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“ESCOLARIZAÇÃO GUARANI MBYA NO RIO DE JANEIRO: ARTICULANDO

ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLA


INDÍGENA”

Domingos Barros Nobre


IEAR – Instituto de Educação de Angra dos Reis
UFF – Universidade Federal Fluminense

Resumo:

O projeto baseia-se no acompanhamento pedagógico, através de pesquisa-ação participante, à


construção de um currículo específico e diferenciado para o 6o/9o Ano Guarani - 2o segmento
do ensino fundamental indígena, oferecido pela Secretaria de Estado da Educação do Rio de
Janeiro - SEEDUC-RJ no Colégio Indígena Estadual Guarani Karai Kuery Renda –
C.I.E.G.K.K.R. (Angra dos Reis e Paraty) em parceria com o IEAR/UFF, que assessora a
construção de uma proposta curricular para este segmento de ensino e faz a formação dos
professores que nele atuam. Tal acompanhamento vem se dando através de: a) filmagem das
aulas e posterior análise didática e estudo teórico curricular no grupo de pesquisa; b) Curso
Extensão de Formação Continuada (128 hs), com o objetivo de construir as bases de uma
proposta c de 2o segmento do ensino fundamental Indígena intercultural e diferenciada e c)
produção de material didático diferenciado em língua guarani para as escolas indígenas. A
equipe integra o grupo de pesquisa (CNPQ): “Educação e Diversidade Cultural” e é composta
por professores da redes estadual e municipal, que atuam com educação escolar indígena. É
uma experiência de articulação orgânica entre Universidade e Escola Indígena, com incidência
na formulação de políticas públicas de formação de professores e construção curricular que
integra Ensino, Pesquisa e Extensão.
“ESCOLARIZAÇÃO GUARANI MBYA NO RIO DE JANEIRO: ARTICULANDO
ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLA
INDÍGENA1”

INTRODUÇÃO:

Este trabalho é fruto de um projeto de pesquisa: “Escolarização Guarani Mbya no Rio


de Janeiro”2, que vem sendo desenvolvido pelo Instituto de Educação de Angra dos Reis -
IEAR, da Universidade Federal Fluminense – UFF, na Escola Indígena Estadual Guarani
Karai Kuery Renda - E.I.E.G.K.K.R., localizada em Angra dos Reis (Aldeia Sapukai) e em
Paraty (Aldeia Paraty Mirim).
A pesquisa foca-se no processo de construção de um currículo diferenciado e na
formação continuada de professores não indígenas para atuar no segundo segmento do Ensino
Fundamental (6o ao 9o Anos) da educação escolar indígena, fazendo associação com um
Projeto de Iniciação à Docência3 e com um Projeto de Extensão4.
O texto está dividido em quatro partes com objetivos distintos. A primeira: “Quadro
geral do processo de escolarização guarani no RJ – denúncias da crise em tempos de
Territórios Etnoeducacionais” busca apresentar em linhas gerais o contexto educacional em
que a experiência está imersa, levantando elementos que caracterizam uma autêntica crise
político-pedagógica da escola indígena no estado do Rio de Janeiro, dada a ausência e/ou
inoperância do aparelho do estado, que inclui Estado e Municípios (Angra dos Reis, Paraty e
Maricá), na formulação de políticas públicas em educação escolar indígena, assim como uma
desarticulação de estratégias das 6 grandes universidades públicas existentes no Estado.
A segunda: “Apresentação da pesquisa: ações, etapas e metodologia” objetiva
descrever a natureza da pesquisa realizada na escola indígena, acompanhando os processos de
construção coletiva de um currículo diferenciado, de formação continuada de professores e de
produção de material didático específico. Adota uma perspectiva qualitativa de base
etnográfica, que toma a “aula” como locus fundamental da reflexão teórica sobre a prática
pedagógica.

1
Artigo apresentado na XI RAM – Reunião de Antropologia do Mercosul, realizado em Montevidéu
em 2015.
Conta com uma bolsista PIBIC – UFF - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica.!
2
3
Conta com 12 bolsistas PIBID – CAPES – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência.
4
Programa Novos Talentos – CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (2014), agora com o PROEXT – Programa de Extensão Universitária (2016 - 2017)
Na terceira parte: “Reflexões sobre material didático pra escola indígena”, analiso a
característica dos materiais didáticos produzidos ao longo do processo e o impacto deles na
prática pedagógica, suas relações com uma concepção de currículo e as implicações deles na
formação de professores indígenas e não indígenas.
Finalmente, na quarta parte: “Questões teóricas a partir da prática pedagógica: o
processo de construção curricular e a formação continuada.”, interrogo a Pedagogia e a
Didática na formação de professores, a partir de questões teóricas que a prática da experiência
vem trazendo. Questões relativas ao tripé: Construção Currícular, Formação Continuada e
Produção de Material Didático pra educação escolar indígena, alinhando Ensino, Pesquisa e
Extensão.

1- Quadro geral do processo de escolarização guarani no RJ – denúncias da crise


em tempos de Territórios Etnoeducacionais.
O processo de escolarização indígena pelo qual vem passando a população indígena
Guarani Mbya no estado do Rio de Janeiro é recente, como sua chegada à região (anos 1980)
e vem sendo marcado na última década, pelo atraso na implementação de políticas públicas
universais e pela crise político-pedagógica da escola nas aldeias.
Há 07 aldeias indígenas no Rio de Janeiro e um agrupamento de indígenas em contexto
urbano, mas o atendimento às demandas reprimidas por educação vem se arrastando nos
últimos anos
O quadro dessa população é o seguinte:
QUADRO DA POPULAÇÃO INDÍGENA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
ALDEIA LOCALIDADE HABITANTES SITUAÇÃO ÁREA
No ETNIA FUNDIÁRIA
1 Sapukai Guarani Bracuí Angra dos 316 Homologada 2.127 ha
Mbya Reis
2 Itaxim Guarani Parati Mirim 171 Homologada 79 ha
Mbya Parati
3 Araponga Guarani 40 Homologada 213 ha
Mbya Parati
4 Arandu Guarani Saco de Em
Mirim Mbya Mamanguá 28 Identificação/estudo ?
Parati
5 Rio Guarani Em
Pequeno Nhandeva Parati 20 Identificação/estudo ?

6 Ka’aguy Guarani São José do


Hovy Porã Mbya Imbassaí 68 Indefinida 93 ha
Maricá

7 São Bento da
Itaipuaçu Guarani Lagoa, 12 Indefinida ?
Mbya Itaipuaçu,
Maricá
Bairro na Perequê Casas próprias
Periferia da Angra dos Reis construídas ?
8 cidade e Pataxó e 60 e
Fazenda Iriri S. Gonçalo Situação indefinida
Parati
TOTAL: 715 habitantes
(Fonte: ISA– Instituto Socioambiental e SASDH de Angra de Reis)

Só há prédio escolar construído em apenas 4 aldeias: Sapukai, Parati-Mirim, Araponga


e Rio Pequeno. Nenhum dos prédios escolares existentes foi, entretanto, construído pelo
Estado (através da SEEDUC-RJ – Secretaria de Estado da Educação do Rio de Janeiro, ente
federativo responsável legal pelas políticas do setor). Todos foram construídos por iniciativas
comunitárias, através de mutirões e doações5. Nas demais aldeias o atendimento educacional é
precário e improvisado. Apesar de ter sido criada uma Escola Indígena, a “Escola Indígena
Estadual Guarani Karai Kuery Renda”, sediada em Sapukai e com 2 salas anexas nas aldeias
de Parati-Mirim e Araponga, ainda não foi criada, no sistema estadual de ensino, a categoria
“Professor Indígena” e portanto, não foi realizado até hoje Concurso Público. Todos os
professores que atuam nas aldeias são contratados, trazendo insegurança e interrupção nos
contratos. Também ainda não foi implementado o Ensino Médio até hoje, tendo um projeto,

5
Como os prédios da Escola da Aldeia Sapukai construídos em mutirão com doações de inúmeras
instituições públicas e privadas ou os prédios das escolas das aldeias de Rio Pequeno e Parati Mirim,
construídos por doação do medico italiano Dr. Aldo Lo Curto, membro do “Médico Sem Fronteiras”.
elaborado pelo IEAR/UFF – Instituto de Educação de Angra dos Reis da Universidade Federal
Fluminense, já sido aprovado pelo CEE-RJ, com aval da SECADI/MEC mas ainda não
implementado. A primeira turma de segundo segmento do Ensino Fundamental - 6o ao 9o Ano
só foi implantada em 2015 em Sapukai e Parati Mirim. Não há prédios escolares em 3 aldeias.
Diversas ações no MP, incluindo por último uma Recomendação à SEEDUC-RJ, vem sendo
proteladas ou descumpridas sistematicamente nos últimos anos.

Foi criado há um ano o Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena, de caráter


deliberativo e consultivo, com igualdade indígena de representação, mas ainda não instalado.
Ele precisará se constituir num efetivo mecanismo de elaboração, monitoramento e articulação
das políticas públicas para o setor.
Está em andamento um projeto: GATI – Gestão Ambiental e Territorial Indígena –
coordenado pela FUNAI, no âmbito da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de
Terras Indígenas – PNGATI, na maior aldeia do estado: a Sapukai, cujo objetivo é garantir e
promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais
das Terras Indígenas. Mas o quadro de divergências políticas internas na referida aldeia, com
a fragmentação das ações das lideranças e pouca capacidade coletiva de articulação das
questões de auto-sustentação com as de saúde, educação e cultura, fazem relativizar o impacto
positivo que projetos desse tipo possam trazer pras comunidades.
Outra questão importante é a falta de articulação entre as aldeias, dificultada pela sua
distância geográfica: na educação por exemplo, a SEEDUC-RJ, responsável pela
implementação das políticas do setor segundo a legislação vigente, não atende conjuntamente
os 3 Municípios (Angra, Parati e Maricá) o que divide a luta e enfraquece a causa Guarani.
Em Maricá, por exemplo, em uma das aldeias, há um container instalado pela Prefeitura, onde
funciona a escola e o Estado ignora as duas aldeias daquele Município, sob o argumento de
que as terras onde as aldeias foram instaladas não estão legalmente regularizadas.
Haveria que se manter a discussão unificada e as ações articuladas, sob o controle dos
Guarani. Os Municípios nesse caso deveriam ser parceiros, num regime de colaboração,
previsto na instituição dos Territórios Etnoeducacionais6. Só

6
Territórios Etnoeducacionais – Modelo de gestão e implementação das políticas de educação
escolar indígenas baseado na divisão dos territórios por etnias e no regime de colaboração entre os
entes federados, movimentos indígenas e ONGs.
a articulação das Universidades, do Estado e dos 3 Municípios pode levar a cabo ações
efetivas de interesse das comunidades.
Nesse quadro desalentador, os Territórios Etnoeducacionais não têm chance de sucesso
aqui em terras cariocas, pois os atores sequer sentam-se à mesma mesa.
O MEC através do Decreto no 6.861/2009 regulamentou a criação dos Territórios,
antecedendo a I Conferência, em maio de 2009 estabelecendo que:

Art. 18 Os territórios etnoeducacionais deverão se constituir nos


espaços institucionais em que os entes federados, os movimentos indígenas e
seus apoiadores pactuarão as ações de promoção da Educação Escolar
Indígena efetivamente adequada às realidades sociais, históricas, culturais e
ambientais dos grupos e comunidades indígenas.
§ 1º Os territórios etnoeducacionais objetivam promover o regime de
colaboração para promoção e gestão da Educação Escolar Indígena,
definindo as competências comuns e privativas da União, Estados e
Municípios, aprimorando os processos de gestão e de financiamento da
Educação Escolar Indígena. (Brasil, 2009)

É sabido, que o Ministério da Educação, em parceria com o Conselho Nacional de


Secretários de Educação – CONSED e a Fundação Nacional do Índio –
FUNAI, realizou a I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena – I CONEEI – em
novembro de 2009 na cidade de Luziânia/GO, que em seu documento final legitimou a criação
dos Territórios Etnoeducacionais – espécie de aprimoramento do já previsto na Constituição e
na LDB, “regime de colaboração” no planejamento e gestão das políticas públicas em
educação escolar indígena, estabelecendo que:

O governo federal somente implantará os Territórios Etnoeducacionais com a


anuência dos povos indígenas a partir de consulta pública ampla com a
realização de seminários locais, regionais e/ou estaduais para
esclarecimentos sobre a proposta de implantação e implementação dos
Territórios Etnoeducacionais, avaliando a sua viabilidade, sua área de
abrangência em relação aos povos e Estados, considerando os novos marcos
legais a serem construídos e os planos de trabalho dos Territórios
Etnoeducacionais. O Governo Federal garantirá aos povos indígenas que não
concordarem em adotar ou ainda não definiram o modelo de gestão baseado
nos Territórios Etnoeducacionais o envio de recursos de igual qualidade para
a educação escolar indígena.

A implantação dos Territórios Etnoeducacionais deve ser feita através de


amplo processo de discussão sobre: marcos legais específicos; formação
presencial de professores indígenas e de demais profissionais indígenas;
regulamentação da oferta de ensino a distância; construção das escolas
indígenas de acordo com a decisão das comunidades; controle social; gestão
dos recursos financeiros destinados às escolas indígenas; implantação ou não
de todos os níveis e modalidades de ensino nas aldeias; planos de trabalho
dos Territórios; mecanismos de punição para assegurar que os entes
federados cumpram com suas responsabilidades. (Brasil, 2009a)

Para muitos, a Educação Escolar Indígena pode ser considerada um sistema, ou um


subsistema específico dentro do sistema de ensino, uma vez que a escola indígena é definida
pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) como uma categoria específica de escola, com
normas e procedimentos jurídicos próprios, e as diretrizes e os objetivos dessa modalidade de
educação escolar têm como foco a valorização dos usos lingüísticos, a interculturalidade, a
participação comunitária e a colaboração com seus projetos de auto-sustentação. (Brasil,
2007)
Segundo a SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade
e Inclusão do MEC, a regulamentação desse sistema geraria mecanismos legais, normativos e
gerenciais que tornariam mais claro para as Secretarias de Educação o tratamento que essas
escolas devem receber. Hoje, no máximo, são feitas adaptações em um quadro legal pré-
existente que não condiz com as perspectivas da educação escolar intercultural. Existem
vários exemplos desse ajuste, tais como os que são feitos para a contratação de professores,
elaboração de calendários escolares, desenvolvimento de modelos de gestão pedagógica e de
currículos, que não satisfazem, com toda razão, os diferentes atores indígenas, sejam eles
professores ou lideranças. (Idem)
Os desafios para implantação de políticas públicas efetivas pra Educação Escolar
Indígena são muitos e a possibilidade de sua superação não é tarefa exclusiva de um só ente
federativo, assim como sabemos que as políticas públicas precisam se integrar
intersetorialmente. Daí entendermos que a lógica integradora e colaborativa inerente à
implantação dos Territórios Etnoeducacionais é racional e necessária do ponto de vista do
planejamento estratégico dessas políticas.
Nobre (2014) afirma que não podemos achar que num território que envolve inúmeras
etnias, alguns estados e dezenas de municípios, se não houver mecanismos efetivos que
obriguem a colaboração entre os entes, regulamentação específica que determine o
cumprimento das obrigações privativas e comuns de cada ente federativo, a supressão das
dubiedades no marco regulatório atual, com a determinação clara da responsabilidade
partilhada com a oferta de educação escolar indígena, o quadro de precariedades e o
vergonhoso descumprimento da lei perdurará. Isto só será possível com a criação de um
Sistema de Educação Escolar Indígena, que defina claramente as responsabilidades de sua
oferta, mas com presença técnica e financeira efetiva da União.
Nesse mesmo texto afirmo que:

Os Territórios deverão promover a colaboração como? Onde não há ainda


colaboração entre os entes federativos o que se faz? Esperamos que os entes
se entendam? Se não estabelecer-se regras e obrigações para a pretendida e
racional colaboração, os Territórios continuam sendo virtuais, coloridos
mapas apenas. Só se realizam, enquanto política pública, nas regiões onde o
amadurecimento histórico das relações políticas entre comunidades
indígenas e organizações não indígenas, assim como entre as escolas
indígenas e o Estado (entendido aqui como União, Estado e Município), o
permitir, ou seja, onde o processo histórico de escolarização daquele povo,
situado geograficamente numa região que abarca toda a etnia, estiver maduro
suficientemente para articular e efetivar as parcerias e colaborações
institucionais necessárias. (Nobre, 2014)

O caso específico do Rio de Janeiro, em análise, é paradigmático da situação de


estagnação em que se encontram os Territórios Etnoeducacionais, em geral no Brasil: ele
compõe o chamado Território Etnoeducacional Médio Paraná, que absorve 81 terras indígenas
(TI), espalhadas territorialmente em 49 Municípios do Mato Grosso do Sul (MS), Rio Grande
do Sul (RS), Santa Catarina (SC), Paraná (PR), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Espírito
Santo (ES), envolvendo os povos Guarani Kaiowa, Nhandeva, Mbya e Tupinikim (SECADI,
20097). Nenhuma reunião foi realizada com esse intento e as ações de formação, implantação
de escolas e cursos continuam a ser realizadas em cada estado através das Secretarias
Estaduais de Educação com Universidades Federais, principalmente. Não conseguimos nem
articular as instituições entre si aqui no estado do Rio de Janeiro, com seus 3 municípios
apenas (Angra dos Reis, Parati e Maricá), quanto mais envolver os 07 estados com 49
municípios e suas 81 TIs!
Não conseguimos sequer unificar as ações de formação em Educação Escolar Indígena
das 6 Universidades públicas presentes no estado: UFF, UERJ, UFRJ, UFRRJ, UNIRIO e
UENF... Segundo Nobre (2014),

7
Tais dados (de 2009) não correspondem mais a atual situação fundiária e populacional no estado,
tendo em vista que o numero de aldeias cresce anualmente, entre os Guarani Mbya em todo o Sul-
Sudeste do país.
o que temos hoje é apenas um marco regulatório dúbio com uma pretensa
flexibilidade, mas inoperante: aos Estados cabe a obrigação da oferta,
segundo a Resolução CNE no 04/2012 mas, onde couber também, poderá ser
feita pelos Municípios, em regime de colaboração. Entretanto, a LDB indica
que a oferta do Ensino Fundamental é obrigação dos Municípios… e aos
Estados cabe definir com os Municípios formas de colaboração na oferta do
Ensino Fundamental. Um conflito de atribuições ou uma flexibilidade
colaborativa? (p. 6)

Prevalece a descontinuidade das ações, mesmo nos territórios já pactuados, conforme


expressa a Nota Técnica da FUNAI:

Fato concreto é que após a realização da reunião de pactuação em torno de


um plano de trabalho nenhum deles teve condições de dar continuidade às
agendas de reuniões das Comissões Gestoras, atividade essencial para o
desenvolvimento e avaliação de planos compartilhados. Vale mencionar que
essa impossibilidade é decorrente da debilidade do modelo de gestão dos
TEE's, o qual não deixa claro uma definição orçamentária e responsabilidade
de execução para rotina de trabalho dos Comitês Gestores. (Brasil, 2013, p.
5)

Segundo a Nota, como não há regulamentação do regime de colaboração entre os


poderes municipal, estadual e federal, previsto na Constituição Federal de 1988, torna-se
imprescindível definir com clareza os papéis, atribuições e responsabilização de cada ente
federado.
Assim, lamentavelmente:

A expectativa dos povos indígenas era que os etnoterritórios pudessem ser


minimamente um espaço de pressão e debate em busca de condições mais
equilibradas na relação com os sistemas de ensino. Porém, os TEE’s
pactuados não estão em funcionamento de fato, o que significa que essa ação
que mais mobilizou a FUNAI/DPDS/CGE e o MEC/ SECAD/CGEEI nos
últimos anos não resultou numa efetiva modificação do padrão de execução
da política de educação escolar indígena no Brasil, que continua sofrendo
com a ineficiência e inoperância do regime de colaboração. (Idem, p. 8)

A Subcomissão Territórios Etnoeducacionais e Sistema Próprio, da Comissão Nacional


de Educação Escolar Indígena (CNEEI), do Ministério da Educação (MEC) critica o último
documento oficial do MEC sobre o tema, divulgado em junho de 2015: “Instituir um Sistema
Nacional de Educação: Agenda Obrigatória Para o País” que propõe a instituição do Sistema
Nacional por meio de um conjunto articulado de ações: alterações na LDB, regulamentação do
inciso V do art. 23 da Constituição Federal (“Lei de Responsabilidade Educacional”),
mudanças nas regras de financiamento, adequação dos sistemas de ensino às novas regras
nacionais. O texto informa que alguns dispositivos e algumas estratégias da Lei no
13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE), podem ajudar na formatação
do Sistema Nacional, listando os itens da Lei que deveriam ser considerados.
Contudo, para Subcomissão, o documento não faz qualquer menção ao regime de
colaboração específico assegurado aos povos indígenas por meio do §4o do art. 7o do PNE:

§4o Haverá regime de colaboração específico para a implementação de


modalidades de educação escolar que necessitem considerar territórios
étnico-educacionais e a utilização de estratégias que levem em conta as
identidades e especificidades socioculturais e linguísticas de cada
comunidade envolvida, assegurada a consulta prévia e informada a essa
comunidade.

Assim, a Subcomissão propõe que se siga os encaminhamentos amplamente discutidos


na I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (I CONEEI), realizada em 2009, os
quais se encontram no Documento Final do evento (documento cujo MEC é signatário), que
aponta, entre outras coisas: a criação de um Sistema Próprio de Educação Escolar Indígena e a
criação de um Fundo específico para implementar de fato a educação escolar indígena
(FUNDEPI) – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação dos Povos Indígenas, para
financiar as ações de educação escolar indígena no país, com mecanismos eficazes de gestão
direta dos recursos.
Entretanto, a crise econômica e política que se abateu no Brasil em 2015, com os
enormes cortes feitos no orçamento do MEC, que serão maiores em 2016, apontam que não há
expectativas de mudança a curto prazo nesse quadro desolador, também de crise da escola
indígena.

2- Apresentação da pesquisa: Contexto histórico, ações, etapas e metodologia


A década de 90 foi marcada pela aceleração das discussões e propostas legais de
regulamentação de educação escolar nas comunidades indígenas a partir da promulgação da
Constituição Federal em 1988. Ela assegura aos índios o direito à sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, dedicando-lhes um capítulo no Título: “Da Ordem
Social”.8 No campo da educação, a Lei no 9.394, de 20/12/96 – LDBEN instituiu como dever

8
Há diversas legislações complementares tratando do tema: Decreto n. 1775, de 08/01/96, sobre processos
administrativos de demarcação de terras indígenas; Decreto n. 1141, de 10/05/94, sobre ações de proteção
do Estado a oferta de uma educação escolar bilingüe e intercultural e uma legislação
regulamentar – a Resolução CEB no 3, e o Parecer no14 do CNE de 1999, a Resolução no
04/2012, o Parecer no 13/2012 e recentemente o Parecer 06/2014 do CNE, que fixa estabelece
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas, vieram
estabelecer diretrizes curriculares nacionais e fixar normas para o reconhecimento e
funcionamento das escolas indígenas.
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro o CEE-RJ criou só em 2003 a categoria
"Educação Escolar Indígena" no sistema estadual de ensino, publicando o Decreto Estadual nº
33.033.
Em 2004 a Deliberação CEE nº 286 é publicada estabelecendo normas para
autorização, estrutura e funcionamento das escolas indígenas no âmbito da educação básica no
sistema de ensino estadual do Rio de Janeiro.
A turma de 6o Ano Guarani implantada em 2015 nas Aldeias Sapukai e Parati Mirim e
objeto da pesquisa, justifica-se como uma necessidade de atender a uma demanda das
comunidades Guarani Mbya por aumento de escolaridade através de uma política pública
permanente e estruturante.
Isto aponta para um primeiro pressuposto teórico que embasa a proposta curricular em
construção: o currículo nela expresso é um movimento de construção e portanto está em curso.
Não é homogêneo ou harmônico entretanto, pois contém também dimensões de embate,
tensões e contradições teóricas que nos acompanham, as quais são, também, inerentes à
prática pedagógica.
Acreditamos, como Stenhouse (1984) que o currículo tem uma dupla acepção: um
projeto de ensino, portanto, um modelo de planificação, e um marco de análise, portanto, um
modelo de investigação. Os dois enfoques se interpenetram, nesta proposta, na medida que
consideramos a própria atividade de construção curricular como processo de ensino-
aprendizagem dos educadores indígenas e dos assessores não-indígenas.

Não obstante, como aponta Monte (1995), “fez-se necessária e urgente a tarefa de
elaborar um currículo-documento. Este deverá sistematizar o já vivido e apontar situações de
ensino-aprendizagem novas e futuras que poderão completar o traçado, dentro da concepção
de um “currículo planificação”, sustentado sobre um “currículo investigação”.

ambiental, saúde e apoio às atividades produtivas para as comunidades indígenas; Decreto n. 26, de 04/02/91,
sobre educação indígena; Lei n. 6001, de 19/12/73, Estatuto do Índio; Decreto n. 564, de 08/06/92, Estatuto da
FUNAI.
Assim, a realização do Curso é mais um elemento a alimentar a reflexão teórica no
processo de formação dos educadores, cumprindo o currículo uma função pedagógica
fundamental: contribuir para avançar com os níveis de reflexão crítica sobre a prática
pedagógica de educadores indígenas.
O projeto é uma ação de acompanhamento pedagógico, através de pesquisaação
participante, à implantação da primeira turma de 6o Ano Guarani - 2o Segmento do Ensino
Fundamental, oferecido pela SEEDUC-RJ em parceria com o IEAR/UFF que assessora o
Curso e faz a formação continuada de professores. A equipe de pesquisa, integra o Grupo de
Pesquisa (CNPQ): “Espaços Educativos e Diversidade Cultural”.
O Curso de Formação Continuada que se organizou portanto, e o qual esta pesquisa
acompanha, integra um conjunto de políticas públicas demandadas pelas comunidades
Guarani Mbya do Estado do Rio e expressas em algumas reuniões abertas com o Ministério
Público e que a UFF, enquanto instituição parceira, atua agora, em regime de colaboração com
o Estado (SEEDUC-RJ).
Os objetivos da pesquisa são:
a) Subsidiar pedagogicamente o processo de construção do currículo do 6o ao 9o Ano
Guarani desvendando/estimulando componentes curriculares que potencializem o papel da
escola na preservação/fortalecimento da língua e da cultura guarani, a partir dos trabalhos
desenvolvidos nas Áreas: “Matemática”, “História”, “Geografia”, “Ciências”, “Língua
Portuguesa” e “Língua Guarani”;
b) Produzir coletivamente com os alunos e professores indígenas material didático em
audiovisual a ser utilizado nas escolas, a partir do trabalho de filmagens das aulas e do
trabalho de pesquisa

Na metodologia, uma etnografia da aula


A metodologia adotada faz uso de um conjunto de estratégias e técnicas inseridas num
campo de pesquisas qualitativas e no quadro da Pesquisa-Ação Participante associada à um
Estudo de Caso Etnográfico na escola.
A pesquisa-ação, segundo Thiollent (2000): é um tipo de pesquisa social com base
empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a
resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou
participativo. (p.14)
Para Ezpeleta & Roockwell (1989) a pesquisa participante estrutura-se em três
elementos: a pesquisa, a participação e a política pois parte de uma necessidade política de
trabalhar com os chamados setores populares.
Em nosso caso unimos os princípios da pesquisa-ação com os princípios da pesquisa
participante na perspectiva de construir um política pública de educação indígena estruturante,
no sentido de que os professores são do quadro efetivo da rede estadual, e o Colégio indígena
é estadual. Na formação se discute o currículo, monta-se o currículo ao longo da formação e
durante o exercício da docência.
A pesquisa tem duas questões de estudo de natureza política e epistemológica: Quais
os processos de construção curricular para o 6o ao 9o Ano Guarani, que potencializam o
papel da escola na preservação/fortalecimento da língua e da cultura guarani? Como
construir um currículo de 6o ao 9o Ano Guarani Mbya específico e diferenciado, que
potencialize o papel da escolarização na preservação/fortalecimento da língua e da cultura
guarani?
Diferentes atividades como encontros do Grupo de Pesquisa, as aulas filmadas, as
análises das aulas filmadas na escola da Aldeia Sapukai (Angra dos Reis), o Curso de
Formação Continuada dos professores do 6o Ano Guarani, a produção de materiais didáticos
pra escola indígena - objeto da pesquisa - permitem incursões etnográficas no campo que
compõe, no quadro metodológico da pesquisa, a construção de um “estudo de caso
etnográfico” (Sarmento, 2003).
Para Sarmento (2003), o estudo de caso etnográfico é uma investigação de tipo
qualitativa e que, no quadro do paradigma interpretativo, traz a dimensão da natureza sócio-
cultural da investigação aos estudos qualitativos.
Aliamos, assim, os pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa-ação com a
pesquisa participante, compondo um estudo de caso etnográfico para o acompanhamento das
práticas pedagógicas dos professores do 6o Ano Guarani.
Quanto à forma de análise dos resultados, está prevista a construção do Currículo do
Segundo Segmento do Ensino Fundamental (6o ao 9o Anos) , processo em que este projeto
incidirá ao longo dos 4 anos em que durará o Curso de 6o ao 9o Ano Guarani. Assim, na
análise dos resultados da pesquisa, o que deve ser priorizado é o processo qualitativo de
construção curricular na perspectiva da preservação/fortalecimento ou não da língua e da
cultura guarani.
Para tal, são filmadas as aulas, editadas nas ilhas de edição do IEAR e analisadas no
grupo de pesquisa e no curso de formação, do qual participam os professores do curso.
Para a filmagem, utilizamos uma técnica de seleção de imagens que busca acompanhar
“ao vivo” a natureza das atividades e o tempo de cada uma, que o professor realiza em sala,
decupando o conjunto da aula, em momentos, passos, etapas nos quais ela se constitui.
Avalia-se o que já se registrou de cada momento e o que ainda falta registrar; avalia-se se o
que se está registrando expressa o mais fiel possível, aquele momento da aula escolhido.
Para a edição, utilizamos uma técnica de cortes que busca acompanhar essa decupagem
inicial, de forma que preserve-se um pouco de registro pra cada momento da aula. O objetivo
é que com apenas alguns minutos de filmagem de cada momento/etapa da aula, eles
expressem como foi o conjunto da aula, permitindo que esses momentos sejam identificáveis
na análise. Uma aula de 3 horas de duração fica com no máximo 15 minutos, depois de
editada.
Para a análise das aulas, utilizamos um Roteiro de Análise Didática, que se compõe
dos seguintes elementos:
1- Passos da aula: onde recupera-se as etapas que encadeiam o conjunto de atividades e
elementos, que integra a aula;
2- Objetivos da aula: onde recuperam-se os objetivos postos pelo professor para aquela
aula;
3- Aspectos positivos: onde elencam-se os elementos componentes da aula que
cumpriram forte papel no atendimento aos objetivos previstos pelo professor;
4- Questões teóricas: onde se produz questões de natureza metodológica ou conceitual/de
conteúdo levantadas a partir da prática pedagógica expressa naquela aula.
Tal roteiro de análise didática, tem-se demonstrado fértil ao contribuir pra exercitar a
reflexão teórica sobre as práticas pedagógicas de professores em formação continuada, na
medida em que possibilita, entre outras coisas:
a) Ter uma visão (recuperada através das imagens filmadas) da aula em
seus momentos/etapas componentes, exigida pela recuperação dos Passos da Aula
no roteiro;
b) Priorizar como instrumento de análise os objetivos da aula, previstos
pelo professor. Isso permite avaliar o cumprimento ou não (ou os seus graus) dos
objetivos traçados pelo professor. Permite também discutir e questionar os
próprios objetivos elaborados;
c) Valorizar os elementos positivos do acervo de práticas pedagógicas
vivenciadas pelo professor, a partir de critérios como: cumprimento dos objetivos,
colaboração no fortalecimento da cultura e língua guarani (categoria de análise por
nós usada no projeto de pesquisa);
d) Estimular o exercício de reflexão teórica da prática pedagógica a partir
da própria prática, tornando a “aula” locus privilegiado da análise didática;

e) Reconhecer a aula como um fenômeno complexo e


multifacetado, que expressa uma concepção de currículo em construção;

f) Valorizar o trabalho docente, os saberes docentes, na medida em que o


grupo toma a aula do professor como instrumento/material de estudo; teoriza-se
com a prática do professor;
g) Experimentar uma prática de construção curricular que toma o desafio
da reorientação curricular como tarefa coletiva, datada historicamente e
socialmente referendada numa perspectiva crítica.
Essa etnografia da aula, está organicamente ligada ao processo de construção de uma
proposta curricular para este segmento de ensino, tornando-se seu objetivo principal. E ela se
dá inserida num processo de formação continuada retroalimentando o ensino. Busca-se aqui a
tão propalada relação entre ensino, pesquisa e extensão.

3- Reflexões sobre material didático pra escola indígena


Já produzimos com os Guarani, alguns materiais didáticos para escola indígena, a
saber: a) Materiais audiovisuais produzidos a partir de uma viagem sociocultural promovida
pelo Programa Novos Talentos - CAPES9, – 5 curtas metragens: “Yvy Marâe’y” (“Terra Sem
Males”), “Maino’i Arandu” (“A Sabedoria do Beija-Flor”) “Maino’i Pepo Hovy” (“Beija-Flor
de Asas Verdes”) , “Tape Kuaa” (“Caminho do Conhecimento”), “Xondaro Mbarete” (“A

9
Aldeias visitadas na viagem sócio cultural pelos professores e alunos da turma de EJA Guarani, em
2014: Tenonde Porã – São Paulo (SP); Peguao Ty, Sete Barras (SP); Tapixy, Lebre, T.I. de Rio das
Cobras – Nova Laranjeiras (PR); Okoy - S. Miguel do Iguaçu (PR); Jacy Porã – Puerto Iguazu,
Misiones (AR); Koenju – S. Miguel das Missões (RS); Tekoa Porã - Salto Grande do Jacuí (RS); Yy
Morotin Whera – Mbiguaçu - Biguaçu (SC); Pindoty - Ilha da Cotinga – Paranaguá (PR); Sapukai –
Angra dos Reis (RJ).
Força do Guardião”) e o longa-metragem: “Guata Arandu Râ Re” (“Pelo Caminho da
Sabedoria) – que estão sendo utilizados pelos professores não indígenas da turma do 6º Ano
na Escola
Indígena Estadual Guarani Karai Kuery Renda;
b) DVD da Série: “Ensino de Língua Guarani” - Unidades 1 a 7. DVD com
aulas de Língua Guarani contendo textos, som e imagens;
c) Caderno bilíngue de “Estudo da Língua Guarani”, com textos, vocabulário e
conhecimentos linguísticos, com exercícios de gramática textual.
Os filmes foram produzidos por jovens guarani alunos da turma de EJA Guarani
(também de 2o segmento do ensino fundamental10), que já dominam a tecnologia de filmagem
e edição de nível profissional.
O DVD e o Caderno foi produzido com professores guarani com assessoria
linguística11.
Entendemos que a produção de material didático pra escola indígena deve ser balizada
por alguns princípios político-pedagógicos e teórico-metodológicos, a saber:

I- Princípios Político-pedagógicos:
a) A produção de material didático deve estar inserida no âmbito de um processo
maior de discussão do PPP – Projeto Político Pedagógico da Escola, no sentido de
que ele cumpra o papel de fortalecer os princípios educativos elegidos e seja
coerente com a tendência pedagógica adotada;

b) A produção deve estar atrelada a uma Política Linguística definida pela


comunidade educativa e pela escola no seu Currículo, onde esteja claro o papel da
Língua Indígena e da Língua Portuguesa nesse processo;

c) Deve estar também condicionada à manutenção e fortalecimento da


Língua Guarani no ambiente escolar e fora dele;

10
!EJA Guarani – uma parceria entre IEAR/UFF e SECT de Angra – Secretaria Municipal de
Educação Ciência e Tecnologia, nos anos de 2013/14.
11
Das linguistas: Ruth Monserrat (UFRJ) no início do processo e Ivana Ivo (UNICAMP) ao longo
processo que está em curso.
d) Deve também ser um elemento fundamental no processo de formação continuada
dos professores envolvidos na sua produção;
e) Os produtos construídos devem preservar o caráter sócio-cultural de uso da Língua
na escola ou na comunidade, garantindo serventia e valor social ao material.

f) Devem privilegiar a autoria coletiva, e mesmo que reconheça as autorias


individuais, que o seja pra valorizar a função coletiva e social do material
produzido.

II- Princípios Teórico-metodológicos:


a) A produção de material didático deve estar condizente com as estratégias
metodológicas adotadas pelos professores no seu processo de construção
curricular;
b) A produção deve ser coerente com os princípios de construção coletiva do
currículo da escola, expressando dialeticamente a articulação entre produção de
conhecimento e conteúdo escolar;
c) Deve privilegiar conceitos integradores/unificadores de cada área do Currículo,
valorizando processos inter e supradisciplinares fundamentais na produção de
conhecimento, e não priorizar conteúdos escolares programáticos;
d) Deve se sustentar em processos coletivos de produção, como em Oficinas
formativas, com assessoria pedagógica, linguística e antropológica.

4- Questões teóricas a partir da prática pedagógica: o processo de construção


curricular e a formação continuada
O curso de formação continuada é estruturado em torno de 3 eixos:
I) O estudo, debate e construção de uma “visão de área” (para as disciplinas: Guarani,
Português, Matemática, História, Geografia, Ciências, Educação Física e Artes) coerente com
os princípios político-pedagógicos de tendências pedagógicas progressistas, contendo:
Epistemologia da disciplina; Tendências pedagógicas no ensino da disciplina e Conceitos
integradores.
Conhecer a epistemologia da área/disciplina permite ao professor reconhecer o
processo histórico social de construção da formação discursiva (Foucault, 1970) que estrutura
o campo de conhecimento da disciplina contemporaneamente.
Conhecer as tendências pedagógicas que envolvem a área/disciplina permite ao
professor reconhecer elementos de sua prática pedagógica que se enquadrem ou não nas
Pedagogias Liberais ou Progressistas que permeiam o ensino, e fazer opções numa perspectiva
curricular autônoma e crítica.
Estudar os conceitos integradores de cada área/disciplina possibilita ao professor
distinguir o rol de conhecimentos essenciais daquilo que são apenas conteúdos programáticos
de uma grade curricular, portanto acessórios. Conceitos integradores são como a categoria
marxista de totalidade no processo de produção dialético do conhecimento, para o Currículo

(...) de um lado que a realidade objetiva é um todo coerente em que cada


elemento está, de uma maneira ou de outra, em relação com cada elemento e,
de outro lado, que essas relações formam, na própria realidade objetiva,
correlações concretas, conjuntos, unidades, ligados entre si de maneiras
completamente diversas, mas sempre determinadas. (Lukács, 1967, p. 240).

São macro-conceitos, supradisciplinares (Angotti, 1991), como um tipo de totalidade


epistemológica de conhecimento, em cada área, que acompanham a trajetória de escolaridade
do aluno da Educação Infantil à Universidade, constituindo-se no tipo essencial de
conhecimento que deva ser construído no currículo, em oposição aos conteúdos escolares,
restritos, fragmentados e culturalmente determinados. Não se confunde, portanto, com os
conteúdos programáticos das listas de programas curriculares, mas sim, são conceitos
fundamentais que abarcam diversos outros derivados dele, que vão se complexificando à
medida que o aluno avança nos estudos.
Segundo Angotti (1991):

Eles podem dirigir a busca e conquista de ganhos culturais mais voltados


para as totalidades, sem descaraterizar as necessárias fragmentações.
Unificadores porque aplicados em larga escala nos diferentes escopos das
Ciências Naturais, podendo mesmo vir a constituir pontes, ou pelo menos
elos de ligação, para o conhecimento crítico em Ciências Sociais. (p.103)

Exemplos de conceitos unificadores são: Espaço, Lugar, Paisagem, Território e


Territorialidades para a Geografia; Tempo e Temporalidades para a História; Transformações,
Regularidades, Energia e Escala para as Ciências; Admirar, Produzir e Refletir, em Artes;
Ler, Escrever e Produzir Conhecimentos Linguísticos em Língua Portuguesa, Língua Guarani
(ou Língua Indígena) e Língua Estrangeira Moderna; Corpo, Lazer e Esporte, em Educação
Física.
II) Exercício de análise didática das práticas pedagógicas (a partir das filmagens
da aula e utilizando o roteiro de análise didática, acima apresentado).
Exemplos de questões teóricas, de natureza curricular, levantadas nas análises
didáticas da aulas filmadas e estudadas coletivamente pelos professores, nos encontros do
Grupo de Pesquisa e nos encontros do Curso de Formação Continuada:
Em Ciências:
• Como abordar no currículo questões relacionadas à Saúde
Pública/Direitos Humanos, quando entram em conflito com as condições
de vida ou tradição cultural e religiosa?
• Ecologia é um conceito unificador/integrador?
• Quais os princípios metodológicos mais adequados ao trabalho com
imagens?

Em Geografia:
• Como se produz conhecimento cartográfico trabalhando com mapas
políticos?
• Conhecer o nome dos países e o continente a que pertencem, é um
conteúdo acessório ou essencial?

Em Língua Portuguesa:
• Como desenvolver a estrutura narrativa utilizando Histórias em
Quadrinhos - HQ?
• Como se dá o processo de apropriação de uma nova estrutura textual
tipo HQ?
• Como produzir conhecimento linguístico a partir da produção de HQ?
• Como trabalhar mudança da pessoa do discurso usando HQ?

III) Experimentação de metodologias participativas de construção curricular,


como: pedagogia de projetos, redes temáticas e temas geradores, discutindo os
conteúdos/conhecimentos numa perspectiva crítica e buscando os objetivos da pesquisa:
desvendar/estimular componentes curriculares que potencializem o papel da escola na
preservação/fortalecimento da língua e da cultura guarani.
Desta forma o ciclo docente que envolve a formação contínua, a construção curricular
e a produção de material didático se apoia no tripé: Ensino, Pesquisa e Extensão e vice-versa.
A Pesquisa busca qualificar a construção curricular quando cria uma categoria de
análise para se pensar a prática pedagógica dos professores: componentes curriculares que
potencializem o papel da escola na preservação/fortalecimento da língua e da cultura
guarani.
O Ensino busca tomar a aula dos professores como objeto de estudo e reflexão teórica
ao analisa-las didaticamente.
A Extensão busca sustentar as tarefas de registro das aulas pra análise didática assim
como subsidiar o processo de produção de material didático, que se dá, também numa
perspectiva de formação.

Referências Bibliográficas:
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ciências”. Tese de Doutoramento. FEUSP. São Paulo. 1991

BRASIL. INEP. MEC. “Estatísticas sobre educação escolar indígena no Brasil” Instituto
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BRASIL. MEC. SECADI. “Territórios etnoeducacionais”. Apresentação na I CONEEI.


Brasília. 2009a

BRASIL. MEC. SECADI. I CONEEI – “Conferência nacional de educação escolar indígena.


Documento final”. Brasília. 2009b.

BRASIL. Ministério da Justiça. FUNAI. “Nota Técnica n°.002/2013” COPE/CGPC/DPDS.


Brasília. abril de 2013.

BRASIL. MEC. SECADI. “Carta da subcomissão territórios etnoeducacionais e sistema


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FOUCAULT, Michel. “La arqueologia del saber”. México: Siglo XXI. 1970.

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MONTE, Nietta Lindenberg. “A Construção de currículos indígenas nos diários de classe:
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NOBRE, Domingos. “Políticas públicas em tempos de territórios etnoeducacionais: o caso


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PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. SME. DOT. “Movimento de reorientação


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SARMENTO, Manoel, “O Estudo de caso etnográfico em educação”. In: ZAGO, Nadir;


CARVALHO, Marília P. & VILELA, Rita A. (Orgs.) “Itinerários de pesquisa. perspectivas
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THIOLLENT, Michel. “Metodologia da pesquisa-ação”. São Paulo: Cortez-Autores


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