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Artigo 3º da Lei nº 9.

807/99 sobre a inclusão e a exclusão do beneficiário


Gilson Roberto de Melo Babosa *

1. Considerações preliminares

Precedida de discussão com autoridades dos sistemas de Segurança e Justiça de


diversos Estados e com organizações não-governamentais com atuação no setor, e
considerada, na sua elaboração, a experiência do Programa de Proteção a Testemunhas,
Vítimas e Familiares de Vítima das Violência (PROVITA), desenvolvida pioneiramente em
Pernambuco pelo Gabinete de Apoio as Organizações Populares em convênio com
Secretaria Estadual de Justiça e com o Ministério Público de Pernambuco, foi
promulgada, em 13.7.1999, a Lei nº 9.8o7/99, que "estabelece normas para a
organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a
testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a
Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que
tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao
processo criminal."

O país vem assistindo, nos últimos anos, a uma escalada da violência, com a
criminalidade de há muito atingindo índices inaceitáveis, principalmente nas capitais e
grandes cidades, a exemplo do Rio de jáneiro, São Paulo, Vitória e Recife. A exclusão
social, o tráfico e o uso de entorpecentes, o comércio e o porte de armas, a
desestruturação da faml1ia, o baixo nível da educação e a impunidade estão,
seguramente, entre as principais causas dessa criminalidade.
Sabendo-se que a não punião dos infratores da Lei, por sua vez, está em boa parte
associada a dificuldade ou a impossibilidade da produção de prova pela acusação,
especialmente da prova testemunhal, reveste-se, pois, de fundamental importância a
existência dos programas de proteção de que trata a lei em referência, instrumentos
postos ao alcance da Polícia Judiciária, do Ministério Público e do Judiciário para a
realização da justiça penal.
Um programa ou sistema de proteção a vítimas e testemunhas, por um lado,
interessa ao Estado-Juiz, pois representa importante instrumento destinado ao efetivo
exercício do direito de punir, e, por outro, constitui garantia do direito a incolumidade
* Promotor de Justiça de Promoção e Defesa dos direitos Humanos (Recife/PE). Coordenador do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de JusTiça de Defesa da Cidadania, do Ministério Público de Permanbuco. Membro
do Conselho Deliberativo do PROVITA/PE
física do cidadão que, em razão de seu testemunho colabora com a Justiça.

2. A prova no Processo Penal

No sentido de conjunto dos elementos formadores da convicção do julgados, a


prova, no Processo Penal, destina-se a apuração da verdade histórica, isto é busca
demonstrar não apenas as alegações das partes acusação e defesa, mas reconstituir o
fato criminoso e os que estão circunstancialmente ligados ao crime, alegados ou não,
conforme aconteceram. 3 Ao contrário do Processo Civil, que se rege pelo princípio da
verdade formal, onde, em regra, por discutir-se em juízo interesse disponível, vigoram as
presunções, as ficções, as transações, no Penal, deve o juíz pesquisar e descobrir a
verdade real.

Admite-se como meios de prova, ou sejá, meios de demonstração e conhecimento


da verdade, "tudo quanto possa servir, direta ou indiretamente, a comprovação da
verdade que se procura no processo"' 4, como as perícias, o interrogatorio do acusado,
as declarações do ofendido, os depoimentos das testemunhas, o reconhecimento de
pessoas e coisas, a acareação, a presentação de documentos.

2.1 Prova testemunhal

Sobre os depoimentos das testemunhas, afirma Tourinho Filho que "a prova
testemunhal, principalmente no Processo Penal, é de valor extraordinário, pois,
dificilmente, e só em hipóteses excepcionais, provam-se as infrações com outros
elementos de prova. Comumente, as infrações penais só podem ser provadas, em
juízo, por pessoas que assistiram ao fato ou dele tiveram conhecimento", arrematando
que, por isso, "a prova testemunhal é uma necessidade e nela reside o seu
fundamento".5
Não obstante, assim como qualquer outro meio de prova, a prova testemunhal tem
valor relativo, contribuindo fatores de ordem diversa para a sua falibilidade, o interesse
de prestar depoimento falso, o medo da testemunha, a sua incapacidade para depor em
razão de imaturidade, ou por defeito sensorial, ou por anomalia psíquica, as imprecisões
e as alterações da percepção dos sentidos, a traição da memória, condições de sexo e

3 TORNAGHI, Hélio, Curso de Processo Penal. São Paulo: Saravia, 1987, volume 1, p.267
4 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1986, volume 3, p. 2o6
5 Op. cit.p. 263
idade servem para fundamentar tal conclusão.
Ademais, existem fatores outros que mais frequentemente contribuem para inibir
ou desestimular um depoimento verdadeiro, representando motivos diversos
correlacionados as emoções humanas, quais sejám: "proximidade física entre a
testemunha e o autor; potencial depoente não quis o resultado mais grave, todavia, de
qualquer forma, contribuiu para o seu desfecho; dissimulação de detratores pessoais;
ausência de fidúcia nos organismos de seguranc;a; ignorância da lei e dos mecanismos
da persecução judicial; liame ativo entre a testemunha e o autor do crime; ausência de
interesse no desfecho do inquérito ou do processo; posição que acarreta exposição
permanente ou vulnerabilidade maior a ação criminosa; propósito da promoção da
vingança privada; sugestionabilidade por terceiros. Extinção de vantagens pessoais da
testemunha coma efeito mediato ou imediato do depoimento; coação efetiva exercida
contra a testemunha.6

2.2 Declarações da vítima

As declarações da vítima devem ser aceitas com reservas, porque, muito embora,
a primeira vista, pareça que, por ter sofrido a açãp criminosa, sejá a pessoa mais
capacitada a prestar os devidos esclarecimentos à Justiçaa, está o ofendido
contaminado pela paixao, pelo ódio, pelo ressentimento, pela emoção, prejudicando a
isenção. Por isso, a vítima não presta compromisso nem responde por falso testemunho.
Sua palavra deve ser confrontada com os demais elementos de convicção colhidos no
bojo do processo. Contudo, casos há em que se reveste de importância, como nos
denominados delitos clandestinos, perpetrados a distância da vista de terceiros, a
exemplo dos crimes contra os costumes.

3 A atuação do Ministério Público na Lei nº 9.8o7/99

A denominada Lei de Proteção a Testemunhas concedeu ao Ministério Público


relevante papel na execução das medidas de segurança e proteção, prevendo a sua
atuação ora como parte, ora como custos legis.
Ademais, ao preceituar que cada programa sera dirigido por um conseIho

6 BALDAN, Edson Luís. Justiça Criminal Moderna Proteção à Vítima e à Testemunha e a Prática Policial. São Paulo . RT
2ooo, volume 7, p. 386/394, citando LOCARD, Edmond.
deliberativo, estabeleceu que o mesmo será composto por representantes do Ministério
Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos e privados relacionados com a
segurança pública e a defesa dos direitos humanos (art. 4. 2, caput), dispondo também
que um dos órgãos representados no conselho deliberativo executará as atividades
necessárias ao programa, o que abre a possibilidade de a instituição poder exercer tais
funções (art.4. 2, § 1.2).

3.1 Atuação como parte

Cabe ressaltar que é polêmica a situação do Ministério Público na relação


processual-penal, inclinando-se a maioria dos doutrinadores por entendê-Io como parte. 7
Mazzilli o ve como parte formal, porem, "parte imparcia", compreendida sua
imparcialidade no sentido moral, não excluindo, assim, o seu papel de fiscal da lei. 8
Como parte, posto relacionada a sua atividade, nesses casos, ao Processo Penal, a
Lei nº 9.8o7/99 cometeu ao Parquet as atribuições de:

• opinar a respeito da concesSão da protecão e das medidas dela decorrentes, quando


da solicitac;ao para admissão no programa (art. 3 º);
• opinar a respeito da exclusão do protegido (art. 3 º);
• solicitar o ingresso no programa da Vítima e/ou da testemunha a ser protegida (art. 5 º,
inc. II);
• receber a comunicação da custódia provisória para o protegido (art. 5 º, § 3º);
• requerer medidas cautelares, por solicitação do conselho deliberativo (art. 8]).
São ainda atribuições do órgao do Ministério Público, na qualidade de "parte
imparcia", ressalte-se, relacionadas, porém, a proteção aos réus colaboradores outra
disposição da Lei nº 9.8o7/99, manifestar-se a respeito do perdão judicial (art. 13), zelar
pela redução da pena (art. 14) e cuidar pela aplicação em benefício ao colaborador, na
prisão ou fora dela, de medidas especiais de seguranc;a e proteção (art. 15).

3.2 Atuação como fiscal da lei

7 Leciona HUGO NIGRO MAZZILLI: No processo penal é contravertida a posição do Ministério Público: parte sui
generis (Manzine, Tornaghi); parte imparcial (De Marsico, Noronha); parte parcial (Carnelutti); parte material e
processual (Frederico Marques); parte formal, instrumental ou processual (Leone, olmedo, Tourinho); não é parte
(Otto Mayer, Petrocelli). “Manual do Promotor de Justiça. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 182
8 Op. cit., p.182-183.
Como fiscal da lei,9 incumbiu o Promotor de Justiça de opinar: no requerimento de
alteração do nome completo do protegido (art. 9º, § 2º);

. no requerimento do retorno à situação anterior a alteração do nome completo do


protegido (art. 9º, § 5º).

3.3 A inclusão e a exclusão do beneficiário

Especificamente no que se refere ao tema deste artigo, ou sejá, a anterior ouvida do


Ministério Público para efeito de admissão e exclusão do beneficiário, cabem as
seguintes considerações.
A exigência legal, creio, levou em consideração a qualidade de dominus litis do
Ministério Público, pois, sendo o titular privativo da ação penal pública regra geral no
Processo Penal, da qual é exceção a ação penal privada. por disposição constitucional
(art. 129, I, da Constituição Federal de 1988), é o órgão o principal interessado na
obtenção de provas para o fim da aplicação de justa pena aos criminosos e quem melhor
pode avaliar a relevância ou não de um testemunho enquanto prova da acusação a ser
deduzida em juízo.
Como visto, a necessária e precedente manifestação do Parquet quando da
inclusão da vítima e/ou da testemunha no programa de proteção afigura-se como
exercício da função de parte ou interessado, devendo ficar a cargo do Promotor de
justiça que esta vinculado ao inquérito policial ou do órgão ministerial que promove a
ação penal.
Nesse sentido, o representante do Ministério Público verificará, preliminarmente,
se não e o caso de pessoa que não pode ser atendida pelo Programa, isto é , se o
beneficiário não se enquadra entre aquelas pessoas que estão excluídas da proteção,
quais sejám: "os indivíduos cujá personalidade ou conduta sejá incompatível com as
restrições de comportamento exigidas pelo programa, os condenados que estejám
cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas
modalidades", conforme disposto no art. 2º, § 2º.10
Vencida essa fase, proceder-se-á à análise da importância do testemunho ou das
informações para a produção da prova, devendo resultar relevantes para o conhecimento

9 A função de custos legis está relacionada, aqui, à atuação do Promotor de Justiça em matéria cível.
10 Nessas hipóteses, caberá aos órgãos de Segurança Pública adotar as medidas necessárias à preservação da
integridade física dos excluídos dos programas de proteção, conforme disposto na segunda parte do dispositivo
legal. Tal disposição não deve ser aplicada, porém, aos familiares, cônjuge, companheiro, ascendentes,
descendentes e dependentes do colaborador preso, aos quais, sob pena de resultarem inócuas as medidas
proterórias dirigidas àquele, é extensiva a proteção prevista no § 1º do artigo em referência.
da verdade real e não se apresentar como simples contribuição desprovida de valor
probatório, impressões ou conjecturas do colaborador sobre o fato criminoso investigado
ou perseguido em juízo. Exige-se que a colaboração sejá efetiva, capaz de proporcionar
a revelação de um evento delituoso até então desconhecido, o deslinde da autoria de
uma infração penal em investigação ou o fortalecimento da prova que colhida
anteriormente.

Depois, avaliar-se-á a gravidade da coação ou da ameaça física ou psicológica


dirigida a vítima ou a testemunha, o que se fará levando-se em consideração o grau da
periculosidade apresentada pelo agente, demonstrativo da situação de risco, efetivo ou
potencial, atual ou iminente, a que se expõe o colaborador.
Considerado de sérias consequências o constrangimento ou o mal prometido,
passar-se-á à perquirição da dificuldade de preveni-Io ou reprimi-Io pelos meios
convencionais, isto é, pelas atividades de polícia preventiva postas regularmente a
disposição dos cidadãos para garantir-Ihes a vida e a integridade corporal, e medidas
judiciais destinadas a esse fim, como a prisão temporária ou preventiva, esta com
fundamentação na conveniência da instrução criminal do indiciado ou denunciado, nos
termos da Lei º 7.96o/89 e do código de Processo Penal, arts. 311 e seguintes
respectivos.
Finalmente, certificar-se-a o órgão ministerial da expressa concordância do
interessado em ingressar no Programa, ou, mais precisamente, se a vítima ou
testemunha requereu a prestação de medidas protetoras em seu favor.
À luz dessa avaliação, quer dizer: satisfeitos os requisitos subjetivos e objetivos
previstos na lei, especialmente em seus artigos 1º, 2º e 7º opinará o Promotor de Justiça
pela admissão do colaborador no Programa de Proteção, sendo-Ihe legítimo recomendar,
tendo em vista as demais circunstâncias do caso, as medidas aplicáveis, isolada ou
cumulativamente, em benefício da pessoa protegida.

Quanto a exclusão do protegido, esta se dará "I por solicitação do próprio


interessado; II por decisão do conselho deliberativo, em consequência de: a) cessação
dos motivos que ensejáram a proteção; b) conduta incompatível do protegido" (art. 1o).
Como a voluntariedade é requisito para a admissão e permanência no Programa de
Proteção, obviamente o Ministério Público não necessita manifestar-se previamente
quando da exclusão por solicitação da pessoa protegida, devendo, porém, ser
comunicado dessa ocorrência.
Instado a opinar nas demais hipóteses de exclusão, analisará o órgão ministerial
igualmente o Promotor de Justiça que está vinculado ao inquérito policial ou aquele que
promove a ação penal, no primeiro caso, se realmente não mais existem aquelas causas
que deram oportunidade a inclusão da vítima ou testemunha no Programa de Proteção,
ou sejá, se o protegido não mais se encontra em situação de risco, ou, estando ainda sob
coação ou grave ameaça, já sejá possível reprimi-Ia pelos chamados meios
convencionais, ou, ainda, se já prestou a sua colaboração com a investigação criminal e
a instrução processual.

Note-se que, produzida a prova, já tendo sido tomadas as declarações da vítima ou


ouvida a testemunha protegida, porém persistindo a coação ou grave ameaça à sua
integridade física ou psicológica, impõe-se a permanência no Programa, inclusive, sendo
necessária, com a prorrogação da duração máxima da proteção oferecida (art. 11). E
ainda, excepcionalmente, nos termos do art. 9º, poderá o Conselho Deliberativo
encaminhar ao juiz competente o requerimento do protegido visando a alteração de seu
nome completo no registro civil.
No segundo caso, o Ministério Público analisará, à vista de relatório encaminhado
pelo órgão executor, se o protegido efetivamente comportou-se de maneira indevida,
descumprindo as normas prescritas, as quais se comprometeu cumprir quando de sua
admissão, e colocando em risco a eficiência e até mesmo a própria existência do
Programa de proteção.

4. Conclusão

Resumindo o exposto acima, conclui-se que a Lei nº 9.8o7/99, realçando a


importância da instituição, estabelece a participação do Ministério Público no conselho
deliberativo de cada Programa de proteção e prevê a sua atuação, quer como parte, quer
como fiscal da lei, na aplicação das medidas protetoras.
A prévia audiência do órgão ministerial para efeito de admissão e exclusão da
vítima ou testemunha colaboradora no Programa de proteção configura forma de atuação
do Ministério Público enquanto parte no Processo Penal, parte imparcial que atua
concomitantemente como custos legis.
Depreende-se, ademais, que o cometimento dessa atribuição ao Ministério Público
levou em consideração a sua condição de titular da ação penal pública e, por
consequência, de principal interessado na formação de uma boa prova da acusação
apresentada em juízo, bem como a sua função de zelar pela ordem jurídica.
Para efeito de admissão, cabe ao representante do Ministério Público verificar,
preliminarmente, se não é o caso de pessoa que não pode ser atendida pelo Programa,
para, em seguida, proceder a análise da importância do testemunho au das informações
para a produção da prova, da gravidade da coação au da ameaça física au psicológica
dirigida à vítima ou a testemunha, da dificuldade de preveni-Ia ou reprimi-Ia pelos meios
convencionais, e, finalmente, certificando-se da anuência do interessado em ingressar no
Programa, opinar pela inclusão do interessado no Programa de Proteção.

Nas hipóteses de exclusão, verificará o Promotor de Jusitça se houve, realmente,


usando as expressões da lei, a "cessação dos motivos que ensejáram a Proteção" ou
"conduta incompatívell do protegido". Ressalve-se, com a consideração de ser a
voluntariedade requisito para a admissão e permanência no Programa de Proteção, que
o Ministério Público, a evidência, não necessita manifestar-se previamente, quando da
exclusão por solicitação da pessoa protegida, devendo, porém, ser comunicado dessa
ocorrência.
Por fim, impende salientar que, embora o parecer do órgão ministerial não tenha
caráter vinculante, está o Conselho Deliberativo obrigado a ouvir previamente o Ministério
Público quando da admissão e da exclusão do beneficiário do Programa de Proteção,
cabendo essa manifestação ao Promotor de Justiça que está vinculado ao inquérito
policial au aquele que promove a ação penal, e não ao representante do Parquet que
integra o colegiado diretor do Programa. A este, indicado pelo Procurador Geral de
Justiça e nomeado pelo Covernador do Estado compô-la, nos casos dos programas
estaduais, cabe exercer a direito de voz e voto nas deliberações do Conselho
Deliberativo.

Referências Bibliográificas

BALDAN, Edson Luis. justiça Criminal Moderna proteção a Vitima e a Tesfemunha e a Prática Policial. São
Paulo: RT, 2000, v. 7.
MAZZILLI, Hugo Nigro. Manual do Promotor de justiça. São Paulo: Saraiva, 1991.
TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1987, v. 7.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraivcl, 1986, v. 3.
A experiência do Conselho Deliberativo
Rui Teles Calandrini Filho **

Histórico

Quando do início do Provita Programa de Apoio e Proteção a Testemunhas, Viti


mas e Familiares de Vítimas da Violência, efetivamente como programa de Proteção a
Testemunhas em jáneiro de 1996 em Pernambuco e, enquanto já disseminada política
interestadual de prática de combate a impunidade e alternativa de contribuição
democrática para enfrentamento do problema da criminalidade e principalmente da
impunidade em nosso país no final de 1997, já vislumbrávamos nas propostas de
estruturação dessa política publíca a necessidade da existência de um órgão de
representação do poder Público, em que estivessem presentes o Poder Judiciário e o
Ministério Público, bem como órgãos do sistema de justiça e Segurança Pública do Poder
Executivo, além de representantes da sociedade civil, de entidades não-governamentais
que notadamente tivessem historico de luta e defesa dos direitos humanos, como o
proprio GAJOP.

Nesse mesmo momento, já podíamos perceber o formato da proposta de formação


desse órgão, com sua composição estabelecida e suas atribuições predefinidas, inclusive
tendo como uma delas a de coordenar efetivamente o programa de forma colegiada,
através dos representantes das instituições que o compunham.
Formalmente, a expressão "Conselho Deliberativo" apareceu no Projeto de Lei
Federal encaminhado pelo GAJOP após o I Encontro Interestadual sobre Proteção a
Testemunhas, realizado em junho de 1997, em Recife, a Secretaria Nacional dos Direitos
Humanos do Ministério da justiça e enviado por esta ao Congresso Nacional para

* Advogado e Monitor do Provita/BR


tramitação, tendo como primeira composição a de "representantes de órgãos Públicos e
de pelo menos duas entidades não-governamentais" e, por atribuição, decidir sobre o
ingresso do protegido no programa ou a sua exclusão, as medidas de proteção a serem
aplicadas em cada caso e as providências necessarias ao cumprimento do programa.
Em dezembro de 1997, momento em que o GAJOP acabava de capacitar quatro
novas equipes do Provita, a saber: Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Rio Grande do
Norte, surgia um outro conceito do que seria um Conselho Deliberativo, bem como a
definição de sua função, que viesse a ser e cumprir "o papel de 'guarda-chuva'
institucional do Programa de proteção a Testemunhas do Estado do Rio de Janeiro PPT-
RJ2, sem o qual ficaria o seu desenvolvimento sujeito as mais diversas formas de
injunções e intervenções externas, dada a complexidade que caracteriza o mesmo".3

Desse conceito, podemos destacar alguns pontos como o de dar o formato plural
ao Conselho, não o elevar ao patamar institucional como o das organizações que se
faziam representar nele e, por fim, definir seu caráter como sendo deliberativo e não
consultivo. Estabeleceram-se ainda, neste momento, duas metas fundamentais para a
formação e funcionamento do Conselho Deliberativo do PPT-RJ, quais sejam: a de
superar os entraves político institucionais que surgiriam para o Programa de Proteção em
função de ser uma parceria entre a Sociedade Civil e o Estado, e também a de sempre
que possível tomar as decisões em consenso.

Durante o II Seminário Nacional de proteção a Testemunhas, realizado em março


de 1999, surgia a proposta da necessidade de formulação de um Sistema Nacional de
proteção a Testemunhas, que unisse e ao mesmo tempo· articulasse as ações práticas
da Sociedade Civil através de organizações não-governamentais com órgãos
governamentais, fundamentada em cinco bases, sendo uma delas a necessidade de
criação do Conselho Nacional de Proteção a Testemunhas (CNPT), que teria por
funções: "ser o espaço político-institucional destinado a dar suporte político ao trabalho
de Proteção a testemunhas e combate a criminalidade desenvolvido em parceria por
grupos da sociedade civil e órgãos Públicos. Devendo ser criado dentro do organograma
da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, o CNPT teria a função de coordenar as
ações dos diversos órgãos envolvidos na tarefa de proteger testemunhas. Por isso, deve

2 Num primeiro momento, o Programa de Proteção a Testemunhas do Rio de Janeiro foi identificado como PPT-RJ,
pois foi dado à ONG entidade gestora o nome de Provita Rio.
3 ALMEIDA, Jorge Luiz, A função de um Conselho Deliberativo no Programa de Proteção, In: Segurança & Cidadania.
recife: GAJOP, 1997.
contar com a representação dos diversos programas estaduais de Proteção a
testemunhas, da Procuradoria da República, da Justiça e da Polícia Federal, além da
Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a qual caberia presidir o Conselho. A esse
Conselho competiria a tarefa de receber e encaminhar os casos para apoio e Proteção, a
luz de uma legislação que defina os crimes contra os direitos humanos, bem com definir
as alternativas competentes a serem adotadas nos casos concretos de Proteção." 4

Definição Legal

Com o advindo da Lei Federal 9.807/99 de 13/07/99, que estabeleceu a criação do


Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas ameaçadas,
institucionalizou-se a figura do Conselho Deliberativo, via de regra, nos moldes
estabelecidos como nos momentos e documentos já citados anteriormente, com o
objetivo legal de "dirigir o Programa e ter em sua composição representantes do
Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos Públicos e privados relacionados com
a segurança pública e a defesa dos direitos humanos". 5 O art. 6º estabelece ainda que o
Conselho Deliberativo decidirá sobre: o ingresso no programa ou a sua exclusão e as
providências necessárias ao cumprimento do Programa, o que repete quase que
literalmente o teor do projeto de Lei Federal enviado pelo GAJOP, via Secretaria Nacional
de Direitos Humanos ao Congresso Nacional em junho de 1997, que acabou por refletir a
idéia original dos operadores do Provita. Ainda como atribuição do Conselho, surgem,
nesta Lei, alguns outros pontos importantes a serem destacados, como por exemplo fixar
o teto de ajuda financeira mensal no início de cada exercício; solicitar ao Ministério
Público que requeira ao juiz a concessão de medidas cautelares direta ou indiretamente
relacionadas com a eficácia da Proteção, encaminhar requerimento da pessoa protegida
ao juiz competente para registros Públicos, objetivando a alteração de nome completo.

Algumas atribuições do ConseIho Deliberativo, estabelecidas na Lei Federal


9.807/99, foram repetidas no Decreto-Lei Federal regulamentador 3.518 de 20/06/00,
destacando-se porém a de encaminhar as pessoas que devem ser atendidas pelo
Serviço de Proteção ao Depoente Especial.

A Legislação Estadual

4 LIMA JR., Jaime Benvenuto. GAJOP quer um Sistema Nacional de Proteção a Testemunhas, In: GAJOP Direitos
Humanos Especial, nº 1. Recife: GAJOP, 1999
5 Art. 4º da Lei Federal 9.807/99
O estado que apresenta legislação mais abrangente e o de São Paulo, que já
possui Decreto-Lei Estadual que confere amplos poderes ao Conselho Deliberativo, ao
estabelecer, como atribuições o de elaborar a proposta financeira anual do Programa
para inclusão no orçamento do Estado; acompanhar de forma permanente a situação
financeira do Programa; delegar poderes e prover os respectivos meios a diretoria e a
entidade operacional da sociedade civil para que adotem providencias urgentes para
garantir a Proteção de testemunhas; substituir a entidade operacional se descumprir os
termos dos convênios assinados com órgãos do Poder Público, assim como se
desobedecer as normas nacionais de supervisão adotadas pela Secretaria de Estado
dos Direitos Humanos, do governo federal; dentre outros: 6
A proposta de Decreto-Lei Estadual que vem sendo trabalhada no Rio de Janeiro
não e tão abrangente e específica, porque não dizer não tão taxativa, pois respeita o
equiíbrio entre as instituições que executam esta política pública, o Programa de
Proteção a Testemunhas, e procura não dar superpoderes a uma das partes, mas sim,
superar os entraves político-institucionais que surgirem para sua execução em função de
ser uma parceria entre a Sociedade Civil e o Estado, já que este modelo tem por órgão
executor a sociedade civil, através de entidades não governamentais que notadamente
tenham histórico de luta e defesa dos direitos humanos e, ousaria dizer, por não ter o
Estado legitimidade para tal fim.

A contribuição do Manual de Procedimentos

Resultado final do trabalho conjunto do GAJOP, Fórum de Entidades Gestoras dos


Provitas Estaduais e da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério cia
justiça, e tendo por objetivo o de estabelecer práticas uniformes e seguras para o
desenvolvimento do PROVITA, o Manual de Procedimentos surgiu Em bom momento, no
início de 2000, e veio num primeiro momento "regulamentar", informalmente, a Lei
Federal nº 9.807/99 e também servir de base para o trabalho dos vários órgãos que
cornpõem esse complexo universo do PROVITA, dos quais devemos salientar a criação
da Central Nacional de Proteção GAJOP. Em termos de contribuição ao leque de
competências dos Conselhos Deliberativos Estaduais, podemos destacar algumas: fixar
o teto de ajuda financeira mensal a ser destinada para prover a subsistência familiar ou
individual, nos casos de os beneficiários encontrarem-se impossibilitados de exercer

6 Art. 4º do Decreto-Lei Estadual nº 44.214, de 30 de agosto de 1999


trabalho regular ou inexistência de qualquer fonte ou renda; providenciar junto aos
órgãos competentes a suspensão temporária das atividades funcionais, sem prejuízo dos
respectivos vencimentos ou vantagens, quando o beneficiário for servidor Público ou
militar; colocar a vltima ou a testemunha provisoriamente sob a custódia de órgão
policial, em caso de urgência, considerando a procedência, a gravidade e a iminência de
coação física ou psicológica, comunicando imediatamente o fato ao Ministério Público, no
aguardo de decisão do Conselho; bem como manter controle sobre o andamento dos
processos relacionados as testemunhas cuja Proteção tenha sido concedida pelo
Conselho Deliberativo Estadual, zelando pela agilização dos procedimentos jurldicos.

As perspectivas futuras

Tem o Conselho Deliberativo a meu ver, papel fundamental para o desenvolvimento


do PROVITA no paÍs; deverá ser ele o órgão que, ante às representações de governo,
respaldará e contribuirá para a consolidação dessa política pública, que ora se apresenta
como sendo de governo, mas que caminha a passos largos para ser de Estado, vez que
tem por objetivo maior garantir a vida e a liberdade, direito constitucional de cada
cidadão, garantido em cláusulas pétreas em nossa Constituição da República.
Nas várias experiências estaduais que temos hoje nos PROVITAS, temos
Conselhos Deliberativos de vários perfis, desde aquele que efetivamente ainda não
funciona enquanto Conselho, em que nem mesmo o Ministério Público se encontra
engajado; passando por aquele que existe apenas na figura do Presidente, que é o
próprio Secretário de Justiça; há aquele em que há uma maior participação da sociedade
civil, através de entidades dessa sociedade de incontáveis setores, em que essas
próprias entidades formam um ConseIho, e elegem deste um representante para dar voz
à sociedade civil no ConseIho Deliberativo; há também aqueles que já conseguem quase
que plenamente exercer a função que para eles foi planejada de maneira equilibrada e
regular, ou seja, cumprindo seu papel institucional; por fim, há também aqueles com
perfil por demais abrangentes, que acabam por interferir até mesmo na execução
propriamente dita dos Programas de Proteção, e também na gestão e prestação de
contas dos recursos que devem ser gerenciados nesse modelo pelas ONGS que são
sociedades civis sem fins lucrativos que compõem o terceiro setor. Uma iinterferência
evidênciada talvez pela falta de conhecimento da parceria iniciada na década de 90 para
a execução de atividades públicas, entre governo e as ONGS, dignas representantes da
sociedade civil que tem mais legitimidade e velociclade na sua estrutura para realizar tais
tarefas e, porque não reiterar que, em nosso caso, o do Programa de Proteção, por não
ter o Estado legitimidade para execução de tal política pública, já que 80% dos réus nos
processos em que temos testemunhas são agentes institucionais.
Por fim, tem o Conselho Deliberativo papel vital para a execução e futuro do
PROVITA, como ente institucional que legitima a ação da sociedade civil, na execução
de uma política pública, inclusive com reconhecimento da sociedade internacional, para
se estabelecer como política de Estado.

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