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MANUTENÇÃO DAS AUDIÊNCIAS ONLINE, NO PROCESSO PENAL, NO PÓS-

PANDEMIA E ACESSO A JUSTIÇA E À DEMOCRACIA PROCESSUAL

PAULA, Leonardo Costa de,1


Professor Adjunto de Direito Processual Penal da UFF-VDI e Presidente do Observatório da
Mentalidade Inquisitória. E-mail: lcpaula@id.uff.br

ANDRADE, Guilherme Pereira.2


Matrícula nº 120090015, gpandrade@id.uff.br, + 55 (14) 99176-1171.

1
Professor adjunto de Direito Processual Penal na Universidade Federal Fluminense, do Polo Universitário de
Volta Redonda/RJ. Presidente Do Observatório da Mentalidade Inquisitória. Doutor em direito do Estado da
Universidade Federal do Paraná.
2
Bacharelando no curso de graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense, do Polo Universitário de
Volta Redonda - RJ. Estagiário da Defensoria Pública de Barra Mansa/RJ. Monitor de História do Direito na
Universidade Federal Fluminense, Polo Universitário de Volta Redonda/RJ. Orador da Equipe de Direito e
Processo Penal da Universidade Federal Fluminense - Polo Universitário de Volta Redonda/RJ. Membro do
Grupo de Pesquisa Vulnerabilidades na Universidade Federal Fluminense, Polo Universitário de Volta
Redonda/RJ.
MANUTENÇÃO DAS AUDIÊNCIAS ONLINE, NO PROCESSO PENAL, NO PÓS-
PANDEMIA E ACESSO A JUSTIÇA E À DEMOCRACIA PROCESSUAL

RESUMO
Com o objetivo refletir sobre a manutenção das audiências online no campo do Direito
Processual Penal, em um contexto pós-pandêmico, e, ainda, de suas repercussões na prática
forense se propõe o presente estudo para indagar se a garantia do direito a informação é
preservado nesse modo de realização de audiência, seja em depoimento de testemunhas ou
interrogatório, e a consonância com as demais garantias processuais eis que entra em conflito
com a manutenção da realidade da Recomendação do CNJ n. 62/2020 e a própria codificação
processual penal. De certo que há um reforço que se busca da garantia à informação, direito
fundamental de quarta dimensão com os originais direitos da primeira dimensão que são
garantias processuais. O acesso claro à informação e controle dos atos judiciais realizados em
audiência tem por condição o devido processo legal, a ampla defesa e a oralidade. No presente
estudo se abordará como ponto de indagação a oralidade e ampla defesa carreados pelo direito
à informação e a de estar perante o magistrado que irá proferir sentença em casos penais.

Palavras-chave: Audiência online, processo penal, ampla defesa, oralidade, imediação do


juiz com a prova.

INTRODUÇÃO

Objetiva-se, neste ensaio, refletir acerca da aplicação de audiências online, no âmbito


do processo penal, em um contexto pós-pandêmico e, pari passu, pensar em como deve ser
tratado a sua árdua coexistência com os postulados constitucionais do devido processo legal
(art. 5º, LIV da CRFB/88), a ampla defesa (art. 5º, LV da CRFB/88) e a oralidade (princípio
que desdobra-se em quatro subprincípios: identidade física do juiz, irrecorribilidade das
decisões interlocutórias, concentração dos atos processuais e imediação do juiz com o
arcabouço probatório). Ademais, busca-se demonstrar claro vilipêndio na adoção sem critério
de tal modalidade de promoção de audiência e que enseja em clara constrição de direitos
individuais, como o de ser assegurado ao acusado o direito de estar junto ao seu defensor
perante o magistrado que irá julgar a ação processual penal na qual encontra-se figurando no
polo passivo. A metodologia adotada é a pesquisa exploratória com revisão bibliográfica.

DESENVOLVIMENTO/REFERENCIAL TEÓRICO

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos garante ao réu preso ou detido o


direito de ser conduzido perante autoridade competente para que seja julgado em prazo
razoável ou posto em liberdade, sem prejuízo da continuidade do processo (art. 7, inc. 5) –

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destarte, percebe-se que há uma clara interpelação de princípios consubstanciada por tal
orientação e que sabidamente se fez prevalecer aqueles favoráveis a parte mais vulnerável do
processo penal, ou seja, o acusado.
Com o objetivo de assegurar o desenvolvimento dos procedimentos judiciais durante o
contexto pandêmico da COVID-19, optou-se pela instrumentalização de aparatos tecnológicos
para a realização de audiências criminais. Há de se ressaltar que o Conselho Nacional de
Justiça publicou, em 17 de março de 2020, a Recomendação nº 62 em que estabeleceu alguns
parâmetros para melhor lidar com os riscos de contágio e disseminação do vírus. Sob esses
moldes, rememora-se a redação do art. 7º do mesmo dispositivo no qual se prioriza a
“redesignação de audiências em processos em que o réu esteja solto e a sua realização por
videoconferências nas hipóteses em que a pessoa esteja privada de liberdade” (BRASIL,
2020). O acusado há de ser considerado parte integrante ao processo e, por assim ser, deve
revestir-se de direitos e deveres processuais de tal modo que não se permite que este seja um
mero objeto do processo, tampouco que o próprio processo se comporte como mero
instrumento para a aplicação do jus puniendi estatal (LOPES JR., 2023, p. 5).
No campo de ser detentor de direitos e deveres se passa a pensar sob o manto do
princípio do devido processo legal, o qual pode ser compreendido como:
Devido processo legal significa minimamente um procedimento regido sob a definição
da legalidade estrita e submetido à principiologia constitucional do processo, como
metalinguagem institutiva de direitos e garantias fundamentais (contraditório, ampla defesa,
inocência, publicidade, silêncio não incriminador...). Assim, o Estado, para fazer qualquer
pessoa perder sua liberdade, deverá submeter-se a um processo, sob todas as garantias
processuais e, ainda, na forma e como previsto em lei. (PAULA; BARROS, p. 9)
A partir da Recomendação do CNJ, n. 62, passou-se a adotar discricionariamente
como regra a realização de audiência no formato remoto, o que passou a sufragar a efetivação
do devido processo legal através da possibilidade do acusado ou de seu defensor em
demonstrar seu interesse por outro formato de reunião, passou a ser a exceção.
Observa-se que a audiência online, se não for requerimento direto e necessário da
própria defesa pode representar uma quebra e impedimento do exercício da autodefesa e da
defesa técnica (LOPES JR., 2023, p. 85), dados que compõe o princípio da ampla defesa. Em
medida direta, impor a necessidade de divisão da defesa de escolher entre estar ao lado do seu
assistido para poder assistir à sua defesa com as indagações e esclarecimentos sobre o que está
sendo apresentado em audiência no curso dela, com o próprio acusado. Não se pode ignorar
que, forçar a defesa não estar diante do ato em realização não permite perceber se há ou não
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algum constrangimento às testemunhas, se há ou não nervosismo nos testemunhos, ou seja,
tudo que poderia compor o grau de convencimento do magistrado no ato em execução.
Por evidente que, umbilicalmente ligado ao exercício da ampla defesa temos o
princípio da oralidade. O princípio da oralidade, vai informar BINDER (2014, P. 34) que a
oralidade é eixo central para se preservar o sistema acusatório, não por coincidência o faz em
modo de elogio já que a centralidade é que justamente se preserve o sistema pela audiência.
De certo que oralidade não se confunde com mera verbalização de conteúdo, lido em
audiência. Oralidade, demanda ao menos: (i) Identidade física do juiz (art. 399, §2º do CPP):
torna-se imprescindível que o juiz competente para julgar a causa seja o mesmo magistrado
que deteve contato com a produção probatória judicial; (ii) irrecorribilidade das
interlocutórias; (iii) concentração dos atos processuais (art. 400, §1º): partindo da concepção
de que o ato delitivo é um ato histórico e. (iv) imediação do juiz com a provas. (PAULA;
CROZARA, 2012, p. 536) certo que sem a realização de atos colocando todos os atores e
sujeitos processuais no mesmo ambiente físico, em tempo real e ao mesmo tempo isso não
poderá ser garantido. Daí que, é tônica que não se pode manter a excepcionalidade como regra
e ocorrer a manutenção de audiências online em substituição ao exercício da ampla defesa nos
moldes constitucionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar das reformas de 2009 no Código de Processo Penal a compreensão da razão de


existência da oralidade no processo penal brasileiro ainda se resume a dados pouco
significativos como a identidade física do juiz ou irrecorribilidade das decisões judiciais, já
preexistente no Código antes da reforma.
De certo que a compreensão da oralidade como algo que gera e está no cerne da
própria realização do sistema acusatório faz com que se identifica a imediação do juiz com a
prova, no local de produção para assegurar que ela seja colhida na sua própria essência e não
despersonalizada por meio de qualquer aparato de teconologia paassa a ser determinante já
que a percepção do indíviduo enquanto ente personalizado, fora de uma tela é imprescindível
pela forma pensada para a jurisdição desde o Pacto São José da Costa Rica.
Para além disso, a informação produzida, que é o ponto de partida e de chegada deste
estudo enquanto campo da quarta dimensão dos direitos fundamentais, é o que deve ser
preservado com muito mais atenção e possibilidade de controle judicial pelas partes e, em
especial, pela defesa técnica e acusado – já que é quem suportará os danos à liberdade caso
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venha a ter uma sentença condenatória – sem se identificar a complexidade desse ato e os
direitos individuais não se poderá garantir que transcorreu um processo nos moldes
constitucionais e convencionais. Não há segurança de influência sob os presentes na audiência
online, não há transmissão 360º de todas as salas no qual todos os envolvidos estão presentes
e, mesmo se existisse, tornaria impossível que a defesa técnica pudesse tomar conhecimento
de toda essa informação e, ainda, produzir a realização da defesa técnica de qualidade. Ainda
assim assegurado tudo isso é com muito receio que se poderia afirmar que a defesa técnica ou
o acusado tenham liberdade de escolher esse modo.

REFERÊNCIAS

BRASIL CNJ. Recomendação nº 62, de 17 de março de 2020. Disponível em:


https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/2020/03/62 Recomenda%C3%A7%C3%A3o.pdf.
Acesso em: 27 maio. 2023.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Por que sustentar a democracia do sistema


processual penal brasileiro. Disponível em:<https://emporiododireito.com.br/leitura/por-
que-sustentar-a-democracia-do-sistema-processual-penal-brasileiro>, acesso em 27/05/2023.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal / Aury Lopes Jr. – 16. ed. – São Paulo: Saraiva
Educação, 2023.

PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis


Processuais Penais, 3ª Edição, EDITORA LUMEN JURIS, Rio de Janeiro, 2005.

FUSINATO, Júlia Tormen e ALBUQUERQUE, Laura Gigante. Disponível em


<https://editora.pucrs.br/edipucrs/acessolivre/anais/congresso-internacional-de-
cienciascriminais/assets/edicoes/2020/arquivos/280.pdf> acesso em 30 maio de 2023>, acesso
em 27/05/2023.

GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a


Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. 3. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Atlas, 2016; Acesso em: 27/05/2023.

PAULA, Leonardo Costa de; BARROS, Vinícios Diniz Monteiro de. A falácia da isonomia
entre as partes no processo penal brasileiro: Quando a estruturação material e
orçamentária importa! In Cadernos de Dereito Actual. N. 20, 2023 (extraordinária)
Disponível em: < https://www.cadernosdedereitoactual.es/ojs/index.php/cadernos/article/
view/947/478>, acesso em 30 de maio de 2023.

PAULA, Leonardo Costa de Paula; CROZARA, O princípio da oralidade no Processo


Penal Brasileiro - leis 11.689, 11.690 e 11.719 de 2008. Disponível em:
<https://www.academia.edu/37367685/O_princ
%C3%ADpio_da_oralidade_no_processo_penal_brasileiro_leis_11_689_11_690_11_719_de
_2008> Acessado em: 30 de maio de 2023

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