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Resumo
Para a efetivação dos direitos sociais, e a educação se encontra neste rol, é preciso uma
intervenção ativa do Poder Público, principalmente com recursos financeiros. Atualmente
existe uma controvérsia na doutrina jurídica e na jurisprudência sobre os limites e
possibilidades do reconhecimento de direitos subjetivos por parte do Judiciário, quando estes
direitos estão relacionados à existência de limites do orçamento público. Considerando que no
Brasil os recursos financeiros disponíveis não são suficientes para se garantir uma educação
de qualidade e para todos, principalmente, em um contexto de extensão da educação básica
obrigatória, este trabalho tem como objetivo discutir a teoria da reserva do possível,
recorrendo à literatura sobre o tema e às ações judiciais dos Tribunais de Justiça buscando
compreender se esta se aplica à educação básica brasileira.
Introdução
Em diversas ações julgadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), os
municípios, como principais réus nas ações judiciais que reivindicavam matrículas em creches
e pré-escolas, atendimento especializado às crianças e adolescentes com necessidades
educacionais especiais, assim como programas de transporte escolar utilizaram do argumento
de que sua atuação deveria ser realizada na medida das suas possibilidades estruturais e
financeiras, ou seja, na reserva do possível.
A Constituição Federal (CF) enumera a educação como um direito de todos e dever do
Estado e da família. Estabelece princípios que impõem padrões de condutas por parte do
Estado para a sua garantia, como a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais,
a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Ainda estabelece deveres ao
Estado dentre os quais se destacam: ensino fundamental obrigatório; progressiva
universalização do ensino médio; atendimento especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino; educação infantil para as crianças até cinco anos;
programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à
saúde.
ANPED/ GT 5 (Estado e Políticas Educacionais)
Intercâmbio: “Federalismo e Políticas educacionais na efetivação do direito à educação no Brasil”
Curitiba, 12 e 13 de agosto de 2010
De acordo com Sarlet e Figueredo (2008, p.27), uma das principais objeções para a
concretização dos direitos sociais, e a educação está neste conjunto de direitos, refere-se à
dimensão econômica desses direitos, pois se argumenta que as prestações necessárias para a
sua efetivação dependem da “disponibilidade financeira e da capacidade jurídica de quem
tenha o dever de assegurá-las”. Desta forma, sustenta-se que a prestação desses direitos estaria
condiciona pela reserva do possível e pela relação desta com as competências constitucionais,
com o princípio da separação dos Poderes, com a lei orçamentária e com o princípio
federativo.
ANPED/ GT 5 (Estado e Políticas Educacionais)
Intercâmbio: “Federalismo e Políticas educacionais na efetivação do direito à educação no Brasil”
Curitiba, 12 e 13 de agosto de 2010
Esta teoria foi utilizada pela Corte alemã quando esta “recusou a tese de que o Estado
seria obrigado a criar a quantidade suficiente de vagas nas universidades públicas para atender
a todos os candidatos” (KRELL, 2002, p. 52), entendendo que existem limitações para o
atendimento de todas as demandas.
Segundo Krell (2002), a reserva do possível é fruto de um direito constitucional
comparado equivocado, sendo questionável a transferência de teorias jurídicas, que foram
desenvolvidas em países “centrais”, com base em realidades completamente diferentes, para
países, como o Brasil, que não implantaram um Estado de bem-estar social.
A Alemanha optou pela não-inclusão de direitos fundamentais na Lei Fundamental,
representando o conceito do “Estado Social” uma “norma-fim de Estado”, que “fixa, de
maneira obrigatória, as tarefas e a direção da atuação estatal presente e futura, sem, no
entanto, criar direitos subjetivos para a sua realização”. A doutrina alemã se refere a essas
normas constitucionais como “mandados” e não propriamente “direitos”. (KRELL, 2002, p.
48).
A CF brasileira, ao contrário da alemã, inseriu uma vasta gama de direitos sociais,
sendo estes reconhecidos também como fundamentais. E a “tentativa de relativizá-los e de
retirar-lhes a qualidade da “fundamentalidade” não traz nenhuma vantagem, mas é, ao
contrário, perigosa [...]” (KRELL, 2002, p. 49).
Desta forma, segundo Krell (2002, p. 54), condicionar a realização dos direitos
econômicos, sociais e culturais à existência de recursos do Estado, significa relativizar a sua
“universalidade, condenando-os a serem considerados “direitos de segunda categoria”.
Para Sarlet e Figueiredo (2008, p. 37) as objeções atreladas à reserva do possível não
podem prevalecer nas hipóteses em que já se reconheceu como “direito subjetivo definitivo a
prestações” e para afastar a responsabilidade do Estado com relação ao mínimo existencial.
Nos últimos anos dezenas de ações judiciais versando sobre o acesso à educação
infantil foram julgadas pelo TJ-SP e o reconhecimento da exigibilidade judicial para a
concessão do direito à vaga em creche e pré-escola não foi sempre consenso entre os
desembargadores (SILVEIRA, 2009).
ANPED/ GT 5 (Estado e Políticas Educacionais)
Intercâmbio: “Federalismo e Políticas educacionais na efetivação do direito à educação no Brasil”
Curitiba, 12 e 13 de agosto de 2010
Cabe destacar que o Ministro Celso de Mello apresenta uma ressalva para que a
reserva do possível seja invocada: “justo motivo objetivamente aferível”. A escassez de
recursos, comprovada pelo orçamento, poderia estar nesta classificação?
Para desembargador do TJ-SP, Álvaro Lazzarini, o argumento da limitação
orçamentária para a não abertura de novas creches dependeria da “comprovação de o
Administrador Municipal ter esgotado as verbas orçamentárias específicas destinadas a esse
direito fundamental” (APELAÇÃO CÍVEL 70.606-0, 2001).
Segundo Lopes (2008, p. 179), “há sim limites orçamentários que se podem alegar,
mas como orçamentos não são coisas da natureza, mas frutos de decisões políticas”, a reserva
do possível “não pode ser acatada quando Executivo e Legislativo manipulam de tal forma o
orçamento a criá-la de forma artificial ou, melhor, de a criá-la, quando observadas as outras
condições, ela não existiria” (p. 191).
Sobre o que deveria ser pedido e concedido, Lopes (2008) destaca que o mesmo deve
estar relacionado ao caráter universal e igualitário, devendo contemplar a todos os que se
encontram naquela situação e não podendo conceder a uns e não a outros.
Relacionando esta análise com as solicitações judiciais envolvendo a educação básica,
a maior parte versa sobre matrículas em creches (SILVEIRA, 2009). Observando os dados de
atendimento da população de 0 a 3 anos (18,1%), nota-se que o grupo que mais se encontra
alijado é a população preta/parda (14,9%) e mais pobre (11,5%) (OBSERVATÓRIO DA
ANPED/ GT 5 (Estado e Políticas Educacionais)
Intercâmbio: “Federalismo e Políticas educacionais na efetivação do direito à educação no Brasil”
Curitiba, 12 e 13 de agosto de 2010
Referências