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QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 1

net ad septimum gradum. — Et sic omnes isti assim todos esses graus estão incluídos no sexto
gradus continentur sub sexto et septimo superius e sétimo graus da citada lista.
enumeratis.
- AD QUARTUM dicendum quod illi gradus acci- Quanto Ao 4º, deve-se dizer que esses três
piuntur non ex parte ipsius rei, idest secundum graus são tomados não em vista da realidade
naturam humilitatis: sed per comparationem ad mesma, isto é, da natureza da humildade, mas em
gradus hominum, qui sunt vel maiores vel minores comparação com os níveis das pessoas, que são
vel aequales. superiores, inferiores ou iguais.
AD QUINTUM dicendum quod etiam illa ratio QUANTO AO 5º, deve-se dizer que essa objeção
procedit ex grandibus humilitatis non secundum também procede dos graus de humildade-conside-
ipsam naturam rei, secundum quam assignantur rados não de acordo com-a própria natureza dela,
praemissi gradus: sed secundum diversas homi- como faz a enumeração citada, mas conforme as
num conditiones. diversas situações humanas...

QUAESTIO CLXII QUESTÃO 162


DE SUPERBIA A SOBERBA
in octo articulos divisa em oito artigos
Deinde considerandum est de superbia. Et pri- Em seguida, deve-se tratar da soberba. Primei-
mo, de superbia in communi; secundo, de peccato ro, a soberba em geral, depois o pecado do primei-
primi hominis, quod ponitur esse superbia. ro homem, que se considera como de soberba.
Circa primum quaeruntur octo. Sobre o primeiro ponto, oito questões:
Primo: utrum superbia sit peccatum. 1. A soberba é um pecado?
Secundo: utrum sit vitium speciale. 2. É um vício especial?
Tertio: in quo sit sicut in subiecto. 3. Qual o seu sujeito?
Quarto: de speciebus eius. 4. Quais as suas espécies?
Quinto: utrum sit peccatum mortale. 5. É um pecado mortal?
Sexto: utrum sit gravissimum omnium pecca- 6. É o mais grave de todos os pecados?
torum.
Septimo: de ordine eius ad alia peccata. 7. Quais as suas relações com os outros
pecados?
Octavo: utrum debeat poni vitium capitale. 8. Deve a soberba ser vista como pecado
capital?

ÁARTICULUS 1 ARTIGO 1
Utrum superbia sit peccatum A soberba é um pecado?
AD PRIMUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod super- QUANTO AO PRIMEIRO ARTIGO, ASSIM SE PROCEDE:
bia non sit peccatum. parece que a soberba não é um pecado.
1. Nullum enim peccatum est repromissum a 1. Com efeito, nenhum pecado pode constituir
Deo: promittit enim Deus quod ipse facturus est; objeto de uma promessa de Deus, porque Deus
non est autem auctor peccati. Sed superbia connu- promete o que ele próprio vai fazer, mas não é
meratur inter repromissiones divinas: dicitur enim autor de nenhum pecado. Ora, a soberba vem
Is 60,15: Ponam te in superbiam saeculorum, citada como uma das promessas divinas: “Eu

1 ParaLL.: II Sent., dist. 42,q.2,a.3,ad 1.

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QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 1

gaudium in generatione et generationem. Ergo farei de ti o orgulho dos séculos, o entusiasmo


superbia non est peccatum.- das gerações e gerações”. Logo, a soberba não
é pecado.
2. PRAETEREA, appetere divinam similitudinem 2. ALÉM DISSO, não é pecado desejar ser seme-
non est peccatum: hoc enim naturaliter, appetit lhante a Deus, pois, naturalmente, todas as cria-
quaelibet creatura, et in hoc optimum eius consis- turas o desejam e está nisso o -seu bem máximo.
tit. Et praecipue hoc convenit rationali creaturae, Aliás, isso convém, particularmente, à criatura
quae facta est ad imaginem et similitudinem Dei. racional, criada à imagem e semelhança dele. Ora,
Sed sicut dicitur in libro Sententiarum Prosperi!, segundo Próspero, a soberba é “o amor da própria
superbia est amor propriae excellentiae, per quam excelência”, pela qual nos assemelhamos a Deus,
homo Deo similatur, qui est excellentissimus: unde que é o mais excelente dos seres. O que levou
dicit Augustinus, in II Confess2: Superbia celsitu- Agostinho a afirmar: “A soberba simula a vossa
dinem imitatur: cum tu sis unus super omnia Deus grandeza, pois só vós, Senhor, estais acima de
excelsus: Ergo superbia non est peccatum. todas as coisas”. Logo, a soberba não é pecado.
3. PRAETEREA, peccatum non solum contraria- 3. ADEMAIS, O pecado é contrário não só à virtu-
tur virtuti, sed etiam opposito vitio: ut patet per de, mas também ao vício oposto, como esclarece
Philosophum, in II Ethic?. Sed nullum vitium o Filósofo. Ora, não existe vício oposto à soberba.
invenitur oppositum esse superbiae. Ergo superbia Logo, a soberba não é pecado.
non est peccatum.
-SED CONTRA est quod dicitur Tb 4,14: Super- EM SENTIDO CONTRÁRIO, está no livro de Tobias:
biam nunquam in tuo sensu aut in tuo verbo do- “Nunca permitas que o orgulho domine o teu
minari permittas. > espírito ou as tuas palavras”.
REspoNDEO dicendum quod superbia nominatur REspoNDO. À palavra “soberba” vem de alguém
ex hoc quod aliquis per voluntatem tendit supra pretender, por vontade própria, pôr-se sobre aquilo
id quod est: unde dicit Isidorus, in libro Etymol.*: que é, conforme explica Isidoro: “O soberbo é
Superbus dictus est quia super vult videri quam assim chamado por desejar parecer superior ao
est: qui enim vult supergredi quod est, superbus que realmente é; pois, quem quer iracima do
est. Habet autem .hoc ratio recta, ut voluntas que é, é “soberbo”. Ora, pela reta razão, deve a
uniuscuiusque feratur in id quod est proportiona- vontade de cada um buscar o que lhe é propor-
tum sibi. Et ideo manifestum est quod superbia cional. E assim, evidentemente, a soberba implica
importat aliquid quod adversatur rationi rectae. algo que contraria a reta razão e aí está a razão
Hoc autem facit rationem peccati: quia secundum do pecado, pois, segundo Dionísio, o mal da alma
Dionysium, 4 cap. de Div. Nom, malum animae consiste em “preterir a razão”. Logo, é claro que
est praeter rationem. esse. Unde “manifestum est a soberba é pecado.
quod superbia est peccatum..
AD PRIMUM ergo dicendum quod superbia Quanto AO 1º, portanto, deve-se dizer que
dupliciter accipi potest. Uno modo, ex eo quod pode-se tomar a soberba em dois sentidos: num,
supergreditur regulam rationis. Et sic dicimus enquanto ela transgride a norma da razão e, en-
eam esse peccatum. — Alio modo potest superbia tão, é considerada pecado; noutro, enquanto pode
nominari simpliciter a superexcessu.'Et secundum significar, simplesmente, superabundância e, nesse
hoc, omne. superexcedens potest nominari super- sentido, tudo o que é superabunidante pode ser cha-
bia. Et ita repromittitur a Deo superbia, quasi mado de soberba. É nessa acepção que o Senhor
quidam superexcessus bonorum. Unde et glossa promete a soberba, como uma superabundância de
Hieronymif dicit, ibidem, quod est superbia bona, bens. Por isso, a Glosa de Jerônimo, comentando
et mala. — Quamvis etiam dici possit quod super- essa passagem, diz haver uma soberba boa e uma

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QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 1

bia ibi accipitur materialiter pro abundantia rerum soberba má. — Mas se poderia dizer também que
de quibus possunt homines superbire. a soberba, nesse lugar, é tomada em sentido mate-
rial, como a superabundância das coisas com que
podem os homens se -ensoberbecer.
- AD SECUNDUM dicendum quod eorum quae QUANTO AO 2º, deve-se dizer que a razão é a
naturaliter homo appetit, ratio est ordinatrix: et ordenadora das coisas que o homem, por natureza,
ita, si aliquis a regula rationis recedit, vel in plus deseja. Assim, será vicioso o apetite de quem se
vel in minus, erit talis appetitus vitiosus; sicut afasta da regra da razão, seja para mais, seja para
patet de appetitu cibi, qui naturaliter desieratur. menos, como o demonstra o apetite da comida,
Superbia autem appetit excellentiam in excessu que é, naturalmente, desejada. Ora, a soberba
ad rationem rectam: unde Augustinus dicit, in busca a excelência, excedendo aquilo que é da
XIV de Civ. Dei”, quod superbia est perversae reta razão. Por isso, diz Agostinho que ela é “o
celsitudinis appetitus. Ft inde est etiam quod, desejo de uma grandeza desmedida”. E ele mesmo
sicut Augustinus dicit, XIX de Civ. Deiº, superbia escreve que “a soberba imita a Deus, de maneira
perverse imitatur Deum. Odit namque cum sociis perversa, pois odeia ser igual aos outros, quérendo
aequalitatem sub illo, sed imponere vult sociis impor-lhe o seu domínio e não o do Senhor”.
dominationem suam pro illo.
AD TERTIUM dicendum quod superbia. directe Quanto AO 3º, deve-se dizer que a soberba
opponitur virtuti humilitatis, quae quodammodo opõe-se, diretamente, à virtude da humildade que,
circa eadem magnanimitati existit, ut supra” dic- em certo sentido, se ocupa com o mesmo objeto
tum est. Unde et vitium quod opponitur superbiae que a magnanimidade, como acima se disse. Por
in defectum vergens, propinquum est vitio pusilla- isso, O vício oposto à soberba,. por deficiência,
nimitatis, quae opponitur magnanimitati secundum está próximo da pusilanimidade, que se opõe, por
defectum. Nam sicut ad magnanimitatem pertinet deficiência, à magnanimidade. Na verdade, assim
impellere animum ad magna, contra desperatio- como é próprio da magnanimidade levar o espírito
nem; ita ad humilitatem pertinet retrahere animum a grandes coisas, em oposição ao desespero; assim
ab inordinato appetitu magnorum, contra prae- também cabe à humildade coibir a alma do dese jo
sumptionem. Pusillanimitas autem, si importet desordenado de grandes coisas, contrariando a
defectum a prosecutione magnorum, proprie presunção. Ora, a pusilanimidade, quando implica
opponitur magnanimitati per modum defectus; deficiência na busca de grandes coisas, opõe-se,
si autem importet applicationem animi ad aliqua propriamente, à magnanimidade, por deficiência;
viliora quam hominem deceant, opponetur humili- mas, quando implica a aplicação da alma a coisas
tati secundum defectum: utrumque enim ex animi mais vis e inconvenientes, opõe-se à humildade,
parvitate procedit. Sicut et e contrario superbia por deficiência, pois em ambos os casos, procede
potest secundum superexcessum et magnanimitati da pequenez da alma. Assim também, inversamen-
et humilitati opponi, secundum rationes diversas: te, a soberba pode, por superabundância, opor-se
humilitati quidem, secundum quod subiectionem tanto à magnanimidade como à humildade, por di-
aspernatur; magnanimitati autem, secundum quod ferentes motivos. Opõe-se à humildade, enquanto
inordinate ad magna se extendit. Sed quia super- despreza a submissão; à magnanimidade, enquanto
bia superioritatem quandam importat, directius busca, desordenadamente, as coisas grandes.
opponitur humilitati: sicut et pusillanimitas, quae Como, porém, a soberba implica certa superiori-
importat parvitatem animi in magna tendentis, dade, opõe-se mais diretamente à humildade; tal
directius opponitur magnanimitati. como a pusilanimidade, que envolve pequenez
de espírito na busca das grandes coisas, contraria
mais diretamente a magnanimidade:.

7. €C. 13,n. 1: ML 41, 420.


8 € 12,n 2: ML 41,639.
9.Q.161,a. 1,ad 3.

a. Esta solução também deve ser incluída no dossiê das relações entre humildade e magnanimidade. Observe-se que o
orgulho se contrapõe tanto à humildade quanto à magnanimidade, ainda que sob aspectos diferentes.

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QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 2

ARTICULUS2 ARTIGO 2
Utrum superbia sit speciale peccatum A soberba é um pecado especial?
AD SECUNDUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod QUANTO AO SEGUNDO, ASSIM SE PROCEDE: parece
superbia non sit speciale peccatum. que a soberba não é um pecado especial.
1. Dicit enim Augustinus, in libro de Nat. et 1. Com efeito, Agostinho. diz que “não se
Gratia!, quod sine superbiae appellatione, mullum encontrará nenhum pecado sem a marca da so-
peccatum invenies. Et Prosper dicit, in libro de berba”. E Próspero afirma: “Não pode, não pôde
Vita Contemplat.?, quod nullum peccatum absque e não poderá existir pecado sem soberba”. Logo,
superbia potest, vel potuit esse, aut poterit. Ergo a soberba é um pecado geral.
superbia est generale peccatum.
2. PRAETEREA, lob 33,17, Ut avertat hominem 2. ALÉM DISSO, sobre este trecho do livro de
ab iniquitate, dicit Glossa” quod contra Con- Jó: “a fim de afastar o homem do mal”, comenta
ditorem superbire est eius praecepta peccando a Glosa que ensoberbecer-se contra o Criador é
transcendere. Sed secundum Ambrosium”, omne transgredir seus preceitos pelo pecado”. Ora, se-
peccatum est transgressio legis divinae et cae- gundo Ambrósio, todo pecado é “uma transgressão
lestium inobedientia mandatorum. Ergo omne da lei divina e uma desobediência aos preceitos
peccatum est superbia. celestes”. Logo, todo pecado é soberba.
3. PRAETEREA, Omne peccatum speciale alicui 3. ADEMAIS, todo pecado especial opõe-se a uma
speciali virtuti opponitur. Sed superbia opponitur virtude especial. Ora, a soberba opõe-se a todas
omnibus virtutibus: dicit enim Gregorius, XXXIV as virtudes, pois Gregório diz: “A soberba não se
Moral: Superbia nequaquam est unius virtutis contenta, de maneira alguma, com a destruição de
extinctione contenta: per cuncta animae membra uma virtude apenas. Ela avança em todas as partes
se erigit, et quasi generalis ac pestifer morbus, da alma e, como doença generalizada e pestilenta,
corpus omne corrumpit. Et Isidorus dicit, in libro corrompe Oo corpo inteiro”. E Isidoro diz que ela
Etymol., quod est ruina omnium virtutum. Ergo é “a ruína de todas as virtudes”. Logo, a soberba
superbia non est speciale peccatum. não é um pecado especial.
4. PRAETEREA, omne peccatum speciale habet 4. ADEMAIS, todo pecado especial tem matéria
specialem materiam. Sed superbia habet gene- especial. Ora, a soberba tem matéria geral, pois
ralem materiam: dicit enim Gregorius, XXXIV Gregório declara que “uns se ensoberbecem com
Moral.', quod alter intumescit auro, alter elo- o ouro; outros, com a eloquência; outros, com
quio, alter infimis et terrenis rebus, alter summis coisas ínfimas e terrenas; outros, com virtudes
caelestibusque virtutibus. Ergo superbia non est sublimes e celestiais”. Logo, a soberba não é um
speciale peccatum, sed generale. pecado especial, mas geral.
SED CONTRA est quod Augustinus dicit, in libro EM SENTIDO CONTRÁRIO, há a sentença de
de Nat. et Gratia*: Quaerat: et inveniet, secundum Agostinho: “Investiga e verás que, segundo a lei
legem Dei, superbiam esse peccatum multum de Deus, a soberba é um pecado inteiramente
discretum ab aliis vitiis. Genus autem non dis- distinto dos demais pecados”. Ora, o gênero não
tinguitur a suis speciebus. Ergo superbia non est se distingue das suas espécies. Logo, a soberba
generale peccatum, sed speciale. não é um pecado geral, mas especial.
REspoNDEO dicendum quod peccatum superbiae REsponDO. O pecado da soberba pode ser consi-
dupliciter potest considerari. Uno modo, secun- derado.por dois ângulos. Primeiro, pelo seu caráter
dum propriam speciem, quam habet ex ratione específico, que vem do seu objeto próprio; e, nesse

2 ParaLL.: I-II, q. 84, a. 2; II Sent. dist. 5, q. 1,a. 3; dist. 42,q. 2, a.3,ad 1; De Malo,q.1,a. 1,ad 1,16;q.8,a.2.
1. C. 29: ML 44, 263.
2. IuLiANUS PoMeERIUS, De vita contempl., 1. II, c. 2, n. |: ML 59,476 B.
3. Ordin.: ML 113, 840 D.
4. De Paradiso, c. 8, n. 39: ML 14, 292 D.
S.C.23,al. 18. n. 48: ML 76, 744 D.
6. De Summo Bono, al. Sent., 1. II, c. 38, n. 7: ML 83,639C.
7.C. 23, al. 18, in vet. 19, n. 49: ML 76, 745 C.
8. Loc. cit.

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QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 2

proprii obiecti. Et hoc modo superbia est speciale caso, a soberba é um pecado especial, porque tem
peccatum, quia habet speciale obiectum: est enim um objeto especial, enquanto desejo desordenado
inordinâtus appetitus propriae excellentiae, ut da própria excelência, como foi dito.
dictum estº.
Alio modo potest considerari secundum redun- Segundo, pela influência que exerce sobre os
dantiam quandam in alia peccata. Ft -secundum outros pecados. Por esse ângulo, ele apresenta
hoc, habet quandam generalitatem: inquantum certa generalidade, porque dela podem surgir todos
scilicet ex superbia oriri possunt omnia peccata, os pecados, por duas razões. Primeiramente, de um
duplici ratione. Uno modo, per se: inquantum modo direto, ou seja, enquanto os outros pecados
scilicet alia peccata ordinantur ad finem superbiae, se ordenam ao fim da soberba, que-é a própria
qui est propria excellentia, ad quam potest ordinari excelência, à qual se pode ordenar tudo quanto,
omne id quod quis inordinate appetit. — Alio desordenadamente, se deseja. — Depois, indire-
modo, indirecte et quasi per accidens, scilicet tamente, e como que por acidente, pela supressão
removendo prohibens: inquantum scilicet per do obstáculo ao pecado, enquanto, pela soberba,
superbiam homo contemnit divinam legem, per o homem despreza a lei divina que proíbe pecar,
quam prohibetur a peccando; secundum illud ler segundo se lê em Jeremias: “Há muito quebraste
2,20: Confregisti iugum, rupisti vincula, dixisti: teu jugo, rompeste teus laços, dizendo: “Não vou
Non serviam. servir a ninguém”.
Sciendum tamen quod ad hanc generalitatem Cumpre saber, porém, que, graças a esse caráter
superbiae pertinet quod omnia vitia ex superbia geral da soberba, podem nascer dela, às vezes,
interdum oriri possunt: non autem ad eam pertinet todos os vícios, o que não significa que todos
quod omnia vitia semper ex superbia oriantur. nasçam sempre dela. Na verdade, pode alguém
Quamvis enim omnia praecepta legis possit aliquis transgredir, por um pecado qualquer, todos os
transgredi qualicumque peccato ex contemptu, preceitos da lei, por causa do desprezo que ele im-
qui pertinet ad superbiam; non tamen semper ex plica e é próprio da soberba. Contudo, nem sempre
contemptu aliquis praecepta divina transgreditur, se transgridem os preceitos divinos por desprezo,
sed quandoque ex ignorantia, quandoque ex in- mas, às vezes, por ignorância e, outras vezes, por
firmitate. Et inde est quod, sicut Augustinus dicit, fraqueza. Daí a palavra de Agostinho: “Muita
in libro de Nat. et Gratia!º, multa per peram fiunt, coisa má se pratica sem ser por soberba”.
quae non fiunt superbe.
AD PRIMUM ergo dicendum quod Augustinus illa Quanto AO 1º, portanto, deve-se dizer que
verba inducit, in libro de Nat. et Gratia, non ex Agostinho cita essas palavras não como suas, mas
persona sua: sed ex persona alterius, contra quem como de alguém com quem está discutindo. Tanto
disputat. Unde est postmodum improbat ea, osten- que depois as refuta, mostrando que nem sempre
dens quod non semper ex superbia peccatur. se peca por soberba.
Potest tamen dici quod auctoritates illae intelli- Todavia, pode-se dizer que essas citações se
guntur quantum ad exteriorem effectum superbiae, entendem quanto: ao efeito exterior da soberba,
qui est transgredi praecepta, qui est transgredi que é transgredir os preceitos, o que ocorre em
praecepta, quod invenitur in quolibet peccato: non todo pecado; mas não quanto ao ato interior da
autem quantum ad interiorem actum superbiae, qui soberba, que é o desprezo do mandamento, visto
est contemptus praecepti. Non-enim semper pecca- que-nem sempre se comete pecado por desprezo,
tum fit ex contemptu: sed quandoque-ex ignorantia, pois pecamos, às vezes, por ignorância ou por
quandoque ex infirmitate, ut dictum est!!. fraqueza, como ficou dito.
AD SECUNDUM dicendum quod quandoque ali- Quanto AO 2º, deve-se dizer que às vezes,
quis committit aliquod peccatum secundum effec- comete-se um pecado, efetivamente, não, porém,
tum, sed non secundum affectum: sicut ille qui afetivamente. £o caso de alguém que, sem saber,
ignoranter occidit patrem, committit parricidium mata o pai. O efeito é o parricídio, mas não houve
secundum effectum, sed non secundum affectum, afeto. Nesse sentido, dizemos que desobedecer

9. Art. praec., ad 2.
10. Loc. cit.
11. In corp.
QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 3

quia hoc non intendebat. Et secundum hoc, trans- a um preceito: de Deus é ensoberbecer-se con-
gredi praeceptum Dei dicitur esse contra Deum tra ele sempre, efetivamente, mas nem sempre
superbire, secundum effectum quidem semper, afetivamente.
non autem semper secundum affectum.
AD TERTIUM dicendum quod peccatum aliquod Quanto AO 3º, deve-se dizer que um pecado
potest corrumpere virtutem dupliciter. Uno modo, pode destruir a virtude de dois modos. Em pri-
per directam contrarietatem ad virtutem. Et hoc meiro lugar, contrariando-a, diretamente. E, desse
modo superbia non corrumpit quamlibet virtutem, modo, a soberba não destrói nenhuma virtude,
sed sola humilitatem: sicut et quodlibet aliud mas só a humildade, assim como qualquer outro
speciale peccatum corrumpit specialem virtutem pecado especial destrói a virtude especial a ela
sibi oppositam, contrarium agendo. oposta, atuando em sentido contrário.
Alio modo peccatum aliquod corrumpit virtu- Outra forma de um pecado destruir a virtude
tem abutendo ipsa virtute. Ft sic superbia cor- é usando mal dela. E assim a soberba destrói
rumpit quamlibet virtutem: inquantum scilicet ex qualquer virtude, quando dela tira a ocasião para
ipsis virtutibus sumit occasionem superbiendi, se orgulhar, como de qualquer outra coisa que
sicut et quibuslibet aliis rebus ad excellentiam implica excelência. E não se-segue daí que a
pertinentibus. Unde non sequitur quod sit generale soberba seja um pecado geral.
peccatum.
AD QUARTUM dicendum quod superbia attendit Quanto AO 4º, deve-se dizer que a soberba
specialem rationem obiecti, quae tamen inveniri considera uma especial razão do objeto que pode
potest in diversis materiis. Est enim inordinatus ser encontrada em diversas matérias. Ela. é, com
amor propriae excellentiae: excellentia autem efeito, um amor desordenado da própria exce-
potest in diversis rebus inveniri. lência. E excelência é algo que se pode ter em
diferentes domínios.

ÁRTICULUS 3 ARTIGO 3
Utrum superbia sit in A soberba tem como
irascibili sicut in subiecto su jeito o irascível?
AD TERTIUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod super- QUANTO AO TERCEIRO, ASSIM SE PROCEDE: parece
bia non sit in irascibili sicut in subiecto. que a soberba não tem como sujeito o irascível.
1. Dicit enim Gregorius, XXIII Moral.!: Obsta- 1. Com efeito, diz Gregório: “O obstáculo à
culum veritatis tumor.mentis est: quia, dum inflat, verdade é a arrogância da mente, porque à medida
obnubilat. Sed cognitio veritatis non pertinet ad que ela cresce, cega”. Ora, o conhecimento da
irascibilem, sed ad vim rationalem. Ergo superbia verdade não pertence ao irascível, mas à potência
non est in irascibili. racional. Logo, a soberba não está no irascível.
2. PRAETEREA, Gregorius dicit, XXIV Moral.?, 2. ALÉM DISSO, diz Gregório: “Os soberbos não
quod superbi noneorum vitam considerant quibus consideram a vida daqueles a quem, por humilda-
se humiliando postponant, sed quibus superbiendo de, se deveriam julgar inferiores, mas a daqueles a
se praeferant: et sic videtur superbia ex indebita quem, por orgulho, se. julgam superiores” e assim,
consideratione procedere. Sed consideratio: non parece.que a soberba procede de uma consideração
pertinet ad irascibilem, sed potius ad rationalem. errada. Ora, consideração é coisa da razão e não
Ergo superbia non est in irascibili, se potius in do irascível. Logo, a soberba não está no irascível,
rationali. mas na razão.
3. PRAETEREA, superbia non solum quaerit 3. ADEMAIS, à soberba busca a excelência não só
excellentiam in rebus sensibilibus, sed etiam in nas coisas sensíveis, mas também nas espirituais e
rebus spiritualibus et intelligibilibus. Ipsa etiam inteligíveis. Ela mesma, precipuamente, consiste
principaliter consistit in contemptu Dei: secundum no desprezo de Deus, segundo a Escritura: “O

3 ParALL.: De Malo, q. 8, a. 3; De Virtut., q. 1,a. 5, ad 10.


1. C. 17, al. 10, in vet. 16, n. 31: ML 76, 269 C.
2.C.8,al. 6, in vet. 12,n. 21: ML 76,298 BC.

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QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 3

illud Eccli 10,14: Initium superbiae hominis est começo do orgulho do homem é seu afastamento
apostatare a Deo. Sed irascibilis, cum sit pars do Senhor”. Ora, o irascível, como parte do apetite
appetitus sensitivi, non potest se extendere in sensitivo, não pode abranger Deus e as realida-
Deum et in intelligibilia. Ergo superbia non potest des inteligíveis. Logo, a soberba não pode estar
esse in irascibili. no irascível.
4. PRAETEREA, ut dicitur in libro Sententiarum 4. ADEMAIS, segundo Próspero, “a soberba é
Prosperi”, superbia est amor propriae excellentiae. o amor da própria excelência”. Ora, o amor não
Sed amor non est in irascibili, sed in concupisci- está no irascível, mas no concupiscível. Logo, a
bili. Ergo superbia non est in irascibili. soberba não está no irascível.
SED CONTRA est quod Gregorius, in II Moral, EM SENTIDO CONTRÁRIO, Gregório opõe à soberba
ponit contra superbiam donum timoris. Timor o dom do temor. Ora, o temor pertence ao irascí-
autem pertinet ad irascibilem. Ergo superbia est vel. Logo, a soberba está no irascível.
in irascibili.
REspoNDEO dicendum quod subiectum cuiuslibet RESPONDO. É preciso procurar o sujeito de qual-
virtutis vel vitii oportet inquirere ex proprio obiec- quer virtude ou vício no seu objeto próprio, pois
to: non enim potest esse aliud obiectum habitus vel um hábito ou um ato não pode ter outro objeto
actus nisi quod est obiectum potentiae quae utrique senão o da potência, que serve de sujeito a um e
subiicitur. Proprium autem obiectum superbiae est outro. Ora, o objeto próprio da soberba é alguma
arduum: est enim appetitus propriae excellentiae, coisa difícil, pois é o desejo da própria excelência,
ut dictum est”. Unde oportet quod superbia aliquo comofoi dito. E necessário, portanto, que a soberba
modo ad vim irascibilem pertineat. pertença, de algum modo, à potência irascível.
Sed irascibilis dupliciter accipi potest. Uno O irascível, porém, pode ser entendido em dois
modo, proprie. Et sic est pars appetitus sensitivi: sentidos. Primeiro, em sentido próprio e assim é
sicut et ira proprie sumpta est quaedam passio parte do apetite sensitivo, tal como a ira, propria-
sensitivi appetitus. — Alio modo, potest accipi mente dita, é uma paixão do apetite sensitivo. —
irascibilis largius, ut scilicet pertineat etiam ad Tomado, porém, em sentido mais largo, o irascível
appetitum intellectivum: cui etiam quandoque pode ser atribuído também ao apetite intelectivo,
attribuitur ira, prout scilicet attribuimus iram Deo ao qual também se atribui, às vezes, a ira, como,
et angelis, non quidem secundum passionem, sed por exemplo, quando falamos da ira de Deus ou
secundum iudicium iustitiae iudicantis. Et tamen dos anjos, não como de uma paixão, mas como
irascibilis sic communiter dicta non est potentia de um ato de justiça. Contudo, assim entendida, a
distincta a concupiscibili, ut patet ex his quae in potência irascível não é distinta da concupiscível,
Primo* dicta sunt. como fica evidente pelo exposto na I Parte.
Si ergo arduum quod est obiectum superbiae, Por conseguinte, se o difícil objeto da soberba
esset solum aliquid sensibile, in quod posset ten- fosse apenas alguma coisa sensível, a que poderia
dere appetitus sensitivus, oporteret quod superbia tender o apetite sensitivo, seria preciso que a sober-
esset in irascibili quae est pars appetitus sensitivi. ba estivesse no irascível, que faz parte do apetite
Sed quia arduum quod respicit superbia, commu- sensitivo. Mas como o difícil, visado pela soberba,
niter invenitur et in sensibilibus et in spiritualibus existe, em geral, tanto nas coisas sensíveis como
rebus, necesse est dicere quod subiectum super- nas espirituais, deve-se, forçosamente, admitir que
biae sit irascibilis non solum proprie sumpta, prout o sujeito da soberba é o irascível entendido não só
est pars appetitus sensitivi, sed etiam communius no sentido próprio, como parte do apetite sensitivo,
accepta, prout invenitur in appetitu intellectivo. mas também num sentido genérico, enquanto exis-
Unde et in daemonibus superbia ponitur. tente no apetite intelectivo*. Por essa razão é que
se atribui a soberba também aos demônios.

3. Sent. 294, al. 292: ML 51,471 B.


4.C.49,al.27, in vet. 36,n.77: ML 75,593A.
S.A. 1,ad2;a. 2.
6.Q.59,a.4;q.82,a. 5.
b. O caráter espiritual do pecado de orgulho é bastante valorizado aqui. O fato de que o orgulho como, de resto, a humil-
dade tenha sua sede no irascível, poderia ter obscurecido esse aspecto das coisas. Trata-se sem dúvida do irascível, mas de um
irascível que não se limita ao apetite sensível.
QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 3

AD PRIMUM ergo dicendum quod cognitio ve- Quanto Ao 1º, portanto, deve-se dizer que o
ritatis est duplex. Una pure speculativa. Et hanc conhecimento da verdade é duplo. Há o conhe-
superbia indirecte impedit, subtrahendo causam. cimento puramente especulativo e esse a soberba
Superbus enim neque Deo suum intellectum impede, indiretamente, eliminando-lhe a causa,
subiicit, ut ab eo veritatis cognitionem percipiat: pois o soberbo não submete seu intelecto a Deus,
secundum illud Mt 11,25: Abscondisti haec a para receber dele o conhecimento da verdade,
sapientibus et prudentibus, idest a superbis, qui conforme está no Evangelho: “Ocultaste isso aos
sibi sapientes et prudentes videntur, et revelasti sábios e aos inteligentes”, isto é, aos orgulhosos
ea parvulis, idest humilibus. Neque etiam ab ho- que se têm por sábios e inteligentes, “e o revelaste
minibus addiscere dignantur: cum tamen dicatur, aos pequeninos”, ou seja, aos humildes. Nem
Eccli 6,34: Si inclinaveris aurem tuam, scilicet dos homens o orgulhoso se digna aprender, não
humiliter audiendo, excipies doctrinam. obstante o conselho da Escritura: “Se quiseres”,
ouvindo com humildade, “serás instruído”.
Alia autem est cognitio veritatis affectiva. Et Outro modo de conhecer a verdade é o afetivo
talem cognitionem veritatis directe impedit su- e esse a soberba impede, diretamente, porque Os
perbia. Quia superbi, dum delectantur in propria orgulhosos, comprazando-se na própria excelên-
excellentia, excellentiam veritatis fastidiunt: ut cia, não sentem gosto na excelência da verdade,
Gregorius dicit, XXIII Moral.”, quod superbi et como diz Gregório: “Os soberbos, embora tenham
secreta quaedam intelligendo percipiunt, et ecorum certa percepção dos mistérios, não chegam a lhes
dulcedinem experiri non possunt: et si noverint sentir o sabor e se os conhecem, ignoram que
quomodo sunt, ignorant quomodo sapiunt. Unde gosto têm”. Daí a palavra da Escritura: “Com os
et Pr 11,2 dicitur: Ubi humilitas, ibi sapientia. humildes está a sabedoria”.
AD SECUNDUM dicendum quod, sicut supra QuanTO AO 2º, deve-se dizer que como antes
dictum est, humilitas attendit ad regulam rationis foi visto, à humildade se pauta pela regra da reta
rectae, secundum quam aliquis veram existima- razão, com a qual se possui a verdadeira estima de
tionem de se habet. Hanc autem regulam rectae si próprio. Mas a soberba não obedece a essa regra
rationis non attendit superbia, sed de se maiora da reta razão, antes julga-se mais do que real-
existimat quam sint. Quod contingit ex inordinato mente é. Isso acontece pelo apetite desordenado
appetitu propriae excellentiae: quia quod quis da própria excelência, pois o que, ardentemente,
vehementer desiderat, facile credit. Et ex hoc se deseja, facilmente se crê. Daí vêm também os
etiam eius appetitus in altiora fertur quam sibi arroubos do apetite para coisas mais altas, além
conveniant. Et ideo quaecumque ad hoc confe- do que é conveniente. E, por isso, todas coisas
rant quod aliquis existimet se supra id quod est, que levam alguém à superestima de si mesmo,
inducunt hominem ad superbiam. Quorum unum levam-no à soberba. Uma delas é ficar reparan-
est quod aliquis consideret defectus aliorum: sicut do os defeitos dos outros, quando, em sentido
e contrario Gregorius, ibidemº, dicit quod sancti inverso, “os santos, conforme observa Gregório,
viri virtutum consideratione vicissim sibi alios se dão preferência uns aos outros, atentando para
praeferunt. Ex hoc ergo non habetur quod super- as respectivas virtudes”. Não se conclui daí, pois,
bia sit in rationali: sed quod aliqua causa eius in que a soberba está no racional, mas sim que há
ratione existat. na razão alguma coisa dela.
AD TERTIUM dicendum quod superbia non est QUANTO AO 3º, deve-se dizer que a soberba não
solum in irascibili secundum quod est pars appe- existe só no irascível, enquanto este é parte do
titus sensitivi: sed prout communius irascibilis apetite sensitivo; mas enquanto o irascível é enten-
accipitur, ut dictum est!º. dido num sentido mais amplo, como se disse.
AD QUARTUM dicendum quod, sicut Augustinus QUANTO AO 4º, deve-se dizer que o amor, diz
dicit, XIV de Civ. Dei!!, amor praecedit omnes Agostinho, precede todas as outras afeições da
alias animi affectiones, et est causa earum. Et ideo alma e é a causa delas. Por isso, pode ser tomado

7. Loc. cit. in arg.


8 Q. 161,a. 2,6.
9. Loc. cit. in arg., n. 20: ML 76,298 A.
IO. In corp.
1.C.7,n. 2: ML 41,410; c. 9,n. 1: ML 41,413.

407
QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 4

potest poni pro qualibet aliarum affectionum. Et por qualquer dessas afeições. Assim considerada,
secundum hoc, superbia dicitur esse amor propriae a soberba se define como o amor da própria
excellentiae, inquantum ex amore causatur inor- excelência, na medida em que do amor nasce a
dinata praesumptio alios superandi, quod proprie desordenada presunção de superar os outros, o
pertinet ad superbiam. que se refere, precisamente, à soberba.

ÁRTICULUS 4 ARTIGO 4
“Utrum convenienter assignentur Estão corretamente
quatuor superbiae species apontadas as quatro espécies de
quas Gregorius assignat soberba, propostas por Gregório?
AD QUARTUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod QUANTO AO QUARTO, ASSIM SE PROCEDE: parece
inconvenienter assignentur quatuor superbiae não ser conveniente atribuir à soberba as quatro
species quas Gregorius assignat, XXIII Moral.!, espécies propostas por Gregório: “Quatro são as
dicens: Quatuor quippe sunt species quibus omnis manifestações que denunciam toda auto-exaltação
tumor arrogantium demonstratur: cum bonum dos arrogantes: uma é quando pensam que o bem
aut a semetipsis habere se aestimant; aut, si sibi que possuem vem deles mesmos; outra, quando
datum desuper credunt, pro suis hoc accepisse julgam ter recebido por méritos próprios o que
meritis putant; aut cum iactant se habere quod lhes foi concedido, gratuitamente, por Deus;
non habent; aut, despectis ceteris, singulariter uma terceira, quando se gloriam de ter o que na
videri appetunt habere quod habent. realidade não têm; e, enfim, a quarta, quando,
desprezando os outros, pretendem ostentar como
exclusivamente seus os bens que possuem”.
1. Superbia enim est vitium distinctum ab infi- 1. Com efeito, a soberba é um vício distinto
delitate: sicut etiam humilitas est virtus distincta da falta de fé, como a humildade é uma virtude
a fide. Sed quod aliquos existimet bonum se non distinta da fé. Ora, é por falta de fé que alguém
habere a Deo, vel quod bonum gratiae habeat ex pensa não vir de Deus o bem que possui, ou que
meritis propriis, ad infidelitatem- pertinet. Ergo obtém a graça divina por merecimento pessoal.
non debent poni species superbiae. Logo, esse procedimento não deve ser considerado
uma espécie de soberba.
2. PRAETEREA, idem non debet poni species 2. ALÉM DISSO, uma mesma coisa não deve ser
diversorum generum. Sed iactantia ponitur species vista como espécie de diferentes gêneros. Ora,
mendacii, ut supra? habitum est. Non ergo debet a jactância é. tida por- uma espécie de mentira,
poni species superbiae. como acima se estabeleceu. Logo, não deve ser
tida como espécie de soberba.
3. PRAETEREA, quaedam alia videntur ad super- 3. ADEMAIS, parece que pertencem à soberba
biam pertinere quae hic non connumerantur. Dicit outros atos aqui não contemplados, pois Jerônimo
enim Hieronymus” quod nihil est tam superbum declara que nada é tão soberba quanto parecer in-
quam ingratum videri. Et Augustinus dicit, XIV de grato. E Agostinho diz que é soberba escusar-se de
Civ. Dei*, quod excusare se de peccato commisso um pecado cometido. Por outro lado, a presunção,
ad superbiam pertinet. Praesumptio etiam, qua pela qual tentamos conquistar algo que nos supera,
quis tendit ad assequendum aliquid quod supra se parece que pertence, plenamente, à soberba. Logo,
est, maxime ad superbiam pertinere videtur: Non a referida classificação não parece abarcar todas
ergo sufficienter praedicta divisio comprehendit as espécies de soberba.
superbiae species.

4 ParaLL.: II Senr., dist. 42, q. 2, a. 4; De Malo, q. 8, a. 4;lI ad Cor., c. 4, lect. 2.


1. C.6,al. 4,in vet. 7,n. 13: ML 76,258C.
2.Q. 110,a. 2;q. 112.
3. Epist. 148 ad Celantiam, n. 4: ML 22, 1206.
4.C. 14: ML 41, 422.

408
QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 4

4: PRAETEREA, inveniuntur aliae divisiones 4. ADEMAIS, há outras divisões da soberba.


superbiae. Dividit enim Anselmus” exaltationem Anselmo, por exemplo, distingue três exaltações
superbiae, dicens quod quaedam est in voluntate, da soberba; 'a da vontade, a das palavras e a das
quaedam in sermone, quaedam in operatione. Ber- ações. E Bernardo discorre sobre doze graus de
nardus etiam* ponit duodecim gradus superbiae, soberba, a: saber: “a curiosidade, a leviandade de
qui sunt: curiositas, mentis levitas, inepta laetitia, espírito, a alegria tola, a jactância, a singularidade,
iactantia, singuláritas, arrogantia, praesumptio, a arrogância, a presunção, a defesa dos próprios
defensio peccatorum, simulata confessio, rebellio, pecados, a confissão fingida, a rebeldia, a liberda-
libertas, peccandi consuetisdo. Quae non videntur dee o hábito de pecar”. Ora, essas espécies não
comprehendi sub speciebus a Gregorio assignantis. parecem incluídas na classificação apresentada por
Ergo videtur quod inconvenienter assignentur. Gregório. Logo, esta não parece correta.
IN-CONTRARIUM sufficiat auctoritas Gregorii. EM SENTIDO CONTRÁRIO, baste a palavra de
Gregório.
REspoNDEO dicendum quod, sicut dictum est”, RESPONDO. A soberba implica o desejo imode-
superbia importat immoderatum excellentiae rado da própria excelência, isto é, o desacordo
appetitum, qui scilicet non est secundum rationem com a reta razão. Ora, deve-se observar que
rectam. Est autem considerandum quod quaelibet toda excelência decorre de algum bem realmen-
excellentia consequitur aliquod bonum habitum. te possuído, o que pode ser considerado de três
Quod-quidem potest considerari tripliciter. Uno maneiras. Primeiro, considerando o bem em si
modo, secundum se. Manifestum est enim quod mesmo, porque é evidente: quanto maior é o bem
quanto maius est bonum quod quis habet, tanto que alguém possui, tanto maior é a excelência por
per hoc maiorem excellentiam consequitur. Et ele gerada. Por isso, quando alguém se atribui um
ideo: cum aliquis attribuit sibi maius bonum quam bem maior que o seu, é claro que o seu apetite
habet, consequens est quod eius appetitus tendit tende a conseguir uma excelência própria além
in excellentiam propriam ultra modum sibi con- da: medida conveniente. E assim está a terceira
venientem. Et sic est tertia superbiae species: cum espécie de soberba: “gloriar-se de ter o que, real-
scilicet aliquis iactat se habere quod non habet. mente, não se tem”.
-Álio modo, ex parte causae: prout excellentius Em segundo lugar, visto em sua causa, é mais
est quod aliquod bonum insit alicui a seipso, excelente o bem possuído, quando provém de si
quam quod insit ei ab alio. Et ideo cum aliquis mesmo do que quandoé recebido de outro. Por
aestimat bonum quod habet ab alio,.ac si haberet essa razão, quando alguém considera um bem
a seipso, fertur per consequens appetitus: eius in recebido de outro como conquista sua, seu apetite
propriam. excellentiam supra suum modum. Est é levado a buscar a própria excelência além do
autem dupliciter aliquis causa sui boni: uno modo, que lhe é devido. Ora, de dois modos pode alguém
efficienter; alio modo, meritorie. Et secundum hoc ser causa do próprio bem: efetivamente ou merito-
sumuntur duae primae superbiae species: scilicet, riamente. Daí vêm as duas: primeiras espécies de
cum quis a semetipso habere aestimat quod a soberba: “pensar que o bem recebido de Deus vem
Deo habet, vel, cum propriis meritis sibi datum de si mesmo;.ou julgar ter recebido ;por méritos
desuper credit. : próprios o que. lhe foi concedido”.
Tertio modo;"ex parte modi habendi: prout Em terceiro. lugar, pode-se considerar o modo
excellentior aliquis redditur ex hoc quod aliquod de possuir um bem. Assim, alguém. adquire uma
bonum excellentius ceteris possidet. Unde et ex excelência superior, quando. possui um bem; de
hoc etiam fertur inordinate appetitus in propriam maneira mais excelente que:os outros. Donde
excellentiam. Et-secundum hoc. sumitur quarta resulta também que seu apetite é levado a bus-
species superbiae, quae. est cum aliquis, despectis car, de:forma desordenada, a própria excelência,
ceteris, singulariter vult videri. dando lugar, então, à quarta espécie dé soberba,
que é, desprezando os outros, querer ser visto
como o único.

“5. EaDMERUS, de Similitud., c. 22: ML 159, 612 C.


6. e gradibus humilitatis et superbiae, cc. 10-21: ML 182,957 B — 969 C.
7.A.1,ad2;aa. 2,3.

409
QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 4

AD PRIMUM ergo dicendum quod vera existi- Quanto AO 1º, portanto, deve-se dizer que a
matio potest corrumpi dupliciter. Uno modo, in verdadeira estima pode ser prejudicada de dois
universali. Et sic, in his quae ad finem pertinent, modos. Primeiro, de um modo universal e, nesse
corrumpitur vera existimatio per infidelitatem. sentido, nas coisas que concernem ao fim, a justa
— Álio modo, in aliquo particulari eligibili. Et estima é falseada pela falta de fé. — Depois, de
hoc non facit infidelitatem. Sicut ille qui fomi- um modo particular, quando se trata de um bem
catur, aestimat pro tempore. illo bonum esse sibi especial desejável, o que não constitui falta de fé.
fornicari: nec tamen est infidelis, sicut esset si Assim, quem fornica julga que, praticando esse
in universali diceret fornicationem esse bonam. ato, está realizando o seu bem, sem faltar, porém, à
Et ita etiam est in proposito. Nam dicere in uni- fé, o que aconteceria se dissesse, de maneira geral,
versali aliquod bonum esse quod non est a Deo, que fornicar é um bem. É o que se dá no nosso
vel gratiam hominibus pro meritis dari, pertinet caso, pois dizer, de modo universal, que existem
ad infidelitatem. Sed quod aliquis, ex inordinato bens que não vêm de Deus ou que a graça lhe é
appetitu propriae excellentiae, ita de bonis suis outorgada por seus méritos, constitui falta de fé.
glorietur ac si ea a se haberet vel ex meritis Mas constitui soberba e não, propriamente, falta
propriis, pertinet ad superbiam, et non ad infide- de fé, gloriar-se, por um apetite desordenado, da
litatem, proprie loquendo. própria excelência, como se possuísse os bens por
si mesmo, ou por seus méritos pessoais.
AD SECUNDUM dicendum quod iactantia ponitur QUANTO AO 2º, deve-se dizer que considera-se
species mendacii quantum ad exteriorem actum, a jactância uma espécie de mentira, quanto ao ato
quo quis falso sibi attribuit quod non habet. Sed exterior, pelo qual alguém, falsamente, se arroga
quantum ad interiorem cordis arrogantiam, ponitur o que não possui. Pensando, porém, na arrogância
a Gregorio species superbiae. interior do coração, Gregório a considera como
uma espécie de soberba.
AD TERTIUM dicendum quod ingratus est qui sibi QUANTO AO 3º, deve-se dizer que ingrato é o
attribuit quod ab alio habet. Unde duae primae que se atribui algo que de outro recebeu. Por isso,
superbiae species ad ingratitudinem pertinent. — as duas primeiras espécies de soberba pertencem
Quod autem aliquis se excuset de peccato quod à ingratidão. — Mas escusar-se de um pecado
habet, pertinet ad tertiam speciem: quia per hoc cometido é a terceira espécie, pois, nessa hipóte-
aliquis sibi attribuit bonum innocentiae, quod non se, a pessoa se atribui algo que não tem, a saber,
habet. — Quod autem aliquis praesumptuose ten- o dom da inocência. — Por outro lado, buscar,
dit in id quod supra ipsum est, praecipue videtur presunçosamente, algo que o ultrapassa, parece
ad: quartam speciem pertinere, secundum quam ser atitude incluída na quarta espécie, pela qual
aliquis vult aliis praeferri. se pretende ser superior aos demais.
AD QUARTUM dicendum quod illa tria quae po- Quanto Ao 4º, deve-se dizer que as três es-
nit Anselmus, accipiuntur secundum progressum pécies apresentadas por Anselmo baseiam-se no
peccati cuiuslibet: quod primo, corde concipitur; processo normal de qualquer pecado: primeiro,
secundo, ore profertur, tertio, opere perficitur. é concebido no coração; depois, é expresso por
Ila autem duodecim quae ponit Bernardus, palavras e, por fim, consumado por obras. Já os
sumuntur per oppositum ad duodecim gradus doze graus indicados por Bernardo figuram em
humilitatis, de quibus supra* habitum est. Nam oposição aos doze graus de humildade, acima
primus gradus humilitatis est, corde et corpore referidos. Com efeito, o primeiro grau de humil-
semper humilitatem ostendere, defixis in terram dade consiste em “ter os olhos sempre baixos,
aspectibus. Cui opponitur curiositas, per quam manifestando humildade interior e exterior”, a
aliquis curiose ubique et inordinate circumspicit. que se opõe a “curiosidade”, que leva a olhar por
— Secundus gradus humilitatis est, ut pauca verba toda a parte, com indiscrição e desordenadamente.
et rationabilia loquatur aliquis, non clamosa voce. — O segundo grau de humildade é “falar pouco
Contra quem opponitur levitas mentis, per quam e sensatamente, em voz baixa”, a que se opõe
scilicet homo superbe se habet in verbo. — Ter- a “leviandade de espírito”, pela qual se fala de
tius gradus humilitatis est, ut non sit facilis aut forma orgulhosa. — O terceiro grau de humilda-

8. Q. 161,a. 6.

410
QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 5

promptus in risu. Cui opponitur inepta laetitia. de consiste em “não ser de riso pronto e fácil”,
— Quartus gradus humilitatis est taciturnitas us- a que se opõe a “alegria tola”. — O quarto grau
que ad interrogationem. Cui opponitur iactantia. de humildade é “manter-se calado, enquanto não
— Quintus gradus humilitatis est, tenere -quod for interrogado”, a que se opõe a “jactância”. —
communis regula monasterii habet. Cui opponitur O quinto grau de humildade é “observar o que
singularitas: per quam scilicet aliquis sanctior prescreve a regra comum do mosteiro”, a que se
vult apparere. — Sextus gradus humilitatis est, opõe a “singularidade”, pela qual alguém julga
credere et pronuntiare se omnibus viliorem. Cui parecer mais santo do que é. — O sexto grau de
opponitur arrogantis: per quam scilicet homo se humildade é “reconhecer-se e mostrar-se o mais
aliis praefert. — Septimus gradus humilitatis est, digno de todos”, a que se opõe a “arrogância”, pela
ad omnia inutilem et indignum se confiteri et qual alguém se julga superior aos outros. — O
credere. Cui opponitur praesumptio: per quam sétimo grau de humildade é “julgar-se, sincera-
scilicet aliquis reputat se sufficientem ad maio- mente, indigno e inútil em tudo”, a que se opõe
ra. — Octavus gradus humilitatis est confessio a “presunção”, pela qual alguém se crê capaz das
peccatorum. Cui opponitur defensio peccatorum. maiores coisas. — O oitavo grau de humildade é
— Nonus gradus est, in duris et asperis patientiam “confessar os próprios pecados”, a que se opõe a
amplecti. Cui opponitur simulata confessio: per “defesa dos próprios pecados”. — O nono grau
quam scilicet aliquis non vult subire poenam pro de humildade é “suportar, pacientemente, o que
peccatis, quae simulate confitetur. — Decimus é duro e difícil”, a que se opõe a “confissão fin-
gradus humilitatis est obedientia. Cui opponitur gida”, pela qual alguém recusa assumir o castigo
rebellio. — Undecimus autem gradus est, ut homo dos seus pecados, simuladamente confessados.
non delectetur facere propriam voluntatem. Cui — O décimo grau de humildade é a obediência,
opponitur libertas: per quam scilicet homo delec- a que se opõe a “rebeldia”. — O undécimo grau
tatur libere facere quod vult. — Ultimus autem de humildade é “não se comprazer na vontade
gradus humilitatis est timor Dei. Cui opponitur própria”, a que se opõe a “liberdade” com que
peccandi consuetudo, quae implicat Dei contemp- alguém se compraz em fazer, sem mais, o que
tum. — In his autem duodecim gradibus tanguntur quer. — Enfim, o duodécimo grau de humildade
non solum superbiae species, sed etiam quaedam é “temer a Deus”, a que se opõe o “hábito de
antecedentia et consequentia: sicut etiam supra de pecar”, que significa o desprezo de Deus.
humilitate dictum est. Nesses doze graus de humildade contemplam-
se não só as espécies de soberba, mas também
suas causas e consequências, como foi dito acima,
tratando da humildade.

ARTICULUS 5 ARTIGO 5
Utrum superbia sit peccatum mortale A soberba é um pecado mortal?
AD QUINTUM SIC 'PROCEDITUR. Videtur quod su- QUANTO AO QUINTO, ASSIM SE PROCEDE: parece
perbia non sit peccatum mortale. que a soberba não é um pecado mortal.
1. Quia super illud Psalmi (Ps 7,4], Domine 1. Com efeito, âquilo do Salmo: “Senhor, meu
Deus meus si feci istud, dicit Glossa!: scilicet Deus, se fiz isso...”,a saber, “o pecado universal,
universale peccatum, quod est superbia. Si igitur que é a soberba”, comenta a Glosa. Logo, se a
superbia esset peccatum mortale, omne peccatum soberba fosse pecado mortal, todo pecado seria
esse mortale. mortal.
2. PRAETEREA, Oomne peccatum contrariatur cari- 2. ALÉM DISSO, todo pecado vai contra a ca-
tati. Sed peccatum superbiae non videtur contrariari ridade. Ora, a soberba não parece contrariar a
caritati, neque quantum ad dilectionem Dei, neque caridade, nem quanto ao amor a Deus nem quanto
quantum ad dilectionem proximi: quia excellentia ao amor ao próximo, visto que a excelência busca-
quam quis inordinate per superbiam appetiti, non da, desordenadamente, pela soberba, nem sempre

5 ParaLL.: IV Sent., dist. 33. q. 1,a. 3, qla 2, ad 3.


1. Ordin.: ML 113,853 C; LomBarDI: ML 191, 112 D.

su
QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 5

semper contrariatur honori Dei aut utilitati proximi. contraria a glória de Deus ou o bem do próximo.
Ergo superbia non est peccatum mortale. Logo, a soberba não é pecado mortal.
3. PRAETEREA, Omne peccatum mortale contra- 3. ADEMAIS, todo pecado mortal atenta contra
riatur virtuti. Sed superbia non contrariatur virtuti, a virtude. Ora, a soberba não atenta contra a vir-
sed potius ex ea oritur: quia, ut Gregorius dicit, tude, antes nasce dela, pois, como diz Gregório,
XXXIV Moral.?, aliquando homo ex summis ca- “o homem, às vezes, se orgulha de virtudes
elestibusque virtutibus intumescit. Ergo superbia sublimes e celestiais”. Logo, a soberba não é
non est peccatum mortale. pecado mortal.
SED CONTRA est quod Gregorius, in eodem Em SENTIDO CONTRÁRIO, Gregório escreve, na
libro”, dicit quod evidentissimum reproborum sig- mesma obra, que “a soberba é a marca mais evi-
num superbia est: at contra, humilitas electorum. dente dos réprobos; e, ao contrário, a dos eleitos
Sed homines non fiunt reprobi pro peccatis ve- é a humildade”. Ora, os homens não se tornam
nialibus. Ergo superbia non est peccatum veniale, réprobos por pecados veniais. Logo, a soberba
sed mortale. não é pecado venial, mas mortal.
REspoNDEO dicendum quod superbia humilitati RESPONDO. À soberba opõe-se à humildade. Pro-
opponitur. Humilitas autem proprie respicit su- priamente ela diz respeito à submissão do homem
biectionem hominis ad Deum, ut supra” dictum a Deus. E por isso que, em sentido contrário, a
est. Unde e contrario superbia proprie respicit soberba, propriamente diz respeito à falta dessa
defectum huius subiectionis: secundum scilicet submissão, na medida em que alguém se exalta
quod aliquis se extollit supra id quod est sibi pra- acima do que a regra ou a medida divina estabe-
efixum secundum divinam regulam vel mensuram; leceram. Contra isso diz o Apóstolo: “Quanto a
contra id quod Apostolus dicit: Nos autem non nós, não nos orgulharemos sem limite, mas servir-
in immensum gloriamur: sed secundum mensu- nos-emos, como medida, da própria norma que
ram qua mensus est nobis Deus. Et ideo dicitur Deus nos atribuiu”. E o livro do Eclesiástico: “O
Eccli 10,14, quod initium superbiae hominis est começo do orgulho do homem é seu afastamento
apostatare a Deo: scilicet, in hoc radix superbiae do Senhor”, ou seja, a raiz da soberba está em
consideratur, quod homo aliqualiter non subditur o homem, de alguma maneira, não se submeter
Deo et regulae ipsius. Manifestum est autem quod a Deus e à sua regra. Ora, é claro que o não
hoc ipsum quod est non subiici Deo, habet ratio- se submeter a Deus é pecado mortal, porque é
nem peccati mortalis: hoc enim est averti a Deo. afastar-se dele. Consequentemente, a soberba é,
Unde consequens est quod superbia, secundum em si mesma, pecado mortal.
suum genus, sit peccatum mortale.
Sicut tamen in aliis quae ex suo genere sunt Entretanto, como em outras matérias que são,
peccata mortalia, puta in fornicatione et adulterio, em si mesmas, pecado mortal, como a fornicação
sunt aliqui motus qui sunt peccata venialia propter e o adultério, há movimentos que são pecados
eorum imperfectionem, quia scilicet praeveniunt veniais, pela sua imperfeição, porque anteriores
rationis iudicium et sunt praeter eius consensum; ao julgamento da razão e sem consentimento, o
ita etiam et circa superbiam accidit quod aliqui mesmo se dá com a soberba, cujos movimentos,
motus superbiae sunt peccata venialia, dum eis às vezes, são pecados leves, porque praticados
ratio non consentit. sem o consentimento da razão.
AD PRIMUM ergo dicendum quod, sicut supra” Quanto AO 1º, portanto, deve-se dizer que a
dictum est, superbia non est universale peccatum soberba não é um pecado universal, por essência,
secundum suam essentiam, sed per quandam re- mas por certa redundância, ou seja, porque dela
dundantiam: inquantum scilicet ex superbia omnia todos os pecados podem surgir. Não se segue daí
peccata oriri possunt. Unde non sequitur quod que todos os pecados sejam mortais, mas apenas
omnis peccata sint mortalia: sed solum quando quando procedem da soberba completa, que já
oriuntur ex superbia completa, quam diximus esse dissemos ser pecado mortal.
peccatum mortale.

2. €C. 23,al. 18, in vet. 19, n. 49: ML 76, 745 C.


3.C.23,al. 18,n.56: ML 76,750 A.
4.Q. 161,a. 1,ads.
5. Art. 2.

412
QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 6

AD SECUNDUM dicendum quod superbia semper Quanto AO 2º, deve-se dizer que a soberba
quidem contrariatur dilectioni divinae: inguantum sempre vai contra o amor a Deus, porque o sober-
scilicet superbus non se subiicit divinae regulae bo não se sujeita à norma divina. Ela, por vezes,
prout debet. Et quandoque etiam contrariatur vai também contra o amor ao próximo, quando,
dilectioni proximi: inquantum scilicet aliquis inor- por exemplo, alguém se põe, desordenadamente,
dinate se praefert proximo, aut ab eius subiectione acima do próximo ou se esquiva da submissão
se subtrahit. In quo etiam derogatur divinae regu- a ele, derrogando também assim a regra divina,
lae, ex qua sunt hominum ordines instituti: prout que institui uma hierarquia entre os homens, em
scilicet unus eorum sub alio esse debet. virtude da qual uns devem sujeitar-se a outros.
AD TERTIUM dicendum quod superbia non oritur QUANTO AO 3º, deve-se dizer que a soberba não
ex virtutibus sicut ex causa per se, sed sicut ex nasce das virtudes como de uma causa essencial,
causa per accidens: inquantum scilicet aliquis ex mas como de uma causa acidental, na medida
virtutibus occasiones superbiae sumit. Nihil autem em que se pode tirar delas ocasião de soberba.
prohibet quin unum contrariorum sit alterius causa Nada impede, porém, que uma coisa seja causa
per accidens, ut dicitur in VIII Physic*. Unde acidental de outra que lhe é contrária, como diz o
etiam et de ipsa humilitate aliqui superbiunt. livro VIII da Física. Por isso, há quem se orgulhe
até da própria humildade.

ÁRTICULUS 6 ARTIGO 6
Utrum superbia sit A soberba é o mais grave
gravissimum peccatorum dos pecados?
AD SEXTUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod super- QUANTO AO SEXTO, ASSIM SE PROCEDE: parece que
bia non sit gravissimum peccatorum. a soberba não é o mais grave dos pecados*. |
1. Quanto enim aliquod peccatum difficilius 1. Com efeito, quanto mais leve parece um
cavetur, tanto videtur esse levius. Sed superbia pecado, tanto mais difícil é de ser evitado. Ora,
difficillime cavetur: quia sicut Augustinus dicit, a soberba dificilmente se evita, pois, como diz
in Regula!, cetera peccata in malis operibus Agostinho, “os outros pecados acontecem na exe-
exercentur, ut fiant: superbia vero bonis operi- cução de más obras, ao passo que a soberba se
bus insidiatur, ut pereant. Ergo superbia non est imiscui nas obras boas, para destruí-las”. Logo, a
gravissimum peccatum. soberba não é o mais grave dos pecados.
2. PRAETEREA, maius malum maiori bono op- 2. ALÉM Disso, “a um bem maior opõe-se um
ponitur, ut Philosophus dicit, in VIII Ethic2. Sed mal maior”, diz o Filósofo. Ora, a humildade, a
humilitas, cui opponitur superbia, non est maxima que se opõe a soberba, não é a maior das virtudes,
virtutum, ut supra” habitum est. Ergo et vitia quae como já se explicou. Logo, vícios como a falta
opponuntur maioribus virtutibus, puta infidelitas, de fé, o desespero, o ódio a Deus, o homicídio e
desperatio, odium Dei, homicidium, et alia huius- outros semelhantes, opostos a virtudes mais im-
modi, sunt graviora peccata quam superbia. portantes, são mais graves que a soberba.
3. PRAETEREA, maius malum non punitur per 3. ADEMAIS, um mal maior não é punido por um
minus malum. Sed superbia interdum punitur per mal menor. Ora, a soberba, às vezes, é punida por
alia peccata: ut patet Rm 1,28, ubi dicitur quod outros pecados, como se evidencia na Carta aos

6.C.1:251,9,29 — b,1.
6 PARALL.: Infra, a. 7, ad 4; in Psalm. 18; Il ad Cor. c. 12, lect. 3.
1. Epist. 211, al. 109, n. 6: ML 33, 960.
2.C. 12: 1160, b, 9-12.
3.Q. 16l,a.5.

c. Quando Sto. Tomás se pergunta, o que ele faz com frequência, se tal ou qual vício não seria o mais grave de todos,
ele escolhe objeções que mostrem a gravidade do vício, para estabelecer, em sua resposta, que não se trata, apesar de tudo, da
gravidade suprema. Em matéria de orgulho, a perspectiva é invertida: as objeções tendem a provar que o orgulho não é o mais
grave dos pecados. É introduzir uma resposta que provará que o orgulho, sob um aspecto efetivamente essencial, é de fato o
que há de mais grave. O orgulho, portanto, é muito mal cotado.

413
QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 6

philosophi propter elationem cordis traditi sunt in Romanos, onde se afirma que os filósofos, pela
reprobum sensum, ut faciant quae non conveniunt. arrogância de coração, “Deus os entregou à sua
Ergo superbia non est gravissimum peccatorum. inteligência insensata: por isso fazem o que não
deveriam fazer”. Logo, a soberba não é o mais
grave dos pecados.
SED CONTRA est quod super illud Psalmi [Ps EM SENTIDO CONTRÁRIO, à propósito do Salmo:
118,51), Superbi inique agebant usquequaque, “Os orgulhosos caçoaram muito de mim”, a Glosa
dicit Glossa*: Maximum peccatum in homine est diz: “O maior pecado do homem é a soberba”.
superbia.
RESPONDEO dicendum quod in peccato duo RESPONDO. Deve-se atentar para dois aspectos
attenduntur: scilicet conversio ad commutabile do pecado: a conversão a um bem efêmero, que
bonum, quae materialiter se habet in peccato: et é o aspecto material do pecado, e a aversão a um
aversio a bono incommutabili, quae est formalis et bem eterno, seu aspecto formal e acabado. Ora,
completiva peccati. Ex parte autem conversionis, na conversão, a soberba nada tem que a faça o
non habet superbia quod sit maximum peccatorum: maior dos pecados, porque a grandeza exagerada-
quia celsitudo, quam superbus inordinate appetit, mente desejada pelo soberbo não expressa, por si
secundum suam rationem non habet maximam mesma, uma oposição maior ao bem da virtude.
repugnantiam ad bonum virtutis. Sed ex parte Na aversão, porém, a soberba encerra a gravidade
aversionis, superbia habent maximam gravitatem: máxima, pois nos outros pecados o homem se
quia in aliis peccatis homo a Deo avertitur vel afasta de Deus por ignorância, fraqueza ou busca
propter ignorantiam, vel propter infirmitatem, sive de outro bem, enquanto que a soberba se afasta de
propter desiderium cuiuscumque alterius boni; Deus, precisamente, porque não quer 'se submeter
sed superbia habet aversionem a Deo ex hoc ipso a ele e à sua lei. Por isso, diz Boécio: “Todos os
quod non vult Deo et eius regulae subiici. Unde vícios se afastam de Deus; só a soberba se opõe
Boetius? dicit quod cum omnia vitia fugianta Deo, a ele”. Razão por que vem enfatizado na Carta
sola superbia se Deo opponit. Propter quod etiam de Tiago: “Aos orgulhosos Deus resiste”. Assim,
specialiter dicitur Iac 4,6, quod Deus superbis pois, afastar-se de Deus e dos seus mandamentos,
resistit. Et ideo averti a Deo et eius praeceptis, que nos outros pecados é como uma consequência,
quod est quasi consequens in aliis peccatis, per é essencial à soberba, cujo ato é o desprezo de
se ad superbiam pertinet, cuius actus est Dei Deus. E como o essencial é mais importante que o
contemptus. Et quia id quod est per se, semper acidental, segue-se que a soberba é, em si mesma,
est potius eo quod est per aliud, consequens est o mais grave dos pecados, enquanto a todos supera
quod superbia sit gravissimum peccatorum secun- pela aversão, elemento formal do pecado.
dum suum genus: quia excedit in aversione, quae
formaliter complet peccatum.
AD PRIMUM ergo dicendum quod aliquod pecca- QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que por
tum difficile cavetur dupliciter. Uno modo, propter dois motivos é difícil de se evitar um pecado.
vehementiam impugnationis: sicut ira vehementer Primeiramente, pela violência do seu ataque,
impugnat propter suum impetum. Et adhuc difji- como a ira, cujo impulso atinge tão fortemente. E
cilius est resistere concupiscentiae, propter eius “ainda mais difícil de resistir é a concupiscência”,
connaturalitatem, ut dicitur in II Ethic.º. Et talis por sua conaturalidade, como se diz no livro II da
difficultas vitandi peccatum gravitatem peccati Ética. Essa dificuldade de evitar o pecado diminui
diminuit: quia quanto aliquis minoris tentationis a sua gravidade, pois quanto menor o ímpeto da
impetu cadit, tanto gravius peccat, ut Augustinus tentação em que se cai, mais gravemente se peca,
dicit”. diz Agostinho.
Alio modo difficile est vitare aliquod peccatum Outro motivo porque é difícil de se evitar um
propter eius latentiam. Et hoc modo superbiam pecado é a sua existência latente. E, desse modo,

4. LomBarDI: ML 191, 1069 C.


5. Vide CASsiANUM, De Coenob. Instit., 1. XII, c. 7: ML 49,434 A.
6.C.2: 1105,a,7-13.
7. Cfr. De Civ. Dei, 1. XIV, c. 12: ML 41,420: c. 15,n. 1: ML 41,423.

414
QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 6

difficile est vitare: quia etiam ex ipsis bonis oc- é difícil evitar a soberba, porque ela se aproveita
casionem sumit, ut dictum est. Et ideo signanter até dos mesmos bens, como foi dito. Por isso,
Augustinus dicit quod bonis operibus insidiatur: Agostinho insiste em que a soberba “se imiscui
et in Psalmoº dicitur: In via hac qua ambulabam, em meio às boas obras”. E o Salmo diz: “No ca-
absconderunt superbi laqueum mihi. Et ideo mo- minho pelo qual eu ando, os soberbos armaram-me
tus superbiae occulte subrepens non habet maxi- uma cilada”. Portanto, um movimento subreptício
mam gravitatem, antequam per iudicium rationis de soberba não tem gravidade máxima, antes de
deprehendatur. Sed postquam deprehensus fuerit captado pelo juízo da razão. Depois, porém, que
per rationem, tunc facile evitatur. Tum ex conside- a razão o percebeu, então facilmente é evitado,
ratione propriae infirmitatis: secundum illud Eccli seja considerando a própria fragilidade, conforme
10,9: Quid superbit terra et cinis? Tum etiam ex fala o livro do Eclesiástico: “Por que se orgulha
consideratione magnitudinis divinae: secundum quem é terra e cinza?”; seja também consideran-
illud Iob 15,13: Quid tumet contra Deus spiritus do a grandeza divina, segundo Jó: “Por que, diz
tuus? Tum etiam ex imperfectione bonorum de um amigo de Jó, se incha o teu espírito contra
quibus homo superbit: secundum illud Is 40,6: Deus?”; seja, enfim, considerando a imperfeição
Omnis caro faenum, et omnis gloria eius quasi dos bens de que o homem se orgulha, de acordo
flos agri; et infra, 64,6: Quasi pannus menstruatae com o livro de Isaías: “Toda carne é erva e toda
universae iustitiae nostrae. a sua glória é como a flor dos campos”, e mais
adiante: “Todos os nossos atos de justiça são como
panos manchados”*.
AD SECUNDUM dicendum quod oppositio vitii QUANTO AO 2º, deve-se dizer que mede-se a opo-
ad virtutem attenditur secundum obiectum, quod sição do vício à virtude pelo objeto considerado
consideratur ex parte conversionis. Et secundum relativamente à conversão. E a essa luz a soberba
hoc superbia non habet quod sit maximum pec- não tem por que ser o maior dos pecados, como
catorem: sicut nec humilitas quod sit maxima a humildade também nada tem .para ser a maior
virtutum. Sed ex parte aversionis est maximum, das virtudes. Relativamente à aversão, porém,
utpote aliis peccatis magnitudinem praestans. Nam a soberba é o pecado maior, porque supera em
per hoc ipsum infidelitatis peccatum gravius re- grandeza os demais pecados. O próprio pecado da
dditur, si ex superbiae contemptu procedat, quam infidelidade torna-se mais grave, quando procede
si ex ignorantia vel infirmitate proveniat. Et idem da arrogância da soberba, do que quando vem da
dicendum est de desperatione et aliis huiusmodi. ignorância ou da fraqueza. Diga-se o mesmo do
desespero e de outros pecados análogos.
AD TERTIUM dicendum quod, sicut in syllogis- QuanTO AO 3º, deve-se dizer que assim como
mis ducentibus ad impossibile quandoque aliquis nos silogismos que levam ao absurdo, a pessoa, às
convincitur per hoc quod ducitur ad inconveniens vezes, se convence porque levada a uma conclusão
magis manifestum; ita etiam, ad convincendum mais claramente inadmissível, assim também,
superbiam hominum, Deus aliquos punit per- para vencer a soberba dos homens, Deus castiga,
mittens eos ruere in peccata carnalia, quae, etsi deixando que eles caiam em pecados carnais que,
sint minora, tamen manifestiorem turpitudinem embora menos graves, contudo encerram uma
continent. Unde Isidorus dicit, in libro de Summo torpeza mais manifesta. Por isso, diz Isidoro: “A
Bono!º, omni vitio deteriorem esse superbiam: soberba é pior que qualquer vício, ou porque é
seu propter quod a summis personis et primis praticada por pessoas eminentes e principais, ou
assumitur; seu quod de opere iustitiae et virtutis porque decorre das obras de justiça e de virtude,
exoritur, minusque culpa eius sentitur. Luxuria nas quais menos se sente a culpa. A luxúria da
vero carnis ideo notabilis omnibus est, quoniam carne, ao contrário, é um pecado de todos mais

8. A.5,ad 3.
9. Ps. 139,6; 141,4.
10. Al. Sentent., 1. II,c. 38,n. |: ML 83,639 A B.
d. Sto. Tomás muitas vezes nos desconcerta por sua placidez. A dar-lhe ouvidos aqui, o orgulho, uma vez desmascarado,
seria fácil de desmontar pela mera consideração de nossa nulidade. A experiência comum diria, pelo contrário, que, mesmo
descoberto, o orgulho será terrivelmente difícil de extirpar, e que considerações sobre a nossa própria nulidade não o alteram
muito. Seria preciso ter a humildade de um Sto. Tomás para triunfar do orgulho pela simples limpidez do olhar.
QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 7

statim per se turpis est. Et tamen, dispensante visível, porque aparece, imediatamente e por si.
Deo, superbia minor est, sed qui detinetur su- mesma, vergonhosa. Deus, no entanto, a permite, .
perbia et non sentit, labitur in carnis luxuriam, às vezes, como menos grave que a soberba, para
ut per hanc humiliatus, a confusione exurgat. Ex despertar a consciência do orgulhoso, a fim de |
quo etiam patet gravitas peccati superbiae. Sicut que, humilhado e confuso, se reerga”. Daí tam-
enim medicus sapiens in remedium maioris morbi bém se deduz a gravidade da soberba, pois, assim
patitur infirmum in leviorem morbum incidere, ita como o médico experiente deixa que o paciente
etiam peccatum superbiae gravius esse ostenditur caia em doença mais leve, como remédio de um
ex hoc ipso quod pro eius remedio Deus permittit mal maior, assim também o pecado da soberba |
ruere hominem in alia peccata. revela-se mais grave e por isso mesmo Deus,
para remediá-lo, permite que o homem caia em
outros pecados. 5

ÁARTICULUS 7 ARTIGO 7
Utrum superbia sit A soberba é o primeiro
primum omnium peccatorum de todos os pecados?
AD SEPTIMUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod su- QUANTO AO SÉTIMO, ASSIM SE PROCEDE: parece
perbia non sit primum omnium peccatorum. que o primeiro de todos os pecados não é a
soberba.
1. Primum enim salvatur in omnibus consequen- 1. Com efeito, o que é primeiro deve ser en-
tibus. Sed non omnia peccata sunt cum superbia, contrado em tudo o que se lhe segue. Ora, nem
nec oriuntur ex superbia: dicit enim Augustinus, todos os pecados são acompanhados de soberba
in libro de Nat. et Gratia!, quod multa per peram e nem dela nascem, pois, diz Agostinho, “são
fiunt quae non fiunt superbe. Ergo superbia non feitas muitas coisas más, que não são feitas por
ést primum omnium peccatorum. soberba”. Logo, a soberba não é o primeiro de
todos os pecados.
2. PRAETEREA, Eccli 10,14 dicitur quod initium - 2. ALÉM DISSO, diz O livro do Eclesiástico: “O
superbiae est apostatare a Deo. Ergo apostasia a começo do orgulho do homem é seu afastamento
Deo est prius quam superbia. do Senhor”. Logo, afastar-se de Deus é anterior
à soberba.
3. PRAETEREA, Ordo peccatorum esse videtur 3. ADEMAIS, à ordem dos pecados parece seguir
secundum ordinem virtutum. Sed humilitas non a ordem das virtudes. Ora, não é a humildade, mas
est prima virtutum: sed magis fides. Ergo superbia aféa primeira das virtudes. Logo, a soberba não
non est primum peccatorum. é o primeiro dos pecados.
4. PRAETEREA, 2Ti1 3,13, dicitur: Mali homines - 4. ADEMAIS, na segunda Carta a Timóteo se diz:
et seductores proficiunt in peius: et ita videtur “Quanto aos homens maus e sedutores, eles pro-
quod principium malitiae hominis non sit a ma- gredirão no mal”. E assim parece que o princípio
ximo peccatorum. Sed superbia est maximum da malícia humana não vem do maior dos pecados.
peccatorum, ut dictum est?. Non est igitur primum Ora, a soberba é o maior dos pecados, como já se
peccatum. viu. Logo, não é o primeiro dos pecados.
5. PRAÉTEREA, id quod est secundum appa- 5. ADEMAIS, O que é aparente e fictício é pos-
rentiam et fictioném, est posterius eo quod est terior ao que é verdadeiro. Ora, o Filósofo diz
secundum veritatem. Sed Philosophus dicit, in que “o orgulhoso é um simulador de fortaleza e'
HI Ethic?, quod superbus est fictor fortitudinis audácia”. Logo, o vício da audácia é anterior ao
et audaciae. Ergo vitium audaciae est prius vitio vício da soberba.
superbiae.

7 ParALL.: I-II, q. 84, a. 2; II Sent., dist. 5, q. 1, a. 3; dist. 42,9.2,a. I,ad 7,a.3,ad 1; Iad Cor.,c. 1, lect. 4.
1. C. 29: ML 44, 263. ar
2. Art. 6.
3.C. 10: 1115,b,29 — 1116,a,2.

416
QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 7

SED CONTRA est quod dicitur Eccli 10,15: Ini- ' EM SENTIDO CONTRÁRIO, temos no livro do Ecle-
tium omnis peccati superbia. siástico: “começo de todo pecado é a soberba”.
ResponDeo dicendum quod illud quod est per ResponDO. Em todo gênero de coisas, o que é
se, est primum in quolibet genere. Dictum est por si é o primeiro. Ora, como foi dito, a aversão
autem supra” quod aversio a Deo, quae formaliter a Deus, razão formal do pecado, pertence por si à
complet rationem peccati, pertinet ad superbiam soberba, e aos outros pecados, só por consequên-
per se, ad alia autem peccata ex consequenti. Et cia. Conclui-se daí que a soberba tem a razão de
inde est quod superbia habet rationem primi; et est primeiro, e é o princípio de todos os pecados,
etiam principium omnium peccatorum, ut supra” como foi dito ao-tratar das causas do pecado,
dictum est, cum de causis peccati ageretur, ex par- quanto à aversão, que é o elemento principal do
te aversionis, quae est principalior in peccato. pecado.
AD PRIMUM ergo dicendum quod superbia dicitur Quanto Ao 1º, portanto, deve-se dizer que
esse omnis peccati initium, non quia quodlibet considera-se a soberba “começo de todo pecado”,
peccatum singulariter ex superbia oriatur: sed não porque todo-pecado, individualmente tomado,
quia quodlibet genus peccati natum est ex su- dela proceda, mas por ser natural a todo tipo de
perbia oriri. pecado nascer dela. o
AD SECUNDUM dicendum quod apostatare a Deo “Quanto Ao 2º, deve-se dizer que afastar-se de
dicitur e$se superbiae humanae initium, non quasi Deus é o princípio da soberba humana, não por
aliquod aliud peccatum a superbia existens, sed ser um pecado distinto da própria soberba, mas
quia est prima superbiae pars. Dictum est enimf por ser a parte inicial dela, pois já foi dito que
quod superbia principaliter respiéit subiectionem a soberba visa principalmente à sujeição a Deus,
divinam, quam contemnit: ex consequenti autem à qual ela despreza. E, por consequência, recusa
contemnit 'subiici creaturae propter Deum. também sujeitar-se a uma criatura, por causa: de
Deus.
AD TERTIUM diceridum quod non oportet esse QUANTO AO 3º, deve-se dizer que não é neces-
eundem ordinem virtutum et vitiorum. Nam sária a coincidência da ordem das virtudes com a
vitium est corrumptivum virtutis. Id autem quod ordem dos vícios, pois o vício destrói a virtude.
est primum in generatione, est postremum in cor- Ora, o que é o primeiroa nascer é o último a
ruptione. Et ideo, sicut fides est prima virtutum, desaparecer. Por isso, assim como a fé é a pri-
ita infidelitas est ultimum peccatorum, ad quam meira das virtudes, assim também-a infidelidade
homo quandoque per alia peccata perducitur. é o último dos pecados, a que nos conduzem, às
Unde super illud Psalmi (Ps 136,7]: Exinanite, vezes, os demais pecados. Assim, ao comentar o
exinanite usque ad fundamentum in ea, dicit Salmo: '“Arrasai, arrasai até os fundamentos”, diz
Glossa” quod coacervatione vitiorum subrepit a Glosa: “No acúmulo de vícios se infiltra a infi-
diffidentia. Et Apostolus dicit, 1Ti 1,19, quod delidade”. E o Apóstolo diz: “Alguns rejeitaram
quidam, repellentes conscientiam bonam, circa a boa consciência e sua fé naufragou”.
fidem naufragaverunt.
AD QUARTUM dicendum quod superbia dicitur Quanto Ao 4º, deve-se dizer que a soberba
esse gravissimum peccatum ex eo quod per se é o mais grave dos pecados, considerando-se a
competit peccato, ex quo attenditur gravitas in essência mesma do pecado e o que gera a sua
peccato. Et ideo superbia causat gravitatem alio- gravidade. Por isso, a soberba é a causa da gravi-
rum peccatorum. Contingit ergo ante superbiam dade dos demais pecados. Acontece, portanto, que,
esse aliqua peccata leviora, quae scilicet ex ig- antes da soberba, haja outros pecados mais leves,
norantia vel infirmitate committuntur. Sed inter praticados por ignorância ou fraqueza. Mas, entre
gravia peccata primum est superbia: sicut causa os pecados mais graves, o primeiro é a soberba,
per quam alia peccata aggravantur. Et quia id como causa agravante dos demais. E, como o
quod est primum in causando, est etiam ultimum primeiro na ordem da causalidade dos pecados é

4. Art. praec.
5. HI, q. 84,a. 7.
6. Art.5.
7. LomBarDI: ML 191, 1204 C.

417
QUESTÃO 162: A SOBERBA, ARTIGO 8

in recedendo; ideo super illud Psalmi [Ps 18,14], o último a desaparecer, por isso, a propósito do
Emundabor a delicto maximo, dicit Glossa*: Hoc Salmo: “Serei perfeito e inocente de um grande
est, a delicto superbiae, quod est ultimum redeun- pecado”, a Glosa comenta: “Trata-se do delito da
tibus ad Deum, et primum recedentibus. soberba, que é o último dos que se voltam para
Deus e o primeiro dos que dele se apartam”:.
AD QUINTUM dicendum quod Philosophus ponit Quanto AO 5º, deve-se dizer que o Filósofo
superbiam circa fictionem fortitudinis, non quia afirma a soberba a respeito da falsa fortaleza,
solum in hoc consistat: sed quia per hoc homo ma- não porque a primeira seja só isso, mas porque
xime reputat se posse excellentiam apud homines o homem julga poder alcançar superioridade aos
consequi, si audax vel fortis videatur. olhos dos outros, mostrando-se, sobretudo, auda-
cioso e forte.

ÁARTICULUS 8 ARTIGO 8
Utrum superbia debeat A soberba deve ser considerada
poni vitium capitale como vício capital?
AD OCTAVUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod su- QUANTO AO OITAVO, ASSIM SE PROCEDE: parece
perbia debeat poni vitium capitale. que.se deve considerar a soberba como vício
capital.
1. Isidorus enim', et etiam Cassianus”, enume- 1. Com efeito, Isidoro e também Cassiano a
rant superbiam inter vitia capitalia. enumeram entre os vícios capitais.
2. PRAETEREA, superbia videtur esse idem inani 2. ALÉM DISsso, parece que a soberba se iden-
gloriae: quia utraque excellentiam quaerit. Sed tifica com a vanglória, pois ambas visam à
inanis gloria ponitur vitium capitale. Ergo etiam excelência. Ora, a vanglória é considerada um
superbia debet poni vitium capitale. vício capital. Logo, a soberba também deve ser
considerada como tal.
3. PRAETEREA, Augustinus dicit, in libro de 3. ADEMAIS, diz Agostinho que “a soberba gera
Virginit., quod superbia invidiam parit: nec a inveja e não vive sem essa companheira”. Ora, a
unguam est sine tali comite. Sed invidia ponitur inveja é um vício capital, conforme antes se viu.
vitium capitale, ut supra? habitum est. Ergo multo Logo, com muito mais razão, a soberba.
magis superbia.
SED CONTRA est quod Gregorius, XXXI Moral, EM SENTIDO CONTRÁRIO, Gregório não classifica
non enumerat superbiam inter vitia capitalia. a soberba entre os vícios capitais.
ResponDEO dicendum quod, sicut ex supra REsponDO. À soberba pode ser considerada de
dictis patet, superbia dupliciter considerari potest: dois modos: primeiro, em si mesma, como pecado
uno modo, secundum se, prout scilicet est quo- especial; depois, pela influência universal que
ddam speciale peccatum; alio modo, secundum exerce sobre todos os pecados. Ora, chamam-se
quod habet quandam universalem influentiam in vícios capitais certos pecados especiais de que
omnia peccata. Vitia autem capitalia ponuntur nascem muitos gêneros de pecado. Por isso, al-

8. LomBarDI: ML 191, 213 D.


8 ParALL.: LII, q. 84, a. 4; II Sent., dist. 42, q. 2, a. 3; De Malo,q. 8, a. 1.
1. Comment. in Deut.,c. 16,n.4: ML 83, 366 D.
2. De Instit. Coenob., 1. V,c. 1: ML 49, 203 A; Collat. Patr., collat. 5, c. 2; ML 49, 611 A.
3.C. 31: ML 40,413.
4.Q.36,a. 4.
5.C.45,al. 17,in vet. 31, n. 87: ML 76, 621 A.
6.A.2;a.5,adl.

e. O que quer que tenha se passado com nossos primeiros maus passos, é com o surgimento do orgulho que nossa vida
assume um caráter gravemente pecaminoso. Abordamos então um registro no qual se manifestam um desprezo por Deus e uma
aversão em relação a ele que nos fazem dar um passo decisivo na direção do mal.
E, como encabeçou a marcha, o orgulho também a concluirá; tudo leva a pensar que o orgulho será o último a nos largar
quando a dinâmica da conversão tiver reorientado nossas vidas.
QUESTÃO 163: O PECADO DO PRIMEIRO HOMEM

esse quaedam specialia peccata, ex quibus multa guns, considerando a soberba como um pecado
genera peccatorum oriuntur. Et ideo quidam, especial, colocaram-na entre os vícios capitais.
considerantes superbiam secundum quod est Gregório, porém, levando em conta o influxo
quoddam speciale peccatum, connumeraverunt universal dela sobre todos os vícios, não a enu-
eam aliis vitiis capitalibus. Gregorius vero, con- mera entre os vícios capitais, mas como-rainha
siderans universalem eius influentiam quam habet e mãe de todos os vícios, dizendo: “Quando a
in omnia vitia, ut dictum est”, non connumeravit soberba, rainha dos vícios, se apodera do coração
eam aliis capitalibus vitiis, sed posuit cam regi- humano e o domina por completo, logo o entrega
nam omnium vitiorum et matrem. Unde Gregorius à devastação dos sete vícios capitais, que agem
dicit, in XXXI Moral: Ipsa vitiorum regina: su- como seus comandantes, dos quais nascem muitos
perbia, cum devictum plene cor ceperit, mox illud outros vícios”.
septem principalibus vitiis, quasi quibusdam sui
ducibus, devastandum tradit, ex quibus. vitiorum
multitudines oriuntur.
Et per hoc patet responsio AD PRIMUM. Quanto AO 1º, portanto, deve-se dizer que
fica esclarecida a resposta pelo que se acabou
de dizer.
AD SECUNDUM dicendum quod superbia non est QuanNTO AO 2º, deve-se dizer que a soberba
idem inani gloriae, sed causa eius. Nam superbia não é o mesmo que a vanglória, mas a sua causa,
inordinate excellentiam appetit: sed inanis gloria porque busca a excelência de forma desordenada,
appetit excellentiae manifestationem. ao passo que a vanglória almeja a manifestação
da excelência.
AD TERTIUM dicendum quod ex hoc quod invi- QuaNnTO AO 3º, deve-se dizer que do fato de a
dia, quae est vitium capitale, oritur ex superbia, inveja, que é um vício capital, nascer da soberba,
non sequitur quod superbia sit vitium capitale: sed não se conclui que esta seja também vício capital,
quod sit aliquid principatus capitalibus vitiis. mas que é algo mais importante que os próprios
vícios capitais.

7. Arg. sed c.
8. Loc. cit., n. 87: ML 76, 620 D.

QUAESTIO CLXIII QUESTÃO 163


DE PECCATO PRIMI HOMINIS O PECADO DO PRIMEIRO HOMEM
in quatuor articulos divisa em quatro artigos.
Deinde considerandum est de peccato primi- - Em seguida, deve-se tratar do pecado do pri-
hominis, quod fuit per superbiam. Et primo, de meiro homem, cometido por soberba”. 1º, do seu
peccato eius; secundo, de poena peccati; tertio, de pecado; 2º, da pena do pecado; 3º, da tentação
tentatione qua inductus est ad peccandum. que o induziu a pecar.
Circa primum quaeruntur quatuor. |. À respeito do primeiro, quatro questões:
Primo: utrum primum peccatum hominis fuerit l.Foi de soberba o pecado do primeiro
superbia. o homem?
Secundo: quid primus homo peccando appe- 2.0 que desejava, ao pecar, o primeiro
tierit. homem?
Tertio: utrum eius peccatum fuerit gravius 3. Foi o seu pecado mais grave que todos os
omnibus aliis peccatis. outros?
Quarto: quis plus peccaverit, utrum vir vel mulier. 4. Quem pecou mais, o homem ou a mulher?

a. Em seu estudo do orgulho, Sto. Tomás trata do pecado de nossos primeiros pais. Já abordara o mesmo tema na I-II, q.
82e 83, sob um ângulo diferente: o da transmissão do pecado à descendência de Adão e Eva. Embora os dois pontos de vista
sejam bem diferentes o mais delicado sendo o da 1-II, faríamos bem em comparar os dois estudos. Trata-se aqui da natureza
do pecado de nossos primeiros pais, dos castigos que dele resultaram e do gênero de tentação que o precedeu.

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