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Outro mundo na África

E outro na Ásia, na América e na Europa. Conheça as incríveis histórias da diversidade


cultural na Copa

Marcelo Orozco

Copa de 1974. O Zaire, primeiro país da África negra a disputar o Mundial, enfrenta o Brasil. Aos
32 minutos do 2º tempo, uma falta perto da área zairense. O árbitro arruma a barreira do time de
camisa verde que estampa uma cabeça de leopardo enorme no peito. Quando ele apita, o zagueiro
Ilunga Mwepu sai correndo da barreira, se adianta a Rivellino, enche o pé e manda a bola longe
para espantar o perigo. Mwepu acreditava ser um herói. Pouco depois, a realidade: como cobrança
de falta não é questão de quem saca mais rápido, o zairense recebeu o cartão amarelo.

O lance tornou-se símbolo das diferenças culturais que se manifestaram nas copas, competição com
países de diferentes níveis de desenvolvimento. Diferenças, é verdade, cada vez menores com a
globalização e o intercâmbio futebolístico. Em 1974, porém, quando o primeiro mundo da bola se
resumia à Europa e à América do Sul, africanos e asiáticos eram coadjuvantes exóticos.

Um jogo antes da lambança contra o Brasil, Mwepu também demonstrou desconhecer que não
podia chutar... a perna do árbitro! Na derrota de 9 a 0 para a Iugoslávia, desferiu um pontapé contra
o juiz que, confuso, expulsou outro jogador, Ndaye. Desinformado, porém honesto, Mwepu
protestou: "Não foi ele, fui eu." Não adiantou.

O Zaire, nome que a atual República Democrática do Congo teve entre 1971 e 1997, durante a
ditadura de Mobutu Sese Seko, também contribuiu para o folclore com uma visita de feiticeiros
enviados para "fechar o corpo" da seleção e pela peculiar maneira de financiamento do esporte: um
imposto que pagaria a viagem da seleção à Alemanha – com coletores pilhando a população pobre
e, claro, não repassando nada para o time. Já na copa, os enviados da ditadura embolsaram a verba
da Fifa para os jogadores. O time descobriu a trapaça antes do tal jogo com a Iugoslávia e ameaçou
uma greve. Acabou indo a campo apenas para tomar a goleada e receber uma sutil ameaça de
Mobutu: se perdesse de mais de 4 a 0 para o Brasil, seu retorno e sua integridade física não estariam
garantidos. A equipe perdeu só por 3 a 0. E pôde voltar ao Zaire com vida.

Clínica de reabilitação

Nem suspensão nem tratamento. A ditadura de Jean-Claude "Baby Doc" Duvalier no Haiti tinha
idéias diferentes da Fifa para punir o doping. Assim que foi provado que Ernest Jean-Joseph jogou
sob efeito de efedrina em 1974 (o primeiro doping oficial de todas as copas), os capangas do ditador
seqüestraram o infrator na concentração e deram-lhe uma surra. Levado de avião para o Haiti, Jean-
Joseph ficou preso por dois anos, apenas por manchar o nome do país no exterior.

Política da má vizinhança

Esqueça Brasil x Argentina. A rivalidade mais beligerante do futebol é entre Holanda e Alemanha.
A rixa, motivada pela lembrança da invasão nazista à Holanda na Segunda Guerra e pela suposta
arrogância dos jogadores alemães, chegou ao auge nas quartas-de-final da copa de 1990. Um bate-
boca culminou com 3 cusparadas do quase sempre calmo Rijkaard no rosto do alemão Völler.
Pouco, perto dos conflitos abertos entre cidadãos na fronteira dos dois países, antes e depois da
partida.

Que rojão, que nada

Batucadas, cornetas, rojões. O técnico brasileiro Jorge Vieira poderia esperar qualquer tipo de
comemoração quando classificou o Iraque para a copa de 1986. Só não esperava uma festa à moda
de Saddam Hussein. O ditador levou Vieira para saudar o povo na sacada do palácio presidencial.
Lá, Saddam sacou seu rifle de estimação e deu tiros para o ar. Coincidência ou não, Jorge Vieira
deixou o cargo e não foi à copa.

Seleção pé no chão

Premiada com a desistência de todos os inscritos para as eliminatórias asiáticas da copa de 1950, a
Índia abriu mão da vaga por causa dos hábitos de seus jogadores: além de disputar partidas com
menos de 90 minutos, eles iam a campo descalços ou, no máximo, com bandagens nos pés. Como a
Fifa exigiu o uso de chuteiras (coisa que não precisaram fazer na Olimpíada de 1948), os indianos
desistiram do Mundial. Nos anos seguintes, se adaptariam às regras. Mas, calçados, nunca se
classificaram a copa.

Faixa exposta pela beberrona torcida da Escócia para ressaltar sua divergência filosófica com a
União Soviética durante a partida entre os dois países na copa de 1982. Em campo, o duelo entre
política e boêmia acabou em empate: 2 a 2.

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