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Professora Silvia Rosa

TEXTO I
FILTRO SOLAR
Nunca deixem de usar filtro solar. Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro seria esta:
use filtro solar. Os benefícios a longo prazo do uso de filtro solar estão provados e comprovados
pela ciência. Já o resto de meus conselhos não tem outra base confiável além de minha própria
experiência errante. Mas agora eu vou compartilhar esses conselhos com vocês...
Não se preocupe com o futuro. Ou então se preocupe, se quiser, mas saiba que “pré-
ocupação” é tão eficaz quanto mascar chiclete para tentar resolver uma equação de álgebra. As
encrencas de verdade em sua vida tendem a vir de coisas que nunca passaram pela sua cabeça
preocupada, que te pegam no ponto fraco às 16h de uma terça-feira modorrenta.
Todo dia enfrente pelo menos uma coisa que te meta medo de verdade. Cante. Não seja
leviano com o coração dos outros, não ature gente de coração leviano. Use fio dental. Não perca
tempo com inveja. Às vezes, se está por cima; às vezes, por baixo... A peleja é longa e, no fim, é só
você contra você mesmo.
Estique-se, não se sinta culpado por não saber o que fazer da vida. As pessoas mais
interessantes que conheço não sabiam aos 22 o que queriam fazer da vida. Alguns dos quarentões
mais interessantes que conheço ainda não sabem.
Tome bastante cálcio. Seja cuidadoso com os joelhos: você vai sentir falta deles. Faça o que
fizer, não se autocongratule demais e nem seja severo demais com você. As suas escolhas têm
sempre metade das chances de dar certo. É assim com todo mundo.
Desfrute de seu corpo. Use-o de toda maneira que puder mesmo. Não tenha medo de seu
corpo ou do que as outras pessoas possam achar dele. É o mais incrível instrumento que você jamais
vai possuir. Dance... Mesmo que não tenha onde, além de seu próprio quarto.
Dedique-se a conhecer seus pais. É impossível prever quando estarão indo embora, de vez.
Seja legal com os seus irmãos. Eles são a melhor ponte com o seu passado e, possivelmente, quem
vai sempre mesmo te apoiar no futuro.
Entenda que amigos vão e vêm. Mas nunca abra mão de uns poucos e bons. Esforce-se de
verdade para diminuir as distâncias geográficas e destinos de vida, poraquê quanto mais velho você
ficar, mais você vai precisar das pessoas que conheceu quando jovem. Viaje. Aceite certas verdades
inescapáveis: os preços vão subir, os políticos vão saracotear, você também vai envelhecer. E,
quando isso acontecer, você vai fantasiar que, quando era jovem os preços eram razoáveis, os
políticos eram decentes e as crianças respeitavam os mais velhos.
Respeite os mais velhos e não espere que ninguém segure a sua barra. Talvez você arrume
uma boa aposentadoria privada, talvez case com um bom partido, mas não esqueça que um dos dois
pode, de repente, acabar. Não mexa demais nos cabelos, senão, quando você chegar aos 40, vai
aparentar 85.
Cuidado com os conselhos que comprar, mas seja paciente com aqueles que oferecem.
Conselho é uma forma de nostalgia. Compartilhar conselhos é um jeito de pescar o passado do lixo,
de esfregá-lo, repintar as partes feias e reciclar tudo mais do que vale.
Mas no filtro solar, acredite!
(Original de Baz Luhrmann – versão de Pedro Bial)
Questão 01 [0,7]
A distinção entre os gêneros narrativos modernos é controvertida. Com freqüência, deparamos
com textos que não apresentam a sequência narrativa tradicional de "começo, meio e fim", ou
textos que usam, na prosa, recursos da poesia. Uma das tendências da literatura contemporânea é
misturar os gêneros e relativizá-los.
(CEREJA, Willian e MAGALHÃES, Thereza Colchar. Português: Linguagens. São Paulo: Atual,
2003)

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Explique em que momento(s) do texto I são usados recursos da poesia na prosa. Use elementos do
texto para comprovar sua resposta.

Questão 02 [0,7] O texto como um todo é construído a partir de uma função da linguagem. Informe
qual é e justifique sua resposta partindo, também, de elementos textuais.

Questão 03 Embora haja uma função da linguagem predominante no texto, são usadas outras ao
longo dos parágrafos. Tendo isso em mente, informe que função da linguagem é predominante no
trecho destacado e justifique sua resposta.
a) [0,7] Os benefícios a longo prazo do uso de filtro solar estão provados e comprovados pela
ciência.

b) [0,7] Compartilhar conselhos é um jeito de pescar o passado do lixo, de esfregá-lo, repintar as


partes feias e reciclar tudo por mais do que vale.

Questão 04 A ironia é uma figura de linguagem que consiste em dizer o algo diferente do que está
literalmente expresso, muitas vezes o contrário, deixando entender uma distância intencional entre
aquilo que dizemos e aquilo que realmente pensamos. 

a) [0,7] Marque qual desses trechos contém uma ironia


(A) “Mas no filtro solar, acredite!”
(B) “Não se preocupe com o futuro. Ou então se preocupe, se quiser, mas saiba que ‘pré-ocupação’
é tão eficaz quanto mascar chiclete para tentar resolver uma equação de álgebra.”
(C) “Respeite os mais velhos e não espere que ninguém segure a sua barra.”
(D) “Dedique-se a conhecer seus pais.”

b) [0,7] Explique a ironia contida na opção marcada.

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c) [0,7] Preocupação é uma ideia fixa ou inquietação resultante dessa ideia. Considerando a noção
de significante e significado, explique a diferença entre preocupação e pré-ocupação, explorando o
uso do hífen.

Texto II
Preguntar-vos quero por Deus, que nunca tevestes por bem
senhor fremosa, que vos fez de nunca mi fazerdes bem.
mesurada e de bom prez (1), 1 - bem prendada Des que vos vi, sempr' o maior
2 - apesar disso, entretanto
que pecados foron os meus 3 - arranjar, orientar os
bem que vos podia querer,
que nunca tevestes por bem acontecimentos vos quiji (4) a todo meu poder;
4 - vos quis
de nunca mi fazerdes bem. e pero quis nostro senhor
Pero (2) sempre vos soub'amar que nunca tevestes por bem
des aquel dia que vos vi, de nunca mi fazerdes bem.
mais que os meus olhos em mi,
e assi o quis Deus guisar (3)

Texto III
Queixa (N.Siqueira / E. Neves) Bateu forte sem esperança
Um amor assim delicado Contra a tua dureza
Você pega e despreza
Não devia ter despertado Princesa, surpresa, você me arrasou
Ajoelha e não reza Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Dessa coisa que mete medo Senhora, serpente, princesa
Pela sua grandeza
Não sou o único culpado Um amor assim delicado
Disso eu tenho a certeza Nenhum homem daria
Talvez tenha sido pecado
Princesa, surpresa, você me arrasou Apostar na alegria
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou Você pensa que eu tenho tudo
Senhora, serpente, princesa E vazio me deixa
Mas Deus não quer que eu fique mudo
Um amor assim violento E eu te grito esta queixa
Quando torna-se mágoa
É o avesso de um sentimento Princesa, surpresa, você me arrasou
Oceano sem água Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Ondas, desejos de vingança Senhora, serpente, princesa
Dessa desnatureza
Questão 05 [0,7] O texto II é medieval. Que tipo de texto é este? Justifique sua resposta com
elementos do texto.

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Questão 06 [0,7] O texto III guarda semelhanças com o I, mesmo sendo produzido tantos anos
depois. Informe que semelhanças são essas e justifique sua resposta com elementos do texto.

Questão 07 [0,7] A variabilidade linguística é determinada por diferentes fatores. Comparando os


textos I e II, que tipo de variação se observa? Cite exemplos.

Texto I
A arte de produzir fome
Adélia Prado me ensina pedagogia. Diz ela: "Não quero faca nem queijo; quero é fome". O
comer não começa com o queijo. O comer começa na fome de comer queijo. Se não tenho fome, é
inútil ter queijo. Mas, se tenho fome de queijo e não tenho queijo, eu dou um jeito de arranjar um
queijo...
Sugeri, faz muitos anos, que, para se entrar numa escola, alunos e professores deveriam
passar por uma cozinha. Os cozinheiros bem que podem dar lições aos professores. Foi na cozinha
que a Babette e a Tita realizaram suas feitiçarias... Se vocês, por acaso, ainda não as conhecem,
tratem de conhecê-las: a Babette, no filme "A Festa de Babette", e a Tita, em "Como Água para
Chocolate". Babette e Tita, feiticeiras, sabiam que os banquetes não começam com a comida que se
serve. Eles se iniciam com a fome. A verdadeira cozinheira é aquela que sabe a arte de produzir
fome...
Quando vivi nos Estados Unidos, minha família e eu visitávamos, vez por outra, uma
parenta distante, nascida na Alemanha. Seus hábitos germânicos eram rígidos e implacáveis.
Não admitia que uma criança se recusasse a comer a comida que era servida. Meus dois
filhos, meninos, movidos pelo medo, comiam em silêncio. Mas eu me lembro de uma vez em que,
voltando para casa, foi preciso parar o carro para que vomitassem. Sem fome, o corpo se recusa a
comer. Forçado, ele vomita.
Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe
em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da
fome. Não confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto, do latim affetare, quer dizer "ir atrás".
É o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o Eros platônico, a fome que faz a alma
voar em busca do fruto sonhado.
Eu era menino. Ao lado da pequena casa onde morava, havia uma casa com um pomar
enorme que eu devorava com os olhos, olhando sobre o muro. Pois aconteceu que uma árvore cujos
galhos chegavam a dois metros do muro se cobriu de frutinhas que eu não conhecia.
Eram pequenas, redondas, vermelhas, brilhantes. A simples visão daquelas frutinhas
vermelhas provocou o meu desejo. Eu queria comê-las.
E foi então que, provocada pelo meu desejo, minha máquina de pensar se pôs a funcionar.
Anote isso: o pensamento é a ponte que o corpo constrói a fim de chegar ao objeto do seu desejo.
Se eu não tivesse visto e desejado as ditas frutinhas, minha máquina de pensar teria
permanecido parada. Imagine se a vizinha, ao ver os meus olhos desejantes sobre o muro, com dó
de mim, tivesse me dado um punhado das ditas frutinhas, as pitangas. Nesse caso, também minha

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máquina de pensar não teria funcionado. Meu desejo teria se realizado por meio de um atalho, sem
que eu tivesse tido necessidade de pensar. Anote isso também: se o desejo for satisfeito, a máquina
de pensar não pensa. Assim, realizando-se o desejo, o pensamento não acontece. A maneira mais
fácil de abortar o pensamento é realizando o desejo. Esse é o pecado de muitos pais e professores
que ensinam as respostas antes que tivesse havido perguntas.
Provocada pelo meu desejo, minha máquina de pensar me fez uma primeira sugestão,
criminosa. "Pule o muro à noite e roube as pitangas." Furto, fruto, tão próximos... Sim, de fato era
uma solução racional. O furto me levaria ao fruto desejado. Mas havia um senão: o medo. E se eu
fosse pilhado no momento do meu furto? Assim, rejeitei o pensamento criminoso, pelo seu perigo.
Mas o desejo continuou e minha máquina de pensar tratou de encontrar outra solução:
"Construa uma maquineta de roubar pitangas". McLuhan nos ensinou que todos os meios técnicos
são extensões do corpo. Bicicletas são extensões das pernas, óculos são extensões dos olhos, facas
são extensões das unhas.
Uma maquineta de roubar pitangas teria de ser uma extensão do braço. Um braço comprido,
com cerca de dois metros. Peguei um pedaço de bambu. Mas um braço comprido de bambu, sem
uma mão, seria inútil: as pitangas cairiam.
Achei uma lata de massa de tomates vazia. Amarrei-a com um arame na ponta do bambu. E
lhe fiz um dente, que funcionasse como um dedo que segura a fruta. Feita a minha máquina,
apanhei todas as pitangas que quis e satisfiz meu desejo. Anote isso também: conhecimentos são
extensões do corpo para a realização do desejo.
Imagine agora se eu, mudando-me para um apartamento no Rio de Janeiro, tivesse a ideia de
ensinar ao menino meu vizinho a arte de fabricar maquinetas de roubar pitangas. Ele me olharia
com desinteresse e pensaria que eu estava louco. No prédio, não havia pitangas para serem
roubadas. A cabeça não pensa aquilo que o coração não pede. E anote isso também: conhecimentos
que não são nascidos do desejo são como uma maravilhosa cozinha na casa de um homem que sofre
de anorexia. Homem sem fome: o fogão nunca será aceso. O banquete nunca será servido.
Dizia Miguel de Unamuno: "Saber por saber: isso é inumano..." A tarefa do professor é a
mesma da cozinheira: antes de dar faca e queijo ao aluno, provocar a fome... Se ele tiver fome,
mesmo que não haja queijo, ele acabará por fazer uma maquineta de roubá-los. Toda tese
acadêmica deveria ser isto: uma maquineta.

Rubem Alves, educador, escritor, psicanalista e professor emérito da Unicamp


Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 2007 (http://pantarhei.v10.com.br/a009.htm)
Questão 08 [0,7] Pedagogia é “a ciência que trata da educação dos jovens, que estuda os problemas
relacionados com o seu desenvolvimento como um todo.” (Dicionário Houaiss da língua
portuguesa). Explique como o signo pedagogia relaciona-se semanticamente com o primeiro
parágrafo, que cita signos como queijo, faca e fome, normalmente incomuns ao campo semântico de
pedagogia.

Questão 09 [0,7] “Furto, fruto, tão próximos...” No texto, furto e fruto são colocados como
próximos porque estariam envolvidos na mesma situação: a obtenção das pitangas. Explique, a
partir da noção de significante, que efeito expressivo foi alcançado com a troca de fonemas nas duas
palavras.

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Questão 10 Informe as funções da linguagem predominantes nos trechos e justifique sua resposta.

a) [0,7] “Anote isso também: se o desejo for satisfeito, a máquina de pensar não pensa.”

b) [0,7] “Homem sem fome: o fogão nunca será aceso.”

c) [0,7] “Mas o desejo continuou e minha máquina de pensar tratou de encontrar outra solução.”

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GABARITO
Questão 01 Quando ele trabalha a linguagem, quando a mensagem perde um pouco de sua
importância para o modo como se constrói a linguagem, com expressividade.

Questão 02 Função apelativa, pois busca convencer o receptor, atingindo-o de forma a guiar sua
conduta. Usa imperativos e a segunda pessoa.

Questão 03
a) Função referencial, porque tem como objetivo a informação, a precisão e a clareza de
comunicação.
b) Função poética, porque tem a linguagem trabalhada, é repleto de metáforas, é importante não só
que se diz, mas como se diz.

Questão 04
a) (B) “Não se preocupe com o futuro. Ou então se preocupe, se quiser, mas saiba que ‘pré-
ocupação’ é tão eficaz quanto mascar chiclete para tentar resolver uma equação de álgebra.”
b) não adianta mascar chiclete para resolver uma equação, do mesmo modo que não adianta se
preocupar. OU Ser eficaz mascar chiclete para resolver uma equação é absurdo, tão absurdo quanto
se preocupar. Não adianta nada.
c) O significante mudou, muda o significado, o hífen destaca a idéia de pré como anterior e muda o
significado de preocupação.

Questão 05 Cantiga de amor, pois a voz masculina canta a amada, a quem chama de senhor
(“senhor fremosa”), indício da vassalagem amorosa, de um amor não correspondido, porque “quis
nostro senhor / que nunca tevestes por bem / de nunca mi fazerdes bem”.

Questão 06 O texto II também mostra o homem como servo da mulher (“Senhora, e agora, me diga
onde eu vou”), o sofrimento amoroso (“Mas Deus não quer que eu fique mudo / E eu te grito esta
queixa”) pelo amor não correspondido (“Um amor assim delicado / Você pega e despreza / Não
devia ter despertado / Ajoelha e não reza”)

Questão 07 A variação presente é a história, com palavras que se grafam de modo diferente hojem,
como Preguntar-vos (perguntar-vos), fremosa (formosa), foron (foram) e tevestes (tivestes)

Questão 08 Isso mostra que o frade não cumpre o preceito do celibato.

Questão 09
a) E eles fazem outro tanto!
b) Que a Igreja está repleta de homens que não cumprem os preceitos.

Questão 10 Segundo o padre, os salmos rezados deveriam salvá-lo (Como? Por ser namorado
e folgar com üa mulher / se há um frade de perder, / com tanto salmo rezado?!...)

Questão 11 A psicologia não é complexa e os nomes não são específicos, representam uma classe.

Questão 12 Porque ele mostra pelo erro dos personagens como a sociedade deve nos comportar e
que valores deve enaltecer e rejeitar. A obra ensina normas de conduta e que a justeza de caráter é o
que realmente importa, não os cargos ou títulos.

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