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- Vamo lá: tecnologia. Tem tecnologia quando tem uma teoria científica que
procura dar razões vai fazer determinada coisa. Uma teoria científica da técnica.
Quando produz uma teoria científica de uma técnica, então eu tenho tecnologia. No
mais, eu tenho técnica. Sabe fazer, sabe fazer. Mas não consegue dar explicação
científica do que faz – um pedreiro sabe levantar uma coisa, mas não pede leis da física
pra ele. Ele tá fazendo técnica, tem o aprendizado técnico.
- Outra coisa é um engenheiro civil que pra tal estrutura precisa de uma viga que
suporta tanto etc, ali temos outra coisa. Aqui temos tecnologia, porque estou aplicando o
conhecimento científico para o desenvolvimento de uma técnica. Isso é importante. Por
que o que o Descartes tá fazendo aqui é aplicar, muito inciialmente, sem ter uma óptica
completa que permita explicar uma quantidade enorme de fenômenos. Ele só consegue
explicar a reflexão e a refração. Esses dois fenômenos sob considerações geométricas.
Trata-se, portanto, de óptica geométrica. Não pode ser óptica física porque ele não
conhece ainda a natureza da luz. Ele se utiliza da óptica geométrica – praticada desde
Euclides até Kepler, Galileu, etc. A óptica física é entender a natureza da luz e tem
ressonâncias até a Cosmologia – corpos escuros, corpos brilhantes etc.
- O que ele faz? Pequeno tratado em que ele explora aqueles pequenos
conhecimentos os quais ele atingiu: em particular, a descoberta da lei dos senos, a lei da
refração. Ele aplica a lei dos senos à produção de lentes. Ora, neste momento todo
mundo tem o seu telescópio particular. Todo mundo tá com lentes, lupas e tals –
descoberta das lentes e do poder de aumentar das lentes. Todo um desenvolvimento bem
rápido dos telescópios. Em 30 anos parte do telescópio óptico onde ponho direto o olho
na lente até o de refração – em que ponho o olho no espelho e que é muito melhor do
ponto de vista da aberração etc.
- Ele aplica isso à ideia de produzir lentes para a correção da visão. Um tratado
de instrumentação científica. É isso que é. Um tratado tecnológico. Acima de tudo, de
instrumentação científica. Possui embutido nele uma teoria do telescópio, uma teoria do
microscópio – do poder de aumentar de ambos. Uma análise da dificuldade técnica do
microscópio. O corpo está iluminado quando eu o observo. O microscópio, a
dificuldade é essa: eu coloco a formiguinha embaixo, como iluminar ela? Estamos no
século XVI, XVII, não tem luz elétrica. Como ilumina?
- Essa exposição da lei dos senos não representa apenas um importante resultado
da óptica geométrica depois dos avanços de Kepler na Dióptrica dele. A dificuldade de
Kepler, vocês sabem, ele sempre escreveu em latim luterano. (longa digressão)
Essas duas dimensões que fazem parte dessa teoria científica de uma tecnologia
– essa técnica de um uso das lentes, será para produzir microscópios, seja para
fabricação de lentes.
- Então, a separação corpo e alma faz com que nós tenhamos na alma a
concentração desses elementos propriamente associados ao que se chama depois de
psicologia.
- Claro que na Dióptrica vocês vão ter que recorrer às paixões da alma para os
outros tipos de sensibilidade. Na Dióptrica só se trata da visão.
- Os Discursos III e V da Dióptrica desenvolvem uma fisiologia inteiramente
mecaninicista, é uma explicação do funcionamento do olho totalmente mecaninicista
que apresenta uma anatomia descritiva e funcional. Isto é, descreve as partes do olho, as
várias membranas, a retina etc, a pupilila e tal, ao mesmo tempo em que dá a função
daquela parte. Para que servem as membranas, para que serve a pupila etc. É uma
anatomia descritiva e funcional do olho – e analise o modo pelo qual a imagem é
formada sob a retina. A maneira pela qual a imagem formada sob a retina transmite
movimentos ao cérebro que são as únicas informações que ele recebe do exterior – ou
seja, a ideia de Descartes é que tem a transmissão das imagens; uma ideia que o olho
lança como que uma luz que apreende a forma, e as coisas transmitem formas
apreensíveis, como que imagens apreensíveis das coisas. Aqui a ideia é: a retina recebe
a imagem e transmite impulsos nervosos a partir das terminações do nervo óptico, e
como os filamentos do nervo são excitados transmitem essa informação para o cérebro.
Primeira vez que tem esse negócio de pôr o cérebro na brincadeira. Para Descartes, é
um processo intelectivo, tem a alma aí. A informação veio codificada. Nunca transmito
a imagem, transmito uma série de impulsos a partir dos quais a imagem pode ser
reproduzida, processada etc. Aqui a ideia, nos ensaios III e V é a descrição do olho e do
funcionamento do olho.
- Também vale a pena dizer que ele não faz um tratado completo sobre o olho
humano. Ele utiliza e faz a sua descrição econômica para o fim que ele precisa: a
questão de poder depois corrigir as imagens, porque algumas pessoas veem todas as
imagens borradas, e são problemas vinculadas ao foco.
- Essa vinculação com a fisiologia não é meramente técnica, ela já tem uma
perspectiva na Dióptrica, como se vê na 6ª parte do Discurso do Método, de dominar a
natureza: intervir na natureza para dominar, aliviar os males humanos. Essa exposição é
para justificar que é um tratado tecnológico: mobiliza os conhecimentos científicos em
vista de desenvolvimentos de certas técnicas – técnicas de produção de lentes. Técnicas
para produção de lunetas, microscópios, etc, e até a ideia de uma máquina que seria uma
máquina de polir.
1) Não receber jamais alguma coisa como verdadeira a menos que ela seja
conhecida evidentemente como tal. Ou seja, evitar cuidadosamente a precipitação e a
prevenção, e de não receber nada em meu julgamento e em meus juízos se não aquilo
que se apresenta tão claramente e tão distintamente ao meu espírito.
2) Dividir cada uma das dificuldades que examinarei em tantas parcelas quanto
possíveis e que serão requeridas para resolvê-las. Aquilo que pus em dúvida é porque
apresenta as dificuldades. Se apresenta dificuldades, enumeremos quais são as
dificuldades. Tendo-as, divido as dificuldades em tantas parcelas quanto possíveis.
- Notem que, é... tem uma ideia de demonstração que está nas quatro regras e
que se vincula a essa ideia de ordem. É como se fosse um argumento em que não
houvesse nada omitido; todas as premissas estivessem colocadas. Vocês lembram
quando apresentei a ideia de demonstração em Aristoteles, que nos sistemas de
referências temos um iceberg argumentativo. O argumento que é apresentado tem uma
série de premissas que são tacitamente assumidas. Em Descartes, ele quer que tudo
esteja explicitado. Por isso, fazer desmembramentos completos e fazer revisões. Todas
as premissas devem estar ali: da mais simples a mais composta.
- Muito bem. O nosso problema é o seguinte: ele usa as quatro regras? Ele usou
as quatro regras na Dióptrica, nos Meteoros, Geometria e tals?
- Vamos lá, vamos fazer como a gente faria hoje em dia. O cara publica uma
obra e tem novas repercussões, resenhas etc.
O próprio Descartes adverte que os Ensaios não são uma aplicação simples e
direta do método sugerido na segunda parte do Discurso.
- Deslocamento: eu vejo que o método não é dos piores, porque ele me leva a
bons resultados – mas ele não expôs como chegou aos resultados. Mostra a
superioridade do método pelos resultados. Os Ensaios visam fazer isso. Método de
exposição de resultados, não se apresenta como aqueles resultados foram alcançados.
- Contudo, isso não causa problema pois a exposição da lei dos senos serve
perfeitamente o proposito dele na Dioptrica. Não causa problema para o tratado, apenas
para a relação entre o método e a Dioptrica – o problema é saber o método através do
qual ele chegou na lei dos senos. O que ele deriva a partir da lei dos senos não é
comprometido.
- Em primeiro lugar, o estabelecimento de uma lei simples como a dos senos
permite reduzir as tabelas de refrações empíricas dos tratados precedentes; dificuldade
que paralisou Kepler.
- Esses 2 aspectos não são afetados pelo problema do método, de modo que além
de produzir um avanço no conhecimento teórico, visto que a lei dos senos é um avanço
na teoria óptica: agora eu tenho a lei da refração. Um fenômeno óptico, a refração, agora
tem uma lei.
- Esse resultado está relacionado à sexta parte: na sexta parte há essa propaganda
da nova ciência como produtora do domínio da natureza, que vai produzir, levar o
homem a ser senhor da natureza. A ideia também do desenvolvimento da medicina
como algo importante. Objetivo de viver mais e mais, se possível, pra sempre. Caráter
utilitário da ciência.
- Vejam: não faço como eles fazem, procuram explicar coisas espirituais com
coisas corporais. Ou uma qualidade de uma espécie por uma qualidade de outra
espécie. As minhas comparações são sempre para permitir a visualização daquilo que é
difícil de ser visualizado.
- Comentar: por que para a vergonha das nossas ciências foi um prático que
descobriu o telescópio?
- Sobre o regime geral das analogias: como ele expõe nos dois primeiros
discursos a questão da natureza da luz e da refração, e tá de acordo com as regras do
método da segunda parte?
Tem uma analogia positiva e uma analogia negativa. Isto é, existem partes que
são semelhantes. A negativa tá no terreno da dessemelhança. Se forem iguais em tudo,
se não tiver negativo e positivo, eu não tenho analogia, eu tenho um símile.