrigar os homens a construir uma.
— Obrigar? — Rhodan riu. — Como?
Thora recuou um passo. Na tela, Rhodan pôde enxergar para além dela.
Subitamente descobriu como teria de fazer para dissuadi-la da loucura que pretendia
cometer.
— Você sabe perfeitamente que com as armas que tenho a bordo desta nave posso
acabar com qualquer mundo igual ao seu — respondeu Thora.
Rhodan passou a desenvolver uma atividade febril. Não tirou os olhos do rosto dela;
aproximou-se mais do aparelho de intercomunicação. Com a mão direita fez um sinal a
Bell, sem que Thora o visse. Apontou para o lugar em que o soalho do corredor se
encontrava com a parede oposta.
Enquanto isso, Thora prosseguia:
— Pousarei no interior da cúpula energética e farei com que os governos da Terra
compreendam do que preciso.
Rhodan abanou a cabeça, enquanto abria os dedos da mão direita. O indicador
continuou a apontar para o soalho do corredor, mas o polegar mostrava a imagem que se
via na tela do intercomunicador. Não podia ver se Bell o estava entendendo.
— Quero deixar claro que transformarei seu planeta num montão de cinzas se meus
desejos não forem cumpridos.
— Para você é a maneira mais segura de ir para casa, não é? — perguntou Rhodan
em tom irônico.
Enquanto falava, modificou os gestos que fazia com a mão direita. Curvou o dorso
da mão, enquanto o dedo médio apontava para cima. Depois de algum tempo, o indicador
passou a fazer movimentos de quem aperta o gatilho de uma pistola.
Rhodan percebeu que começava a transpirar.
— Pense bem! — disse com toda calma de que era capaz. — Então pretende
destruir a Terra, porque ela não cumpre seus desejos. O que lhe restará depois disso? Um
fim de vida miserável em Marte ou Vênus. É isso que pretende?
Thora fez um gesto de desprezo.
— Acredita que os terrenos deixarão que as coisas cheguem a esse ponto? Farei
com que compreendam que não poderão esperar a menor compaixão da minha parte.
Rhodan passou a odiá-la por essas palavras.
— Os homens zombarão de você — disse em tom de escárnio. Fez uma ligeira
pausa de triunfo, ao ouvir que atrás dele Bell se afastava sorrateiramente. — Farão pouco
de você; procurarão abrigar-se e terão a satisfação de ver que, uma vez devastada a Terra,
você estará em situação muito mais difícil que antes.
Thora pareceu crescer em altura.
— Não farão nada disso! — respondeu fungando. — Ninguém se deixa matar
quando pode evitá-lo.
Rhodan encostou-se tranqüilamente à parede, para mostrar que estava disposto a
entreter uma palestra prolongada.
— Pois é isso! Neste ponto você subestima os homens. Não se iluda. De qualquer
maneira, uns poucos covardes que se disponham a ceder às suas exigências para poupar a
vida não poderão fazer muito por você.
Pretendia dizer mais alguma coisa. Mas, nesse instante, percebeu um movimento na
tela. Na parede da cabina de comando, perto do lugar em que Thora se encontrava, havia
uma abertura do tamanho aproximado de uma cabeça humana, e que servia à insuflação
de ar. Essa abertura dava para um conduto de metro e meio de largura, que atravessava a
nave em sentido vertical e distribuía o ar puro vindo das câmaras de tratamento.
Na abertura surgiu primeiro o cano de uma pistola e, logo a seguir, uma mão
coberta de pêlos.
— Tudo em ordem, chefe! — disse Bell de tal forma que Rhodan podia ouvi-lo pelo
intercomunicador. — Vire-se para mim e levante as mãos, menina!
Thora não chegou a virar-se. Ao ouvir a voz de Bell, fez menção de voltar a cabeça.
Mas, em meio ao movimento, foi dominada pelo susto. Estendeu os braços e, de bruços,
caiu ruidosamente no piso.
— Muito bem! — exclamou Bell. — Ela quis assim. Chefe, arrebente logo a porta,
antes que ela desperte.
Rhodan fez-lhe um sinal de aprovação. Chamando por Crest, correu pelo corredor
em direção à sala de informações, onde ele e Bell haviam estado deitados sob a influência
do radiador hipnótico.
Crest estava de pé na escotilha aberta.
— Dê-me uma de suas armas! — disse Rhodan esbaforido. — Preciso de uma arma
com que possa abrir a escotilha da sala de comando. Thora está inconsciente. Se não nos
apressarmos despertará e tudo terá sido em vão.
Crest saiu correndo.
Voltou dentro de trinta segundos. Respirando com dificuldade, entregou a Rhodan a
pesada pistola de raios perfuradores.
— Aqui está! — disse. — Mas tenha cuidado.
Rhodan precipitou-se corredor afora. Enquanto corria engatilhou a arma. Parou a
cinco metros da escotilha e dirigiu o feixe compacto de raios energéticos para o
dispositivo eletrônico de travamento.
O metal chiou, soltou bolhas e derreteu-se. Um furo abriu-se na escotilha. Assim
que pôde olhar através dele, Rhodan suspendeu o bombardeio energético.
A escotilha já não representava o menor obstáculo. Rhodan abriu-a sem dificuldade.
Ouviu o desabafo de Bell, vindo do orifício de insuflação de ar:
— Graças a Deus! Não seria capaz de atirar nela.
Thora ainda estava inconsciente. Depois de levantá-la Rhodan acomodou-a num dos
leitos encostados à parede. Pôs a funcionar o intercomunicador e chamou Crest.
— Faça o favor de vir até aqui — disse com a voz tranqüila. — Gostaria que
estivesse presente quando ela despertar.
Bell nem se dera tempo para enxugar o suor que lhe escorria pela testa. Mas um
largo sorriso cobria-lhe o rosto.
— Você nem imagina o orgulho que sinto por ter entendido a linguagem codificada
dos três dedos.
Rhodan lançou-lhe um olhar sério.
— Afinal, você é um menino inteligente.
Crest entrou.
— Como foi que fez isso? — perguntou sacudindo a cabeça.
— Foi assim — respondeu Bell, cortando o ar com os dedos da mão direita.
Rhodan riu.
— Encontramos em tempo o conduto de ar — explicou a Crest. — Bell desceu por
ele. Quando Thora percebeu que ele estava perto dela, desmaiou.
Crest sentou na beirada do leito em que Thora estava deitada.
— Não é de estranhar — disse em tom pensativo. — Quase morri há poucos
minutos quando vi que os senhores se levantavam.
— Por quê?
— Na fase inicial da aplicação da técnica de treinamento hipnótico, quando mal
havíamos construído os primeiros aparelhos e ainda não dispúnhamos da experiência
necessária, houve alguns casos lamentáveis, em que o processo de treinamento teve de
ser interrompido. Isso foi devido a influências exteriores. Em todos esses casos, a pessoa
cujo treinamento foi interrompido perdeu a razão. A explicação é simples: no curso do
processo de treinamento hipnótico, o cérebro encontra-se num estado de ativação muito
intensa. Se não tiver oportunidade de retornar lentamente às suas funções normais, a
confusão instala-se nele. Em conseqüência disso, surge uma forma de loucura que nem
mesmo os nossos psiquiatras conseguem curar.
Ergueu os olhos e fitou primeiro Rhodan, depois Bell.
— Compreendem o que quero dizer? Desde os primórdios do treinamento hipnótico
não existe, em Árcon e nos mundos submetidos às leis arcônidas, nenhum crime mais
grave que a interrupção de um processo de treinamento. Enquanto vocês estavam ligados
ao transmissor, Thora não receava qualquer interferência de sua parte. Sabia
perfeitamente que não me atreveria a despertá-los antes de concluído o treinamento. E
dentro de três horas ela poderia ter levado a nave à Terra e tomado as providências
necessárias para que você, Rhodan, não representasse mais qualquer perigo para ela.
Crest fez uma pausa.
— Assim mesmo você nos despertou! — disse Rhodan, falando pausadamente e
com a voz grave.
Crest fez que sim e baixou os olhos.
— Foi uma decisão muito difícil. Mas não me restava outra alternativa senão agir de
acordo com os fatos. Se não os tivesse despertado, Thora pousaria na Terra e inutilizaria
os resultados dos nossos esforços. Não tenho a menor dúvida de que as idéias dela teriam
causado a destruição do planeta e desta nave.
Ergueu os olhos e sorriu.
— O resto não passou de um exercício de matemática infantil. De qualquer maneira
teríamos morrido. Por que, então, não iria aproveitar a única chance de continuarmos
vivos? Tinha uma leve esperança de que a estrutura do cérebro de vocês fosse diferente
da dos arcônidas, de forma que estivessem em condições de resistir ao choque provocado
pela interrupção do treinamento.
De repente mostrou-se radiante.
— Não me enganei! A humanidade terrena...
Nesse instante Crest foi interrompido de forma grotesca.
Atrás dele, alguma coisa começou a mexer-se no leito. Sem conseguir dominar a
voz, Thora disse:
— Crest, você é um traidor miserável!
Rhodan virou-se abruptamente. Bell levantou-se de um salto e postou-se aos pés do
leito. Crest não se abalou: continuou sentado. Um sorriso triste esboçou-se em seu rosto.
Respondeu com a voz tranqüila:
— Não, minha filha; não sou nenhum traidor. Você ainda há de compreender.
Apenas receio que isso ainda leve muito tempo.
Thora fechou os olhos.
Rhodan lançou um olhar sério para ela. Quando esta voltou a abrir os olhos,
estremeceu.
— Ouça! — disse em tom ríspido. — Já estamos fartos da sua idiotice, da sua
obstinação e da sua repugnante arrogância. Daqui em diante cuidaremos para que não nos
atrapalhe mais, enquanto não aprender a usar a inteligência. Não tem nada a recear de
nós. Não lhe faremos mal. Mas é bom que saiba uma coisa: deste momento em diante
assumo o comando desta nave e qualquer tentativa de realizar programas tresloucados
será considerado como amotinação, e punido de acordo com as leis terrenas.
Thora não soube o que responder. Seu rosto impassível não revelava o que se
passava dentro de sua cabeça.
Rhodan não restringiu sua liberdade de movimentos. Apenas incumbiu Bell de
exercer uma vigilância cuidadosa sobre ela, enquanto estivesse em condições de fazê-lo.
Por enquanto pretendia continuar o treinamento hipnótico e concluí-lo o quanto antes.
Rhodan lamentou não ter trazido o Dr. Manoli ou o australiano. Qualquer um deles
poderia ficar de olho em Thora, enquanto ele e Bell estivessem ligados ao transmissor de
conhecimentos.
Nas condições em que se encontrava, não lhe restava outra alternativa senão
entregar a pistola de radiação energética a Crest, recomendando-lhe encarecidamente que
a usasse se Thora tentasse interferir novamente.
Feito isso, reclinou-se na poltrona e esperou pacientemente que Crest substituísse o
equipamento transmissor que fora arrancado e começasse a prepará-lo para o reinicio do
processo.
Depois foi a vez de Bell.
— Pronto? — perguntou Crest.
— Pronto! — Veio a resposta. Seguiu-se imediatamente a inconsciência abrupta e
profunda causada pelo treinamento hipnótico, que sempre voltava a surpreender. Parecia
que alguém havia arremessado uma capa que cobria todo o mundo.
III
Tako Kakuta estava numa loja, renovando seu guarda-roupa. Lembrou-se de que o
suprimento de dinheiro estava se transformando num problema bastante sério para a
Terceira Potência. Com a perda da nave dos arcônidas, pousada na Lua, os meios de troca
tinham-se tornado escassos. Tinham de ser reservados para as transações mais
importantes.
Tako chegara a Petersburgo sem encontrar o menor obstáculo. Rhodan dera-lhe
ampla liberdade na escolha de seu itinerário. Decidira visitar em primeiro lugar os
Estados da Nova Inglaterra, que abrigavam a maior concentração da indústria norte-
americana.
Tako abandonara a cúpula energética durante a noite, junto ao lago salgado de
Goshun. Sua vestimenta especial permitiu-lhe voar em direção sul até Wuwei. Chegou ao
raiar do sol e aproveitou a primeira conexão para Lantchou. Ali abriam-se duas
alternativas: voar a Tchunking ou a Pequim, para tomar um vôo intercontinental
destinado aos Estados Unidos. Optou por Tchunking, pois Pequim, um lugar em que a
polícia secreta desenvolvia uma atividade intensa, era um sítio muito perigoso para um
homem como ele.
Tako estava consciente da vantagem que levava fora da cúpula energética sobre
qualquer dos membros da Terceira Potência: não era conhecido. Ninguém desconfiava de
que era um homem de Rhodan. Nunca era mencionado nos noticiários sobre a Terceira
Potência, irradiados periodicamente pelas emissoras de TV de todo o mundo.
Decidiu aproveitar essa vantagem enquanto fosse possível. Teria de deixar cair a
máscara no momento em que iniciasse as negociações.
Uma vez provido de boas roupas, pôs-se a trabalhar. Pegou um táxi e foi à usina de
ferro-plástico, um local que parecia oferecer-lhe oportunidades bastante promissoras para
a realização dos seus objetivos.
A empresa Ferroplastics Limited pertencia ao grupo Dupont, uma das famílias mais
importantes dos Estados Unidos.
Tako soube dar-se uma impressão imponente. Ao anunciar-se, asseguraram-lhe que
fariam o possível para conseguir, quanto antes, uma audiência com um dos diretores.
Tako acrescentou com a maior ênfase:
— Não se esqueça de mencionar que se trata de encomenda muito importante.
Adotara um nome suposto, que constava do passaporte que trazia consigo. Não
dissera nada sobre sua procedência ou sobre a identidade de quem o incumbira de fazer a
encomenda. Por enquanto, poderiam acreditar que estavam lidando com um representante
da Federação Asiática. Todo mundo sabia que no setor dos metais plastificados a
Federação Asiática ainda engatinhava atrás das indústrias do Bloco Oriental e do mundo
ocidental.
Fizeram-no esperar uns vinte minutos no enorme hall. Mergulhou na leitura das
revistas destinadas aos visitantes, mas fazia-o de maneira a utilizar a borda superior como
horizonte visual, por cima do qual observava os arredores. Através do hall fluíam e
refluíam as vagas humanas desencadeadas pela atividade febril da grande usina. Não
havia nada que devesse preocupar Tako.
Dentro de vinte minutos o homem que o havia recebido voltou a aparecer. Sorria.
— Consegui, senhor — disse no seu falar arrastado de americano. — O patrão quer
recebê-lo imediatamente.
Tako esboçou um sorriso de cortesia.
— Meu caro, o senhor está enganado — respondeu. — Sou eu que quero ser
recebido pelo patrão. Como é o nome dele?
— La... Lafitte — gaguejou o jovem. — Quer fazer o favor de subir comigo?
Tako levantou-se.
O escritório de Lafitte ficava no último andar do imponente edifício. Enquanto era
conduzido Tako desfrutou a visão panorâmica sobre a cidade.
Assim que ele entrou, Lafitte levantou-se atrás da mesa. O jovem que o havia
acompanhado ficou do lado de fora; fechando a porta dupla.
— Queira sentar! — disse Lafitte, apontando para uma poltrona confortável.
Tako sentou. Recusou o cigarro que lhe foi oferecido. Passou tranqüilamente os
olhos pela sala. Lafitte começou a ficar nervoso, mas Tako não se sentiu perturbado com
isso.
Finalmente levantou os olhos e disse:
— Onde poderíamos conversar?
Lafitte parecia perplexo.
— Por quê? Não gosta daqui? Costumo discutir os meus negócios neste escritório.
Tako concordou com um sorriso.
— Minha missão é muito difícil e delicada — disse com a voz fina. — Não posso
correr o menor risco. O senhor compreende? Veja, por exemplo, esse vaso de flores. Não
acha que seria um ótimo esconderijo para um microfone? Compreendo suas precauções,
senhor Lafitte; peço-lhe que também procure compreender as minhas.
A expressão do rosto de Lafitte mudou do espanto e do desagrado para um princípio
de contrariedade e terminou num sorriso matreiro.
— Tenho a impressão de que não me mandaram nenhum tolo — disse com a voz
ligeiramente manhosa, que não permitiu a Tako sentir-se seguro.
Levantou-se e saiu de trás da mesa.
— É claro que estou disposto a conversar num lugar que lhe seja agradável —
prosseguiu. — Faça uma sugestão.
— Que tal meu hotel? Reservarei uma sala de conferências.
Lafitte apontou para o telefone. Tako chamou o hotel em que estava hospedado e
reservou uma das menores salas de conferências.
Enquanto desciam pelo elevador, observou Lafitte com os olhos atentos. Não notou
que este tivesse feito sinal para que alguém os seguisse. Assim mesmo Tako acreditava
que estava tramando alguma coisa que não se harmonizava com seus planos.
A viagem de táxi decorreu sem contratempos. Por várias vezes Tako olhou pelo
vidro traseiro; ao que parecia, ninguém os estava seguindo. A não ser que se tratasse de
uma pessoa muito hábil; e Tako não excluía essa possibilidade.
A sala de conferências fora preparada. Tako deu instruções para que ninguém os
perturbasse. Sentaram-se a uma mesa pequena e baixa; Tako começou a agir. Colocou
Lafitte sob a influência de seu minúsculo aparelho hipnotizador e ditou suas exigências.
— ...um revestimento de 0.75 metros de espessura para uma esfera com exatamente
310 metros de diâmetro. O material deverá ser de ferroplástico A-10 com um aditivo de
volfrâmio e terá de ser fornecido em peças facilmente transportáveis. Ainda lhe
transmitiremos instruções precisas sobre a forma de entrega. A título de compensação
meu comitente lhe remeterá um gerador anti-gravitacional. Trata-se de um aparelho capaz
de neutralizar um campo gravitacional até uma potência de dez vezes o da Terra. Com
isso obterá um valor que representa muito mais que o das chapas de ferroplástico. Não se
esqueça de que terei de insistir no exato cumprimento do prazo de entrega. Se esta não se
verificar dentro de trinta dias, nosso acordo ficará sem efeito. Não celebraremos nenhum
contrato escrito. Temos plena confiança um no outro.
Tako levantou-se. Lafitte olhava-o com a expressão apagada de quem se encontra
sob influência hipnótica.
— Se acreditar que sou um agente da Terceira Potência, faça o favor de abandonar
essa idéia — concluiu Tako com um sorriso. — Trabalho sob as ordens da Federação
Asiática que, conforme sabe, está atrasada no setor do ferroplástico. A esfera que
pretendemos construir servirá como envoltório de um grande reator nuclear, cuja
construção está sendo iniciada. Faço votos para que a encomenda seja executada a
contento de meu comitente. Aqui estão as instruções sobre a forma de entrega.
Entregou a Lafitte um maço de papéis que ele mesmo escrevera no dia anterior,
numa máquina emprestada pelo hotel.
Desligou o hipnotizador e notou que o rosto de Lafitte retornou à expressão normal.
Ele levantou-se e estendeu a mão a Tako.
— Fico satisfeito por termos chegado a um acordo tão depressa — disse. — Ainda
hoje submeterei o assunto ao Conselho Fiscal. Acredito que não haverá dificuldades.
Afinal, teremos uma recompensa regia.
Tako abriu a porta da sala de conferências. O corredor estava vazio. O sol penetrava
por uma ampla janela de frente, refletindo-se na passadeira brilhante.
— Não se esqueça de me informar sobre a decisão do Conselho Fiscal — pediu
Tako. — Meu comitente está empenhado em receber o material com a maior rapidez.
Caso não haja interesse de sua parte, terei de procurar outro fornecedor.
Sorrindo, Lafitte fez um gesto negativo.
— Não se preocupe. Tudo irá bem. Darei uma solução ainda hoje.
Tako acompanhou Lafitte até o elevador. Assim que este começou a descer, correu
à janela e olhou para fora. Lafitte saiu do prédio e chamou um táxi. Não olhou para trás;
entrou no carro que partiu imediatamente.
Tako esperou. Poucos minutos depois um carro cinza afastou-se do meio-fio do lado
oposto da rua e disparou na mesma direção seguida pelo táxi de Lafitte.
Tako voltou ao seu apartamento. Estava pensativo. O carro cinza não provava que
ele fora seguido por alguém que lhe controlava os passos. Mas não se podia saber...
Tako pediu à telefonista que o ligasse com a Ferroplastics Limited. Uma voz
feminina respondeu.
— Meu nome é Yamakura — disse Tako. — Há poucos minutos tive a honra de
falar com o senhor Lafitte a respeito de uma grande encomenda. Ele disse que convocaria
imediatamente uma reunião do Conselho Fiscal. É possível que daqui a pouco tenha que
telefonar novamente, para dar outras informações a ele. Será que poderei ligar para aí? As
reuniões do Conselho Fiscal costumam ser realizadas nesse edifício?
— Por este telefone o senhor poderá alcançar o senhor Lafitte a qualquer momento,
senhor Yamakura — respondeu a voz feminina. — A sala de sessões fica neste edifício,
perto da sala em que me encontro.
— Muito obrigado — disse Tako — A senhora me prestou uma grande ajuda.
Logo a seguir, Tako tirou o terno recém-adquirido e pôs a vestimenta transportadora
que Crest lhe dera, Colocou uma arma no bolso e também levou o hipnotizador.
O rosto do porteiro assumiu uma expressão pateta, quando viu o hóspede passar
diante dele em tais trajes. Mas Tako confiara em que nos hóspedes exóticos seriam
toleradas certas excentricidades.
Tako tomou um táxi e pediu ao motorista que o levasse à sede da Ferroplastics
Limited. Durante a viagem ficou refletindo, para ver se descobria algum ponto vulnerável
em seus planos. Tudo parecia de uma simplicidade tão extrema, que Tako desconfiou da
coordenação primária de suas idéias. Mas teve de reconhecer que os recursos
extraordinários de que dispunha justificavam até certo ponto a simplicidade do plano.
Isso o tranqüilizou.
***
***
***
Webster entrou numa sala na qual só havia uma mesa, duas cadeiras e, sobre a
mesa, um telefone e um aparelho de intercomunicação. Fechou a porta cuidadosamente,
depois de ter apagado a luz. Comprimiu o botão do aparelho de intercomunicação. Uma
luzinha acendeu-se e uma voz áspera perguntou:
— O que houve?
— Aqui fala Webster. Acho que o homem virá.
— Muito bem. Mais alguma coisa?
— Não.
— Mas eu tenho uma coisa para você, Web.
— Diga.
— Finch deu com um sujeito que vive espionando esse japonês. Seu nome é
Morgan e vem da Ferroplastics. Descobrimos que é detetive da empresa. Você e Finch
ficarão de olho nele até que Yamakura tenha fechado negócio conosco. Não podemos
permitir que alguém fareje os nossos negócios. Não tenham a menor consideração por
ele.
— Está bem, chefe — respondeu Webster em tom submisso.
— Outra coisa. Ligue o telefone para cá. Quero ouvir o telefonema do japonês.
— Perfeito.
Webster comprimiu um botão que ficava na base do aparelho.
— Finch instalou seu quartel-general no restaurante Fratellini. Procure chegar lá
quanto antes.
— Sim, chefe.
— Fim.
Webster desligou o aparelho de intercomunicação, abriu a gaveta da mesa e tirou
uma pistola. Feito isso levantou-se, apagou a luz e saiu.
Do outro lado da porta ficava um escritório. Via-se uma fileira de cadeiras e
escrivaninhas. Tudo estava coberto por uma grossa camada de pó que só era interrompida
no trajeto da porta pela qual Webster acabara de passar até a saída.
A Eastern Transport era uma firma que só existia na placa colocada na porta de
entrada. Se alguém lhe quisesse confiar algum objeto para ser transportado, diriam, numa
linguagem adequada, que infelizmente estavam tão sobrecarregados, que nas próximas
oito ou dez semanas não podiam aceitar nenhum serviço.
A porta de entrada dava para um corredor situado no trigésimo andar de um
arranha-céu. A essa hora, o corredor estava vazio. Webster foi até o elevador e desceu.
Deu boa-noite ao porteiro, pegou um táxi e foi até a Sétima Avenida, onde ficava o
restaurante de Fratellini. Finch estava sentado numa sala que o proprietário costumava
reservar para hóspedes especiais.
Webster sentou à sua frente.
Finch levantou os olhos.
— Parece que o peixe acaba de escapar da nossa rede — disse, devagar e com a voz
cansada.
***
***
Finch recebeu, quase ao mesmo tempo, duas informações diferentes. Uma lhe
causava preocupações, outra deixou-o satisfeito.
— Pete diz que o japonês está saindo do hotel — resmungou para Webster. Mas
logo seu rosto se iluminou. — Por outro lado, Vale voltou a descobrir o cão-de-fila da
Ferroplastics. Está sentado num bar do Washington Boulevard.
Webster fitou-o atentamente.
— Acho que já está na hora de lhe darmos uma lição — disse Finch. — Quer
encarregar-se disso?
Webster fez que sim e levantou-se.
— Qual é a idéia?
— Façam-no sair do bar, levem-no a algum lugar e dêem-lhe uma sova. Digam-lhe
que, se continuar a enfiar o nariz em nossos negócios, vai levar mais.
— Muito bem.
Webster saiu, pegou um táxi e foi ao Washington Boulevard. Lá, pediu ao motorista
que seguisse junto ao meio-fio do lado direito. Viu um dos homens de Finch, pagou o
táxi e desceu.
— Onde está o homem? — perguntou a Vale.
Este apontou com o polegar por cima do ombro.
— Lá dentro.
Webster olhou para o lado da rua. O Hotel Atlantic, onde Yamakura estava
hospedado, ficava a menos de trezentos metros. Isso deu que pensar a Webster. Será que
ele tinha um encontro marcado com Yamakura?
Assustou-se quando reconheceu, à luz dos tubos fluorescentes, a figura do japonês,
que subia pela rua. Estava a uns cem metros de distância. Como andasse devagar,
parando de vez em quando diante das vitrinas, ainda tinham uma chance.
— Onde está seu carro? — perguntou a Vale.
Vale apontou para um velho Chrysler, estacionado junto à entrada do bar.
— Agüente o japonês por aí, se ele chegar muito cedo — disse Webster e entrou no
bar.
Conhecia a descrição de Morgan e reconheceu-o assim que o viu. Aproximou-se
calmamente de sua mesa e parou perto dele. Sabia que tinha de falar de maneira a
despertar um mínimo de suspeita em Morgan.
Morgan ergueu os olhos.
— O que deseja?
— O senhor Yamakura quer falar-lhe. “Isso tem que dar certo”, pensou Webster.
— Ele não vem para cá?
No mesmo instante, Morgan teve vontade de arrancar a língua. Como podia ter
certeza de que o outro havia sido enviado por Yamakura?
Webster ficou satisfeito com a dica. Continuou:
— Infelizmente ele não pôde vir. Pede-lhe para que me acompanhe até o hotel em
que está hospedado.
Morgan refletiu. Webster começou a impacientar-se.
— Parece que o senhor Yamakura tem muita pressa. Quer viajar hoje de noite.
— Ora essa! — disse Morgan em tom de surpresa.
Chamou o garção e pagou, saindo em companhia de Webster.
— Meu carro está aqui — disse este.
— Obrigado — respondeu Morgan. — Prefiro andar este pedacinho.
Neste ínterim, Webster o havia empurrado até o meio-fio. Sem que os transeuntes o
percebessem, encostou o cano de uma pistola em Morgan.
— Faça o que digo! — murmurou.
Um olhar rápido fê-lo notar que Vale esbarrou em Yamakura e procurava detê-lo.
— Abra a porta e entre — ordenou Webster.
Morgan obedeceu. A pistola apontada para ele não lhe deixava outra alternativa.
Webster sentou perto dele. Vale continuava ocupado com Yamakura. Webster
rangeu os dentes. Seu companheiro estava perdendo muito tempo. Yamakura pôs-se a
conversar com ele.
Webster baixou o vidro e deu um assobio. Vale procurou livrar-se de Yamakura.
Mas o japonês grudou-se a ele com uma obstinação que fez porejar o suor na testa de
Webster. Vale disse:
— Muito prazer, cavalheiro. Tenho que despedir-me.
Correu em volta do carro. Mas Yamakura pareceu não se conformar com uma
despedida tão apressada. Aproximou-se do carro, olhou pelo vidro e, antes que Vale
pudesse dar partida, descobriu Jesse Morgan. O motor roncou e Webster grunhiu entre os
dentes:
— Vamos embora!
Antes que Vale pudesse obedecer, a voz enérgica de Yamakura fez-se ouvir pela
janela entreaberta:
— Espere! Quero ir com os senhores. Webster sentiu-se inseguro.
— O senhor é um dos homens com quem se pode falar pelo telefone AN 23-551,
não é? — perguntou o japonês.
Webster confirmou com um movimento instintivo da cabeça.
— Pois então, leve-me. Não gostaria que acontecesse qualquer coisa a este jovem.
Posso obter a lealdade dele de uma forma muito mais conveniente.
— Entre!
Yamakura abriu a porta da frente e sentou-se perto de Vale.
— Para onde gostaria de ir? — perguntou a Webster, virando-se de tal forma que
podia olhar confortavelmente para trás.
— Para fora da cidade — respondeu este.
— Faça isso! — recomendou o japonês. Vale partiu. O carro disparou pela
Washington Boulevard.
Vale dirigia muito bem. Saiu da cidade pelo caminho mais curto, deixou a auto-
estrada e entrou numa via secundária. Parou a cerca de um quilômetro da estrada.
— Ande mais um pedaço — disse Yamakura.
O motorista fitou-o. Depois lançou um olhar indagador para Webster. Este deu de
ombros. Vale deu partida e andou mais dois quilômetros.
— Obrigado; já chega — disse o japonês.
Voltou-se novamente para trás e disse a Jesse Morgan:
— Desça!
Morgan obedeceu sem pestanejar. Desceu, fechou a porta com força e, como que
absorto em pensamentos, foi andando devagar pelo caminho, em direção à auto-estrada.
— Espere aí! — protestou Webster. — Nada disso! Tenho ordens...
— Calma! — disse Yamakura com um sorriso amável. — Logo saberá quais as
minhas intenções.
Olhou para Vale.
— O senhor se importaria de seguir mais um pedaço por este caminho antes de
voltar?
Vale sacudiu a cabeça e partiu. Webster estava perplexo. Olhando pelo vidro
traseiro, viu que Morgan retornava à estrada, sem dar a menor atenção ao carro que se
afastava.
Andaram mais um quilômetro. Depois voltaram. Começara a chover.
Dali a dez minutos alcançaram Morgan.
— Quando ele fizer sinal, pare — disse Yamakura.
Morgan estava parado sob uma árvore. Cobrira a cabeça com o casaco e
gesticulava.
Vale parou. Morgan aproximou-se correndo e abriu a porta.
— Graças a Deus! — disse, atirando-se no assento junto a Webster, que estava
apavorado. — Estava atrás de um ladrão quando fui surpreendido pelo mau tempo. Pode
levar-me até a cidade?
O japonês fez que sim.
— Com muito prazer. Conseguiu alguma coisa?
— Não. Acho que segui uma pista falsa.
No caminho ficou falando de um homem que seguira desde a cidade, porque
julgava ser um ladrão. Alguém o trouxera da cidade até ali, deixando-o na entrada do
caminho, porque era para ali que a pista conduzia.
Morgan conversava sem cessar. Yamakura ouviu com toda a atenção. Webster e
Vale, perplexos, começavam a compreender que Morgan perdera a consciência do que
realmente acontecera.
E não era só! O espírito de Morgan criara uma compensação, que preenchia o vazio.
Nunca mais se lembraria de Yamakura, o japonês que chegara a perseguir.
Yamakura deixou-o num subúrbio. Webster, que já se recuperara do espanto,
começou a fazer perguntas. O japonês interrompeu-o com um gesto.
— Leve-me a um telefone público — ordenou. — Quero telefonar para AN-23 551.
***
Raramente algum homem inspirara tamanha gratidão a Perry Rhodan como a que
sentia por Crest, porque o mesmo não lhe apareceu depois de terminado o treinamento.
É verdade que por ali ainda se encontrava Bell, que poderia perturbá-lo. Mas
quando este despertou e ergueu-se, ficou sentado de costas para Rhodan. Inclinou-se para
a frente e apoiou a cabeça nas mãos, como se ela fosse muito pesada.
Passou-se uma hora sem que fosse pronunciada uma palavra. Rhodan testou seu
cérebro; viu diante de si um complexo imenso com uma quantidade enorme de minúcias
que se lhe apresentavam com toda clareza. Havia uma gama infinita de conhecimentos
armazenados. Assim que formulava qualquer desejo em pensamento, a respectiva solução
oferecia-se imediatamente, desde que se tratasse de um problema matemático ou
científico.
Procurou avaliar as dimensões do complexo que constituía seu cérebro, mas não
descobriu nenhum limite. Era infinito. Por mais que se aprofundasse, não encontrava
nenhuma parede, sempre havia um caminho que o conduzia mais adiante.
Levantou a cabeça. Seus olhos caíram no aparelho de intercomunicação. Poderia
apostar tranqüilamente que Thora o estava observando lá do seu camarote e estudava suas
reações. Não estava disposto a nutrir seu orgulho, vendo-o cismar por muito tempo sobre
as conquistas da ciência dos arcônidas.
Levantou-se. Bell fungou aborrecido.
Isso não o perturbava. Bastava que um dos dois não se mostrasse impressionado,
para deixar Thora nervosa. Saiu e foi andando pelo corredor. A porta de seu camarote
estava aberta. Crest, sentado numa poltrona giratória, fitava o camarote de Thora numa
tela de intercomunicação.
Quando Rhodan entrou, Crest voltou a cabeça.
— Então? — perguntou com um sorriso, em tom ligeiramente preocupado.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Nada. Cometi um erro.
Crest endireitou-se abruptamente. A poltrona seguiu-lhe o movimento.
— Um erro?
— Isso mesmo. Ao que parece a solução do problema ocorreu numa data mais
recente. Acredito que seus homens tenham sido muito indolentes para examinar todos os
aspectos do problema.
Crest estremeceu. Rhodan piscou em direção ao intercomunicador, dando a
entender que suas palavras destinavam-se a Thora.
— Que interessante! — cochichou Crest. — Que erro foi esse?
— Trata-se do problema da reprodutibilidade das hipertrajetórias. Está lembrado?
— explicou no tom mais indiferente que conseguiu dar à voz. — A equação diferencial
em que elas se baseiam é instável, além de formalmente insolúvel. Trata-se de uma
equação diferencial de sétimo grau, com aplicação de um processo de aproximação
numérica de décimo terceiro grau. Vê-se que o processo de aproximação ainda encerra
mais alguns graus de instabilidade que a equação. E, quando nos movemos no terreno da
instabilidade, um pequeno desvio produz um erro de grandes proporções.
Até mesmo a matemática terrena conhece soluções de aproximação de sétimo grau
para equações fundamentais desse tipo. Quer que lhe diga por que esse erro foi cometido
em Árcon?
Crest não soube dizer mais nada.
— É porque o processo de aproximação que foi empregado torna-se muito cômodo
— disse Rhodan com a voz áspera e retumbante. — É porque, segundo deduzo de outras
informações, esse processo está gravado nas calculadoras. Foi por pura indolência que
ninguém se deu ao trabalho de examinar a equação fundamental quanto à sua estabilidade
e foi ainda por indolência que se empregou o método usual; um décimo da energia
prevista seria suficiente.
Sentiu-se triste com a forma pela qual Crest reagiu à sua explanação; encolhendo-se
lentamente, este deixou que a cadeira voltasse a inclinar-se para trás. Crest sacudiu a
cabeça e murmurou palavras desconexas.
Rhodan procurou não olhar para a tela. Sabia que Thora o observava, e,
provavelmente, o compreenderia. O drama fora preparado para ela, não para Crest. O erro
era verdadeiro, mas a maneira de expô-lo fora escolhida para impressionar Thora.
Gostaria de ver seu rosto.
Aos poucos, Crest foi recuperando o autodomínio. Rhodan dirigiu-lhe um sorriso
tranqüilizador, para que voltasse a ficar em forma mais depressa.
— Não pretendia falar com você sobre isso — disse. — Apenas pretendia
agradecer-lhe por tudo que fez por nós. Nem imagina como nos sensibilizou.
Crest compreendeu; interrompeu Rhodan com um gesto. Contorceu o rosto, como
se quisesse rir, mas apenas conseguiu esboçar uma careta.
— Pare, Rhodan — murmurou com a voz débil. — Você está desperdiçando seus
agradecimentos com a pessoa errada. Nós é que temos de ficar gratos. Gratos ao destino,
por nos ter proporcionado um encontro com uma raça como a sua.
Ergueu-se na poltrona.
— Sabe que você é a primeira pessoa que se atreve a absorver de uma só vez os dez
estágios de desenvolvimento? Sabe por quanto tempo tive de observá-lo antes de ter
certeza de que poderia dar esse passo sem que seu espírito corresse perigo? Acreditava
que levasse alguns dias para recuperar-se do choque tremendo causado pelo treinamento
dos dez estágios. Mas o que vejo? Mal o transmissor é desligado, levanta-se, dirige-se a
mim e diz: estão vendo, seus idiotas? Aqui vocês erraram. Sabe o que significa isso?
Qualquer um saberia a resposta. Respirando profundamente, Crest voltou a recostar-
se na poltrona.
No corredor ouviram-se os passos de Bell, que pareciam marteladas. Rhodan ouviu-
o murmurar de si para si. Bell entrou pela escotilha.
— Ouça, chefe! — disse em tom enfático. — Sabe que essa gente cometeu um erro?
Ao tentarem obter uma reprodução matemática de uma hipertrajetória, empregaram uma
equação diferencial de sétimo grau. Para isso...
A tensão de Rhodan terminou numa estrondosa gargalhada. Ao ouvir os primeiros
sons, Crest assustou-se. Até parecia que o riso lhe causava dor. Mas, por fim, controlou-
se e conseguiu brindar a situação com um sorriso quieto e resignado.
***
Uma hora depois a nave abandonou a trajetória terrestre e tomou a direção da Lua.
Rhodan assumira o comando, executando-o de acordo com os conhecimentos adquiridos
no processo de treinamento.
Reginald Bell exercia as funções de co-piloto.
Crest, sentado nos fundos, olhava fixamente para a frente. Vez por outra, Rhodan
virava a cabeça para vê-lo. Para um homem da sua substância espiritual seria necessário
bastante tempo para recuperar o equilíbrio após o choque pelo qual passara.
Thora só entrou na sala de comando quando a nave já havia tomado a rota da Lua.
Rhodan não se voltou à sua entrada. Ouviu sua voz:
— Rhodan, você está perdendo seu tempo. Esta nave está equipada com direção
automática.
Procurara ser irônica; ficou desapontada ao notar que não o conseguira. Bell
encarou-a.
— Conhecemos os autômatos dos arcônidas — disse com voz indiferente. — Um
deles mostrou-se muito eficiente na defesa de três foguetes nucleares na Terra, não foi?
Rhodan não pôde ver a reação de Thora. Não voltou a ouvir sua voz. Quando pôde
ver o rosto de Bell, notou que este repuxava os cantos da boca num contentamento
disfarçado.
***
***
***
O’Healey disse:
— Lá em cima, no décimo quinto andar, aconteceu uma coisa estranha, senhor.
Alguém fez o elevador descer lá, mas quando os guardas o examinaram, não havia
ninguém.
Mercant ergueu o olhos.
— Não havia ninguém? O que diz Zimmermann?
— O capitão Zimmermann chamou alguns especialistas que deverão procurar
impressões digitais e não sei mais o quê no interior da cabina.
Mercant levantou-se.
— Levarão três meses para examinar todas as impressões digitais. Onde foi mesmo
que isso aconteceu? No décimo quinto andar?
— Sim, senhor.
— Venha comigo. Vamos subir até lá.
***
Rhodan já constatara que o décimo quinto andar não era o último. Foi ao encontro
do capitão Zimmermann quando este se aproximou pelo corredor, e procurou descobrir
de onde ele viera. Descobriu dois elevadores que conduziam apenas para baixo.
Esses elevadores eram vigiados com maior rigor que aqueles por onde ele descera.
Não havia a menor dúvida de que os guardas reagiriam ao mais leve movimento de
qualquer das cabinas.
Rhodan esperou. Dali a pouco, o capitão Zimmermann voltou em companhia de um
sargento. Os guardas fizeram continência. Zimmermann e o sargento entraram no
elevador do lado direito.
Rhodan seguiu-os sem fazer o menor ruído e comprimiu-se contra a parede do
elevador para não tocar em nenhum deles.
Zimmermann disse:
— Que coisa estranha! Até dá para desconfiar que o sujeito saltou do elevador no
meio da viagem. Mas isso é impossível!
O elevador parou de repente. Pela contagem de Rhodan, haviam descido mais seis
andares.
Rhodan não saltou do elevador com a necessária rapidez, pois receava que os
sapatos de seu traje fizessem ruído. O sargento, que não tinha nenhum motivo para esse
tipo de receio, passou por ele e esbarrou em seu corpo.
Parou de chofre. Zimmermann esbarrou nele. Rhodan conteve a respiração e
desviou-se para o lado em passos minúsculos.
— O que houve? — perguntou Zimmermann.
— Es... esbarrei em alguma coisa, capitão.
Zimmermann franziu a testa.
— Onde?
— Aqui, capitão — gaguejou o sargento, apontando para o nada.
Rhodan viu que se encontravam no fim do corredor. A parede ficava a dois metros
dos elevadores. Comprimiu-se contra ela. Os guardas postados por ali aproximaram-se do
elevador.
Zimmermann riu.
— Há quanto tempo está conosco, sargento?
— Há dois anos, capitão.
Este mostrou-se compreensivo.
— Isso explica tudo. Quando eu estava aqui dois anos, via pequeninos homens
verdes marchando por estes corredores.
Com um gesto de mão procurou mostrar o tamanho dos homens, a fim de alegrar o
sargento.
— De tanto segredo que se faz por aqui — disse em tom benevolente — todo
mundo acaba sofrendo de alucinações. Isso só passa quando se está acostumado ao
movimento que há por aqui.
O sargento retesou o corpo.
— Sim, senhor.
Rhodan sentiu-se aliviado. Zimmermann afastou-se em companhia do sargento. Os
guardas sorriram. Andando cautelosamente, Rhodan seguiu os dois.
— Aí vem o capitão Zimmermann, coronel — avisou O’Healey ao abrir uma das
portas de aço que dividiam a galeria inferior em vários setores distintos.
— Ah! — disse Mercant. Zimmermann fez continência.
— Este é o sargento Threash, coronel. Foi a primeira pessoa que notou a ocorrência.
Mercant cumprimentou o sargento com um movimento de cabeça.
— Deu instruções para que se procurassem impressões na cabina do elevador? —
perguntou, dirigindo-se a Zimmermann.
— Sim, senhor. Não mandei examinar toda a cabina; apenas o botão de comando
para o décimo quinto andar.
— Foi uma medida muito inteligente — observou Mercant em tom irônico. — Isso
representa um tipo de terapia ocupacional para o staff de especialistas, não acha?
Ao ouvir a reprimenda, Zimmermann piscou os olhos.
— Achei...
— Ora, capitão. O senhor não vai me dizer que o homem — se é que esse homem
existe — que foi bastante inteligente para penetrar no posto de Umanaque, não se valeu
do velho recurso das luvas.
— É possível, coronel — concordou Zimmermann.
— É certo — disse Mercant em tom triunfante. — Sargento, quem mais viu a
cabina vazia?
— Todos os guardas que se encontravam diante dos elevadores do décimo quinto
pavimento, coronel — respondeu Threash em posição de sentido.
— Já mandou chamar os técnicos em eletrônica? — perguntou Mercant, dirigindo-
se a Zimmermann. — Talvez seja um defeito do elevador.
— Ainda não, coronel. Mas providenciarei...
Nesse instante o inferno irrompeu por ali. Um uivo estridente superou todos os
ruídos. A porta de aço sob a qual Mercant e O’Healey se encontravam pôs-se em
movimento, deu um empurrão em Mercant, que arrastou O’Healey consigo, e fechou-se
com um ruído seco. Zimmermann e Threash ficaram do outro lado.
— Alarma de radar! — disse Mercant com a voz ofegante. — Venha, O’Healey.
Saiu correndo pelo corredor. Não poderia chegar ao seu corredor. Durante o alarma,
as portas de aço só se abririam mediante uma ordem especial e Mercant não pretendia
transmitir essa ordem enquanto não soubesse de que se tratava. De qualquer maneira
podia dispor das salas situadas no setor em que se encontrava.
Tomou lugar em uma mesa desocupada às pressas. Através do aparelho de
intercomunicação entrou em contato com a central de vigilância.
— É Mercant! O que houve na galeria inferior?
— Alarma de radar no setor A, coronel.
— O que foi que desencadeou?
— Não sabemos, coronel. Captei todo o setor na tela de imagem que tenho diante de
mim, mas não vejo nada de anormal.
— Entrou em contato com as salas do setor?
— Sim, coronel. Mas ninguém viu nada de extraordinário.
Mercant refletiu. O setor A era o primeiro a partir dos elevadores. Se alguém tivesse
vindo de cima...
— Está bem! — disse com a voz áspera. — Pode suspender o alarma.
A sereia voltou a uivar no corredor. Mercant saiu em companhia de O’Healey e
abriu a porta na qual dois minutos antes conversara com Zimmermann.
Este e o sargento Threash continuavam no mesmo lugar.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Mercant laconicamente.
— Nada, coronel. Permite que lhe pergunte...
— Há um fantasma por aí — respondeu Mercant com um sorriso. — Um homem
que sabe tornar-se invisível.
Passando por Zimmermann, avançou cautelosamente pela galeria. Zimmermann e
os dois sargentos fizeram menção de segui-lo, mas Mercant fez sinal para que
continuassem onde estavam.
Uma das portas do lado esquerdo abriu-se. Com um gesto zangado, Mercant fez
com que o homem que pretendia sair para o corredor voltasse.
Subitamente parou, como se tivesse encontrado alguma coisa. Voltou o rosto para o
chão, depois para cima. Finalmente virou-se e voltou com um sorriso no rosto.
— Acho que fizemos papel de palhaço — disse em tom alegre. — Não há nada.
Zimmermann!
— Sim, coronel!
— Mande esse pessoal das impressões digitais para casa. Acho que o caso será
esclarecido de outra forma.
— Sim, senhor.
— O’Healey e Threash, voltem aos seus postos. O’Healey, o senhor me apresentará
o relatório na hora de costume.
Voltou ao seu gabinete, sem dar atenção aos rostos espantados que deixou para trás.
Cautelosamente abriu a porta. Um sorriso de contentamento passou pelo seu rosto.
Foi até a mesa, afundou na poltrona e abriu uma das gavetas. Tirou uma pesada pistola.
Apontou a arma para um ponto situado entre a porta e o armário mais próximo.
Depois disse:
— Seja quem for o senhor, pode tirar seu disfarce. Não sei o que pretende aqui. Se
quiser matar o velho Mercant, é bom que saiba que ainda terei forças para apertar o
gatilho desta pistola. Já deve ter visto que sei perfeitamente onde está. Então?
Passaram-se alguns segundos. Subitamente uma espécie de nuvem começou a
formar-se no lugar para o qual Mercant estava apontando sua arma. A nuvem assumiu
formas definidas e acabou transformando-se num homem que envergava um traje
estranho.
Mercant arregalou os olhos.
— Major Rhodan!
— Já não sou major! O major deu baixa. Meu Deus, como foi que você descobriu?
Mercant sorriu.
— Dizem que descubro a presença de um homem pelo faro. Nunca senti isso tanto
como hoje. Sente-se, Rhodan.
Rhodan sentou. Mercant ofereceu-lhe um cigarro. Parecia inteiramente à vontade.
— Seu uniforme não o protege contra o radar, não é? — disse depois de algum
tempo.
— Não; e não sabia que aqui embaixo existem detetores de radar.
— Assim mesmo é uma coisa extraordinária.
Rhodan descansou o cigarro no cinzeiro.
— Vamos logo ao que importa, Mercant. A coisa é muito mais séria do que você
pensa.
— Muito bem; pode falar.
Rhodan relatou tudo que havia ocorrido na Lua. Concluiu da seguinte forma:
— Procure compreender: o que virá por aí é uma frota de naves robotizadas, e
nenhuma delas estará interessada em saber se tínhamos algum direito de destruir o
cruzador espacial dos arcônidas. Dispararão seus mísseis e não temos como defender-nos.
Se Mercant ficou impressionado, não o deixou perceber.
— E sua nave? Você não disse que está muito bem equipada? Não pode repelir o
ataque com ela?
— Está bem equipada sob os padrões terrenos — respondeu Rhodan. — Mas as
naves robotizadas que estão a caminho têm um equipamento muito superior. Faremos o
que estiver ao nosso alcance, mas seria conveniente que o planeta Terra se preparasse.
— E quem me garante que você não está blefando para arrancar umas tantas
vantagens para si e seus comparsas? — retrucou Mercant.
— Ninguém lhe garante — respondeu Rhodan em tom indiferente. — Acredite se
quiser. Quando chegar o momento, verá que não estou blefando.
Mercant abanou a cabeça. Ainda não se mostrava impressionado. Parecia refletir.
Na verdade, esforçou-se por captar tudo que era possível dos pensamentos de Rhodan.
Mercant sabia perfeitamente que possuía um princípio do dom da telepatia. Podia
perceber um pensamento muito intenso, desde que o indivíduo não estivesse muito
distante dele. Às vezes conseguia captar a concepção geral de um fluxo de pensamentos,
para saber se era verdadeiro ou falso.
O cérebro de Rhodan tinha algo de muito especial. Mercant conseguira perceber
onde ele se encontrava; foi assim que pôde localizá-lo no corredor e no escritório. Mas
Rhodan parecia ter posto uma tranca nos seus pensamentos. Mercant não conseguiu
captar nenhum deles; mas percebeu que ele dizia a verdade.
Levantou-se.
— Esqueça-se disso. O que sugere?
— Divulgue o assunto entre as pessoas responsáveis — respondeu Rhodan. —
Diga-lhes o que nos espera e faça-os compreender que só através da cooperação de todos
conseguiremos montar uma defesa eficiente. Mais uma coisa: faça com que seja suspenso
esse ridículo bloqueio de suprimentos decretado contra nós. Ainda que consigamos
repelir o primeiro ataque, outros se seguirão. Para manter-nos, precisaremos de pelo
menos uma nave de grande capacidade. Mesmo que as indústrias sejam autorizadas
imediatamente a iniciar os fornecimentos, levaremos alguns meses para montar uma nave
com as matérias-primas e os produtos semi-acabados que recebermos. Se tivermos de
arranjar o material às escondidas, levaremos dois anos. Mercant olhou para o chão.
— Farei o possível, Rhodan. Sabe o que está pedindo de mim? Imagine só! Chego a
Washington e digo ao pessoal: Escutem, Rhodan encontrou na Lua um hiperemissor que
emite sinais de emergência. Dentro de quinze dias o mais tardar chegará uma frota de
naves robotizadas e bombardeará a Terra. Rhodan quer que suspendam todo e qualquer
embargo contra seu grupo. Já pensou no que dirá essa gente?
Como um movimento discreto Rhodan ativou o hipnorradiador oculto sob seu traje.
— Mercant, você tem uma influência pessoal extraordinária — disse com a voz
baixa, mas em tom penetrante, fitando os olhos de seu interlocutor. — Usará essa
influência para convencer aquela gente. Tomará todas as providências para que os
preparativos de defesa sejam iniciados sem a menor demora. Compreendeu, Mercant?
Não se dirija ao Senado, mas ao Presidente. Fale com as pessoas que confiam em você
pelas suas qualidades pessoais, não por ser chefe do Serviço Secreto. Entendido?
Mercant confirmou com um movimento dócil da cabeça. Nem se deu conta de que,
até então, ninguém se atrevera a falar-lhe nesse tom, isso porque a incumbência
transmitida por Rhodan era de natureza pós-hipnótica. Mercant não poderia deixar de
cumpri-la à risca.
Rhodan descontraiu-se.
Libertou Mercant da constrição mental a que o submetera.
— Ficarei muito grato se puder conduzir-me em segurança até lá em cima.
Mercant abriu a porta.
— Enquanto estiver comigo, ninguém o deterá.
Enquanto passavam pela galeria, Mercant disse:
— Terei de manter contato com você, Rhodan. Instrua o capitão Klein a transmitir
qualquer comunicação dirigida a você pelo código ANP. Não se esquecerá?
Rhodan estacou. Mercant sorriu quando notou sua surpresa.
— A quem devo instruir? — perguntou Rhodan. — Klein? O capitão Klein?
— Isso mesmo.
— Como sabe que trabalha conosco?
— Não sei — respondeu Mercant. — Apenas suponho. É como lhe digo: farejo uma
porção de coisas nas pessoas.
Rhodan dominou o espanto.
— Klein ficará satisfeito em saber disso. Anda com um medo terrível de uma
lavagem cerebral.
Mercant riu.
— Não deve ter medo. Continuo a considerá-lo um dos melhores elementos de que
disponho.
Quando chegaram ao elevador, os guardas, espantados, fizeram continência.
Rhodan perguntou em voz baixa:
— Você poderia explicar isso, Mercant? Quero dizer, sua atitude para com Klein.
Mercant hesitou, mas acabou dando uma resposta franca e singela:
— Estou convencido de que a humanidade devia colaborar com você. Acredito que
não quer nada de condenável, e que seria de vantagem para todo mundo se fizéssemos as
pazes com a Terceira Potência.
Rhodan encarou-o estupefato. Quando o elevador chegou ao décimo quinto andar,
disse:
— Obrigado, Mercant!
VII
Allan D. Mercant era uma das pessoas que o Presidente dos Estados Unidos recebia
a qualquer hora.
Quanto à soma dos poderes que enfeixavam em suas mãos, nenhum dos dois ficava
devendo nada ao outro. Desta vez, porém, Mercant via-se diante de um caso especial, no
qual precisava do auxílio do Presidente. Só este tinha o privilégio de desencadear um
alarma nuclear.
O Presidente convocara seu conselheiro pessoal para a conferência. Tal qual
Mercant, Wildinger era um dos homens do mundo livre dotados de maior dose de
sangue-frio.
Mercant ainda não conseguira convencer o Presidente.
— Ninguém há de exigir que eu dê o alarma nuclear com base numa simples
suspeita, atirando o dinheiro do povo pela janela — protestou o Presidente. — Sabe que
um ato desses nos custa um bilhão de dólares?
Mercant sacudiu a cabeça.
— Não sabia. Mas também não sabia que num caso desses isso é tão importante —
disse em tom indiferente.
— Wildinger! Abra a boca!
Até então, Wildinger se mantivera confortavelmente reclinado na sua poltrona.
Agora deslocou o corpo para a frente, apoiando os cotovelos na mesa.
— É difícil dar um conselho — disse. — É bem possível que economizemos um
bilhão de dólares, para sacrificar a vida dentro de poucos dias. Mas também é possível
que o mais acertado seja não desencadear o alarma. Enquanto Mercant não nos fornecer
informações mais precisas, nada podemos aventurar com uma probabilidade razoável,
muito menos com um mínimo de certeza.
Acendeu um cigarro e prosseguiu:
— Poderíamos adotar uma solução conciliatória. Deixaríamos tudo preparado, para
que o alarma pudesse ser desencadeado num tempo muito breve. Dessa forma só
gastamos a décima parte e conservamos nossa liberdade de movimentos.
Mercant suspirou aliviado. Desde o início não esperara conseguir mais que isso.
Insistira no alarma, para obter, ao menos, os preparativos.
O Presidente concordou com a sugestão que acabara de ser formulada. Mercant
parecia indeciso; consentiu com uma expressão preocupada no rosto.
— Informarei os demais interessados — disse ao levantar-se. — Não quero que
acreditem que estamos preparando uma guerra às escondidas.
Os “demais interessados” eram os homens de Pequim e Moscou. Johnston nada
objetou contra as intenções de Mercant.
***
***
A nave dos arcônidas voltou à base, onde os robôs estavam concluindo seu trabalho.
Tako Kakuta regressara um dia antes. Trouxera a notícia do hiperemissor, que
estava prestes a fazer desabar a desgraça sobre a Terra. Manoli e Haggard, isolados de
outras notícias, tinham chegado ao auge do nervosismo quando a nave pousou junto à
Stardust.
Rhodan chamou-os e informou-os de todos os detalhes. Para Manoli e o australiano,
que não dispunham dos conhecimentos admiráveis de Rhodan e Bell, a notícia do perigo
que os ameaçava foi um choque. Participaram calados e cabisbaixos da conferência dos
membros da Terceira Potência, que Rhodan fez realizar imediatamente.
Também Thora manteve-se calada, mas não cabisbaixa. O triunfo continuava a
brilhar nos seus olhos. Rhodan a compreendia. Estava para chegar o dia em que não
dependeria mais da Terra. A nave decolaria para escapar ao ataque iminente, e uma das
naves robotizadas colocaria a bordo o único remanescente aproveitável do cruzador dos
arcônidas, garantindo a todos o regresso a Árcon.
Rhodan abriu a conferência com as seguintes palavras:
— Sabemos perfeitamente que não podemos exercer qualquer influência sobre as
naves robotizadas. Em outras palavras, não temos nenhuma possibilidade de impedir que
desencadeiem o ataque contra a Terra. A reação das naves robotizadas a um sinal de
emergência processa-se de tal maneira que o inimigo cujo ataque deu origem à
mensagem não tem a menor possibilidade de subtrair-se às medidas punitivas. Portanto,
não devemos quebrar a cabeça com isso. A pergunta que tem de ser respondida é esta:
temos alguma possibilidade de atacar os robôs antes que transformem a Terra num
montão de cinzas?
A pergunta ficou no ar. Só Thora, Crest, Bell e Rhodan estavam em condições de
conceber qualquer idéia a respeito. Tako, Haggard e Manoli não possuíam a capacidade
necessária para isso. Uma das quatro pessoas que possuía essa capacidade — Thora —
encerrou-se num obstinado mutismo. Um segundo, Crest, estava com a capacidade de
raciocínio perturbada em virtude de idéias preconcebidas sobre a fatalidade da situação.
Bell e Rhodan eram os únicos que podiam empenhar toda a capacidade intelectual na
solução do problema.
— Vamos encarar a situação sob o ponto de vista tático — sugeriu Bell. —
Segundo o código de emergência, devemos contar com a presença de cinco naves. O que
nos interessa saber é como se comporta uma nave robotizada.
“Se ficarmos aqui sem fazer nada, aguardando os acontecimentos, se dirigirão em
primeiro lugar ao cruzador destroçado, descobrirão a causa de sua destruição, verificarão
que essa causa se localiza na Terra e atacarão nosso planeta. As naves robotizadas do
Império Galático pensam em termos de mundos. Não devemos esperar que procurem
saber se três foguetes provêm da China, da Rússia ou do Ocidente. Destruirão a Terra,
não esta ou aquela nação.
“E se interferirmos com os robôs? O que farão as cinco naves robotizadas ao
constatarem que o inimigo ainda se encontra nas proximidades do alvo destruído? O
atacarão. Sabemos, ou melhor, quatro de nós sabem que os robôs possuem elevada
habilidade tática. Não se lançarão todos de vez na perseguição de uma navezinha como a
nossa. Calcularão que uma das suas naves será suficiente para nos destruir.
“Acho que aí está nossa única chance. Seria uma temeridade lutar contra cinco
naves ao mesmo tempo. Mas se conseguirmos separá-las, para lidar com uma de cada
vez, a situação mudará de figura.
Rhodan concordou. A idéia até chegou a despertar Crest da sua letargia. Via-se que
recobrava as esperanças.
Thora continuou calada. Mas parecia que já não se sentia tão segura.
Continuaram a discutir o plano de Reginald Bell. Rhodan acrescentou alguns
detalhes. Assim surgiu um projeto, que poderia ser introduzido nos computadores para
ser interpretado. Rhodan traduziu-o em impulsos registrados em fitas que foram
colocadas nos autômatos. Dessa forma seria informado sobre qualquer erro e poderia
realizar as correções que se tornassem necessárias.
***
Na noite daquele dia, Rhodan teve uma palestra muito estranha. De tarde, o capitão
Klein transmitira a informação de que nos três blocos de superpotências da Terra estavam
sendo realizados preparativos para um alarma nuclear, a fim de que as áreas sujeitas a
ataque pudessem ser evacuadas em poucas horas. Rhodan ficou satisfeito ao saber disso.
A partir da localização ótica das naves robotizadas, que sem dúvida estariam imunes à
localização pelo radar, tal qual a nave auxiliar, ainda passariam algumas horas até que
descobrissem o que havia acontecido na Lua e iniciassem o ataque à Terra.
À noite, recebeu a visita de Thora. Era a primeira vez que ela entrava em seu
camarote.
Rhodan ficou perplexo, tão perplexo que ela notou.
— É de admirar, não é? — disse Thora com uma ponta de ironia.
— É verdade! — confirmou Rhodan. — O que a traz aqui?
— Quero fazer-lhe uma proposta.
Rhodan apontou para uma poltrona.
— Queria sentar. Não imagina que prazer sinto ao ouvi-la.
Thora entesou o corpo, mas não havia o menor tom de zombaria nas palavras que
ouvira. Sentou na poltrona que Rhodan lhe oferecera e reclinou-se profundamente.
— Dentro de cinco ou seis dias — principiou Thora — seu belo sonho da
humanidade unida e da herança do Império Galático terá chegado ao fim.
Rhodan não a interrompeu, embora não concordasse com ela.
— Dentro de poucos dias — prosseguiu — nossos cruzadores robotizados chegarão,
descobrirão as causas da destruição de nossa nave e transformarão a Terra num montão
de rochas altamente radioativas — a Terra e todos que vivem nela. Existem algumas
pessoas que merecem ser salvas da catástrofe. Você é uma dessas pessoas.
Rhodan sobressaltou-se. Inclinou o corpo para a frente, como se pudesse perseguir
as palavras para voltar a introduzi-las no ouvido.
— Eu?
Thora confirmou com um gesto enfático.
— Sim, você. Talvez ainda seu companheiro Bell, que também recebeu nosso
treinamento, e Haggard, que sabe curar a leucemia, e finalmente Tako Kakuta, por causa
de suas faculdades extraordinárias. Ofereço-lhes a salvação. Minha posição de
comandante de uma nave exploradora me dá esse direito. Irão a Árcon conosco e lá
encontraremos uma maneira de aproveitá-los.
Rhodan começou a desconfiar do que havia atrás disso.
— Por que acha que justamente nós merecemos ser salvos? — perguntou.
— É por causa das faculdades que possuem — respondeu Thora prontamente. —
Representariam uma aquisição valiosa para o Império. Poderiam ser utilizados em setores
nos quais é necessária uma boa dose de energia. Dispõem dos conhecimentos
necessários. Ainda poderíamos transmitir esses conhecimentos a Tako e Haggard.
Rhodan ficou em silêncio.
— Será que não pensa em utilizar-nos para criar uma nova raça?
Thora não percebeu o tom de sua voz.
— Não acredito — respondeu Thora com voz mais fria que antes — que qualquer
mulher arcônida se prestasse a manter relações com um ser terreno.
Rhodan confirmou com um movimento de cabeça e esperou.
Thora dispunha de uma extraordinária reserva de paciência. Levou uns quinze
minutos para perguntar:
— Então?
Rhodan levantou-se. Foi para junto da tela que substituía a janela e olhou para a
imensidão de areia do deserto de Gobi. As estrelas espalhavam um brilho mortiço e
produziam sombras difusas, que faziam os sulcos feitos pelo vento parecerem mais
fundos do que realmente eram.
— Ouça, Thora! — disse depois de algum tempo. — Para mim, uma mão de areia
deste deserto vale mais que todo o seu império podre. Não tenho o menor interesse em
ocupar um cargo mais ou menos importante nele. A única coisa que me preocupa é a
Terra. Quer saber por quê?
Girou sobre os saltos dos sapatos.
— Não teremos de esperar muito; apenas uns trezentos ou quatrocentos anos, que
afinal não representam nada em comparação com o longo caminho que trilhamos desde a
Idade da Pedra, para que o monturo do seu império nos caia nas mãos em troca de nada.
Não serei eu quem vai ensinar aos arcônidas os truques através dos quais poderão
perturbar o progresso da humanidade terrena. Perturbar, não impedir.
Deu dois passos em sua direção.
Thora sentiu-se tomada por uma fúria cruel. Quis sair para deixá-lo falando só, mas
aquela voz a prendia. Foi a primeira vez que Rhodan, sem que o soubesse, colocou nas
palavras dirigidas à mulher toda a força de persuasão que lhe fora conferida pelo
treinamento hipnótico.
— Preste atenção — prosseguiu. — O que acontecerá se não conseguirmos rechaçar
suas naves robotizadas? Atacarão a Terra e a destruirão. Mas sempre sobrarão alguns
homens — cem, mil, dez mil ou um milhão, pouco importa. Esses homens nunca se
esquecerão do que aconteceu aos demais. Cuidarão para que nada de semelhante aconteça
a eles ou aos seus descendentes. Acho que você ainda não conhece a energia que
possuímos. Dentro de dois mil anos a Terra voltará a ser o que é hoje. E o Império
Galático, que já está podre até a medula dos ossos, terá um inimigo encarniçado nessa
Terra. E não haverá a menor dúvida de como terminará essa inimizade. Até onde atingem
nossas recordações, sempre combatemos nossos inimigos até matá-los. Nesse caso
acontecerá a mesma coisa, e o controle da Galáxia passará às nossas mãos.
Thora reuniu todas as forças para sair. Mas antes que atingisse a escotilha, Rhodan
voltou a falar, deixando-a como que pregada ao solo.
— As coisas ainda não chegaram a este ponto. Você sabe perfeitamente que temos
uma possibilidade real de destruir as naves robotizadas. No início, pensarão que somos
sobreviventes inofensivos da expedição espacial. Talvez até nos recebam a bordo antes
de atacar a Terra. Assim teremos a chance de que precisamos. A Terra ainda não está
perdida; falta muito para isso.
Thora deu mais dois passos. Já se encontrava perto da escotilha, quando Rhodan
deu um grito:
— Pare!
A energia brutal da voz do terreno, que quase chegava a exercer uma constrição
física, causou-lhe dor de cabeça. Virou-se rapidamente.
Ficou espantada ao ver que Rhodan sorria.
— Aqui na Terra conhecemos casos semelhantes aos seus. Certas mocinhas criadas
em casas ricas e bem cuidadas ficam apavoradas ao saberem que nem todos vivem como
elas e seus pais; há muita gente pobre que tem de lutar pela vida.
“Você é igualzinha a essas moças. Acha que deve desprezar-nos só por sermos mais
jovens que sua raça. No dia em que você chegar perto de mim para confessar que nestas
últimas semanas tem sido muito tola, eu lhe direi quanto a amo.
Thora ficou perplexa. Perdeu alguns segundos preciosos antes de decidir se devia
responder ou não.
Finalmente o orgulho venceu. Virou-se abruptamente e saiu.
A insinuação chocara-a mais do que ela mesma gostaria de admitir. No planeta de
Árcon as regras do jogo do amor haviam sido adaptadas no curso dos milênios aos
ditames da inteligência. Se em Árcon um homem fizesse uma declaração de amor a uma
mulher que pouco antes insultara, isso seria encarado como sintoma de doença mental.
Apesar da raiva que a dominava, Thora não deixou de reconhecer que na Terra não
se podiam aplicar os mesmos padrões. Compreendeu que a declaração que Rhodan
proferira naquele instante constituía parte da manobra que engendrara. Sentiu-se
impotente diante desse tipo de ilogismo programado.
Pela primeira vez reconheceu com toda a clareza — e com todo o pavor que esse
conhecimento lhe despertava — a juventude incrível da raça terrena e as forças
espantosas e assustadoras que se ocultavam detrás dessa juventude.
***
A sensação surgiu dali a dois dias. Rhodan não tivera mais notícias de Mercant. Isso
significava que na Terra não havia maiores novidades. Os dirigentes aguardavam a
concretização das ameaças vindas de fora.
Manoli operava o rádio. Os robôs tinham concluído seu trabalho, e voltaram para os
depósitos onde Crest os desativou.
Thora aparecia raras vezes. Evitava Rhodan. Este compreendia.
Bell e Haggard dedicavam-se ao jogo de xadrez.
Geralmente Manoli não sabia o que fazer. A nave auxiliar possuía receptores
excelentes. Captava tudo sem a menor dificuldade, desde a emissora da polícia de
Pequim até as notícias transmitidas pela estação espacial Freedom I e os programas de
ondas longas das emissoras inter-regionais. E, como nas últimas semanas as notícias
sensacionais fossem uma raridade, o cargo de radioperador não oferecia maiores
atrativos.
Mas, nesse dia, as coisas mudaram por completo. Manoli estava ouvindo um
programa da estação espacial na faixa de 305 megahertz. Subitamente o mesmo foi
interrompido para a transmissão de um comunicado urgente:
— Esquilo para raposa, esquilo para raposa. Localizamos objeto não identificável
na direção Pi dois-um-zero. Teta zero-nove-cinco. Distância duas vezes dez na sexta
potência metros, velocidade cerca de duas vezes dez na quarta potência metros por
segundo, forma indefinível. Objeto prossegue em direção à Lua. Fim.
Raposa confirmou imediatamente e deu a seguinte indicação:
— Pedimos que comunicados subseqüentes sejam transmitidos em código.
Manoli taquigrafara o comunicado. Arrancou a folha do bloco e saiu correndo.
Percorreu o corredor às escorregadelas. Mal a escotilha do camarote de Rhodan se abriu,
precipitou-se para dentro e leu a notícia para Rhodan. Este ficou muito mais exaltado do
que Manoli esperava.
— É inacreditável!
Sem dar a menor atenção a Manoli, que nada entendia do assunto, ligou para Crest.
Só após isso voltou a falar com o médico para dar-lhe uma incumbência:
— Avise Tako para que preste atenção aos sinais de Klein. Daqui a pouco
receberemos informações mais detalhadas.
Manoli confirmou com um movimento de cabeça e saiu correndo. Depois de algum
tempo Crest chegou.
— A estação espacial anuncia um corpo estranho vindo da órbita de Marte, que se
dirige à Lua — explicou Rhodan com a voz tranqüila. — Gostaria de saber o que acha
disso.
Crest mostrou-se interessado.
— Dispõe de outras informações?
— A velocidade é de 2 vezes 104 m/seg.
— Qual é a forma do objeto?
— Desconhecida.
Crest olhou-o.
— Face ao treinamento que recebeu, deve supor a mesma coisa que eu.
Rhodan fez que sim.
— Qual é a sua suposição?
— A base situada em Mira-4 não se encontra mais em poder do Império. O que vem
por aí não é nenhum cruzador robotizado, mas uma nave pertencente a alguma unidade
rebelde da frota colonial, pilotada por uma tripulação inexperiente.
Crest confirmou.
— Tomara que seja só essa — acrescentou Rhodan.
Dali a meia hora, Klein forneceu outras informações. O objeto estranho aproximara-
se mais da estação espacial, que pôde identificar sua forma. Enquanto Klein conversava
com Tako Kakuta no limite da cúpula energética, as notícias chegavam constantemente e
eram logo decifradas por Klein, que trouxera a chave de decodificação, e transmitidas à
nave.
O objeto estranho tinha a forma de um fuso. Era parecido com dois torpedos
cortados ao meio e ligados pelas extremidades pontudas.
A medida que Klein decifrava as mensagens, Rhodan ouvia. Sabia que as naves em
forma de fuso pertenciam aos tipos mais antigos da frota do Império, usados quase
exclusivamente nos mundos coloniais. Isso confirmava a suposição de que o objeto que
fora localizado não podia ser um cruzador robotizado.
Crest acrescentou:
— Os habitantes de Fantan possuem várias naves em forma de fuso, porque não
estão em condições de adquirir veículos mais dispendiosos. Aposto — sorriu para
Rhodan e procurou descobrir se este ficara satisfeito com a expressão tomada de
empréstimo à fala dos terrenos — aposto que é uma nave de Fantan. O grupo de Fantan
não fica muito distante da base de Mira. É bem possível que tenham conquistado Mira-4
e captado o sinal de emergência.
O que mais reforçava essa suposição era o fato de que a nave em forma de fuso não
se resguardava contra o radar, nem contra a localização ótica. Além disso, aproximava-se
da Lua com uma lentidão incrível, como se estivesse só no mundo e não precisasse recear
coisa alguma.
Nenhum outro objeto foi localizado.
Thora pusera-se em comunicação com o circuito e ouvira tudo que o capitão Klein
informara lá de fora. Assim que Tako voltou, Rhodan pediu-lhe que fosse ao camarote de
Thora para solicitar uma entrevista destinada a esclarecer a situação. O japonês encontrou
a comandante caída ao solo. Estava inconsciente.
A decepção fora um golpe pesado demais para ela.
VIII
***
***
***
***
***
***
Pouco depois, teve uma palestra com Thora. Pela primeira vez após a localização da
nave-fuso pela estação espacial Freedom-I ela saiu do camarote e entrou no
compartimento ocupado por Rhodan sem fazer-se anunciar, tal qual fizera poucos dias
antes.
Rhodan ofereceu-lhe uma cadeira. Thora agradeceu com um sorriso gentil.
— Tive tempo para refletir sobre uma porção de coisas — principiou ela. — Acho
que em muitas ocasiões não me comportei da forma que seria de esperar.
Rhodan ficou surpreso. Nunca esperara que Thora pudesse levar a auto-analise a
este ponto.
— Aos poucos começo a compreender qual é o caminho que você trilha, e qual o
objetivo que quer atingir — prosseguiu Thora. — Confio plenamente em você. Mas, no
que diz respeito à humanidade, ainda não formei nenhum juízo. Os conhecimentos que
adquiri a respeito dos homens são escassos e pouco animadores. Até agora quase só se
ocuparam em degolar-se mutuamente. Desconfio de que as esperanças que deposita nos
seus irmãos de raça sejam exageradas.
“Vim para dizer-lhe o seguinte: daqui para diante você não me deve considerar sua
inimiga. Prefiro aguardar o resultado dos seus planos. Esses planos são bons. É possível
que num futuro não muito distante a raça humana assuma a herança dos arcônidas no
Império Galático. Mas prefiro adiar minha decisão até que chegue esse dia.”
Rhodan levantou-se e estendeu-lhe a mão. Sorriu.
— É um gesto humano — disse. — Aperte minha mão; ela lhe é oferecida em sinal
de gratidão.
Num gesto hesitante Thora pegou a mão de Rhodan e retribuiu o aperto.
— Respeito sua opinião — acrescentou Rhodan. — Acredito que a atitude de Crest
não será diferente.
Esperou uma palavra de protesto; por isso objetou.
— Não; não entretenha uma idéia errada sobre Crest. Ele pertence à mesma raça
que você. O que fez por nós foi inspirado na gratidão pela cura, e talvez, em parte, numa
compreensão melhor que a sua. Mas ele nunca deixará de ser um arcônida. Nunca se
transformará num ser terreno.
Piscou os olhos, para dar a entender que considerava concluída a parte séria de sua
palestra.
— Para você, ainda existe alguma esperança.
Pouco lhe importava que Thora se sentisse ofendida; ela contorceu o rosto e saiu.
Sabia que os dias de seu orgulhoso isolamento estavam contados. Ao pensar nisso, voltou
a notar que amava aquela mulher.
Lá fora os robôs estavam ocupados em empilhar as pesadas chapas de plástico
metalizado.
“Tenho que pedir que apressem o fornecimento do andaime. Não há nada de que
precisemos tanto como uma boa nave de combate”, disse Rhodan, para si mesmo.
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