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Ingenuidade
Inocência
Ignorância
poemas e voz
raquellima

música
Yaw Tembe

BOCA DE INCÊNDIO | N.º 1

2 3
Este livro é dedicado a várias pessoas
e um cão, a quem agradeço pelo apoio
durante o encerramento deste capítulo e,
em alguns casos, pelo amor durante vários
capítulos da minha vida:

Andreia, Cidinha, Daniela, Eufrosina,


Koira, Marta, Nayara, Nuno, Oriana,
Maria Palmira, Raja, Raquel,
Ruben, Yaw, Tobias & Jeva.

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Índice do livro
13 • A geopoética de raquellima, por Cidinha da Silva
17 • Poética do corpo presente, por raquellima

INGENUIDADE
21 • incipiente / insipiente
22 • ‘v’ da vida
24 • abro mais uma gaveta
26 • planeta áfrica
27 • liberdade mais cruel
29 • Tejo
31 • rotina
33 • democracia / democoração

INOCÊNCIA
37 • cafuné
38 • práticas e instruções anti-terroristas para a explosão
de uma bomba interior
41 • time passing
45 • em construção
46 • sucubu

6 7
48 • ‘v’ de veneza
49 • linhas rectas
50 • cara-metade

IGNORÂNCIA
53 • ignorância
55 • claimer-disclaimer
57 • retratos
59 • freeze
61 • ser poeta é ser mais baixo
64 • entrevista
67 • como?
68 • não tenho mais poemas

71 • Carícia e bússola, por marta lança


73 • Coordenadas biográficas
77 • Apresentações finais - colecção e editoras
79 • Ficha técnica

8 9
Índice do áudio
1 • sucubu
2 • democracia / democoração
3 • liberdade mais cruel
4 • Tejo
5 • ‘v’ da vida
6 • cafuné
7 • retratos
8 • práticas e instruções anti-terroristas para a explosão de
uma bomba interior
9 • claimer-disclaimer
10 • time passing
11 • não tenho mais poemas

Duração: 38 minutos

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A geopoética de raquellima
Delícia prefaciar este Ingenuidade Inocência Ignorância da querida
raquellima. Tão conciso, milimetricamente pensado, nada se desperdiça.
São palavras bem fincadas na terra, pistas de leitura que tramam o livro,
uma teia de Ananse.
Iniciei a leitura pela audição dos poemas, para sentir o corpo em perfor-
mance de raquellima e rememorar o impacto sentido no meu corpo e na
minha ancestralidade, quando a ouvi performar “Sucubu”, a 27 de Maio de
2017 em São Paulo.
raquellima é a que começa à beira do abismo, a que busca o equilíbrio,
mas ameaça se jogar. À Terra? Ao mar? Ao corpo em transe e em trânsito?
A que é levada pelo corpo, sua própria embarcação. A que é livre como
a puta amedrontada, a que sente tudo e não sente nada.
Na Lisboa contemporânea, a poeta volta e revolta, divaga à toa. No áudio,
o jazz, que antes múltiplo e espraiado convocava amplamente nossos
sentidos desde dentro, torna-se marcial para emoldurar o Tejo. Entra pelo
coração da poeta um rio calmo e selvagem, e eu, do Brasil, desconheço
o Tejo. Sou só Atlântico e Planeta Áfricas. O mesmo Atlântico e as mes-
mas Áfricas da lisboeta raquellima, de mãe angolana, pai santomense, avó
paterna senegalesa e uma trisavó materna brasileira.
Aqui, da selva paulistana, me pergunto se esse Tejo raquellimense não
brota mesmo das águas de Nanã que percebo à sua volta. Águas despe-
jadas na Kalunga Grande, no Tejo, no Cubango, no São Francisco e nos
rios das aldeias da Diáspora Negra. Águas que nos permitem saber quem

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somos porque conhecemos de onde viemos: Angola, São Tomé, Senegal,
Brasil e todas as Áfricas.
Os excertos pronunciados no sonoro e perfeito inglês da poeta evocam
em mim a Diáspora estadunidense do início do século XXI, na qual jovens
descendentes de imigrantes, contrariando seus pais, tios e avós, passa-
ram a se definir e a se reivindicar como estadunidenses, não mais como
haitianos, jamaicanos, indianos, nigerianos. Porque aquele país precisava
contemplá-los como cidadãos, respeitando sua ascendência de imigran-
tes. E, para melhor entendê-los, podemos nos socorrer com Dona Jasmim
do poema “Retratos”: “o que passou calou, o que virá dirá”. E mais nos
diz a poeta: cansa representar Portugal e viver dentro de suas margens.
Estar lá, presa por suas raízes, por mais que aconteçam as viagens.
A leitora e o leitor têm à mão um pequeno volume de versos finos, cor-
tantes e plenos de curvas, descaminhos, acidentes topográficos. Também
um conjunto de áudios, no qual a poeta canta e dança ao som de sopros
que tocam fundo. Ler mapas e teias é aprendizado para a vida inteira.
A poética georreferenciada de raquellima caminha para as águas de Nanã,
o princípio de tudo. Vamos juntas.

Cidinha da Silva

14 15
Poética do corpo presente
Este livro reúne vinte e quatro poemas seleccionados de uma década
de escrita irregular. Alguns têm-me acompanhado em diferentes espa-
ços de oratura - narração oral, poetry slam, spokenword, música, perfor-
mance, entre outras artes - e outros estiveram encafuados na gaveta
durante quase dez anos. Todos juntos fecham um capítulo a que chamei
Ingenuidade Inocência Ignorância, três palavras que se confundem, com
um conjunto de significados ambíguo e contraditório e que, a meu ver,
caminham sempre connosco, quer queiramos quer não.
São essas inevitáveis ambiguidades e contradições humanas que com-
põem este livro, assumido como um espaço de vulnerabilidade que
reflecte uma identidade em construção, e no qual as palavras tanto podem
ser lidas pelo seu desgaste e esvaziamento de sentido, como pelo reco-
nhecimento de serem a minha única via possível de luta e paz.
Acredito que os nossos corpos em movimento podem transportar his-
tórias, culturas e saberes, que as nossas vozes carregam memórias que
ganham dimensão pela performance, e que essa é também uma forma de
ser e estar no mundo não impressa em arquivos, não escrita nos livros,
e que deambula autónoma criando outras ontologias, e não apenas anto-
logias. E por isso este é também um audiolivro, na tentativa de mapear
emoções ou cartografar estados de espírito através de uma poética do
corpo presente.

raquellima

16 17
Ingenuidade
/u-i/
substantivo feminino

candura, simplicidade extrema,


ausência de artifícios;
condição de pessoa que nasceu
livre, que nunca foi escrava;
honradez, franqueza, honestidade;
falta de bom senso prático;
credulidade excessiva, parvoíce.

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insipiente / incipiente

a minha insegurança

está
entre

sentir-me insipiente
e sentir-me incipiente

reside nesse intervalo


inaudível entre duas letras
e vive desse silêncio que grita
sobre a minha ingenuidade
a minha inocência
e a minha ignorância.

20 21
‘v’ da vida porque
a possibilidade
tenho o ‘v’ da vida à espera de movimento
estou na véspera é
espero-te bem em si
que seja tudo perfeita
perfeito relaxo
corpo assumo a nova condição
c a s a de simplesmente ser e estar
corpo livre na espera
música livre na véspera
corpo livre na vida
conversa livrar o ‘v’ da vida
corpo
dentro e fora e ser só ida
corpo
perto e longe
que tudo seja
perfeito
até terminar a espera
tudo é utopia possível
expectativa cruel
talvez o amor seja isso
movimento efémero
onde nada é imperfeito

22 23
abro mais uma gaveta fotos e palavras por traduzir
línguas que desconheço
abro mais uma gaveta lutas por persistir
à procura de respostas ocultas  vitórias que não sonhei
sobre a minha existência incompleta fracassos e demência
e na árdua tarefa de juntar peças tenho presente a ausência

de um puzzle fragmentado no fundo da mesma gaveta


estilhaçado por água fria o outro lado do oceano
em diferentes cantos do mundo feridas em carnes vivas
e não tenho um sentido como guia força e medo à flor de peles fundidas

não vejo então abro mais uma gaveta


não toco e tenho sementes com cicatrizes
não oiço
não cheiro já não basta ter asas que voam 
nem saboreio a verdade que me falta é preciso ter asas com raízes.

então abro mais uma gaveta


à procura de um sentido
no formato circular da oratura
porque a tradição não é só feita de livros

24 25
planeta áfrica liberdade mais cruel

sou afrodescendente a minha liberdade sempre foi a mais cruel


a que deriva na alvorada
afrodisíaca adormece ao relento
à beira da estrada, a da casa ocupada
afrodiaspórica a do amor inquieto
rebenta tudo pelo caminho
afroconsciente a esbanjadora
a minha liberdade sempre foi a mais cruel
afrofuturista explode em papel A2 dobrado em 3
diminui-se, martiriza-se
afroresiliente oprime-se, fragiliza-se
liberdade da diva frustrada
afro não-condescendente que não conta nada
além do arrepio brando do seu tamanco
gostaria que áfrica não fosse um prefixo inconsequente de salto alto, ingénuo canta
uma regra de régua e esquadro
que fosse um planeta em vez de um continente. de ecrã e teclado
é a liberdade da puta amedrontada
que sente tudo mas não sente nada
numa paranóia da encruzilhada
de pensamentos bloqueados na
vontade de ser recta e não incerta
ter um caminho considerado

26 27
aplaudido pelos vizinhos Tejo
compatriotas desconhecidos em terra alheia
ser pessoa, ser poeta apanho mais um barco
liberdade cruel e ausente arco com as consequências do norte ao sul, do sul ao norte
a mais frustrada embarco e desembarco mais forte, dessa viagem
liberdade revoltada miragem de uma Lisboa
que apenas nua existiria onde volto e revolto a divagar à toa
exposta ao gatilho, à bala, à guilhotina na cidade iluminada, cruzo
liberdade na balada, na insónia, no castigo pessoas do nada
liberdade sem religião, nem cura nem terço, sem abrigo imensidão desfocada
liberdade de abraçar os demónios mais cruéis luzes, cruzes, morada
porque o segredo da liberdade é deixá-los passar por aqui. sem morada
sem abrigos nos cantos, na estrada
sim, Lisboa tem muitos encantos
cidade maravilhosa cheia de encantos mil
numa simplicidade infantil
baloiço ao som das guitarras

amarras as cordas e esticas a aragem


embarcas em mais uma viagem

“Tejo, meu doce Tejo, corres assim há milénios


sem te arrependeres?”

entra em mim um rio calmo e selvagem

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a porção d’água que me viu nascer, e me faz viver rotina
respirar sobre ti os lamentos das almas
almas vazias estou exatamente onde queria
almas vadias aprendo a inércia da rotina
almas boémias quotidiano
almas despertas diário
almas dispersas passo
almas poetas dia
almas a solo semana
o pé no solo ao sair do barco, desembarco e embarco mês
em mais uma viagem ano
miragem duma Lisboa de artistas medidas do suor linear da apatia
recheada de turistas
com vistas que vão da Graça à Madragoa “cuidado” um conselho maternal
silhuetas deambulam à toa que se extingue com o auto-cuidado
à procura do cheiro tão aplaudido prefixo em tudo o que faço
quiçá esquecido? preenchido, invadido auto-exílio
por desesperos dos mesmos roteiros auto-massagem
que preenchem miradouros inteiros auto-reflexão
eléctricos ciclicamente circulares auto-abraço
tautologicamente cíclicos tudo menos automático
circularmente métricos tudo menos mecânico
eléctricos tudo menos robótico e maquinal
apanho confiante enquanto almejo desenlaço-me do expediente
que sejam eléctricos em direcção ao Tejo. e do modo industrial

30 31
têm-me doído os maxilares democracia / democoração
uma pressão quando bocejo
chega ao limite da minha boca menos democracia
talvez os dentes do siso mais democoração
confirmem o tão esperado juízo menos democracia
mais dê-me o coração
algo cresce na minha cabeça
nasci armadilhada com um cérebro as crianças crescem melhor à sombra
tem sido a loucura manter-me sã num ombro caseiro
e pensar ao mesmo tempo ombro sem dinheiro
ombro cansado
o meu nariz sangra a ausência ao lado o tempo inteiro
a bomba explodiu no interior
espero que sim desassossego
para acabar com esta rotina. desassossegado

ao ouvido sussurrado um brief!


briefly walking
briefly talking
just.… being briefly
briefly walking
briefly talking
just... being briefly

32 33
palavras como garantidas
contidas no seio da faringe
constrição que preocupa
preocupação que constringe

unspoken:
adjective, implied or understood without being spoken or uttered
not addressed, usually followed by to
not talking
Inocência
silence.
substantivo feminino

pureza;
ignorância do mal;
isenção de culpa;
virgindade, castidade;
a infância;
inépcia, tolice.

34 35
cafuné

sinto muito
mas às vezes não sinto nada
talvez tenha a alma cheia e cansada de ser tão amada
e sinto o quanto
mas também não sinto assim tanto
debaixo do manto o frio entra e denuncia o vazio que sinto
desaperto o cinto, consinto, sei que não minto
simplesmente sinto pouco
esse amor dito tão louco
o espaço que existe no meio é tão pleno de oco
sinto muito
mas às vezes não sinto nada
tudo o que sinto entre as pernas é a tua pila cansada.

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práticas e instruções anti-terroristas para na manipulação televisiva e no povo sentado,
estagnado, privatizado no seu atrelado
a explosão de uma bomba interior
a falar sobre o Estado que não é mais do que
o seu próprio estado
vou tirar os sapatos altos na estrada e porque não é lá em cima que fazem a crise e nós freeze
sem descer dos saltos vou fixar os pés na mãe terra a lamber a ferida para que cicatrize
dizer adeus às armas e partir para a guerra pois o sangue continua a escorrer e com juros
aprofundar os passos bem firmes no solo pagamos a dívida para esquecer
para não me tornar supérflua ou superficial para atenuar a dúvida e retribuir a dádiva
e apelar ao bom senso comum universal e como tal daquilo que nos é imposto
hoje tenho ao meu lado na trincheira um sábio senhor eu intervenho com palavras, em linhas tortas endireito o peito
partilhamos da poeira, da poesia e da mesma dor enquanto procuro a inspiração
procuramos a explosão de uma bomba interior bocejo em frente a um esboço
mas com palavras, sem nos tornarmos armas ou instrumentos, no fundo do poço encontro rascunhos
kamikazes, terroristas contra o bando, contrabandistas, arregaço as mangas, cerro os punhos
extremistas, especialistas do poder e do fazer sofrer fabrico uma bomba poética, pratico terrorismo literário
procuramos simplesmente a explosão de uma bomba interior numa vontade sublime ou senil de não querer ser mais um
mas com palavras, por vezes tão bélicas e fatais número em mil
tanto podem ser cravos como granadas, intemporais ‘cause I have a dream! and yes I can! yes I feel!
vou pegar nessas armas e partir para a guerra se não sinto o sistema agravo o meu próprio problema
como uma abelha que ferra, uma mulher que berra como uma mulher cega, surda e muda, e que deixa de ser anarca
com os olhos cheios de raiva fixados na hipocrisia porque arca com as consequências do norte ao sul
internacionalizada do sul ao norte
na corrupção globalizada, nos sonhos roubados e cujos passos não a tornam mais forte
na imposição de que só temos dois lados porque já nem sabe o que fazer e sendo esta terra a sua

38 39
talvez já faça o suficiente, porque sua e transpira contra a corrente time passing
com a ilusão de ter a sua história em mente:
escrava e serva da era colonial time passing...
máquina do mundo industrial time passing and running and fighting against
hoje vassala da rapidez digital mistakes, tapes
mas leva na viagem, na bagagem, as palavras, a brotar em flor trote, galope
e a procura da explosão de uma bomba interior! passo
passeio
salto
alto
stop
caminho
desvio um atalho à direita
um dia de trabalho à espreita
crianças: amamentar
carros viaturas tonturas
conversas amarguras
esquinas ruas
vielas nuas
a tal esquina não aparece
e um semáforo vermelho enfurece
misturas, curas e
perduras
time passing...
time passing in front of the computer

40 41
following instructions na urgência de saber a meteorologia
illusions time is fucking passing!
ferrugens nos dedos na urgência de saber a meteorologia
e-mails enviados para encher a barriga de fantasia
reencaminhados oráculos, horóscopos e astrologia
apagados de um triste tufão estagnado
stand by atado ao atrelado das trevas e tentáculos
stand by me o tempo torce o trânsito no trâmite transitório
olhos no ecrã iluminado de uma tarde atordoada
uma silhueta perdida ao lado o tempo passou, calou, frustrou, de repente
teclados, linhas e frases time passing...
sentimentos audazes uma carícia esquecida
vontade de contrariar o tic tac tic tac tic tac uma bússola perdida
relógios de cucu um cronómetro atrasado
um cronómetro atrasado relógios de cucu
uma bússola perdida vontade de contrariar o tic tac tic tac tic tac
uma carícia esquecida sentimentos audazes
time passing... teclados, linhas e frases
o tempo passou, calou, frustrou, de repente uma silhueta perdida ao lado
o tempo torce o trânsito no trâmite transitório olhos no ecrã iluminado
de uma tarde atordoada stand by me
atada ao atrelado das trevas e tentáculos stand by
de um triste tufão estagnado apagados
oráculos, horóscopos e astrologia reencaminhados
enchem a barriga de fantasia e-mails enviados

42 43
ferrugens nos dedos em construção
illusions
time passing in front of the computer mais um passo em vão
following instructions caminho em contramão
time passing... mãos à obra em construção
perduras esculturas vindas do chão
curas e misturas do enfado da folha quadriculada
um semáforo vermelho enfurece quadrada como pedras da calçada
a tal esquina não aparece silhuetas perdidas ao meu lado
vielas nuas sombras da minha alçada
esquinas ruas mãos à obra em construção
conversas amarguras as palavras ferramentas
carros viaturas tonturas os tijolos canetas
crianças: amamentar muletas no papel terreno
um dia de trabalho à espreita onde enterro o traço em terra firme
desvio um atalho à direita em pleno
caminho mais um traço em vão
stop sem pontuação
alto atravesso a rua seminua
passeio despida pelos olhares
salto o corpo em carne crua
galope, trote a alma?
tapes, mistakes é a minha (e a tua) em construção.
time passing and running and fighting against
time passing...

44 45
sucubu
quanto mais me alterno e subalterno
su cu bu percebo que ignorar é o melhor da vida
sucumbu já nada há a saber.
suculento
sucuri se toda e qualquer palavra perde o sentido a dado momento
sucumbir já nada há a escrever.
sucumbrigar
sucumbrigo e se nada do que digo ou faço tem a ver com o que eu escrevo
sôco umbigo então ligo e não lido
sucumbu fico e não fixo
sucubu sigo e deslizo
suculento minto, mas sinto
sucuri sinto
sin to
as tuas palavras cansam sin to
como a vida... sin to
se a força da tua razão é centrípeta sim
já nada há a perder.
tu.
se toda a tua ideia é a certeza de ti próprio
já nada há a aprender.

se para ti está tudo errado, embora possa também estar certo


já nada há a fazer.

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‘v’ de veneza linhas rectas

veneza foi o amor hilariante entre poetas submersa em linhas rectas,


a dança nocturna em desassossego equilibrada naquela fasquia de ser
o reencontro das almas instáveis onde a atenção é acto isolado
várias línguas beijadas ao mesmo tempo e os membros são extensões aleatórias do corpo.
o inferno dos gemidos vulneráveis a saudade,
coreografias balanceantes no cais
com um sorriso espalhado pela cara
gargalhadas constantes na garganta
a viver numa pequena idade com afecto
foi amar o sofrimento alheio
e curá-lo com um sorriso partilhado
(sorrir com a certeza do que já não tem cura) essa fica.
veneza foi perdição entre becos aguados
insistir na transgressão do não-mapa
fazer aliados políticos e um novo exército
lágrimas à chegada e à partida
foi a certeza de amar pessoas num lugar
e a impotência ao retirar-me delas
veneza foi relativizar obsessões descalibradas
ajustar emoções recalcadas, deambular perto da loucura
veneza o amor mais hilariante e mais antigo entre poetas

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cara-metade

disse ‘não’ à minha cara-metade


questão de vida ou morte
bomba-relógio
ela ou eu

não existia convivência possível


pelo menos online
Ignorância
metade da boca disse ‘não’ substantivo feminino
a outra sempre distante
incompleta, pretensão falta de ciência ou de saber;
ausência de experiência;

o ‘não’ veio dali de onde saem os poemas incompetência;

e ficou grosseria, incivilidade.

pelo
caminh

50 51
ignorância

romantizamos o sol
tememos a tempestade
naturalizamos a respiração
inventamos o equilíbrio
exageramos a estabilidade

mas

orbitamos aleatoriamente
colidimos com urgência
transbordamos líquidos
vivemos no ápice da existência

somos poeira astral

cosmos feito de caos


e
a terra sangra
absoluta:
fornalha no útero
ventre quente

viva

52 53
foi sempre ponto de partida e chegada
claimer-disclaimer e, por ser separação, se fez do encontro estrada

as cidades, o ocidente chegámos ao ponto de gritar


a burguesia e seus privilégios não me colem, não me agrupem
os europeus e seus pensadores a união já não faz a força
filósofos e doutores a união não se faz à força
fizeram-nos chegar ao ponto não me identifico com aglomerados
de questionar tudo que não se saibam reflectir, defender
subverter tudo ou cantar em uníssono a mesma ladainha
separar tudo não consigo consentir vozes dispersas da minha
não quero partidos, nem religiões
disseram-nos que grupos para trocas de opiniões
ter pensamento próprio cansei de construir-me com outros
é ser indivíduo, indevido: já não reconheço o meio-termo
aquele que demarca esferas entre abrir-me ou fechar-me em concha
sublinha fronteiras qual ostra preciosa que apodrece antes de chegar à boca
que se sente ferido que morre depressa, e morre sozinha
e receia as feras mesmo se escondido
que fala por trás e ao ouvido já não distingo grupo de colectivo
[claimer - disclaimer] encontro de objectivo
partilha de premissa
que questiona o próximo para que fique claro espontaneidade de missão
que o colectivo se faz separado. vontade de tarefa
mesmo se a separação abraço de contratualização

54 55
ponte de interesse retratos
alargamento de apropriação
união de assimilação são seis da manhã e Isa sobe a Calçada do Combro
consigo traz três crianças:
as cidades, o ocidente uma a pé, outra ao colo, outra ao ombro
a burguesia e seus privilégios filhos de desconhecidos e de amizades coloridas
os europeus e seus pensadores filhos de sexo, drogas e rock’n’roll em noites desprotegidas
filósofos e doutores agora deixou-se de amigos a cores
disseram-me que o aglomerado sou eu Isa opta por amigos a black and white
amigos que lhe dêem mais fight
e que vou morrer que não sejam meras figuras da night
sozinha. everybody needs love, right?

Pedro, Nuno e Manel chegam ao cais de cacilheiro


não têm dinheiro, mas querem beber o mundo inteiro
no Cais do Sodré isso é possível:
o mundo inteiro à beira-rio e seu ar
viajam da Jamaica a Tokyo, da Irlanda à Europa, sem sair do lugar
sobem cambaleantes, cantantes a Rua do Alecrim
ninguém conhece bem o caminho, o princípio ou o fim.

a criança entra às oito da manhã no barco para pedir esmola


estômago vazio, equilíbrio por um fio, sapato sem sola
nos olhares há um misto de ternura e censura
quem é que, em pleno juízo, permite tamanha loucura?

56 57
a criança atravessa timidamente o corredor freeze
nos seus passos vergonha, tristeza e dor
o seu truque? é não querer acabar como a sua irmã Rute. freeze!
são tempos de crise
Rute vive debaixo da ponte, salvo seja, no Calvário ao mínimo deslize e já não há quem não te avise
16 anos, sem amigos, sem família, nem tem um diário não é ferida que cicatrize, ou assunto que se imortalize
em compensação conhece Alcântara como a palma da mão constante crise maldita que nos abençoa diariamente
e o ruído da ponte, qual mantra, apazigua o coração mas mais demente é o Estado que leva de atrelado
conhece cada canto, cada esquina, cada pedra e cada fachada um povo estagnado
lá tropeça e recomeça na procura da sua espada, ressacada. na austeridade que rouba a esperança

a avó senta-se no jardim, Dona Jasmim são tempos de corsários


tem quase cem anos, a sua presença é uma bênção que nos congelam os salários
a sua essência uma lição e a sua paciência uma imensidão orçamentos que enchem jornais diários
a sua tez é franca, a carapinha é branca, e as mesmas notícias é que dão azia
Dona Jasmim põe a mão na anca e diz ser portuguesa porque se a esmola é pouca, o pobre... o pobre nunca desconfia
com certeza! agarrado à corda bamba, seja fado, tango ou samba,
“o que passou calou, o que virá dirá” dizia o povo dança
esquecia o passado e a idade não consentia na austeridade que rouba a esperança
só sentia… saudade, sodad
são tempos de crise e a hipocrisia perdura
e lá vem o fundo monetário internacional
a cura? numa moção de censura
mas sobra-nos sempre a factura
uma carta das finanças ou da segurança social

58 59
freeze! ser poeta é ser mais baixo

na ausência de trabalho é acordar ensanguentado


há submissão ter no peito uma ferida que não cicatriza
preguiça uma ferida aberta a prenunciar uma crise poético-existencial
inércia estar cansado de representar Portugal
e um bom baralho e viver dentro das suas margens
traços profundos de uma sociedade descontente estar aqui preso pelas raízes por mais que sejam as viagens
como pedras da calçada à espera de tudo ou de nada ter sede de infinito mas falta de coragem
ter um berro preso no papel e as garras cortadas, pintadas
no dito pelo não dito, o mito vai da Alemanha ao Egipto não ter asas para voar como as princesas aladas
e nós freeze! num iceberg à beira do colapso mas sim pesos nas pernas e arrastar-se em caminhadas
maço, mas lanço a voz ao improviso mergulhar em ocorrências recorrentes
friso o meu manifesto e atesto a minha própria ignorância ser pequeno e medíocre na sua insignificância
na austeridade que rouba a esperança é perder a esperança a não ser em palavras
e faz da liberdade uma lembrança. a não ser em folhas lavradas com estrume
ceifadas ao lume de mais um cigarro
é dissolver-se em catarro
cuspir letras no seu desejo de ser alto
e não ter força para dar esse salto
estar em frente à televisão à procura de temas
viver dilemas sobre o passo de rima
é ser contemporâneo, falar sobre a Síria sem saber um catano
ser apolítico sem deixar de ser humano
é fazer colagens, clonagens, citações, reproduções

60 61
ser kamikaze poético, não querer ser eclético ganhar direitos de autor e escrever sem amor
e não te amar assim tão loucamente não sentir na garganta o suor do trabalho
não suportar o silêncio nem os aplausos, nem as condolências ser impostor sem ser anónimo
nem os elogios feitos de eloquência, é estar cansado mas assinar com pseudónimo em sessões de autógrafos
alimentar o ego a copos de vinho em vernissages
e é odiar-te assim, perdidamente lamber o ego de quem critica
e é escrever mais um poema inconsequente não escrever para quem vai mas pra quem fica
e vir lê-lo ao palco a toda a gente sonhar mas sem saber
e escrever para esquecer
ser poeta é ser mais baixo
mas querer ser famoso e aparecer e é odiar-se assim, perdidamente
à espera de ser entrevistado e é escrever mais um poema inconsequente
polemizar por falar mal do poeta ao lado e vir lê-lo ao palco para toda a gente.
não ter medo de ser crucificado, ou cometer suicídio um dia
na esperança de dar uma boa biografia
é ser best-seller por escrever poemas numa semana
a falar sobre a Muralha da China
garantir assim milhões de vendas em bombas de gasolina
ter livros nos CTT, na CP e no metropolitano
garantir-se lusitano como Camões e ambicionar ser Pessoa
é escrever versos à toa e tentar ter piada
subir ao palco de papel na mão e língua afiada
é dizer palavrões, dar empurrões e andar contra a corrente
sem sair da zona de conforto
querer ser aplaudido depois de morto

62 63
entrevista trabalho em casa, faço pesquisas sobre microbiologia aplicada
às flores
fui a uma entrevista que pedia “pessoa proactiva”
e eu fui porque sou eu, eu sou proactiva sou muito funcional, da era digital, multicultural, cibernética,
fiz pós-graduação, após licenciatura e bacharelato sou super atlética
termino mestrado, sigo para doutoramento sou polivalente, omnipresente, aliás, eu já estou no seu
e talvez um dia atinja o estrelato subconsciente
trabalhe a contrato, curto ou longo prazo
também faço limpezas, pinto paredes e passo recibos verdes neste momento estou a terminar a tese
ou cheques em branco a começar um projecto e a delinear uma estratégia
a organizar uma base de dados, a implementar planos de acção
posso ser voluntária, ou estagiária e a escrever uma análise crítica comparativa entre a mulher
visto qualquer cor, sou apartidária pró-passiva e a pró-activa
se acredito em Deus? acho que sou ateia
mas tenho fé de fazer aqui consigo um pé-de-meia faço gestão de conteúdos, de recursos humanos e financeira
mas leia, o meu currículo e carta de motivação para mim dormir com excéis e sonhar com orçamentos
fiz mais duas versões de cada, se não gostar das que tem na mão é brincadeira
faço balanços, balancetes, sei calcular o IRS, o IRC ou o IVA
sou muito engraçada, quer que lhe conte uma anedota? consigo atender o telefone enquanto escrevo um e-mail
mas tem de me dizer em que língua, também sou poliglota enfim eu sou proactiva

faço projectos em bom timing tenho em conta a deadline faço candidaturas, procuro financiamentos,
e se houver aqui wireless faço já um download e imprimo a cores organizo a análise interna da sua empresa avaliando os momentos
it’s just fine mas quanto a essas actividades extra posso ganhar à comissão
nos tempos livres sou freelance, mas para si estarei free as a bird afinal uma mão… lava a outra mão

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tenho actividade aberta e estou isenta de retenção na fonte como?
sou recenseada e estou colectada
mas se quiser não me paga nada denegrir o negro?
o que interessa é a experiência e criar contactos afugentar o refugiado?
também não sou muito de questionar os factos discriminar o criminoso?
escravizar o escravizado?
sou pontual, assídua e dedicada ao trabalho assimilar o excluído?
sei avaliar quando estou no bom caminho mercantilizar a mercadoria?
e sei reconhecer aquilo em que falho capitalizar o capital?
gentrificar o turismo?
valorizo a honestidade, competência e transparência generalizar o género?
aliás, posso prová-lo se puder ficar já um mês à experiência transgenizar a semente?
alienar o alien?
sou perfeita para o lugar e tenho disponibilidade imediata desoxigenar a atmosfera?
enquanto falava consigo já fiz uma acta carbonizar o ozono?
... aterrorizar o terrorista?
... desumanizar a humanidade?
não? muito bem, eu também não me adaptava ao perfil extinguir a espécie?
é que eu não sou proactiva, eu sou hiperactiva
e já tenho mil projectos na agenda até Abril.
matar o morto?

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não tenho mais poemas mas pri-va-ti-zar é todo um estilo cheio de metáforas
que acaba sempre a rimar
este é o momento em que peço desculpas uns até rimam em uníssono num breve suspiro sobre a guerra
mas já não tenho mais poemas sobre o aquecimento do planeta terra
não sei ao certo quando é que acabaram sobre refugiados a aterrorizar
mas foi algures entre o escrever e o não escrever um poema outros versam sobre educação, ciência, arte e competência
entre sentir que já tinha escrito demasiado e são todos políticos disso tudo, mas sem politizar
e o saber que tinha tudo por escrever porque é o Estado que escreve um poema
e fico com pena, porque pensei que tinha mais poemas e põe-lhe água benta para o povo rezar
e que eles cresciam com os dilemas, fugazes tira-teimas, outros acreditam no fim do mundo, no abismo do capitalismo:
as fragilidades, as futilidades, as não-verdades, com o orvalho, tudo se compra e vende. tudo se vende e compra.
com o caralho, com as paisagens e a respiração tudo se compra e vende. tudo se vende e compra.
pensei que tivesse mais poemas tudo se compra e vende. tudo se vende e compra.
mais anos de vida, mais desgraças posso até comprar um poema se alguém tiver à venda
ou boas lembranças para contar ou posso vender um poema se alguém quiser comprar
pensei que tinha uma opinião, uma ilusão, mas na verdade os poemas dos outros
um sonho, qualquer sensação quando os compro ou vendo, quando os vendo ou compro
mas já não há muito a acrescentar já não me inspiram a escrevinhar
é triste, não tenho mais poemas há rótulos para tudo, há marcas para tudo
e fico aqui, com os poemas dos outros, carpideiros da inspiração toda a gente encafua o seu poema-discurso
uns são loucos e incompreendidos, vendidos na mesa de um bar
mas sempre mendigos e altivos todos expressam na sua liberdade
vividos, reconhecidos nem que seja só nos seus próprios poemas a falta de liberdade de expressão
publicados ou por publicar e até podia escrever sobre isso
quando na verdade já tudo é público, não há privacidade mas não tenho mais poemas.

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Carícia e bússola
É num movimento duplo que lemos os poemas de raquellima. Na inquieta-
ção e procura de si: raízes terrenas e projéctil para lá do planeta, exterior
do lugar morto onde às vezes se perde demasiado tempo. O exercício de
brincar com as palavras para se encontrar nelas, no modo intimista que,
ao mesmo tempo, insufla o peito. E o grito faz ricochete às pedradas que
a vida lança. “O poema não é escrito com armas mas com o corpo”, diz
o Alberto Pimenta. E se armas houver que seja o som de uma bomba inte-
rior, a mais poética e difícil de fazer explodir. Desamarrar a corda para içar
velas, dar uso à bússola que se carrega no bolso sem fundo do eu. Exter-
minar os anátemas paralisantes, e seguir caminho. Crescer dói e o pro-
cesso mental e físico que nos muda a cada hora não tem termo. A raquel
é alta e assertiva, controlada e proactiva, cresceu com os outros e o mundo
mas o diálogo vai fundo. Mostra a vulnerabilidade das dores de cresci-
mento para encontrar o auto-cuidado, conselho aprendido lado a lado.
Os seus poemas aproximam-nos, não formalizam ideias longe da
vida, acompanham alguém que desagua numa cidade e a reconhece.
E ainda assim deseja perder-se nela, inventá-la e retirar-lhe a inér-
cia. A autora aprende a distinguir as lutas que lhe merecem entrega,
que incitam à voz das subjetividades, à dissidência das hierarquias
e vaidades. Exibe o bafo dos discursos e a redoma dos impulsos.
A métrica da raquellima é reincidência fundada na vivência, observa-
ção generosa e exigente que transpira na contra-corrente. Sem rótulos
ou poemas encafuados — na mesa do bar ou na garganta — e certamente

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com mais poemas para nos dar a ler e escutar. Este corpo que fala traz Coordenadas biográficas
as aprendizagens das viagens, ironiza a precariedade, não esquece
a ombridade nem a sonoridade, a dura história do negro, empodera-a raquellima (1983-) é lisboeta das duas margens do Tejo e do Atlântico,
(palavra infeliz se tem poder lá dentro), sem se fazer panfleto. Transforma de mãe angolana, pai santomense, avó paterna senegalesa e, até onde
a ingenuidade em capacidade, é criança que exige futuro. Cola prefixos consegue chegar, trisavó materna dos povos originários “indígenas” do
a uma postura sem abdicar da sua costura. A decisão é construída sem Brasil. Poeta, performer e arte-educadora, raquellima fixa nesta edição em
perder a lucidez da dúvida. Partilha epifanias, lamentos que já vêm das livro & áudio parte de um percurso de dez anos de poesia essencialmente
tias, demarcando o grau de saturação e estancando a prisão. A voz, feita oral, movimento que a levou a mais de uma dezena de países na Europa,
doçura e transparência, não apela à condescendência. Apresenta-nos um América do Sul e África.
encontro marcado, um date nada adiado. O fogo contagia o corpo que
Durante esse período, além de apresentar o seu trabalho em eventos de
quer falar, a bomba não vai tardar. Maturidade que fareja aliança e não
literatura, narração oral, poetry slam, spokenword, performance e música,
larga quem lhe devolve confiança. A palavra percorreu as genealogias
profissionalizou-se como produtora cultural após a Licenciatura em Estu-
da tabanca e soltou a narrativa, ainda viva, de mão na anca. Na esquina
dos Artísticos e Performativos pela Faculdade de Letras da Universidade
do cais do sodré, cerveja e ansiedade no pé. Banana-pão, emoção,
de Lisboa, e organizou festivais, mostras, residências e workshops em
ponderada e almejada. A palavra virou a noite, perdeu o medo, embateu
torno do poetry slam, performance, literatura, teatro, cinema, música,
em olhos desconhecidos e saiu dos achados e perdidos. E a bomba vem
vídeo-arte, e outras linguagens artísticas.
com direção: transformar a visão. Recusa ciclos tautológicos com ideias
que não veda, estatela-se no chão e ampara a própria queda. Projeta-se Co-fundou a pantalassa - associação cultural, uma estrutura de artistas
para um fora deste aqui e agora. Pressente a potência do lugar por inventar. e programadores dedicada ao universo cultural do espaço africano e afro-
Uma África-planeta sem romantismos, para os vivos, os que não foram cal- diaspórico de língua oficial portuguesa, assim como a plataforma Portu-
culados e despejados na rede que enfraquece, não se renderam ao tic-tac galSLAM, dedicada à poesia e performance, da qual fez parte até 2017.
que envelhece. Os poemas de raquellima vêm arejar as sombras e plantar Do extenso historial de workshops que tem dinamizado em torno da poe-
carícias em bombas, interiores, cujas metáforas não alcançam os suores. sia oral para crianças, jovens, adultos e séniores, destaca o de ‘Poesia
Ser poeta é “não te amar assim tão loucamente”. E nada estará ainda dito. e Género: para uma escrita poética interseccional’ que realizou em Tartu,
São Paulo, Vigo, Curia e Coimbra.
marta lança

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A transdisciplinaridade com que aborda arte, memória e sociedade,
atenta às desigualdades sociais e aliada a uma vontade de encontrar e
compreender as suas raízes, levou-a a regressar à academia, onde desen-
volve a sua investigação focada em oratura e escravatura em São Tomé e
Príncipe, no programa doutoral em Pós-Colonialismos e Cidadania Global
do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

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BOCA DE INCÊNDIO
colecção dedicada à poesia falada
Num tempo de tribunas ocas, demagogas, bacocas, pedimos inspiração
à grande poesia falada, filha do spokenword, do poetry slam e de outras
performances colectivas, neta de beatnicks, dubpoets e rappers, bisneta
de griots e trovadores, lírica, política, épica, urbana, sobre-urbana, corpó-
rea, viva. Ingenuidade Inocência Ignorância, de raquellima, é o primeiro
rastilho desta BOCA DE INCÊNDIO.

BOCA
Editora de audiolivros e outras criações sonoras, na qual o áudio se alia
ao livro, procurando pôr em diálogo as várias linguagens e registos da
criação literária e das artes, do pensamento e da cultura. Faz também
produção, programação cultural e, através do colectivo Terra do Som, for-
mação na área da criação radiofónica, nomeadamente do documentário
sonoro.

ANIMAL SENTIMENTAL
Editora de publicações independentes, livros e objectos de autor. O Animal
é um colecionador, e gosta de reinventar e sobrepor técnicas de impres-
são que caíram no esquecimento, por motivos com os quais o Animal
não concorda! Posiciona-se como anti-neoliberal e crítico em relação aos
meios de produção modernos, que sujeitam o autor/artista a processos
pouco dignos. Os objectos finais empenham-se em atingir resultados
satisfatórios e relevantes, tanto a nível conceptual como estético.

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Ficha técnica
TÍTULO
Ingenuidade Inocência Ignorância
POEMAS E VOZ
raquellima
MÚSICA (trompete electrónica e balafon)
Yaw Tembe
GRAVAÇÃO, EDIÇÃO ÁUDIO, MISTURA E MASTERIZAÇÃO
Nuno Morão e Oriana Alves
CAPA, PAGINAÇÃO E PROJECTO GRÁFICO
Animal Sentimental
REVISÃO
marta lança e Oriana Alves
FOTOGRAFIA
Foto deMídia NINJA, Ilustração de Ruben Silva (contra-capa, Cais do Ginjal, 21/08/2019)
Nuno Morão (FISGAstudio/ScratchBuilt, 17/08/2019)
IMPRESSÃO
EIGAL - Indústria Gráfica, S.A. (offset) | Animal Sentimental (serigrafia)
1.ª EDIÇÃO
1000 exemplares impressos em Outubro de 2019
COPYRIGHT
Animal Sentimental, BOCA - Palavras que alimentam e raquellima
CO-EDIÇÃO
Animal Sentimental e BOCA - Palavras que alimentam
APOIOS
BUALA, Falas Afrikanas e Tobias Rihs & Jeva Bartuseviciute
ISBN
978-989-8421-44-9

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