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QUESTÃO 153: O VÍCIO DA LUXÚRIA, ARTIGO 1

ginitas sit simpliciter maxima omnium virtutum, si mesma, a maior das virtudes, mas o é somente
sed solum aliis gradibus castitatis. em relação aos outros graus de castidade.
AD TERTIUM dicendum quod virgines seguuntur QuanTO AO 3º, deve-se dizer que as virgens
Agnum quocumque ierit, quia imitantur Christum “seguem o Cordeiro para onde quer que vá”,
non solum in integritate mentis, sed etiam in porque imitam a Cristo não só na integridade do
integritate canis, ut Augustinus dicit, in libro de espírito, mas também na integridade da came, diz
Virginit*: et ideo in pluribus sequuntur Agnum. Agostinho, e, por isso, em mais coisas seguem o
Non tamen oportet quod magis de propinquo: Cordeiro. Isso, porém, não implica que estejam
quia aliae virtutes faciunt propinquius inhaerere mais perto dele, porque outras virtudes nos unem
Deo per imitationem mentis. — Canticum autem a Deus mais estreitamente, pela imitação interior.
novum quod solae virgines cantant, est gaudium — Quanto ao “cântico novo” que só as virgens
quod habent de integritate canis servata. cantam, significa ele a alegria que sentem pela
conservação da integridade do seu corpo.

8. C. 27: ML 40,411.

QUAESTIO CLIII QUESTÃO 153


DE VITIO LUXURIAE O VÍCIO DA LUXÚRIA
in quinque articulos divisa em cinco artigos
Deinde considerandum est de vitio luxuriae, Em seguida, deve-se tratar do vício da luxúria,
quod opponitur castitati. Et primo, de ipsa in que se opõe à castidade. E, primeiramente, a lu-
generali; secundo, de speciebus eius. xúria em geral; depois, as suas espécies.
Circa primum quaeruntur quingue. A respeito do primeiro ponto, cinco questões:
Primo: quid sit materia luxuriae. 1. Qual é a matéria da luxúria?
Secundo: utrum omnis concubitus sit illicitus. 2. É ilícito todo comércio carnal?
Tertio: utrum luxuria sit peccatum mortale. 3. A luxúria é pecado mortal?
Quarto: utrum luxuria sit vitium capitale. 4. É vício capital?
Quinto: de filiabus eius. 5. Quais as suas espécies?

ÁRTICULUS 1 ARTIGO 1
Utrum materia luxuriae sint solum A matéria da luxúria são apenas
concupiscentiae et delectationes venereae os desejos e os prazeres sexuais?
AD PRIMUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod ma- QUANTO AO PRIMEIRO ARTIGO, ASSIM SE: PROCEDE:
teria luxuriae non sint solum: concupiscentiae et parece que a matéria da luxúria não são apenas
delectationes venereae. os desejos e os prazeres sexuais.
1. Dicit enim Augustinus, in libro Confess.!, 1. Com efeito, diz Agostinho, “a luxúria quer
quod luxuria ad satietatem atque abundantiam ser chamada de saciedade e abundância”. Ora,
se cupit vocari. Sed satietas pertinet ad cibos et saciedade diz respeito à comida e à bebida, e abun-.
potus, abundantia autem ad divitias. Ergo luxuria dância, às riquezas. Logo, a luxúria não tem como
non est proprie circa concupiscentias et voluptates matéria própria os desejos e os prazeres sexuais.
venereas.
2. PRAETEREA, Pr 20,1 dicitur: Luxuriosa res 2. ALÉM DISSO, está no livro dos Provérbios
est vinum. Sed vinum pertinet ad delectationem que “o vinho é uma coisa luxuriosa”. Ora, o vi-

l PARALL.: LI ad Tim., c. 5, lect. 2.


1.L. II, c. 6, n. 13: ML 32, 680.

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QUESTÃO 153: O VÍCIO DA LUXÚRIA, ARTIGO 2

cibi et potus. Ergo circa has maxime videtur esse nho se inclui nos prazeres do comer e do beber.
luxuria. Logo, parece que estes são a matéria principal
da luxúria.
3. PRAETEREA, luxuria esse dicitur libidinosae 3. ADEMAIS, diz-se que a luxúria é o desejo do
voluptatis appetitus. Sed libidinosa voluptas non prazer sensual. Ora, o prazer sensual não reside
solum est in venereis, sed etiam in multis aliis. apenas nos prazeres do sexo, mas também em
Ergo luxuria non solum est circa concupiscentias muitas outras matérias. Logo, a luxúria não versa
et voluptates venereas. apenas sobre os desejos e os prazeres sexuais.
SED CONTRA est quod dicitur in libro de Vera EM SENTIDO CONTRÁRIO, segundo Agostinho,
Relig.?: Dicitur luxuriosis: Qui seminat in carne, “Foi dito aos luxuriosos: Quem semeia na came,
de carne metet corruptionem. Sed seminatio canis colherá o que produz a came: a corrupção”. Ora,
fit per voluptates venereas. Ergo ad has pertinet -semear na came é obra dos prazeres sexuais. Logo,
luxuria. estes são o objeto da luxúria.
REspoNDEO dicendum quod, sicut Isidorus dicit, REsponDO. Como afirma Isidoro, o luxurioso é,
in libro Etymol?, luxuriosus aliquis dicitur quasi por assim dizer, alguém “entregue aos prazeres”.
solutus in voluptates. Maxime autem voluptates Ora, os prazeres sexuais são os que mais degradam
venereae animum hominis solvunt. Et ideo circa a mente humana. Portanto, a principal matéria da
voluptates venereas maxime luxuria consideratur. luxúria são esses prazeres.
AD PRIMUM ergo dicendum quod, sicut tem- Quanto AO 1º, portanto, deve-se dizer que
perantia principaliter quidem et proprie est circa assim como a temperança possui como objeto
delectationes tactus, dicitur autem ex consequenti principal e próprio os prazeres do tato e, por
et per similitudinem quandam in quibusdam aliis consequência e por certa semelhança, algumas
materiis; ita etiam luxuria principaliter quidem outras matérias, assim também a luxúria tem por
est in voluptatibus venereis, quae maxime et matéria principal os prazeres sexuais que, acima
praecipue animum hominis resolvunt; secundario de tudo e muito especialmente, tornam dissoluta
aut dicitur in quibuscumque aliis ad excessum a alma humana e, por matéria secundária, tudo o
pertinentibus. Unde Gl 5,19, dicit Glossa* quod mais que se relaciona com excessos. Por isso, diz
luxuria est quaelibet superfluitas. a Glosa que “todo excesso” é luxúria.
AD SECUNDUM dicendum quod vinum dicitur QUANTO AO 2º, deve-se dizer que olha-se o vi-
esse res luxuriosa, vel secundum hunc modum nho como algo luxurioso, ou porque, em qualquer
quo in qualibet materia abundantia ad luxuriam matéria, a abundância se enlaça com a- luxúria;
refertur. Vel inquantum superfluus usus vini in- ou porque o uso exagerado do vinho estimula o
centivum voluptati venereae praebet. prazer sexual.
AD TERTIUM dicendum quod libidinosa voluptas QUANTO AO 3º, deve-se dizer que embora se fale
etsi in aliis materiis dicatur, tamen specialiter hoc de prazer sensual em outras áreas, é particularmen-
nomen sibi vindicant venereae delectationes: in te dos prazeres sexuais que ele se aplica. E em re-
quibus etiam specialiter libido dicitur, ut Augus- ferência a eles que se fala também, especialmente,
tinus dicit, XIV de Civ. Dei. de “libido”, como se vê em Agostinho.

ÁRTICULUS 2 . ARTIGO 2
Utrum aliquis actus venereus O ato sexual pode
possit esse sine peccato existir sem pecado?
AD SECUNDUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod QUANTO AO SEGUNDO, ASSIM SE PROCEDE: parece
nullus actus venereus possit esse sine peccato. que não pode haver ato sexual sem pecado.

2. (Augustini), c. 3, n. 4: ML 34, 125.


3.L.X,ad litt. L, n. 16]: ML82,384 A.
4. Interl.; LomBarDI: ML 192, 159 B.
S.C. 15, 16: ML 41,424.
2 ParALL.: IV Senr., dist. 26, q. 1, a. 3; Cont. Gent. II, 126; De Malo, q. 15,a. 1.

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QUESTÃO 153: O VÍCIO DA LUXÚRIA, ARTIGO 2 E)

Q
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4t
1
1. Nihil enim videtur impedire virtutem nisi 1. Com efeito, nada parece ser obstáculo à::
peccatum. Sed omnis actus venereus maxime virtude como o pecado. Ora, todo ato sexual é.,
impedit virtutem: dicit enim Augustinus, in I um obstáculo máximo à virtude, pois Agostinho
Soliloq.!: Nihil esse sentio quod magis ex arce diz: “Creio que nada derruba tanto o ânimo va-
deiiciat animum virilem quam blandimenta femi- ronil como as carícias femininas e as intimidades
nae, corporumque ille contactus. Ergo nullus actus corporais”. Logo, parece que não há ato sexual
venereus videtur esse sine peccato. sem pecado.
2. PRAETEREA, ubicumque invenitur aliquid 2. ALÉM DISSO, onde houver algo excessivo que
superfluum per quod a bono rationis receditur, nos aparte do bem racional, aí haverá algo vicio-
hoc est vitiosum: quia virtus corrumpitur per so, pois tanto o excesso como a falta destroem a
superfluum et diminutum, ut dicitur in II Ethic 2. virtude, ensina o Filósofo. Ora, em todo ato sexual
Sed in quolibet actu venereo est superfluitas há um excesso de prazer, que absorve a razão de
delectationes, quae in tantum absorbet rationem tal forma que “ela não consegue refletir sobre
quod impossibile est aliquid intelligere in ipsa, -coisa alguma nesse momento”, diz o Filósofo e,
ut Philosophus dicit, in VII Ethic.*: et sicut Hie- adverte Jerônimo, nesse ato o espírito de profecia
ronymus dicit*, in illo actu spiritus prophetiae non não tocava o coração dos profetas. Logo, nenhum
tangebat corda prophetarum. Ergo nullus actus ato sexual pode ocorrer sem pecado.
venereus potest esse sine peccato.
3. PRAETEREA, causa potior est quam effectus. 3. ADEMAIS,à causa é mais importante que o
Sed peccatum originale in parvulis trahitur a efeito. Ora, o pecado original é transmitida às
concupiscentia, sine qua actus venereus esse non crianças pela concupiscência, sem a qual não pode
potest: ut patet per Augustinum, in libro de Nuptiis existir o ato sexual, como demonstra Agostinho.
et Concupé. Ergo nullus actus venereus potest Logo, nenhum ato sexual pode realizar-se sem
esse sine peccato. pecado.
SED CONTRA est quod Augustinus dicit, in libro EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz Agostinho: “Já foi
de Bono Coniug *: Satis responsum est haereticis, bastante explicado aos hereges, se é que eles
si tamen capiunt, non esse peccatum quod neque querem compreender: não existe pecado no que
contra naturam committitur, neque contra mo- não contraria a natureza, nem os costumes, nem
rem, neque contra praeceptu. Et loquitur de actu a lei”. E ele está falando do ato carnal, que os
venereo quo antiqui Patres pluribus coniugibus antigos patriarcas praticavam com várias esposas.
utebantur. Ergo non omnis actus venereus est Logo, nem todo ato sexual é pecado.
peccatum.
RESspONDEO dicendum quod peccatum in huma- REsponDO. Nos atos humanos, o pecado consiste
nis actibus est quod est contra ordinem rationis. naquilo que contraria a ordem racional e essa
Habet autem hoc rationis ordo, ut quaelibet ordem exige que se oriente cada coisa ao seu
convenienter ordinet in suum finem. Et ideo non fim. Não há pecado, portanto, quando o homem
est peccatum si per rationem homo utatur rebus usa de certas coisas respeitando o fim para o qual
aliquibus ad finem ad quem sunt, modo et ordi- existem, na medida e na ordem convenientes,
ne convenienti, dummodo ille finis sit aliquod desde que esse fim seja, realmente, bom. Ora,
vere bonum. Sicut autem est vere bonum quod como é realmente um bem conservar a natureza
conservetur corporalis natura unius individui, corpórea do indivíduo, assim também é um bem
ita etiam est quoddam bonum excellens quod excelente conservar a natureza da espécie. E como
conservetur natura speciei humanae. Sicut autem o alimento está destinado à conservação da vida
ad conservationem vitae unius hominis ordinatur individual, assim também a atividade sexual está
usus ciborum, ita etiam ad conservationem totius dirigida à conservação de todo o gênero humano.
humani generis usus venereorum: unde Augustinus Razão por quê, Agostinho pode dizer: “O que é a

l. C.1 0, n. 17: ML 32, 878.


2. C.2 : 1104, a, 18-27.
3. C. l 12: 1152,b, 18.
4. Oricen., Homil. VI in Num.,n.3: MG 12,610C.
5. L . 1, c 24: ML 44, 429.
6. Cc 25: ML 40, 395.

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QUESTÃO 153: O VÍCIO DA LUXÚRIA, ARTIGO 2

dicit, in libro de Bono Coniug.": Quod est cibus comida para a vida individual é a relação sexual
ad salutem hominis, hoc est concubitus ad salutem para o bem da espécie”. Portanto, como pode a
generis. Et ideo, sicut usus ciborum potest esse alimentação ser sem pecado, feita na ordem e
absque peccato, si fiat debito modo et ordine, se- medida devidas, como o requer a saúde do cor-
cundum quod competit saluti corporis; ita etiam et. po, também pode não haver pecado na atividade
usus venereorum potest esse absque omni peccato, sexual, realizada dentro da medida e da ordem
si fiat debito modo et ordine, secundum quod est devidas, de acordo com o que convém à finalidade
conveniens ad finem generationis humanae. da geração humana.
AD PRIMUM ergo dicendum quod aliquid potest QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que uma
impedire virtutem dupliciter. Uno modo, quantum coisa pode criar obstáculo à virtude de dois modos.
ad communem statum virtutis: et sic non impeditur Ou quanto ao estado comum da virtude e então só
virtus nisi per peccatum. Alio modo, quantum ad o pecado constitui obstáculo a ela; ou quanto ao
perfectum virtutis statum: et sic potest impediri estado perfeito da virtude e nesse caso a virtude
virtus per aliquid quod non est peccatum, sed est pode ser impedida por algo que não é pecado,
minus bonum. Et hoc modo usus feminae deiicit mas um bem menor. Nesse sentido é que o uso
animum, non a virtute, sed ab arce, idest perfec- da mulher derruba o ânimo não da virtude, mas
tione virtutis. Unde Augustinus dicit, in libro de do mais alto, isto é, da perfeição da virtude. Por
Bono Coniug: Sicut bonum erat quod Martha isso, Agostinho diz: “Era bom o que Marta fazia,
faciebat occupata circa ministerium sanctorum, entregue ao serviço dos santos; mas era melhor o
sed melius quod Maria audiens verbum Dei; ita que Maria, ouvindo a palavra de Deus, fazia. Assim
etiam bonum Susannae in castitate coniugali também nós apreciamos a virtude de Susana, em
laudamus, sed bonum viduae Annae, et magis sua castidade conjugal, mas preferimos a virtude da
Mariae Virginis, anteponimus. viúva Ana e muito mais a da Virgem Maria”.
AD SECUNDUM dicendum quod, sicut supra? dic- QUANTO AO 2º, deve-se dizer que não se mede
tum est, medium virtutis non attenditur secundum o meio-termo da virtude quantitativamente, mas
quantitatem, sed secundum quod convenit rationi pelo seu ajustamento com a reta razão. Por isso, o
rectae. Et ideo abundantia delectationis quae est intenso prazer gozado no ato sexual, feito segundo
in actu venereo secundum rationem ordinato, a reta razão, não contraria o meio-termo da vir-
non contrariatur medio virtutis. — Et praeterea tude. — Além do mais, não é o quanto de prazer
ad virtutem non pertinet quantum sensus exterior experimentam os sentidos exteriores, resultantes
delectetur, quod consequitur corporis dispositio- da disposição do corpo, que interessa à virtude,
nem: sed quantum appetitus interior ad huiusmodi mas o quanto o apetite interior é sensível a tal
delectationes afficiatur. — Nec hoc-etiam quod prazer. — E o fato de a razão não poder produzir,
ratio non potest liberum actum rationis ad spiri- junto com esse prazer, um ato livre sobre as coisas
tualia consideranda simul cum illa delectatione espirituais, também não prova que ele se oponha
habere, ostendit quod actus ille sit contrarius à virtude. Na verdade, não é contra a virtude que
virtuti. Non enim est contrarium virtuti si rationis o ato da razão seja, às vezes, interrompida por
actus aliquando intermittatur aliquo quod secun- algo razoável; do contrário, não seria conforme
dum rationem fit: alioquin, quod aliquis se somno à razão entregar-se ao sono.
tradit, esset contra virtutem.
Hoc tamen quod concupiscentia et delectatio No entanto, se a concupiscência e os prazeres
venereorum non subiacet imperio et moderationi sexuais não obedecem ao comando moderador da
rationis, provenit ex poena primi peccati: inquan- razão, isso provém da pena do primeiro pecado,
tum scilicet ratio rebellis Deo meruit habere suam porque, rebelando-se contra Deus, a razão mereceu
carnem rebellem, ut patet per Augustinum, XII que a carne se rebelasse contra ela, como expõe
de Civ. Deilº. Agostinho claramente”.
7.C. 16: ML 40, 385.
8. €. 8, n. 8 ML 40, 379.
9.Q. 152,a.2,ad 2; I-II,q. 64,a. 2.
10. C. 13: ML 41, 386.
a. Sto. Tomás é perfeitamente claro: se, em certas circunstâncias,é razoável ter relações carnais, é igualmente razoável aceitar
a natureza das mesmas e suas consequências. É preciso aceitar especialmente que o gozo possa ser extremo e que outras ati-

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QUESTÃO 153: O VÍCIO DA LUXÚRIA, ARTIGO 3

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AD TERTIUM dicendum quod, sicut Augustinus QUANTO AO 3º, deve-se dizer que como diz, no.
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ibidem!! dicit, quod ex concupiscentia carnis, quae mesmo lugar, Agostinho, “da concupiscência da
regeneratis non imputatur in peccatum, tanquam came, filha do pecado, mas que não se imputa aos
exfilia peccati, proles nascitur originali obligata regenerados como pecado, nasce a criança sujeita
peccato. Unde non sequitur quod actus ille sit ao pecado original”. Não se deduz daí que esse
peccatum: sed quod in illo actu sit aliquid poenale ato seja um pecado, mas que há nele algo de pena,
a peccato primo derivatum. derivada do primeiro pecado.

ÁRTICULUS 3 ARTIGO 3
Utrum luxuria quae est circa A luxúria, que se ocupa
actus venereos possit esse peccatum com os atos sexuais, pode ser pecado?
AD TERTIUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod luxu- QUANTO AO TERCEIRO, ASSIM SE PROCEDE: parece
ria quae est circa actus venereos, non possit esse que a luxúria, que se ocupa com os atos sexuais
aliquod peccatum. não pode ser pecado.
1. Per actum enim venereum semen emittitur, 1. Com efeito, pelo ato sexual emite-se o es-
quod est superfluum alimenti, ut patet per Phi- perma que é “um excedente do alimento”, como
losophum, in libro de Generat. Animal.!. Sed in afirma o Filósofo. Ora, não há nenhum pecado na
emissione aliarum superfluitatum non attenditur emissão dos outros excedentes. Logo, também não
aliquod peccatum. Ergo neque circa actus venereos pode haver pecado algum no ato sexual.
potest esse aliquod peccatum.
2. PRAETEREA, quilibet potest licite uti ut libet, 2. ALÉM DISSO, pode cada um se servir, como
eo quod suum est. Sed in actu venereo homo non quiser, do que lhe pertence, contanto que o faça
utitur nisi eo quod suum est: nisi forte in adulterio licitamente. Ora, no ato sexual, o homem não se
vel raptu. Ergo in usu venereo non potest esse serve senão do que é seu, salvo no adultério e
peccatum. Et ita luxuria non erit peccatum. no rapto. Logo, na prática sexual não pode haver
pecado e, assim, a luxúria não é pecado.
3. PRAETEREA, omne peccatum habet vitium op- 3. ADEMAIS, todo pecado tem um vício oposto.
positum. Sed luxuriae nullum vitium videtur esse Ora, não parece haver vício algum oposto à luxú-
oppositum. Ergo luxuria non est peccatum. ria. Logo, a luxúria não é pecado.
SED CONTRA est quod causa est potior effectu. EM SENTIDO CONTRÁRIO, a causa é mais importante
Sed vinum prohibetur propter luxuriam: secundum que o seu efeito. Ora, o vinho é proibido por causa
illud Apostoli, Eph 5,18: Nolite inebriari vino, in da luxúria, segundo o Apóstolo: “Não vos embria-
quo est luxuria. Ergo luxuria est prohibita. gueis com vinho, que conduz à luxúria”. Logo, a
2. PRAETEREA, Gl 5,19, enumeratur inter opera luxúria é proibida. Além disso, ela vem citada, na
carnis. Carta aos Gálatas, entre as obras da came.

11. L. 1 c 24: ML 44, 429.


3 ParALL.: Cont. Gent. III, 122; De Malo, q. 15,a. 1; Iad Cor., c. 6, lect. 3.
1.L.I,c. 18: 726,a, 26-28.
vidades fi iquem totalmente inibidas. Não se deve dar com uma mão e reter com a outra; não seria virtuoso fazer as coisas pela
metade, e não é possível fazer tudo ao mesmo tempo.
b. Note-se um deslocamento entre o título do artigo (retomado do prólogo da questão 153) e seu conteúdo. O título traz:
é a lúxuria pecado mortal? Na verdade, o artigo examina se a luxúria é, sim ou não, um pecado, sem examinar o problema
de sua gravidade.
À resposta estabelece que, num domínio tão essencial, é possível seguir a razão ou contrariá-la. O que significa que cabe
falar de pecado. Mas as duas primeiras objeções, que tentam provar que não poderia de modo algum tratar-se de pecado, nesse
domínio considerado como moralmente neutro (a não ser no caso de uma injustiça: adultério ou rapto), são fortes: o esperma
não é secreção puramente fisiológica? O homem (e a mulher) não dispõem de seus corpos?
Sto. Tomás deverá afastar as objeções, que não deixam de ter valor, e que em nada perderam sua atualidade nos dias de hoje.
O esperma não pode ser considerado como neutro, não porque sua ejaculação proporcione prazer, mas porque ele contribui para
a reprodução, que deve estar submetida à razão. Quanto a nosso corpo, é Deus antes de todos o seu senhor. O objeto do artigo
é então mais radical do que o título levaria a pensar. Não: esse pecado é grave?, mas: esse pecado é concebível?

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QUESTÃO 153: O VÍCIO DA LUXÚRIA, ARTIGO 4

REsPONDEO dicendum quod quanto aliquid est REspoNDO. Quanto mais necessária for uma
magis necessarium, tanto magis oportet ut circa coisa, tanto mais necessário é que a ordem da
illud rationis ordo servetur. Unde per consequens razão seja observada a seu respeito. Portanto,
magis est vitiosum si ordo rationis praetermittatur. será tanto mais viciosa, quanto mais se esquecer
Usus autem venereorum, sicut dictum est?, est a ordem racional. Ora, a atividade sexual é ex-
valde necessarius ad bonum commune, quod est tremamente necessária ao bem comum, que é a
conservatio humani generis. Et ideo circa hoc conservação da espécie. Por isso, deve ser muito
maxime attendi debet rationis ordo. Et per conse- especialmente respeitada, nessa matéria, a ordem
quens, si quid circa hoc fiat praeter id quod ordo da razão e, consequentemente, será vicioso o que
rationis habet, vitiosum erit. Hoc autem pertinet se fizer contra tal ordem. Ora, é próprio da lu-
ad rationem luxuriae, ut ordinem et modum ratio- xúria exceder a medida e a ordem da razão nos
nis excedat circa venerea. Et ideo absque dubio atos sexuais. Logo, sem dúvida alguma, a luxúria
luxuria est peccatum. é pecado.
AD PRIMUM ergo dicendum quod, sicut Philoso- Quanto AO 1º, portanto, deve-se dizer que o
phus, in eodem libro, dicit, semen est.superfluum Filósofo diz que “o sêmen é um excedente de que
quo indigetur: dicitur enim superfluum ex eo quod necessitamos”, pois é considerado como tal por
residuum est-operationis virtutis nutritivae, tamen. ser resíduo da atividade da função nutritiva, mas
indigetur eo ad opus virtutis generativae. Sed aliae é necessário para os fins da função geradora. Por
superfluitates humani corporis sunt quibus non certo, outros excedentes há do corpo humano que
indigetur. Et ideo non refert qualitercumque emit- não são necessários e, por isso, não importa como
tantur, salva decentia convictus humani. Sed non sejam expelidos, desde que se salvaguarde a de-
estsimile in seminis emissione, quae taliter debet cência do convívio humano. Não se pode, porém,
fieri ut conveniat fini ad quem eo indigetur. dizer o mesmo da emissão do esperma, que deve
se adequar ao fim para o qual é necessário.
AD SECUNDUM dicendum quod, sicut Apostolus Quanto AO 2º, deve-se dizer que reprovando
dicit, ICor 6,20, contra luxuriam loquens: Empti a luxúria, declara o Apóstolo: “Alguém pagou o
estis pretio magno: glorificate ergo et portate preço do vosso resgate. Glorificai, portanto, e le-
Deum in corpore vestro. Ex eo ergo quod aliquis vai a Deus em vosso corpo”. Por isso, quem, pela
inordinate suo corpore utitur per luxuriam, iniu- luxúria, usa desordenadamente do próprio corpo,
riam facit Domino, qui est principalis dominus ofende a Deus, senhor principal do nosso corpo.
corporis nostri. Unde et Augustinus dicit, in libro Daí também a palavra de Agostinho: “O Senhor
de Decem Chordis*: Dominus, qui gubernat servos que governa seus servos, visando ao bem deles
suos ad utilitatem illorum, non suam, hoc prae- e não ao seu próprio bem, ordenou que não se
cepit, ne per illicitas voluptates corruat templum destrua, através dos prazeres ilícitos, o seu templo
eius, quod esse coe pisti. que começaste a ser”.
AD TERTIUM dicendum quod oppositum luxuriae - QUANTO AO 3º, deve-se dizer que o vício oposto
non contingit in multis: eo quod homines magis à luxúria não é comum, porque os homens são
sint proni ad delectationes. Et tamen oppositum mais inclinados à luxúria mesmo. Entretanto,
vitium continetur sub insensibilitate. Et accidit hoc esse vício oposto existe. E a insensibilidade que
vitium in eo qui in tantum detestatur mulierum está presente naqueles que rejeitam de tal modo:
usum quod etiam uxori debitum non reddit. unir-se a uma mulher que não cumprem sequer o
débito conjugal.

ARTICULUS 4 ARTIGO 4
Utrum luxuria sit vitium capitale A luxúria é um vício capital?
AD QUARTUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod lu- QUANTO AO QUARTO, ASSIM SE PROCEDE: parece
xuria non sit vitium capitale. que a luxúria não é um vício capital.

2. A. praec.
3. Serm. 9, al. de Temp. 96, c. 10, n. 15: ML 38, 86.
4 ParALL.: II, q. 84, a. 4; II Sent., dist. 42, q. 2, a. 3; De Malo, q. 8, a. 1; q 15,a. 4.

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QUESTÃO 153: O VÍCIO DA LUXÚRIA, ARTIGO 4

1. Luxuria enim videtur idem esse immunditiae: 1. Com efeito, ela parece ser idêntica à imun-
ut patet per Glossam!, Eph 5,3. Sed immunditia est dície, conforme a Glosa a um texto da Carta aos
filia gulae: ut patet per Gregorium, XXXI Moral.?. Efésios. Ora, a imundície é filha da gula, como
Ergo luxuria non est vitium capitale. o prova Gregório. Logo, a luxúria não é um ví-
cio capital.
2. PRAETEREA, Isidorus dicit, in libro de Summo 2. ALÉM DISSO, diz Isidoro que “assim como,
Bono?, quod sicut per superbiam mentis itur in pela soberba do espírito, se chega à prostituição do
prostitutionem libidinis, ita per humilitatem mentis prazer, assim também, pela humildade do espírito,
salva fit castitas carnis. Sed contra rationem ca- se salva a castidade do corpo”. Ora, contradiz a
pitalis vitii esse videtur quod ex alio vitio oriatur. razão de vício capital que ele se origine de outro
Ergo luxuria non est vitium capitale. vício. Logo, a luxúria não é um vício capital.
3. PRAETEREA, luxuria causatur ex desperatio- 2. ADEMAIS, à luxúria é causada pelo desespero,
ne: secundum illud Eph 4,19: Qui, desperantes, segundo a palavra: “No seu desespero, eles se
seipsos tradiderunt impudicitiae. Sed desperatio abandonaram à devassidão”. Ora, o desespero não
non est vitium capitale: quinimmo ponitur filia é um vício capital; antes, é considerado filha da
acediae, ut supra“ habitum est. Ergo multo minus acídia, como já se esclareceu. Logo, com muito
luxuria est vitium capitale. menos razão é a luxúria um vício capital.
SED CONTRA est quod Gregorius, XXXI Moral, Em SENTIDO CONTRÁRIO, Gregório enumera a
ponit luxuriam inter vitia capitalia. luxúria entre os vícios capitais.
REspoNDEO dicendum quod, sicut ex dictis* RESPONDO. Vício capital é o que se propõe um
patet, vitium capitale est quod habet finem mul- fim bastante desejável, a ponto de tal desejo levar
tum appetibilem, ita quod ex eius appetitu homo o homem a cometer muitos pecados, todos oriun-
procedit ad multa peccata perpetranda, quae omnia dos desse vício como de um vício principal. Ora,
ex illo vitio tanquam ex principali oriri dicuntur. o fim da luxúria é o prazer sexual, que é o mais
Finis autem luxuriae est delectatio venereorum, forte de todos os prazeres. Por essa razão, esse
quae est maxima. Unde huiusmodi delectatio est prazer é sumamente dese jável ao apetite sensitivo,
maxime appetibilis secundum appetitum sensi- quer pela sua intensidade, quer ainda pelo caráter
tivum: tum propter vehementiam delectationis; conatural dessa concupiscência. E evidente, pois,
tum etiam propter connaturalitatem huius concu- que a luxúria é um vício capital.
piscentiae. Unde manifestum est quod luxuria est
vitium capitale.
AD PRIMUM ergo dicendum quod immunditia, QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que para
secundum quosdam, quae ponitur filia gulae, est alguns autores a imundície que é filha da gula, é
quaedam immunditia corporalis, ut supra” dictum a imundície corporal. Nesse sentido, a objeção
est. Et sic obiectio non est ad propositum. não vem a propósito.
Si vero accipiatur pro immunditia luxuriae, Se, porém, é tomado no sentido de imundície da
sic dicendum quod ex gula causatur materialiter, luxúria, então é preciso dizer que ela é provocada
inquantum scilicet gula ministrat materiam cor- materialmente pela gula, porque esta lhe oferece a
poralem luxuriae: non autem secundum rationem matéria corporal. Mas não se trata aqui da causa
causae finalis, secundum quam potissime attendi- final, segundo a qual se indica, principalmente,
tur origo aliorum vitiorum ex vitiis capitalibus. a origem dos outros vícios, a partir dos vícios
capitais.
AD SECUNDUM dicendum quod, sicut supra* QUANTO AO 2º, deve-se dizer que ao se tratar da
dictum est, cum de inani gloria ageretur, superbia vanglória, a soberba é tida, comumente, como a

1. Interl.; LomBarDI: ML 192, 209 B.


2.C.45,al. 17,in vet. 31, n. 88: ML 76,621 B.
3.Al. Sentent., 1. II, c. 39, n. |: ML 83, 640 B.
4.Q.35,a.4,ad2.
S. Loc. cit., n. 87: ML 76, 621 A.
6.Q. 148,a.5; HI,q. 84,a.3,4.
7. Q. 148,a. 6.
8.Q.132,a.4,ad 1.

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QUESTÃO 153: O VÍCIO DA LUXÚRIA, ARTIGO 5

ponitur communis mater omnium peccatorum: mãe de todos os pecados e, por isso, também os
et ideo etiam vitia capitalia ex superbia oriuntur. vícios capitais nascem dela.
AD TERTIUM dicendum quod a delectationibus QuanTO AO 3º, deve-se dizer que alguns 'se
luxuriae praecipue aliqui abstinent propter spem abstêm dos prazeres luxuriosos sobretudo pela
futurae gloriae, quam desperatio subtrahit. Et esperança da glória futura, que o desespero faz
ideo causat luxuriam sicut removens prohibens: perder. E assim que o desespero causa a luxú-
non sicut per se causa, quod videtur requiri ad ria, removendo-lhe o obstáculo. Mas ele não é
vitia capitalia. causa direta e isso se exige para constituir um
vício capital.

ÁRTICULUS 5 ARTIGO 5
Utrum convenienter As filhas da luxúria
assignentur filiae luxuriae estão corretamente enumeradas?
AD QUINTUM SIC PROCEDITUR. Videtur quod in- QUANTO AO QUINTO, ASSIM SE PROCEDE: parece
convenienter dicantur esse filiae luxuriae caecitas que não devem ser consideradas filhas especiais
mentis, inconsideratio, inconstantia, praecipitatio, da luxúria, a cegueira mental, a irreflexão, a
amor sui, odium Dei, affectus praesentis saeculi, inconstância, a precipitação, o egoísmo, o ódio
horror vel desperátio futuri. a Deus, o apego à vida presente, o horror ou
desesperança da vida futura.
1. Quia caecitas mentis et inconsideratio et 1. Porque, a cegueira mental, a irreflexão e a
praecipitatio pertinent ad imprudentiam, quae precipitação se referem à imprudência, que está
invenitur in omni peccato, sicut et prudentia in presente em todos os pecados, como a prudência
omni virtute. Ergo non debent poni speciales fi- está presente em todas as virtudes. Logo, não de-
liae luxuriae. vem ser consideradas filhas especiais da luxúria.
2. PRAETEREA, constantia ponitur pars forti- 2. ALÉM DISSO, a constância é considerada parte
tudinis, ut supra! habitum est. Sed luxuria non da fortaleza, como acima se explanou. Ora, a lu-
opponitur fortitudini, sed temperantiae. Ergo xúria não se opõe à fortaleza, mas à temperança.
inconstantia non est filia luxuriae. Logo, a inconstância não é filha da luxúria.
3. PRAETEREA, amor sui usque ad contemptum 3. ADEMAIS, “O amor de si mesmo até o ponto
Dei est principium omnis peccati: ut patet per de desprezar a Deus” é o princípio de todo pecado,
Augustinum, XIV de Civ. Dei?. Non ergo debet para Agostinho. Logo, não deve ser considerado
poni filia luxuriae. filho da luxúria.
4. PRAETEREA, Isidorus” ponit quatuor: scilicet 4. ADEMAIS, Isidoro aponta quatro filhas da lu-
turpiloquia, scurrilia, ludicra, stultiloquia. Ergo xúria, a saber: as palavras desonestas, as palavras
praedicta enumeratio videtur esse superflua. néscias, as palavras devassas e as palavras tolas.
Logo, a enumeração acima parece excessiva.
SED CONTRA est auctoritas Gregorii, XXXI Em SENTIDO CONTRÁRIO, está a palavra de
Moral. Gregório.
ResponDEoO dicendum quod quando inferiores REsponDO. Quando as potências inferiores são
potentiae vehementer afficiuntur ad sua obiecta, fortemente tomadas por seus objetos, é natural
consequens est quod superiores vires impediantúr que as potências superiores se vejam tolhidas
et deordinentur in suis actibus. Per vitium au- e desordenadas na sua ação. Ora, pelo vício da
tem luxuriae maxime appetitus inferior, scilicet luxúria, sobretudo o apetite inferior, isto é, O
concupiscibilis, vehementer intendit suo obiecto, concupiscível, se volta de forma veemente para
scilicet delectabili, propter vehementiam delecta- o seu objeto próprio, o desejável, por causa da

5 PaRALL.: Supra, q. 15,a. 3; q. 20,a. 4; q. 53, a. 6; De Malo,q. 15, a. 4.


1. Q. 128,a. un., ad 6.
2.C. 28: ML 41,436.
3. Quaest. in Deut., c. 16, n. 3: ML 83, 366 C.
4.C.45,al. 17, in vet. 31, n. 88: ML 76, 621 B.

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QUESTÃO 153: O VÍCIO DA LUXÚRIA, ARTIGO 5

tionis. Et ideo consequens est quod per luxuriam violência do prazer. E vem daí que, pela luxúria,
maxime superiores vires deordinentur, scilicet sobretudo as potências superiores, ou seja, a razão
ratio et voluntas. e a vontade, ficam desordenadas.
Sunt autem rationis quatuor actus in agendis. No agir humano, são quatro os atos da razão.
Primo quidem, simplex intelligentia, quae ap- O primeiro é a simples inteligência, que apreende
prehendit aliquem finem ut bonum. Et hic actus um fim como bem. Esse ato fica impedido pela
impeditur per luxuriam: secundum illud Dn 13,56: luxúria, como diz a Escritura: “A beleza te sedu-
Species decepit te, et concupiscentia subvertit cor ziu e o desejo perverteu o teu coração”. E isso a
tuum. Et quantum ad hoc, ponitur caecitas mentis. cegueira mental.
— Secundus actus est consilium de his quae sunt O segundo ato é a deliberação dos meios que
agenda propter finem. Et hoc etiam impeditur per devemos aplicar para atingir o fim. E isso também
concupiscentiam luxuriae: unde Terentius dicit, in é impedido pela concupiscência da luxúria. Como
Eunucho*, loquens de amore libidinoso: Quae res diz Terêncio, a propósito de um amor licencioso,
in se neque consilium neque modum habet ullum, “não se pode regular pela reflexão o que não admi-
eam consilio regere non potes. Et quantum ad hoc, te nem deliberação nem medida”. A isso corres-
ponitur praecipitatio, quae importat subtractionem ponde a precipitação que traz consigo a anulação
consilii, ut supra habitum. est. — Tertius autem do conselho, como se disse antes.
actus est iudicium de agendis. Et hoc etiam im- O terceiro ato é o julgar o que se há de fazer,
peditur per luxuriam: dicitur enim Dn 13,9, de que também fica impedido pela luxúria, pois diz
senibus luxuriosis: Averterunt sensum suum, ut o livro de Daniel, a respeito dos anciãos luxurio-
non recordarentur iudiciorum iustorum. Et quan- sos: “Perverteram seu pensamento ... para não
tum ad hoc, ponitur inconsideratio. — Quartus se lembrar dos justos julgamentos”. E o que se
autem actus est praeceptum rationis de agendo. chama aqui de irreflexão.
Quod etiam impeditur per luxuriam: inquantum Enfim, o quarto ato é o preceito racional do
scilicet homo impeditur ex impetu concupiscentiae que se deve fazer, que também fica impedido
ne exequatur id quod decrevit esse faciendum. pela luxúria, porque o ataque da concupiscência
Unde Terentius dicit, in Eunucho”, de quodam impede o homem de cumprir o que decidira rea-
qui dicebat se recessurum ab amica: Haec verba lizar. Isso é aqui denominado inconstância. Por
una falsa lacrimula restringet. essa razão, Terêncio diz, referindo-se a alguém
que prometia abandonar a amante: “Uma única e
falsa lagrimazinha apagará essas palavras”.
Ex parte autem voluntatis, consequitur duplex Por parte da vontade, a desordem se introduz
actus inordinatus. Quorum unus est appetitus finis. em dois atos. O primeiro é o desejo do fim. E
Et quantum ad-hoc, ponitur amor sui, quantum sci- desse ponto de vista, temos o egoísmo, que busca
licet ad delectationem quam inordinate appetit: et o prazer de forma desordenada. E, como vício
per oppositum ponitur odium Dei, inquantum sci- oposto, o desprezo de Deus, por ele vetar o prazer
licet prohibet delectationem concupitam. — Alius desejado. — O segundo ato é o desejo dos meios.
autem est appetitus eorum quae sunt ad finem. Et E a esse se refere o apego à vida presente, durante
quantum ad hoc, ponitur affectus praesentis saeculi, a qual queremos gozar do prazer e, como vício
in quo scilicet aliquis vult frui voluptate: et per contraposto, o descaso da vida futura, porque,
oppositum ponitur desperatio futuri saeculi, quia ao nos determos demais nos prazeres da came,
dum nimis detinetur carnalibus delectationibus, non não nos preocupamos com os do espírito e nos
curat pervenire ad spirituales, sed fastidit eas. aborrecemos com eles.
AD PRIMUM ergo dicendum quod, sicut Philo- QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que como
sophus dicit, in VI Ethic8, intemperantia maxime diz o Filósofo, a intemperança. corrói, no mais alto
corrumpit prudentiam. Et ideo vitia opposita grau, a prudência. Por isso, os vícios opostos à
prudentiae maxime oriuntur ex luxuria, quae est prudência nascem, sobretudo, da luxúria, que é a
praecipua intemperantiae species. principal espécie de intemperança.

5. Act. 1, sc. 1: ed. A. Fleckeisen, Lipsiae 1910, p. 109, Il. 12-13.


6.Q.53,a.3.
7. Loc. cit.: ed. cit., p. 109,11. 22-24.
8 €. 5: 1140,b, 13-21.
QUESTÃO 153: O VÍCIO DA LUXÚRIA, ARTIGO 5

AD SECUNDUM dicendum quod constantia in QUANTO AO 2º, deve-se dizer que a constância
arduis et terribilibus ponitur pars fortitudinis. Sed nas coisas árduas e temíveis é considerada parte
constantiam habere in abstinendo a delectationibus da fortaleza. Mas a constância em nos abstermos
pertinet ad continentiam, quae ponitur pars tempe- dos prazeres faz parte da continência, que integra
rantiae, ut supra? dictum est. Et ideo inconstantia a temperança, como foi dito. Por isso, considera-
quae ei opponitur, ponitur filia luxuriae. se como filha da luxúria a inconstância, que é
oposta a ela.
Et tamen etiam prima inconstantia ex luxuria No entanto, a primeira inconstância também é
causatur: inquantum emollit cor hominis et effemi- causada pela luxúria, porque amolece o coração
natum reddit, secundum illud Os 4,11: Fornicatio, do homem e o torna efeminado, conforme o livro
et vinum et ebrietas, aufert cor. Et Vegetius dicit, de Oseias: “A orgia e a embriaguez fazem perder
in libro de Re Militari!?, quod minus mortem o juízo”. E Vegécio diz que “teme a morte menos
metuit qui minus deliciarum novit in vita. Nec quem menos prazeres conheceu na vida”. Nem
oportet, sicut saepe dictum est!!, quod filiae vitii é necessário, como muitas vezes foi dito, que
capitalis cum eo in materia conveniant. os vícios nascidos de um vício capital tenham a
mesma matéria que ele.
AD TERTIUM dicendum quod amor sui quantum QuanTO AO 3º, deve-se dizer que o egoísmo,
ad quaecumque bona quae sibi aliquis appetit, est em relação a todos os bens que desejamos, é o
commune principium peccatorum. Sed quantum ad princípio comum dos pecados. Mas, em relação ao
hoc specialiter quod aliquis appetit sibi delectabi- desejo específico do prazer carnal, é considerado
lia camis, ponitur amor sui filia luxuriae. filho da luxúria.
AD QUARTUM dicendum quod illa quae Isidorus Quanto AO 4º, deve-se dizer que os vícios
ponit, sunt quidam inordinati actus exteriores, et citados por Isidoro são atos exteriores desordena-
praecipue ad locutionem pertinentes. In qua est dos, ligados sobretudo à comunicação oral. Nesta
aliquid inordinatum quadrupliciter. Uno modo, desordem se apresentam de quatro maneiras. Pri-
propter materiam. Et sic ponuntur turpiloquia. meiro, pela matéria. Por isso, fala-se de palavras
Quia enim ex abundantia cordis os loquitur, ut desonestas. Com efeito, como “a boca fala o que
dicitur Mt 12,34, luxuriosi, quorum cor est tur- transborda do. coração”, os luxuriosos, de coração
pibus concupiscentis plenum, de facili ad turpia cheio de torpes desejos, facilmente prorrompem
verba prorumpunt. — Secundo, ex parte causae. em desonestidades. — Em segundo lugar, pela
Quia enim luxuria inconsiderationem et praeci- causa, pois, como a luxúria provoca a irreflexão
pitationem causat, consequens est quod faciat e a precipitação, leva, naturalmente, a palavras
prorumpere in verba leviter et inconsiderate dicta, levianas e desvairadas, que se classificam como
quae dicuntur scurrilia. — Tertio, quantum ad fi- néscias. — Em terceiro lugar, pelo fim, pois os
nem. Quia enim luxuriosus delectationem quaerit, luxuriosos, ao buscar os prazeres, ordenam para
etiam verba sua-ad delectationem ordinat: et sic eles até as suas palavras e, assim, se derramam
prorumpit in verba ludicra. — Quarto, quantum em devassidões. — Em quarto lugar, pelo sentido
ad sententiam verborum, quam pervertit luxuria, das palavras, que a luxúria perverte, por causa
propter caecitatem mentis quam causat. Et sic da cegueira mental que produz. E aí o luxurioso
prorumpit in stultiloquia: utpote cum suis verbis facilmente se entrega a proferir tolices, preferindo
praefert delectationes quas appetit, quibuscumque assim, ao falar, a qualquer outra coisa os prazeres
aliis rebus. cobiçados.

9.Q. 143. .
10. L. I, c. 3: ed. C. Lang, Lipsiae 1885, p. 8, 11. 6-7.
1.Cfr.q. 118,a. 8 ad 1.

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