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GT 7 Mocororó - Outros pensamentos e possibilidades

RACISMO RECREATIVO EM MEMES E FIGURINHAS DE WHATSAPP:


ALGUMAS NOTAS

Elvis Dutra Laurindo1


Lucas Rodrigo Batista Leite (Orientador)2

Introdução

Historicamente, pessoas negras foram (e são!) colocadas em posição de inferioridade


em relação as pessoas brancas, e, nesse lugar, todas as suas características passaram a ser
tomadas com sentidos negativos, inferiores (cabelo ruim, nariz grande, etc.); sendo, muitas
vezes representadas, de forma muito pejorativa. Isso repercute negativamente no processo de
subjetivação de pessoas negras, que começam a repudiar suas características físicas, a
desacreditar de suas capacidades intelectuais.
Sempre quando pensamos em uma situação, ato ou expressão racista, imaginamos uma
cena quase espetacular, onde ocorre humilhação explícita ou agressão; ou situações que
assemelham pessoas negras a comparações animalescas; ou ainda, quando ocorre grandes
comoções, pelo fato racista ter ocorrido com uma pessoa pública (ALMEIDA, 2019).
Entretanto, justamente por ser um sistema muito bem engendrado, é que o racismo, em muitas
situações, “passa despercebido”; “camuflado”.
Esse trabalho nasce então, com a intenção de problematizar uma situação “camuflada”
de racismo. Objetiva refletir manifestações racistas, em memes/stickers (ou figurinhas) de
WhatsApp.

Referencial teórico

Para o intelectual Adilson Moreira (2019, p.31), podemos conceber o racismo recreativo
como “um tipo específico de opressão racial: a circulação de imagens derrogatórias que
expressam desprezo por minorias raciais na forma de humor, fator que compromete o status
cultural e o status material dos membros desses grupos”, nesse sentido o humor aparece como
forma de legitimar as diferenças sociais existentes através do riso do sujeito que se encontra
hierarquicamente no topo das relações de poder, sem ser questionado.
O humor racista, nessa direção, surge com a finalidade de reforçar imagens depreciativas
sobre as características de outros grupos raciais, reproduzindo e perpetuando relações de poder
através de piadas; fortalecendo a manutenção de sentimentos de superioridade por parte do

1
Estudante do 8º período de Psicologia, Faculdade de Quatro Marcos, São José dos Quatro Marcos – MT. E-
mail: elvisdutrapsi@gmail.com
2
Bacharel e mestrando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá – MT. Especialista
em Saúde da Família pela Faculdade Dom Alberto e Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde pela
Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: batistaleitelucas@gmail.com
grupo dito dominante e que produz o humor (MOREIRA, 2019), e o de inferioridade, por parte
do grupo alvo/fonte da daquilo sobre o que se ri.
A reprodução dos memes e stickers (figurinhas) nas redes sociais digitais são utilizadas
como forma de comunicação, para tornar as conversas divertidas e/ou expressar sentimentos ou
situações que são vivenciadas pelos sujeitos. Memes e stickers (figurinhas), principalmente
ligados/as às pessoas negras, configuram novas facetas de estruturas que se aprimoram para
continuarem reproduzindo lógicas racistas (ALMEIDA, 2019).
Podemos sugerir que o compartilhamento de memes e stickers de cunho racista,
configura-se como uma constelação triangular ou processo de triangulação do humor, onde o
sujeito que utiliza dessa ferramenta, sob a justificativa, do entretenimento, faz com que os
agentes coexistentes neste fato, ao darem risadas, reforcem e apoiem esse comportamento
(KILOMBA, 2019), onde, quase sempre, as pessoas negras são inferiorizadas de diversas
formas. Para Grada Kilomba (2019, p.137) Essa constelação triangular permite que o sujeito
branco cometa racismo, contra o sujeito negro, sem ser julgado publicamente porque ele sabe
que seu grupo – o chamado consenso branco – certamente o apoiará.
As narrativas mobilizadas pelos memes e stickers, de caráter racista, são mecanismos
atualizados em forma de humor, que contribuem para a conservação de imagens e estereótipos
difamatórios sobre pessoas negras e outros grupos raciais (MOREIRA, 2019).

Procedimentos metodológicos

No período de 20/07/2020 a 29/07/2020, foram recolhidos em grupos de WhatsApp, dos


quais fazemos parte, alguns stickers/figurinhas/memes, que circulam com regularidade e que
tem como centro humorístico, pessoas negras, com seus traços e em distintas posições e
expressões. Como a proposta aqui é iniciar uma reflexão, selecionamos apenas três sequências
de figuras/memes: Sequência 1 – “Trava na beleza”; Sequência 2 – “Selo Decotelli de
veracidade"; Sequência 3 – “Menina que chora pela peruca”. Na intenção de não expor ainda
mais as pessoas, sobre as quais a “piada” se faz, atribuiremos nomes fictícios a elas, mesmo
que os memes estejam amplamente difundidos na internet.

Resultados e discussões

Sequência 1 – “Trava na beleza”

Dandara, ou “Titia Rayon” como é conhecida nas redes sociais, é uma menina de 9
anos, que viralizou durante o período de quarentena, no Brasil. Duas falas são bem recorrentes
nos seus vídeos-memes e se transformaram em stikers: “trava na beleza” (figura 1) e “pose de
maloqueira” (figura 2). Dandara é uma menina negra, de cabelo crespo e que apresenta uma
fala com dificuldade articulatória. Supõe-se aqui, que essas características sejam o lócus do
humor. Ou seja, essas características, na relação com a ideia socialmente estabelecida de
“beleza”, geram a piada: ela, ao não corresponder a “imagem da beleza”, torna-se engraçada.
“Trava na beleza”. Já em “pose de maloqueira” apontamos para a memória(s) que essa pose
mobiliza: o corpo negro, como sinônimo de bandido/bandidagem/maloqueiro. No WhatsApp,
essas figuras evocam a ideia de deboche.
Figura 1 Figura 2

Sequência 2 – “"Selo Palmares de veracidade"

Palmares foi o terceiro Ministro da Educação do atual governo do país. Seu currículo
foi amplamente questionado, por conter várias inconsistências e inverdades. Produz então um
sticker “Selo Verdade” (figura 3), com sua foto, no intuito de responder a conversas de teor
duvidoso, com pouca veracidade. A piada/o humor aqui se faz justamente, no jogo entre a
verdade (o selo) e a mentira (o currículo). Esse fato do currículo foi suficiente para questionar
a intelectualidade de Palmares, construída ao longo de sua jornada acadêmica. Um homem
negro quando erra se torna alvo de ataques que desprivilegiam toda sua história. Fato similar
ocorreu com políticos brancos e não houve a mesma repercussão. O racismo recreativo, como
podemos ver, reforça o desprezo, ridiculariza e tenta eternizar, o “deslize” cometido.

Figura 3

Sequência 3 – “Menina que chora pela peruca”

A origem desse sticker (figura 4) está em um vídeo onde a menina em questão, chora
desesperadamente quando arrancam a peruca de sua cabeça. Quando retirada, nota-se que a
garotinha possui cabelo crespo e que está penteado em forma de pequenos coques; o choro
reflete o desespero de perder o cabelo considerado belo, o cabelo liso, desejado. O racismo
recreativo está no reforçamento do estereótipo negativo sobre o cabelo crespo. No WhatsApp
a figura circula com sentidos de superioridade, de autoconfiança, de estima elevada. Ou seja,
reforça a ideia de que cabelo liso é sinônimo de empoderamento, de autoestima elevada.
Figura 4

Considerações finais

O humor racista contribui para perpetuar estereótipos e como o racismo opera de


diversas formas, operando novas formas de opressões (como a naturalização de figurinhas,
memes, e stickers racistas de WhatsApp), é essencial construir novos questionamentos
propondo a visibilidade dessas realidades que insistem em colocar minorias raciais em lugares
subalternizados. Se faz necessário discutir sobre a não naturalização do compartilhamento
dessas imagens, no intuito de construir narrativas cada vez mais resistentes.

Palavras-chave: Racismo recreativo; Figuras; WhatsApp;

Referências

ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo. Pólen, 2019.


KILOMBA, G. 1968 – Memórias da plantação – Episódios de racismo cotidiano. Tradução
Jess Oliveira. – 1. Ed. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
MOREIRA, A. Racismo recreativo. São Paulo. Pólen, 2019.

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