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QUESTÃO 84: OS PECADOS CAPITAIS

currunt, maxime dicuntur esse infectae. Huius- cias que concorrem para este ato se dizem infec-
modi autem actus deservit generativae, inquan- tadas de modo máximo. Ora este ato está a ser-
tum ad generationem ordinatur: habet autem in viço da potência de gerar enquanto se ordena à
se delectationem tactus, quae est maximum obiec- geração. E tem em si o prazer do tato que é o
tum concupiscibilis. Et ideo, cum omnes partes maior objeto da potência concupiscível. Por isso,
animae dicantur esse corruptae per peccatum ori- como se diz que todas as partes da alma estão
ginale, specialiter tres praedictae dicuntur esse corrompidas pelo pecado original, diz-se que as
corruptae et infectae. três citadas encontram-se especialmente corrom-
AD PRIMUM ergo dicendum quod peccatum ori- pidas e infectadas.
ginale ex ea parte qua inclinat in peccata actua- QuanTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que o
lia, praecipue pertinet ad voluntatem, ut dictum pecado original enquanto inclina para os pecados
atuais refere-se principalmente à vontade, como
est. Sed ex ea parte qua traducitur in prolem,
foi dito. Mas, enquanto se transmite à prole, re-
pertinet propinque ad potentias praedictas, ad
fere-se de maneira muito próxima às potências
voluntatem autem remote.
referidas, e à vontade remotamente.
AD SECUNDUM dicendum quod infectio actualis
QUANTO AO 2º, deve-se dizer que a infecção de
culpae non pertinet nisi ad potentias quae mo-
uma culpa atual só pertence às potências movi-
ventur a voluntate peccantis. Sed infectio origi- das pela vontade do pecador. Ora, a infecção da
nalis culpae non derivatur a voluntate eius qui culpa original não procede da vontade de quem o
ipsam contrahit, sed per originem naturae, cui contrai, mas da geração natural à qual serve a
deservit potentia generativa. Et ideo in ea est potência de gerar. Eis porque a infecção do peca-
infectio originalis peccati. do original está nesta potência.
AD TERTIUM dicendum quod visus non pertinet QUANTO AO 3º, deve-se dizer que a visão não
ad actum generationis nisi secundum dispositio- pertence ao ato de geração a não ser como dispo-
nem remotam, prout scilicet per visum apparet sição remota na medida em que por ela se revela
species concupiscibilis. Sed delectatio perficitur a imagem concupiscível. Mas o prazer se perfaz
in tactu. Et ideo talis infectio magis attribuitur no tato. É por isso que a infecção original é atri-
tactui quam visui. | buída ao tato mais do que à visão.

5. Art praec.

QUAESTIO LXXXIV QUESTÃO 84


OS PECADOS CAPITAIS
DE CAUSA PECCATI A CAUSA DO PECADO
SECUNDUM QUOD UNUM PECCATUM COMO UM PECADO E CAUSA
ALTERIUS PECCATI CAUSA EST DE OUTROS PECADOS
in quatuor articulos divisa em quatro artigos
Deinde considerandum est de causa peccati É preciso agora considerar como um pecado
secundum quod unum peccatum est causa alterius. pode ser causa de outro.
Et circa hoc quaeruntur quatuor. Sobre isso, são quatro as perguntas:
Primo: utrum cupiditas sit radix omnium pecca- Il. A avareza é a raiz de todos os pecados.
torum. 2. A soberba é o início de todo pecado?
Secundo: utrum superbia sit initium omnis peccati. 3. Além do orgulho e da avareza há vícios
Tertio: utrum praeter superbiam et avaritiam, debeant especiais que devem ser chamados peca-
dici capitalia vitia aliqua specialia peccata. dos capitais?
Quarto: quot et quae sint capitalia vitia. 4. Quantos e quais são tais vícios?
QUESTÃO 84: OS PECADOS CAPITAIS, ARTIGO I

ÁRTICULUS 1 ARTIGO 1
Utrum cupiditas sit A avareza é a raiz de todos os pecados?
radix omnium peccatorum
QUANTO AO PRIMEIRO ARTIGO, ASSIM SE PROCEDE:
AD PRIMUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod cupi- parece que a avareza não é a raiz de todos os
ditas non sit radix omnium peccatorum. pecados.
1. Cupiditas enim, quae est immoderatus appe- 1. Com efeito, a avareza é o imoderado apetite
titus divitiarum, opponitur virtuti liberalitatis. Sed das riqueza e opõe-se à virtude da liberalidade.
Ora, a liberalidade não é a raiz de todas as virtu-
liberalitas non est radix omnium virtutum. Ergo
des. Logo, a avareza não é a raiz de todos os
cupiditas non est radix omnium peccatorum.
vícios.
2. PRAETEREA, appetitus eorum quae sunt ad
2. ALÉM DISSO, O desejo dos meios procede do
finem, procedit ex appetitu finis. Sed divitiae, qua-
desejo do fim. Ora, as riquezas, objeto da avare-
rum appetitus est cupiditas, non appetuntur nisi za, só são desejadas como meios úteis, como diz
ut utiles ad aliquem finem, sicut dicitur in T Ethic.'. o livro I da Ética. Logo, a avareza não é a raiz de
Ergo cupiditas non est radix omnis peccati, sed todo pecado, mas procede de outra raiz anterior.
procedit ex alia priori radice. 3. ADEMAIS, frequentemente a avareza, também
3. PRAETEREA, frequenter invenitur quod avari- chamada cupidez, tem sua origem em outros pe-
tia, quae cupiditas nominatur, oritur ex aliis pec- cados: por exemplo, deseja-se dinheiro para fins
catis: puta cum quis appetit pecuniam propter de ambição ou para satisfazer a gula. Logo, não
ambitionem, vel ut satisfaciat gulae. Non ergo est é a raiz de todos os pecados.
radix omnium peccatorum. Em SENTIDO CONTRÁRIO, O Apóstolo diz: “A raiz
SED CONTRA est quod dicit Apostolus, 1Ti, ult. de todos os males é a avareza”.
[10]: Radix omnium malorum est cupiditas. REsponDO. Segundo alguns a avareza tem
REspoNDEO dicendum quod secundum quosdam muitos sentidos: 1) o desejo desordenado das ri-
quezas, e nesse sentido é um pecado especial. 2)
cupiditas multipliciter dicitur. Uno modo, prout
o desejo «desordenado de um bem temporal qual-
est appetitus inordinatus divitiarum. Et sic est
quer, e nesse sentido é gênero de todo pecado
speciale peccatum. — Alio modo, secundum quod
pois que em todo pecado há, como foi dito, uma
significat inordinatum appetitum cuiuscumque conversão desmedida para um bem mutável. 3)
boni temporalis. Ft sic est genus omnis peccati: emprega-se ainda o termo para significar a incli-
nam in omni peccato est inordinata conversio ad nação da natureza corrompida para os bens cor-
commutabile bonum, ut dictum est. — Tertio ruptíveis, e nesse sentido dizem que a avareza é
modo sumitur prout significat quandam inclina- a raiz de todos os pecados, à semelhança da raiz
tionem naturae corruptae ad bona corruptibilia de uma árvore que tira seu alimento do solo, por-
inordinate appetenda. Et sic dicunt cupiditatem que é do amor das coisas temporais que procede
esse radicem omnium peccatorum, ad similitudi- todo pecado.
nem radicis arboris, quae ex terra trahit alimen- Embora isso seja verdade, não parece que seja
tum: sic enim ex amore rerum temporalium omne segundo a intenção do Apóstolo que disse que o
desejo é a raiz de todos os pecados. Manifesta-
peccatum procedit.
mente ele fala contra aqueles que “por querer
Et haec quidem quamvis vera sint, non tamen
tornarem-se ricos, caem nas tentações e nos la-
videntur esse secundum intentionem Apostoli, qui ços do diabo, porque a raiz de todos os males,
dixit cupiditatem esse radicem omnium peccato- ele acrescenta, é a cupidez”. Portanto é evidente
rum. Manifeste enim ibi loquitur contra eos qui, que ele fala da cupidez como desejo imoderado
cum velint divites fieri, incidunt in tentationes et das riquezas. E é neste sentido que é preciso
in laquaeum diaboli, eo quod radix omnium ma- dizer que o pecado especial de avareza é chama-
lorum est cupiditas: unde manifestum est quod do a raiz de todos os pecados, à maneira de uma

PARALL.: À. seg.; I-II, q. 119, a. 2,ad 1; IH Sent. dist.5, q. 1, a. 3,ad |; dist. 22,9. 1, a. |, ad 7; dist. 42, q. 2, a.
l;a.3,ad 1; De Malo, q. 8,a. |, ad |; I ad Tim., c. 6, lect. 2.
1. C. 3: 1096, a, 7-10.
2.Q.7,a.2.
QUESTÃO 84: OS PECADOS CAPITAIS, ARTIGO 2

loquitur de cupiditate secundum quod est appeti- raiz que fornece o alimento à árvore inteira.
tus inordinatus divitiarum. Et secundum hoc, dicen- Vemos, de fato, que o homem adquire com a
dum est quod cupiditas, secundum quod est spe- riqueza a faculdade de cometer qualquer pecado
ciale peccatum, dicitur radix omnium peccatorum, e de realizar o desejo de qualquer pecado, por-
ad similitudinem radicis arboris, quae alimentum que o dinheiro pode ajudar a adquirir quaisquer
praestat toti arbori. Videmus enim quod per divi- bens deste mundo, segundo o livro do Eclesias-
tias homo acquirit facultatem perpetrandi quod- tes: “Tudo obedece ao dinheiro”. E assim fica
cumque peccatum, et adimplendi desiderium cuius- claro que a cupidez das riquezas é a raiz de
cumque peccati: eo quod ad habenda quaecumque todos os pecados.
temporalia bona, potest homo per pecuniam iuva- Quanto Ao 1º, portanto, deve-se dizer que a
ri; secundum quod dicitur Eccle 10,19: Pecuniae virtude não tem a mesma origem que o pecado.
obediunt omnia. Et secundum hoc patet quod cu- O pecado tem sua origem no apetite dos bens
piditas divitiarum est radix omnium peccatorum. mutáveis, e por isso o desejo destes bens que
AD PRIMUM ergo dicendum quod non ab eodem ajuda a obter todos os bens deste mundo é cha-
oritur virtus et peccatum. Oritur enim peccatum mado a raiz dos pecados. A virtude, ao contrário.
ex appetitu commutabilis boni: et ideo appetitus
tem sua origem no desejo dos bens imutáveis, e
illius boni quod iuvat ad consequenda omnia tem-
por isso a caridade, que é o amor a Deus, se
poralia bona, radix peccatorum dicitur. Virtus
afirma a raiz das virtudes, segundo a Carta aos
autem oritur ex appetitu incommutabilis boni: et
Efésios: “Enraizados e fundados na caridade”.
ideo caritas, quae est amor Dei, ponitur radix
QuanTO AO 2º, deve-se dizer que o desejo do
virtutum; secundum illud Eph 3,17: In caritate
dinheiro se chama a raiz dos pecados, não é por-
radicati et fundati.
que as riquezas são procuradas por si mesmas
Ab SECUNDUM dicendum quod appetitus pecu-
como um fim último, mas porque são muito pro-
niarum dicitur esse radix peccatorum, non quia
curadas como úteis para todos os fins temporais.
divitiae propter se quaerantur, tanquam ultimus
finis: sed quia multum quaeruntur ut utiles ad Um bem universal sendo mais desejável que um
omnem temporalem finem. Et quia universale bem particular, por isso move o desejo mais do
bonum est appetibilius quam aliquod particulare que certos bens particulares, os quais podem ser
bonum, ideo magis movent appetitum quam quae- possuídos pelo dinheiro, ao mesmo tempo com
dam bona singularia, quae simul cum multis aliis outros muitos.
per pecuniam haberi possunt. Quanto AO 3º, deve-se dizer que nas coisas
AD TERTIUM dicendum quod, sicut in rebus na- naturais não se procura o que sempre acontece,
turalibus non quaeritur quid semper fiat, sed quid mas o que acontece mais frequentemente, pois a
in pluribus accidit, eo quod natura corruptibilium natureza das coisas corruptíveis pode ser impedi-
rerum impediri potest, ut non semper eodem modo da de agir sempre do mesmo modo. Assim, em
operetur; ita etiam in moralibus consideratur quod moral, considera-se o que acontece na maioria
ut in pluribus est, non autem quod est semper, eo das vezes, e não o que sempre acontece, porque
quod voluntas non ex necessitate operatur. Non a vontade não age por necessidade. A avareza,
igitur dicitur avaritia radix omnis mali, quin in- portanto, não se chama a raiz de todos os males
terdum aliquod aliud malum sit radix eius: sed porque às vezes um outro mal seja a sua raiz,
quia ex ipsa frequentius alia mala oriuntur, ratio- mas porque é dela que mais frequentemente nas-
ne praedicta'. cem os outros males, pela razão já dada.

ARTICULUS 2 ÁRTIGO 2

Utrum superbia sit initium omnis peccati A soberba é o início de todos os pecados?
AD SECUNDUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod QUANTO AO SEGUNDO, ASSIM SE PROCEDE: parece
superbia non sit initium omnis peccati. que a soberba não é o início de todo pecado.

3. In corp. et ad 2.
2 FaraLL.: IL-II, q 162,a. 2a. 5 ad 1; IH Sent, dist. 5, q l,a 3 dist. 42,q.2,a. 1,ad 7, a 3 ad 1; De Malo, q 8,
a. 1,ad 1.16; IH Cor., c 12, lect. 3; 1 Tim., c. 6, lect. 2.

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QUESTÃO 84: OS PECADOS CAPITAIS, ARTIGO 2

1. Radix enim est quoddam principium arbo- 1. Com efeito, a raiz é um certo princípio da
ris: et ita videtur idem esse radix peccati et ini- árvore. Assim, parece que é o mesmo a raiz e o
tium peccati. Sed cupiditas est radix omnis pec- princípio do pecado. Ora, foi dito que a avareza
cati, ut dictum est!. Ergo ipsa etiam est initium é a raiz de todos os pecados. Logo, ela é também,
omnis peccati, non autem superbia. e não a soberba, o início de todo pecado.
2. PRAETEREA, Eccli 10,14 dicitur: Initium su- 2. ALÉM DISSO, O livro do Eclesiástico diz que
perbiae hominis apostatare a Deo. Sed apostasia “o início da soberba humana está na apostasia de
a Deo est quoddam peccatum. Ergo aliquod pec- Deus”. Ora, esta apostasia é um pecado determi-
catum est initium superbiae, et ipsa non est ini- nado. Logo, algum pecado é o início da soberba,
tium omnis peccati. e não é ela o início de todo pecado.
3. PRAETEREA, illud videtur esse initium omnis 3. ADEMAIS, parece ser o início de todos os
peccati, quod facit omnia peccata. Sed hoc est pecados, o que faz todos os pecados. Ora, tal é o
inordinatus amor sui, qui facit civitatem Babylo- amor desordenado de si mesmo que “faz a cidade
nis, ut Augustinus dicit, in XIV de Civ. Dei”. de Babilônia”, como diz Agostinho. Logo, o amor
Ergo amor sui est initium omnis peccati, non de si é o início de todo pecado, e não a soberba.
autem superbia. EM SENTIDO CONTRÁRIO, é O que diz o livro do
SED CONTRA est quod dicitur Eccli 10,15: Ini- Eclesiástico: “O início de todo pecado é a soberba”
tium omnis peccati superbia. REspONDO. Alguns dizem que a soberba signi-
REspoNDEO dicendum quod quidam dicunt su- fica três coisas: 1. O apetite desordenado da pró-
perbiam dici tripliciter. Uno modo, secundum pria excelência, e assim é um pecado especial.
— 2. Um certo desprezo atual de Deus, com o
quod superbia significat inordinatum appetitum
propriae excellentiae. Et sic est speciale pecca- efeito de não submissão aos seus mandamentos:
então se diz que é um pecado geral. — 3. Uma
tum. — Alio modo, secundum quod importat
. certa tendência da natureza corrompida a este
quendam actualem contemptum Dei, quantum ad
desprezo, e assim dizem que é o início de todo
hunc effectum qui est non subdi eius praecepto.
pecado. Ela difere da avareza, porque a avareza
Et sic dicunt quod est generale peccatum. — Tertio
no pecado diz respeito à conversão ao bem
modo, secundum quod importat quandam incli-
mutável na qual o pecado encontra de certo modo
nationem ad huiusmodi contemptum, ex corrup-
seu alimento e sustento. É por isso que a avareza
tione naturae. Et sic dicunt quod est initium omnis
se diz raiz, mas a soberba no pecado diz respei-
peccati. Et differt a cupiditate, quia cupiditas res- to à aversão de Deus cujo preceito o homem
picit peccatum ex parte conversionis ad bonum recusa aceitar. É por isso que soberba é chamada
commutabile, ex quo peccatum quodammodo nu- o início, porque é pela aversão que começa a
tritur et fovetur, et propter hoc cupiditas dicitur razão do mal.
radix: sed superbia respicit peccatum ex parte Embora essas coisas sejam verdadeiras, não
aversionis a Deo, cuius praecepto homo subdi são segundo a intenção do sábio, que disse: “o
recusat; et ideo vocatur initium, quia ex parte começo de todo pecado é a soberba”. Com efeito,
aversionis incipit ratio mali. claramente ele fala da soberba enquanto apetite
Et haec quidem quamvis vera sint, tamen non desordenado da própria excelência, como se vê
sunt secundum intentionem Sapientis, qui dixit: claramente no que se segue: “Deus destruiu os
Initium omnis peccati est superbia. Manifeste tronos dos chefes orgulhosos”. É disto que o autor
enim loquitur de superbia secundum quod est inor- fala em todo o capítulo. Eis porque deve-se dizer
dinatus appetitus propriae excellentiae: ut patet que a soberba, mesmo como pecado especial, é o
per hoc quod subdit [v. 17]: Sedes ducum super- começo de todo pecado. Deve-se considerar que
borum destruxit Deus. Et de hac materia fere lo- nos atos voluntários, como são os pecados, há
quitur in toto capitulo. Et ideo dicendum est quod duas ordens: a da intenção e a da execução. Na
superbia, etiam secundum quod est speciale pec- ordem da intenção é o fim que tem a razão de
catum, est initium omnis peccati. Considerandum princípio, como acima se disse várias vezes. Ora,

l. Art. praec.
2. C. 28: ML 41, 436. Cfr. Enarr. in Ps., Ps. 64: ML 36, 773.

4s1
QUESTÃO 84: OS PECADOS CAPITAIS, ARTIGO 3

est enim quod in actibus voluntariis, cuiusmodi o fim do homem na aquisição de todos os bens
sunt peccata, duplex ordo invenitur: scilicet in- deste mundo consiste em obter por eles uma certa
tentionis, et executionis. In primo quidem ordine, perfeição e excelência. Por isso, na ordem da in-
habet rationem principii finis, ut supra multoties tenção, a soberba que é o desejo da excelência é
dictum est*. Finis autem in omnibus bonis tempo- tido como o começo de todo pecado. Mas na or-
ralibus acquirendis, est ut homo per illa quandam dem da execução, é primeiro o que dá a opor-
perfectionem et excellentiam habeat. Et ideo ex tunidade de realizar todos os desejos do pecado,
hac parte superbia, quae est appetitus excellentiae, o que tem a razão de raiz, a saber: as riquezas. Eis
ponitur initium omnis peccati. Sed ex parte exe- porque a avareza é tida, na ordem da execução,
cutionis, est primum id quod praebet opportuni- como a raiz de todos os males, como foi dito.
tatem adimplendi omnia desideria peccati, quod Quanto AO 1º, portanto, deve-se dizer que a
habet rationem radicis, scilicet divitiae. Et ideo resposta está clara no que foi dito.
ex haec parte avaritia ponitur esse radix omnium Quanto AO 2º, deve-se dizer que a apostasia
malorum, ut dictum est*. de Deus é chamada o início da soberba, pela
Et per hoc patet responsio AD PRIMUM. aversão. Pois, pelo fato que homem não quer sub-
AD SECUNDUM dicendum quod apostatare a Deo
meter-se a Deus, segue-se que ele quer de modo
dicitur esse initium superbiae ex parte aversio-
não ordenado sua própria excelência nas coisas
nis: ex hoc enim quod homo non vult subdi Deo,
deste mundo. Assim, nesta passagem, a apostasia
sequitur quod inordinate velit propriam excel-
não é tomada como um pecado especial, mas
lentiam in rebus temporalibus. Et sic apostasia a
como uma condição geral de todo pecado que é
Deo non sumitur ibi quasi speciale peccatum:
a aversão do bem imutável. — Pode-se ainda di-
sed magis ut quaedam conditio generalis omnis
zer que a apostasia de Deus é chamada o início
peccati, quae est aversio ab incommutabili bono.
— Vel potest dici quod apostatare a Deo dicitur da soberba porque é sua primeira forma. Perten-
ce, pois, à soberba não submeter-se a alguém su-
esse initium superbiae, quia est prima superbiae
species. Ad superbiam enim pertinet cuicumque perior, e principalmente não querer submeter-se a
superiori nolle subiici, et praecipue nolle subdi Deus. Daí vem que o homem se eleva indevida-
Deo; ex quo contingit quod homo supra seipsum mente acima de si mesmo segundo todas as ou-
indebite extollatur, quantum ad alias superbiae tras formas de soberba.
species. QUANTO AO 3º, deve-se dizer que o homem ama-
AD TERTIUM dicendum quod in hoc homo se se a si mesmo enquanto quer sua excelência,
amat, quod sui excellentiam vult: idem enim est porque é a mesma coisa amar-se e querer o bem
se amare quod sibi velle bonum. Unde ad idem para si. Portanto, é o mesmo afirmar que o início
pertinet quod ponatur initium omnis peccati su- de todo pecado é a soberba ou o amor próprio.
perbia, vel amor proprius.
ARTIGO 3
ÁARTICULUS 3 Além da soberba e da avareza
Utrum praeter superbiam et existem outros pecados especiais
avaritiam, sint alia peccata que devem ser ditos capitais?
specialia quae dici debeant capitalia QUANTO AO TERCEIRO, ASSIM SE PROCEDE: parece
AD TERTIUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod prae- que além da soberba e da avareza não há outros
ter superbiam et avaritiam, non sint quaedam alia pecados especiais chamados de capitais
peccata specialia quae dicantur capitalia. 1. Com efeito, “a cabeça parece estar para os
1. Ita enim se videtur habere caput ad anima- animais, como a raiz para as plantas”, diz o livro
lia, sicut radix ad plantas, ut dicitur in II de Il da Alma, pois as raízes são semelhantes à boca.
Anima!: nam radices sunt ori similes. Si igitur Portanto, se a avareza é chamada a “raiz de todos

3. Cfr.q. 1,a. l,ad 1;q. 18,a.7,ad2;q.20,a. 1,ad2;q. 25, a. 2.


4. Art. praec.
ParALL.: II Sent., dist. 42, q. 2, a. 3; De Malo, q. 8. a. .
1.C.4: 416, a, 4-5.

4s2
QUESTÃO 84: OS PECADOS CAPITAIS, ARTIGO 3

cupiditas dicitur radix omnium malorum, videtur os males”, parece que somente ela deve ser cha-
quod ipsa sola debeat dici vitium capitale, et mada de vício capital.
nullum aliud peccatum. 2. ALÉM DISSO, à cabeça tem uma certa ordem
2. PRAETEREA, caput habet quendam ordinem em relação aos outros membros, enquanto a par-
ad alia membra, inquantum a capite diffunditur tir dela se difundem de algum modo os sentimen-
quodammodo sensus et motus. Sed peccatum tos e o movimento. Ora, o pecado significa pri-
dicitur per privationem ordinis. Ergo peccatum vação da ordem. Logo, o pecado não tem razão
non habet rationem capitis. Et ita non debent poni de cabeça. Assim, não se deve afirmar que haja
aliqua capitalia peccata. pecados capitais.
3. ADEMAIS, crimes capitais são aqueles que
3. PRAETEREA, capitalia crimina dicuntur quae
são corrigidos pela pena capital. Ora, tal pena
capite plectuntur. Sed tali poena puniuntur quae-
pune alguns pecados em todo gênero de pecado.
dam peccata in singulis generibus. Ergo vitia
Logo, não são vícios capitais alguns especifica-
capitalia non sunt aliqua determinata secundum
mente determinados.
speciem. Em SENTIDO CONTRÁRIO, Gregório enumera al-
SED CONTRA est quod Gregorius, XXXI Mo- guns vícios especiais, que diz serem capitais.
ral.2, enumerat quaedam specialia vitia, quae di- REspoNDO. Capital vem de cabeça. Ora, a ca-
cit esse capitalia. beça, no sentido próprio, é um membro do ani-
REsponDEO dicendum quod capitale a capite mal que é o princípio e o que tem a direção de
dicitur. Caput autem proprie quidem est quod- todo animal. A partir daí, metaforicamente, todo
dam membrum animalis, quod est principium et princípio chama-se cabeça, e também os homens
directivum totius animalis. Unde metaphorice que dirigem os outros e os governam são ditos a
omne principium caput vocatur: et etiam homi- cabeça dos outros. Portanto, chama-se vício capi-
nes qui alios dirigunt et gubernant, capita alio- tal, de um modo, enquanto deriva de cabeça em
rum dicuntur. Dicitur ergo vitium capitale uno sentido próprio; assim, chama-se pecado capital
modo a capite proprie dicto: et secundum hoc, o que pune com a pena capital. Mas, aqui não é
peccatum capitale dicitur peccatum quod capitis neste sentido que tratamos sobre os pecados ca-
poena punitur. Sed sic nunc non intendimus de pitais, mas de um outro modo, enquanto deriva
capitalibus peccatis: sed secundum quod alio de cabeça em sentido metafórico; assim, chama-
modo dicitur peccatum capitale a capite prout se pecado capital o princípio e o que tem a dire-
metaphorice significat principium vel directivum ção dos outros. E desse modo se diz vício capital
aliorum. Et sic dicitur vitium capitale ex quo alia aquele que dá origem a outros vícios, principal-
vitia oriuntur: et praecipue secundum originem mente enquanto causa final, que é a origem for-
causae finalis, quae est formalis origo, ut supra” mal, como já foi dito. Assim o vício capital não
dictum est. Et ideo vitium capitale non solum est é somente o princípio de outros vícios, mas ainda
os dirige e de certo modo os guia. Com efeito, a
principium aliorum, sed etiam est directivum et
arte ou o hábito que visam o fim sempre exercem
quodammodo ductivum aliorum: semper enim ars
a função de princípio e de comando sobre os
vel habitus ad quem pertinet finis, principatur et
meios. Por isso, Gregório compara estes pecados
imperat circa ea quae sunt ad finem. Unde Gre-
capitais aos “chefes de exército”.
gorius, XXXI Moral.*, huiusmodi vitia capitalia Quanto Ao 1º, portanto, deve-se dizer que a
ducibus exercituum comparat. denominação capital vem de cabeça, por uma cer-
AD PRIMUM ergo dicendum quod capitale dici- ta derivação ou participação, como tendo alguma
tur denominative a capite, quod quidem est per propriedade da cabeça e não como sendo a cabe-
quandam derivationem vel participationem capi- ça de modo absoluto. É por isso que os vícios
tis, sicut habens aliquam proprietatem capitis, non capitais não são somente aqueles que constituem
sicut simpliciter caput. Et ideo capitalia vitia di- a primeira origem dos pecados, como a avareza
cuntur non solum illa quae habent rationem pri- que é chamada “a raiz” e a soberba que é chama-

2.C. S, al. 17, in vet. 31: ML 76, 621 A.


3. Q.
qe

2,3. 6.
4L

453
QUESTÃO 84: OS PECADOS CAPITAIS, ARTIGO 4

mae originis, sicut avaritia, quae dicitur radix, et da “o início”; mas são também aqueles que cons-
superbia, quae dicitur initium: sed etiam illa quae tituem a origem próxima de muitos pecados.
habent rationem originis propinquae respectu plu- Quanto AO 2º, deve-se dizer que o pecado
rium peccatorum. carece de ordem por parte da aversão. É por esta
AD SECUNDUM dicendum quod peccatum caret parte que tem a razão de mal. Ora, segundo Agos-
ordine ex parte aversionis: ex hac enim parte habet tinho, o mal é uma privação de medida, de ordem
rationem mali; malum autem, secundum Augus- e de beleza. Mas, da parte da conversão tem em
tinum, in libro de Natura Boni. Est privatio modi, vista algum bem. Portanto, quanto a isso pode ter
speciei et ordinis. Sed ex parte conversionis, res- uma ordem.
picit quoddam bonum. Et ideo ex hac parte po- Quanto AO 3º, deve-se dizer que este argu-
test habere ordinem. mento procede do pecado capital enquanto é cha-
AD TERTIUM dicendum quod illa ratio procedit mado pelo reato da pena. Não é disso que fala-
de capitali peccato secundum quod dicitur a reatu mos aqui.
poenae. Sic autem hic non loquimur.
ARTIGO 4
ÁARTICULUS 4
E exato dizer que são sete pecados capitais?
Utrum convenienter
QUANTO AO QUARTO, ASSIM SE PROCEDE: parece
dicantur septem vitia capitalia
que não é exato dizer que são sete pecados capi-
AD QUARTUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod non tais, a saber, vanglória, inveja, ira, avareza, tris-
sit dicendum septem esse vitia capitalia, quae sunt teza, gula, luxúria.
inanis gloria, invidia, ira, tristitia, avaritia, gula, 1. Com efeito, os pecados opõôem-se às virtu-
luxuria. des. Ora, as virtudes principais são, como foi dito,
1. Peccata enim virtutibus opponuntur. Virtu- quatro. Logo, os vícios principais ou capitais são
tes autem principales sunt quatuor, ut supra! dic- também somente quatro.
tum est. Ergo et vitia principalia, sive capitalia, 2. ALÉM DISSO, as paixões da alma são algu-
non sunt nisi quatuor. mas causas do pecado. Ora, as paixões da alma
2. PRAETEREA, passiones animae sunt quaedam principais são quatro. Mas, destas quatro há
causae peccati, ut supra? dictum est. Sed passio- duas, esperança e temor, das quais não se faz
nes animae principales sunt quatuor. De quarum menção nos pecados supramencionados. Enume-
duabus nulla fit mentio inter praedicta peccata, ram-se os vícios aos quais se relacionam o pra-
scilicet de spe et timore. Enumerantur autem ali- zer e a tristeza, porque o prazer pertence à gula
qua vitia ad quae pertinet delectatio et tristitia: e à luxuria; a tristeza, porém, à acídia e à inveja.
nam delectatio pertinet ad gulam et luxuriam, Logo, enumeram-se os pecados principais de
tristitia vero ad acediam et invidiam. Ergo incon- maneira inexata.
venienter enumerantur principalia peccata. 3. ADEMAIS, a ira não é uma paixão principal.
3. PRAETEREA, ira non est principalis passio. Portanto, não se devia afirmá-la entre os vícios
Non ergo debuit poni inter principalia vitia. principais.
4. PRAETEREA, sicut cupiditas, sive avaritia, est 4. ADEMAIS, assim como a cupidez, ou avareza,
radix peccati, ita superbia est peccati initium, ut é a raiz do pecado, assim a soberba é o início.
supra” dictum est. Sed avaritia ponitur unum de Ora, a avareza é um dos sete vícios capitais. Logo,
septem vitiis capitalibus. Ergo superbia inter vitia a soberba devia ser enumerada entre os vícios
capitalia enumeranda esset. capitais.
5. PRAETEREA, quaedam peccata commitun- 5. ADEMAIS, cometem-se pecados que não po-
tur quae ex nullo horum causari possunt: sicut dem ser causados por nenhum destes, como errar

5. C. 4: ML 42,553. Cfr. cc. 36, 37: ML 42, 562, 563.


4 ParaLL.: II Sent., dist. 42, q. 2, a. 3; De Malo, q. 8, a. 1.
1.Q. 6l,a. 2.
2. Q.77.
3. Art. 2.

4s4
QUESTÃO 84: OS PECADOS CAPITAIS, ARTIGO 4

cum aliquis errat ex ignorantia; vel cum aliquis por ignorância ou cometer um pecado com uma
ex aliqua bona intentione committit aliquod pec- boa intenção, por exemplo, roubar para dar es-
catum, puta cum aliquis furatur ut det eleemo- mola. Logo, a enumeração dos pecados capitais
synam. Ergo insufficienter capitalia vitia enu- não é suficiente.
merantur. Em SENTIDO CONTRÁRIO, à enumeração tem a
SED IN CONTRARIUM est auctoritas Gregorii sic autoridade de Gregório.
enumerantis, XXXI Moralium:. REsponDO. Como foi dito, os vícios capitais
REsponDEO dicendum quod, sicut dictum est”, são aqueles que dão origem a outros, principal-
mente segundo a razão de causa final. Ora, esta
vitia capitalia dicuntur ex quibus alia oriuntur,
origem pode ser considerada de duas maneiras:
praecipue secundum rationem causae finalis.
1. Segundo a condição do pecador, disposto de
Huiusmodi autem origo potest attendi dupliciter.
tal maneira a se ligar sobretudo a um fim, a
Uno quidem modo, secundum conditionem pec-
partir do qual quase sempre passa para outros
cantis, qui sic dispositus est ut maxime afficiatur
pecados. Mas, este modo de origem não pode
ad unum finem, ex quo ut plurimum in alia pec-
ser aceito pela arte porque as disposições parti-
cata procedat. Sed iste modus originis sub arte culares dos indivíduos são infinitas. — 2. Se-
cadere non potest: eo quod infinitae sunt particu- gundo a relação natural dos fins entre si. Nesse
lares hominum dispositiones. — Alio modo, se- sentido, geralmente um vício nasce de outro.
cundum naturalem habitudinem ipsorum finium Portanto, este modo de origem pode ser aceito
ad invicem. Et secundum hoc, ut in pluribus unum pela arte.
vitium ex alio oritur. Unde iste modus originis Nesse sentido, denominam-se vícios capitais
sub arte cadere potest. aqueles cujos fins têm certas razões primordiais
Secundum hoc ergo, illa vitia capitalia dicun- para mover o apetite. É segundo a distinção des-
tur, quorum fines habent quasdam primarias ra- sas razões que se distinguem os vícios capitais.
tiones movendi appetitum: et secundum harum Alguma coisa move o apetite de dois modos: 1.
rationum distinctionem, distinguuntur capitalia Diretamente e por si, desse modo o bem move
vitia. Movet autem aliquid appetitum dupliciter. o apetite a buscar, e o mal, pela mesma razão,
Uno modo, directe et per se: et hoc modo bonum a evitar. 2. Indiretamente e como por outra coi-
movet appetitum ad prosequendum, malum au- sa, por exemplo, quando alguém procura um
tem, secundum eandem rationem, ad fugiendum. mal por causa de um bem a ele unido, ou quan-
Alio modo, indirecte et quasi per aliud: sicut ali- do se evita um bem por causa de um mal a ele
unido. Ora, são três os bens do homem. Primei-
quis aliquod malum prosequitur propter aliquod
ro, um certo bem da alma. É aquele que tem a
bonum adiunctum, vel aliquod bonum fugit prop-
razão de apetecível pela só apreensão, a saber,
ter aliquod malum adiunctum.
a excelência do louvor ou da honra. É este bem
Bonum autem hominis est triplex. Est enim
que a vanglória procura de maneira desordena-
primo quoddam bonum animae, quod scilicet ex
da. Segundo, o bem do corpo, e este ou se re-
sola apprehensione rationem appetibilitatis ha- fere à conservação do indivíduo, como o ali-
bet, scilicet excellentia laudis vel honoris: et hoc mento e a bebida. É este bem que a gula pro-
bonum inordinate prosequitur inanis gloria. cura de maneira desordenada. Ou se refere à
Aliud est bonum corporis: et hoc vel pertinet ad conservação da espécie, como a união dos se-
conservationem individui, sicut cibus et potus, xos. E a esse bem se ordena a luxúria. Terceiro,
et hoc bonum inordinate prosequitur gula; aut os bens exteriores, a saber, as riquezas. É a esse
ad conservationem speciei, sicut coitus, et ad bem que se ordena a avareza. E esses mesmos
hoc ordinatur luxuria. Tertium bonum est exte- quatro vícios evitam de maneira desordenada os
rius, scilicet divitiae: et ad hoc ordinatur avari- males contrários.
tia. Et eadem quatuor vitia inordinate fugiunt Ou ainda de outro modo. O bem move so-
mala contraria. bretudo o apetite, porque participa algo da pro-

4.C.45,al. 17, in vet. 31: ML 76, 621 A.


5. Art. praec.

455
QUESTÃO 84: OS PECADOS CAPITAIS, ARTIGO 4

Vel aliter, bonum praecipue movet appetitum priedade da felicidade, que todos desejam natu-
ex hoc quod participat aliquid de proprietate feli- ralmente. Ora, pertence à razão da felicidade, em
citatis, quam naturaliter omnes appetunt. De cuius primeiro lugar, uma certa perfeição, pois a felici-
ratione est quidem primo quaedam perfectio, nam dade é o bem perfeito, ao qual se refere a exce-
felicitas est perfectum bonum: ad quod pertinet lência ou a celebridade, objeto de desejo da so-
excellentia vel claritas, quam appetit superbia vel berba ou da vanglória. Em segundo lugar, per-
inanis gloria. Secundo de ratione eius est suffi- tence à razão dela a suficiência que as riquezas
cientia: quam appetit avaritia in divitiis eam prometem e é objeto de desejo da avareza. Em
promittentibus. Tertio est de conditione eius de- terceiro lugar, pertence à condição dela o prazer,
lectatio, sine qua felicitas esse non potest, ut di- sem o qual não pode haver felicidade, como di-
citur in Iº et X Ethic.”. et hanc appetunt gula et zem os livros Ile X da Ética, e este é objeto de
luxuria. desejo da gula e da luxúria.
Quod autem aliquis bonum fugiat propter ali- Quanto ao evitar o bem por causa de um mal
quod malum coniunctum, hoc contingit duplici- a ele unido, acontece de duas maneiras. Ou isso
ter. Quia aut hoc est respectu boni proprii: et sic diz respeito a um bem pessoal, e então, é a ací-
est acedia, quae tristatur de bono spirituali, prop- dia, que se entristece com o bem espiritual por
ter laborem corporalem adiunctum. Aut est de causa do trabalho corporal adjunto. Ou diz res-
bono alieno: et hoc, si sit sine insurrectione, per- peito a um bem dos outros, e isso, se acontece
tinet ad invidiam, quae tristatur de bono alieno, sem rebelião, refere-se à inveja, que se entristece
inquantum est impeditivum propriae excellentiae; com o bem alheio, enquanto este impede a pró-
aut est cum quadam insurrectione ad vindictam, pria excelência. Ou acontece com alguma rebe-
et sic est ira. Et ad eadem etiam vitia pertinet lião vingativa e então é a ira. E a esses mesmos
prosecutio mali oppositi. vícios pertence a procura do mal oposto
AD PRIMUM ergo dicendum quod non est ea- QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que não
dem ratio originis in virtutibus et vitiis: nam vir- é a mesma a razão de origem das virtudes e dos
tutes causantur per ordinem appetitus ad ratio- vícios. Pois as virtudes são causadas pela orde-
nem, vel etiam ad bonum incommutabile, quod nação do desejo à razão, ou a uma bem imutável
est Deus; vitia autem oriuntur ex appetitu boni que é Deus. Os vícios, porém, nascem do ape-
commutabilis. Unde non oportet quod principalia tite do bem mutável. Portanto, não é necessário
vitia opponantur principalibus virtutibus. que os principais vícios se oponham às princi-
AD SECUNDUM dicendum quod timor et spes pais virtudes.
sunt passiones irascibilis. Omnes autem passio- QUANTO AO 2º, deve-se dizer que o temor e a
nes irascibilis oriuntur ex passionibus concupis- esperança são paixões do irascível. Ora, todas as
cibilis: quae etiam omnes ordinantur quodammo- paixões do irascível nascem das paixões do con-
do ad delectationem et tristitiam. Et ideo delecta- cupiscível, as quais são todas, ordenadas ao pra-
tio et tristitia principaliter connumerantur in pec- zer e à tristeza. Eis porque o prazer e a tristeza
catis capitalibus, tanquam principalissimae pas- são enumerados entre os pecados capitais, como
siones, ut supra* habitum est. sendo as principais paixões como já foi dito.
AD TERTIUM dicendum quod ira, licet non sit QuaNTO AO 3º, deve-se dizer que a ira embora
principalis passio, quia tamen habet specialem não seja uma paixão principal, ela se distingue
rationem appetitivi motus, prout aliquis impugnat dos outros vícios capitais, porque tem uma razão
bonum alterius sub ratione honesti, idest iusti especial do movimento apetitivo, pois alguém
vindicativi; ideo distinguitur ab aliis capitalibus contesta o bem do outro sob a razão de honesti-
vitiis. dade, isto é, da justiça vindicativa.
AD QUARTUM dicendum quod superbia dicitur Quanto Ao 4º, deve-se dizer que a soberba,
esse initium omnis peccati secundum rationem como foi dito, é o início de todos os pecados,

6.€C.9 1099, a. 7.
7.C.7 11977, a, 22-27.
8. Q.2 Sa. 4.

456
QUESTÃO 85: OS EFEITOS DO PECADO . A CORRUPÇÃO DOS BENS DA NATUREZA

finis, ut dictum est”. Et secundum eandem ratio- segundo a razão de fim. Pela mesma razão se
nem accipitur principalitas vitiorum capitalium. entende a principalidade dos pecados capitais. Por
Et ideo superbia, quasi universale vitium, non con- isso, a soberba, como vício universal, não é enu-
numeratur, sed magis ponitur velut regina quae- merada, mas é afirmada como a rainha de todos
dam omnium vitiorum, sicut Gregorius dicit!º. os vícios, segundo Gregório. A avareza se diz
Avaritia autem dicitur radix secundum aliam ra- raiz de outra maneira, como foi dito.
tionem, sicut supra"! dictum est. QUANTO AO 5º, deve-se dizer que esses vícios
AD QUINTUM dicendum quod ista vitia dicuntur são chamados capitais porque frequentemente dão
capitalia, quia ex eis ut frequentius alia oriuntur. | Origem a outros. Nada impede, por conseguinte,
Unde nihil prohibet aliqua peccata interdum ex | que às vezes, haja pecados que nasçam de outras
aliis causis oriri. — Potest tamen dici quod om- causas. — Pode-se, no entanto, dizer que todos
nia peccata quae ex ignorantia proveniunt, pos- os pecados que provêm da ignorância podem ser
sunt reduci ad acediam, ad quam pertinet negli- reduzidos à acídia, à qual se refere a negligência
gentia qua aliquis recusat bona spiritualia acqui- pela qual alguém recusa adquirir os bens espiri-
rere propter laborem: ignorantia enim quae potest tuais por causa do trabalho. A ignorância que pode
esse causa peccati, ex negligentia provenit, ut ser causa do pecado, vem da negligência, como
supra!? dictum est. Quod autem aliquis committat foi dito acima. Cometer um pecado por boa in-
aliquod peccatum ex bona intentione, videtur ad tenção parece pertencer à ignorância, na medida
ignorantiam pertinere: inquantum scilicet ignorat em que ignora que não se deve fazer o mal para
quod non sunt facienda mala ut veniant bona. que aconteça o bem.

9. Art. 2.
10. Loc. cit. in arg. sed c.: ML 76, 620 D.
l.A.1,2.
12. Q. 76, a. 2.

QUAESTIO LXXXV QUESTÃO 85


DE EFFECTIBUS PECCATI. ET PRIMO, OS EFEITOS DO PECADO.:
DE CORRUPTIONE BONI NATURAE A CORRUPÇÃO DOS BENS DA NATUREZA
in sex articulos divisa em seis artigos
Deinde considerandum est de effectibus pecca- Agora é preciso considerar os efeitos do peca-
ti. Et primo quidem, de corruptione boni natu- do. 1. À corrupção do bem da natureza; 2. A man-
rae; secundo, de macula animae; tertio, de reatu cha da alma; 3. O reato da pena.
poenae. Quanto ao primeiro, são seis as perguntas:

a. Ao abordar o problema dos efeitos que o pecado original produz em nós, Sto. Tomás, escreve M.-M. LABOURDETTE
(Le Péché originel et les origines de l"homme, Paris, 1953, p. 86-87), “se deparava com duas asserções teológicas aparente-
mente opostas. Uma, caracterísitca do pensamento pessimista da teologia latina: o homem é despojado dos dons gratuitos e
ferido em sua natureza, spoliatus gratuitis, vulneratus in naturalibus; a outra, de origem grega, lia-se no Pseudo-Dionísio a
respeito dos anjos pecadores: Naturalia remanent integra: o que pertence à natureza conservou sua integridade. Se o atribuir-
mos também ao homem decaído, como conciliar tal integridade conservada com a idéia de ferida? Seria preciso sacrificar uma
dessas asserções à segunda ou buscar um sentido superior no qual elas concordam? É essa última via que Sto. Tomás escolheu,
e que lhe permitiu o equilíbrio excepcional de uma doutrina igualmente distante dos exageros opostos”.
A solução que ele propõe funda-se sobre a distinção entre os três bens que ainda pertencem ao homem.
— nem o pecado atual nem o pecado original atinge o que pertence à natureza em seus princípios constitutivos e em suas
propriedades inalienáveis (os bens naturais permanecem íntegros);
— um e outro impedem a inclinação à virtude. O homem é ferido nos bens da natureza;
— o pecado original suprimiu totalmente a justiça original que, na pessoa do primeiro homem, foi concedida à humanidade
como um todo. O homem é despojado de seus dons da graça.

457

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