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O conhecimento dos cirurgiões-dentistas sobre abuso infantil

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Revista Brasileira de Odontologia Legal – RBOL


ISSN 2359-3466 http://www.portalabol.com.br/rbol

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Violência doméstica

NÍVEL DE CONHECIMENTO DE PROFISSIONAIS E ESTUDANTES DE


ODONTOLOGIA SOBRE ABUSO INFANTIL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA.

Level of knowledge of professionals and dentistry students regarding


child abuse: an integrative review.

Tiago Santos SALAZAR1, Marcelle Mendes SÁ1, Kátia Maria Martins


VELOSO2.

1. Cirurgião(ã)-Dentista graduado pelo Instituto Florence de Ensino Superior (IFES- São Luís-MA), Brasil.
2. Doutoranda em Odontologia pela Universidade Federal do Maranhão. Mestre em Estomatologia pela UFPB.
Professora de Estomatologia e Odontologia Legal do IFES-São Luís-MA, Brasil.
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Informação sobre o manuscrito Autor(a) para contato:
Recebido em: 22 Fevereiro 2021 Profa. Kátia Maria Martins Veloso
Rua das Mangueiras, 13 – Centro – 65010.360 – São
Aceito em: 07 Junho 2021 Luís-MA.
E-mail: prof.katiaveloso@gmail.com.

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RESUMO
Após promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) os casos de violência infantil
obtiveram maior destaque junto a toda sociedade brasileira. Como os demais profissionais de Saúde, o
Cirurgião-Dentista, por atuar na área de cabeça e pescoço está apto a identificar e diagnosticar lesões
suspeitas de violência infantil, procedendo denúncia de tais casos uma vez que é seu dever de zelar pela
saúde e dignidade de seu paciente conforme preconiza o Código de Ética Odontológico. O presente
estudo teve por objetivo analisar o nível de conhecimento de Cirurgiões-dentistas e acadêmicos em
Odontologia a respeito dos maus-tratos infantis. Trata-se de uma revisão de literatura do tipo integrativa
realizada a partir de buscas nas Bases Eletrônicas de Dados Literatura Latino-americana e do Caribe em
Ciências da Saúde (LILACS) Us National Library of Medicine National Institutes of Health (PubMed) e
Portal de Periódicos da Capes. A maioria dos estudos analisados demonstrou que tanto os profissionais
quanto os acadêmicos de Odontologia não possuem conhecimento adequado sobre maus-tratos infantis e
têm dificuldade em diagnosticar e encaminhar de forma correta os casos suspeitos. Percebeu-se que
existe uma lacuna sobre o assunto e sugere-se que o tema tenha uma abordagem mais aprofundada
durante a graduação de modo a preparar o futuro profissional para o enfrentamento deste problema.

PALAVRAS-CHAVE
Odontologia legal; Violência doméstica; Abuso infantil; Odontopediatria.

INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde morte, dano psicológico, desenvolvimento
1
(OMS) define a violência como o uso de prejudicado ou privação .
força física ou poder, em ameaça ou na A violência infantil pode ser
prática, contra si próprio, outra pessoa ou classificada de acordo com sua origem em
contra um grupo ou comunidade que negligência, abuso psicológico, violência
resulte ou possa resultar em sofrimento, física e violência sexual. A negligência é

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caracterizada pela falta de cuidados com o Código de Ética Odontológico (CEO)


essenciais à criança ou adolescente. O é dever fundamental do Cirurgião Dentista
abuso psicológico ocorre por ação ou “zelar pela saúde e pela dignidade do
omissão lesando emocionalmente a paciente”, conforme prevê Art. 9º do
autoestima ou desenvolvimento do menor. Capítulo III - inciso VII, sob pena que de
A violência física, forma mais conhecida, sofrer com aplicação de pena que varia
caracteriza-se pelo uso da força física para desde a advertência até a cassação do
1,4
agredir alguém deixando ou não cicatrizes exercício profissional .Lamentavelmente
em seu corpo. Por sua vez, a violência os casos de maus-tratos infantis têm sido
sexual consiste no usufruir do outro subnotificados por conta de um déficit na
visando satisfação sexual, podendo identificação dos mesmos ou o medo de se
acontecer em situações diversas como: envolver com o problema, impedindo
atentado ao pudor, assédio, estupro, abuso assim, sua investigação e elucidação. Esta
incestuoso, pornografia, pedofilia e postura pode ser decorrente de uma
1,2
voyeurismo . formação acadêmica tecnicista onde o
No Brasil, a violência é um dos assunto “maus-tratos infantis” é pouco
principais problemas enfrentados pela abordado, e quando isso ocorre, apenas
sociedade, sendo a primeira causa de faz parte dos componentes curriculares de
3,5,6
morte na faixa etária de 01 aos 39 anos de poucas disciplinas .
idade, fato que causa grandes impactos, Nos casos de violência, o exercício
sendo um problema de saúde pública profissional da Odontologia é de grande
devido seus índices de morbidade e valia, uma vez que grande parte das lesões
mortalidade, implicando em impactos decorrentes de maus-tratos estão
1,3
pessoais, sociais e econômicos . localizadas na região de cabeça e pescoço,
Após promulgação do Estatuto da área de atuação do Cirurgião-Dentista, o
Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, que reforça a sua importância na
garantiu-se, por força de lei, a crianças e identificação dos sinais, sejam eles físicos
adolescentes, o direito de promoção de (por meios de lesões) ou psicológicos
saúde e a prevenção de agravos. A partir (analisando fatores comportamentais),
desta lei, casos de violência infantil facilitando assim, a conduta e a notificação
5,7-9
alcançaram maior visibilidade, fazendo dos casos .
assim com que casos concretos ou até Nos últimos anos, notadamente
mesmo suspeitos fossem obrigatoriamente tem crescido os casos de abusos
denunciados, de forma anônima e sem cometidos contra menores, destacando-se
prejuízos ao denunciante, ao Conselho o papel de toda a sociedade no combate e
Tutelar. Tais denúncias não possuem o denúncia dos mesmos. Entretanto, ainda
mesmo valor de denúncia policial, contudo, são escassos no Brasil, estudos
sinalizam aos órgãos competentes que relacionando abuso infantil e odontologia.
aquele menor (ou sua família) precisa de Dessa forma, o presente estudo investiga
ajuda. Do ponto de vista ético, de acordo qual o grau de conhecimento do Cirurgião

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Dentista e de acadêmicos em Odontologia Saúde (LILACS), Us National Library of


a respeito do tema, discutindo as Medicine National Institutes of Health
evidências encontradas na literatura, (PubMed) e Portal de Periódicos da Capes.
contribuindo para com seu entendimento, Os critérios de inclusão utilizados
sensibilizando a classe para a importância foram às publicações dos últimos 05 (cinco)
de proceder as denúncias, fomentando, anos compreendidos entre 2015 a 2020,
ainda, a realização de mais estudos em português ou inglês, que
primários. contemplassem o tema do estudo, estando
integralmente disponíveis. Já os critérios de
REVISÃO DA LITERATURA exclusão foram publicações que
Trata-se de uma revisão de estivessem fora do período de tempo
literatura do tipo integrativa norteada pela estabelecido, que não estivessem nos
pergunta: “Qual o nível de conhecimento do idiomas português ou inglês, textos
Cirurgião Dentista e Acadêmicos de incompletos, repetidos e que não
Odontologia a respeito dos maus-tratos abordassem a temática do estudo.
infantis?”. As buscas seguiram a seguinte
Utilizou-se a ferramenta sequência, (1) associação de dois
Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) descritores, (2) aplicação de critérios de
para definição das palavras chaves, inclusão e (3) aplicação de critérios de
estabelecendo assim, “abuso infantil”, exclusão. A busca inicial resultou em 266
“odontologia legal” e “odontopediatria” e publicações, Lilacs (42); PubMed (202) e
seus respectivos termos em inglês: “child Portal Capes (22). Das 266 publicações
abuse”, “forensic dentistry” e “pediatric encontradas, após aplicação dos critérios
dentistry”. Foram empregados os de inclusão e exclusão, obteve-se um total
operadores booleanos and e or para de 12 artigos que serviram como base para
otimizar a pesquisa, realizando-se o o referencial teórico, estando dispostos na
levantamento bibliográfico nas seguintes Tabela 1 para uma melhor análise e
bases de dados: Literatura Latino- discussão dos seus resultados.
americana e do Caribe em Ciências da

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Tabela 1. Descrição dos dados dos estudos incluídos na revisão integrativa.


Autor/ano Tipo de estudo Objetivo Resultados Conclusão
Biss et al7 (2015) Transversal, observacional, e Avaliar se o tema maus-tratos As disciplinas da graduação em O tema tem sido trabalhado de
quantitativo. infantis é abordado nos cursos de Odontologia que abordam o tema são forma incipiente nos cursos de
graduação em Odontologia do Odontopediatria e Odontologia Legal; Odontologia no Brasil.
Brasil despertando a percepção 76% dos estudos afirmaram que toda a
para o tema. carga horária destinada para abordagem
do tema é inferior a 8 horas.
Busato et al6 (2017) Transversal, observacional, Verificar por meio de Apenas 18,5% relatou ter recebido A maioria dos entrevistados
quantitativo e multicêntrico. questionários o conhecimento de informações referentes ao tema na declarou-se capaz de reconhecer
estudantes de Odontologia em graduação; Apenas 35,3% dos sinais de maus-tratos e a
relação aos maus-tratos na entrevistados conhece o ECA e qual seu instituição de demonstrou
infância e na adolescência. significado. colaborar com o conhecimento do
tema.
Bodrumlu et al10 (2018) Transversal. Investigar o conhecimento de Apenas alunos do 5º ano (21,43%) Os estudantes pesquisados não
estudantes de odontologia sobre o declararam ter recebido treinamento se mostraram preparados para
abuso infantil. sobre o tema. identificar casos suspeitos de
abuso infantil.
Clarke et al11 (2019) Transversal. Avaliar o nível de conhecimento 86% dos entrevistados consideraram que Destacou-se uma lacuna entre
dos Dentistas de Manchester (UK) a equipe odontológica está bem suspeita e encaminhamento de
a respeito. posicionada para reconhecer abuso ou casos de abuso e negligência
negligência infantil; 78% relataram que o infantil. Há uma demanda por
motivo da subnotificação seria o medo de treinamento adicional para os
violência contra a criança relatando Dentistas, a fim de permitir que
também a falta de certeza no diagnóstico eles se sintam mais seguros e
e falta de confiança em suas suspeitas. preparados para lidar com esses
casos.
Jakobsen et al12 (2018) Transversal. Descrever a frequência com que As três principais razões para reter uma O estudo indicou que a estrutura
os profissionais de odontologia de suspeita foram relatadas: Incerteza social nas pequenas cidades
uma sociedade de pequena quanto à confiabilidade da suspeita, medo pode interferir nas suspeitas de
escala como as Ilhas Feroé das consequências para a criança e falta profissionais e tratamento de
(DEN), suspeita de maus-tratos a de conhecimento processual. maus-tratos a crianças.
crianças e como eles lidam com
suas suspeitas.

Martins Júnior et al13 (2017) Transversal. Avaliar se profissionais de saúde 40,7% dos entrevistados relataram ter As principais barreiras reveladas
percebem e denunciam o abuso presenciado casos de abuso físico pelos profissionais de saúde em
físico em crianças/adolescentes. infantil, porém apenas 7,4 % relataram ter realizarem a denúncia de casos
denunciado; Em sua maioria, os médicos de abuso físico foram a falta de
realizaram as denúncias e os Dentistas conhecimento para perceber o
foram os que menos reportaram às abuso e o medo de denunciar os
denúncias às autoridades; os principais casos.

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motivos para não denunciar o abuso,


relatado em 72,6% das respostas foi a
necessidade de mais informações,
formação e capacitação dos profissionais
sobre abuso físico de crianças e
adolescentes.
Hussein et al14 (2016) Transversal. Avaliar o conhecimento, atitudes e Metade dos entrevistados Houve disparidades
experiência de um grupo de (52,8%) afirmou que a frequência de consideráveis em conhecimentos
Dentistas da Malásia em casos de ocorrência de abuso físico infantil é e atitudes dos entrevistados em
abuso físico infantil em termos de comum na Malásia; 62% dos relação à ocorrência, sinais de
frequência, ocorrência, entrevistados afirmaram que não casos suspeitos, fatores de risco
diagnóstico, fatores de risco e receberam informações sobre o tema. e relatórios de abuso físico
notificação.
Uldum et al15 (2017) Transversal. Identificar como a equipe Somente 8,9% dos entrevistados haviam Os resultados sugerem uma
odontológica percebe seu papel recebido formação de graduação sobre o necessidade contínua de um foco
na proteção de crianças da tema; Barreiras frequentemente relatadas na conscientização e treinamento
Dinamarca (DEN) diante dos ao encaminhamento foram a incerteza das
maus-tratos infantis. sobre observações, sinais e sintomas e Equipe odontológica
negligência e incerteza sobre os dinamarquesa sobre o importante
procedimentos de referência. tópico abuso e negligência
infantil.
Santos et al3 (2016) Transversal. Analisar o grau de percepção dos 74,2 % afirmaram serem capazes de Os pesquisados mostram ter nível
odontopediátras da cidade de reconhecer maus-tratos infantis, sendo de conhecimento médio sobre
João Pessoa (PB) sobre maus- que apenas 51,6% classificou os maus- maus-tratos infantis; A maioria foi
tratos infantis. tratos de maneira correta. capaz de identificar seus sinais/
sintomas gerais, no entanto
definiram maus- tratos de forma
incompleta.
Kaur et al16 (2015) Transversal. Avaliar o conhecimento e a atitude 51,4% relatou não saber qual o papel do Embora os dentistas
dos Dentistas sobre o abuso Dentista nas notificações dos casos respondentes tivessem
infantil e identificar as barreiras ao suspeitos de maus-tratos. conhecimento do diagnóstico de
denunciar o mesmo. abuso infantil, eles hesitavam e
desconheciam a autoridade
apropriada para denunciar.

Mogaddam et al18 (2016) Transversal. Avaliar o conhecimento dos 94% dos participantes concordaram que Observou-se a falta de
dentistas sobre abuso físico hematomas, dentes fraturados, marcas conhecimento dos profissionais
infantil. de queimaduras e traumatismo craniano, pesquisados sobre abuso infantil.
respectivamente, podem caracterizar
sinais de violência infantil.

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Rodrigues et al20 Transversal. Investigar a percepção, 39% dos entrevistados disseram ser Os dentistas são treinados para
(2016) conhecimento e atitude dos insuficiente o conhecimento sobre o tema detectar lesões no complexo
dentistas em relação à detecção obtido na graduação. Dos 77,75% que orofacial, porém apresentam
de casos maus-tratos. afirmaram proceder denúncia as limitações nessa detecção e na
autoridades competentes, 31,25% não abordagem dos casos de
souberam relatar a quem denunciar. violência diante de uma falta de
educação multidisciplinar

DISCUSSÃO Conduzindo um estudo com profissionais britânicos, Clarke et al.


11
Os resultados das publicações analisadas demonstraram que o (2019) , relatam que 86% dos entrevistados reconheceram que o
tema violência e maus-tratos infantis relacionado a Odontologia ainda é exercício profissional da Odontologia posiciona bem o profissional para
pouco trabalhado na graduação e que os profissionais e acadêmicos reconhecer casos de maus-tratos. Porém, alguns fatores foram relatados
enfrentam dificuldades em diagnosticar e conduzir os casos de maneira como barreiras para a notificação dos casos, tais como o medo da criança
correta. ser alvo de mais violência (78%), falta de certeza no diagnóstico (50%) e
7
No estudo observacional de Biss et al. (2015) , que avaliou como falta de confiança em suas próprias suspeitas (47%), resultado reforçado
12
os maus-tratos infantis são abordados na graduação em Odontologia, pelo estudo de Jakobsen et al. (2018) onde dentistas Dinamarqueses
evidenciou-se que o tema tem sido trabalhado de forma incipiente nas elencaram incerteza quanto à confiabilidade da suspeita, medo das
disciplinas de Odontologia Legal e Odontopediatria, o que leva os consequências para criança e falta de conhecimento processual como
profissionais a enfrentam dificuldade em diagnosticar e conduzir os casos principais barreiras para notificação dos casos de maus-tratos.
13
de forma correta, achado esse que corrobora com o com resultado da O estudo de Martins Júnior et al. (2017) realizado com vários
6
pesquisa, de Busato et al. (2017) onde apenas 18,5% dos acadêmicos profissionais da área da saúde, apontou que os médicos são os principais
entrevistados relatou ter recebido informações sobre o tema na graduação profissionais a realizarem as denúncias e os dentistas são os que menos
e apenas 35,3% declararam saber o que era o ECA e qual seu significado. denunciam. 40,7 % dos dentistas relataram que já presenciaram algum
Ainda abordando a percepção dos acadêmicos sobre o tema, o estudo de caso de maus-tratos, mas somente 7,4% realizaram a denúncia, sendo os
10
Bodrumlu et al. (2018) , revelou que, quando perguntados se tinham principais motivos relatados como barreira para não fazê-lo, por 72,6%
recebido treinamento sobre como proceder em tais casos, durante as dos entrevistados, foi a falta de informação, o medo de se envolver no
aulas de graduação, apenas 21,43% responderam que sim. caso e a lacuna, em suas formações acadêmicas, sobre o tema.

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Na Malásia, a pesquisa de Hussein competente deveriam proceder a


14
et al. (2016) evidenciou que os casos de notificação.
maus-tratos infantis são tidos como Mesmo não havendo sinais
comuns por mais de 50% dos entrevistados específicos de maus-tratos, uma
e pouco mais de 60% destes relatou não quantidade significativa de profissionais no
18
ter recebido informações suficientes com estudo de Mogaddam et al. (2016)
relação ao tema. Já em um outro estudo, concordaram que hematomas, dentes
realizado na Dinamarca, país de realidade fraturados sem causas razoáveis,
socioeconômica bem diferente da Malásia, queimaduras e traumatismo craniano,
15
Uldum et al. (2017) constataram que detectados durante uma minuciosa
somente 8,9% dos entrevistados haviam anamnese podem ser considerados como
recebido formação de graduação e pós- advindos de possíveis casos de maus-
18
graduação sobre o tema e as barreiras tratos e merecem investigação .
frequentemente relatadas ao Por fim, uma revisão sistemática
20
encaminhamento de tais casos foram a realizada por Rodrigues et al. (2016) l
incerteza sobre observações, mostrou que o conhecimento a respeito do
reconhecimento de sinais e sintomas de tema foi classificado pelos dentistas como
abuso e sobre os procedimentos de insuficiente (39%). Ao suspeitarem de
referência. casos, 77,75% dos pesquisados
Pesquisando um grupo de consideraram relatar às autoridades, porém
odontopediatras em João Pessoa-PB, 31,25% declarou não terem certeza de
3
Santos et al. (2016) realizaram um estudo quais as autoridades deveriam procurar.
piloto onde 74,2% dos profissionais se
disseram capazes de classificar maus- CONSIDERAÇÕES FINAIS
tratos, entretanto, apenas 51,6% Diante dos resultados expostos, os
classificou-os de forma correta. Esse estudos mostram que tanto o Cirurgião-
estudo concluiu, de forma geral, que os Dentista quanto os acadêmicos em
odontopediatras apresentaram um nível Odontologia não estão suficientemente
médio de conhecimento a respeito do tema, preparados para diagnosticar e/ou
mostrando-se capazes de identificar sinais denunciar os casos de maus-tratos infantis
e sintomas de violência infantil. de forma eficaz. A falta de certeza sobre o
Quanto a ocorrência de lesões diagnóstico foi uma das razões mais
físicas perceptíveis, o estudo de Kaur et al. pautadas para a subnotificação dos casos.
16
(2015) relatou que mais de dois terços Constatou-se que a temática tem
(68%) dos participantes concordam que o sido trabalhada de forma sucinta nos
rosto é o principal alvo das agressões cursos de Odontologia do Brasil e do
físicas e foram capazes de identificar os mundo e por isso, recomenda-se que as
casos de maus-tratos. Contudo, não instituições de ensino reforcem em seus
souberam precisar a qual órgão projetos pedagógicos com abordagens
voltadas ao tema a fim de contribuir mais

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precisamente com a compreensão do sejam capazes de colaborar com a


mesmo e de formar Cirurgiões-Dentistas diminuição da violência.

ABSTRACT
After the enactment of the Child and Adolescent Statute (ECA), cases of child violence gained greater
prominence in all Brazilian society. Like other health professionals, the dentist, by acting in the head and
neck area, is able to identify and diagnose lesions suspected of child violence, proceeding to denounce
such cases since it is his duty to ensure the health and dignity of your patient as recommended in the
Dental Code of Ethics. This study aims to analyze the level of knowledge of Dental Surgeons and dentistry
students regarding child abuse. This is an integrative literature review carried out based on searches in the
Electronic Databases Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences (LILACS) Us National
Library of Medicine National Institutes of Health (PubMed) and Portal da Capes. Most of the studies
analyzed have shown that both dental professionals and academics do not have adequate knowledge
about child abuse and have difficulty in diagnosing and referring suspected cases correctly. It was noticed
that there is a gap on the subject and it is suggested that the theme has a more in-depth approach during
graduation in order to prepare the future professional to face this problem.

KEYWORDS
Forensic dentistry; Domestic violence; Child abuse; Pediatric dentistry.

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