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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC

CENTRO DE ARTES - CEART


CURSO DE ARTES VISUAIS LICENCIATURA

MILENA C. BRASIL

TRAB II:
Novas formas para um novo mundo

FLORIANÓPOLIS, 2022
UNIDADE III:
Do luto ao processo de elaboração:
novas formas para um novo mundo

UNIDADE IV:
Depois da outra guerra
novas guinadas e desdobramentos

“Quem somos nós, nós que estamos em excesso, neste tempo em que não acontece o que deveria
acontecer?” MICHEL FOUCAULT. Não ao sexo rei. In: Microfísica do poder.

“Pois não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem nas vozes que
escutamos, ecos de vozes que emudeceram? Não têm as mulheres que cortejamos, irmãs que elas não
chegaram a conhecer? Se assim é, existe um encontro secreto marcado entre as gerações que nos
precederam e a nossa. WALTER BENJAMIN. Sobre o conceito de história. In: Magia e técnica, arte
e política.”
Olá Prof Rô,

Venho por meio deste documento em formato de carta a fim de lhe contar boas novas,
mas qualquer um que tenha acesso recente a um canal de informação lhe diria que anda
relativamente difícil encontrá-las. Um tanto desconcertante iniciar este relato a partir de
uma análise sobre o Construtivismo advindo da Rússia, ao passo que acordamos esta semana
com o nome da mesma destacado nas mais renomadas manchetes, e infelizmente, as novas,
não eram de fato boas. Mais uma guerra. Aliás, parece-me um contexto semelhante àquele
que teve início no ano de 1913. Contudo, o construtivismo nasceu num período de
pós-guerra, abarcando a ideia de construir uma sociedade renovada, que seria audaciosa em
sua ruptura com o passado — abandonando um lugar de corpos retalhados, por um lugar
outro no qual se retalharia tinta sobre canvas.

O movimento por fim trouxe à arte uma tarefa desafiadora — a própria arte seria o
instrumento que impulsionaria esta transformação socio-cultural. Natalia Goncharova já
afirmava em meados de 1912: “A arte da Rússia contemporânea alcançou tais alturas que,
neste momento, ela desempenha um importante papel na arte mundial. As ideias ocidentais
contemporâneas não podem ter mais nenhuma utilidade para nós.” Quão árdua é a jornada
para que algo torne-se verdadeiramente útil em meio ao que transmutou-se o mundo? Para o
ser humano contemporâneo, num contexto em que a obsolescência programada e a ambição
voraz instaurada pelo consumismo são tão proeminentes, é ardiloso chegar em algo que
realmente expresse tal utilidade. Na época construtivista, porém, era exatamente o que
faltava, instigando o nascer de uma insaciável “sede construtivista”. Por entre um longo e
tenebroso túnel, há muito não se via mais luz, viu-se na arte, algo passível de se tornar uma
espécie de farol em meio às turvas águas daquele mar.

Foi este um desafio que Vladimir Tatlin prontamente aceitou. Entre os pioneiros da
arte construtivista, deu início a um processo de verdadeira revolução na esfera das artes.
Segundo uns e outros, reza a premissa de que a arte construtivista possuiria uma espécie de
diploma em psicologia, e exerceria com êxito seu papel de analista. Ao observar aberta e
sensivelmente uma obra, se nos permitirmos envolver-nos — ela nos observaria de volta.

Neste cenário, o artista vira um produtor estético. É o fazer do significado


significante, porém sem significar nada - pelo menos não objetivamente. Haja vista que
estava acontecendo uma revolução tecnológica, o artista tinha de se adequar ao meio - assim
como sua arte estava se adequando ao espaço. Contudo, a arte construtivista se recusava em
ser uma mera decoração. Ela era completamente anti-burguesa. Ela era a arte não oficial do
comunismo e precisava estar a serviço do povo. Com isso em mente, um dos precursores do
movimento, Vladimir Tatlin, propôs uma arte que rompia com este passado, trazendo à tona
outras formas de apresentação, associadas aos avanços tecnológicos modernos. Nesta
altura, a preocupação com o material e a forma como esse material ocupa o espaço estava
vindo à tona, e as esculturas começam gradativamente a tomar forma e espaço em
sociedade.

A obra de Tatlin “Letatlin” (2ª referência) é um exemplo desta nova vertente em


ascensão. Artista ambicioso e coligado à tecnologia industrial, seu maior desejo era ver o
ser humano voar. Assim sendo, projetou protótipos que pudessem realizar tal sonho. O
projeto, inclusive, nos remete a alguns desenhos de Leonardo Da Vinci — artista o qual
partilhava do mesmo desejo de poder voar. Seriam os pássaros, os maiores semeadores de
ideias nas florestas mentais dos grandes artistas?

Como grande parte das verdadeiramente interessantes e curiosas coisas neste mundo,
não é inicialmente “fácil” de ser compreendida, assim como o outro latente tema
selecionado, principalmente na atual era — a arte abstracionista.

É nascida na família das artes em que o espectador não acessa seu íntimo ao
simplesmente vê-la por ver, arriscando uma interpretação possivelmente rasa, presumindo
ser advinda de criaturas consideradas por seu despreparado olhar, inferiores em suas
habilidades artísticas, como o exemplo mais assíduo nos debates atuais — as crianças, ou
até mesmo a imagem do primata, tendo este por exemplo com visibilidade nacional na
transmissão da antiga telenovela “Caras & Bocas” em que, em nome da sátira ou não
(aberto a interpretações) de fato pintava secretamente quadros de expressivo sucesso. É o
tipo de arte em que para ser devidamente interpretada, deve-se de fato mergulhar de cabeça,
ou melhor — com a mente. Entregar-se aos devaneios por ela instigados, de modo a
compartilhar um pouco de seu mistério com o de nosso próprio misterioso imaginário.

Compreensivelmente, num período em que era árduo representar “realisticamente”


qualquer gênero de emoção, o abstracionismo surge para se opor ideológica e esteticamente
ao realismo acadêmico, visando inovar e elaborar esboços de novas maneiras de expressão,
pois afinal, o realismo renascentista já não fazia mais sentido à nova época. Como falar em
realidade quando a mesma mostra-se cruelmente sombria?

Retomando a problemática contemporânea da usabilidade, deparamo-nos com o


mesmo dilema — como este gênero de arte poderia vir a ser considerado útil pelo povo? O
pintor Arshile Gorky, expoente renomado dentre os campos da arte abstrata, propõe uma
breve reflexão sobre a essência do movimento: “A abstração permite ao homem ver com a
mente o que não pode ver fisicamente com os olhos. A arte abstrata permite que o artista
perceba além do tangível, extraia o infinito do finito. É a emancipação da mente. É uma
exploração em áreas desconhecidas.” Desta forma, o movimento em questão entrelaça o
ideal utópico de tornar-se a arte de um mundo melhor — a arte pura.

De acordo com o filósofo Agamben, a arte pode ser considerada um dispositivo capaz
de abrir e aflorar um novo campo na linguagem, sendo o gesto um campo individual,
singular. Por esta ótica, o abstrato desenvolve um diálogo ímpar com o espectador. É como
se a mesma indagasse: “o que sentes ao deixar-me senti-lo?”, traduzindo portanto a
essência da não-objetividade proposta por este movimento, que viria a ser denominado como
vanguarda abstracionista.

Kandinsky, em sua obra “On White II” (1ª referência) propõe cor, forma, e jogo de
sentidos engatilhados por complexas emoções. Contudo, não é necessário contar uma
história. A desconstrução que estava ocorrendo aderiu de maneira tão íntegra a este
objetivo, que inclusive as narrativas nas obras de arte passaram a ser repensadas. Kant, em
“Crítica da Faculdade do Juízo”, usa do termo “prazer desinteressado” em que partindo de
um olhar sem expectativas, descarta-se os desejos e interesses pessoais, vigorando os
elementos mentais que todos possuímos.

Por fim, a arte, movida pela esperança de novos ares dentre a filosofia socialista,
passa a se moldar num espaço em que começa a ser elaborada através de técnicas e
materiais modernos, apresentando objetivos sociais. Esta configuração passa a delimitar um
paralelo com um outro movimento, este que questiona também através de sua filosofia, as
complexas engrenagens do capitalismo e seu impacto de consumo na natureza humana — a
Pop Art, vertente esta que também abre reflexões sobre o que é passível de ser definido como
arte. A pop art, para além dos mandamentos de seu movimento, vem ao mundo com uma
espécie de comicidade inata, um suspiro em meio ao caos. Desta vez, estabeleceu-se o
movimento no período de pós 2ª guerra, no qual o movimento construtivista encontrava-se
em gradual declínio, mas que contudo, não deixou de exercer influência no movimento em
questão, assim como em demais cativantes propostas do mundo pós-moderno.

Na obra “Marilyn Diptych” de Andy Warhol, o artista faz homenagem à atriz que
havia falecido semanas antes. A relação entre o lado esquerdo da tela e o direito é evocativa
da relação entre a vida e a morte da celebridade. O que mostra-se interessante, pois causa
minuciosamente esta sensação de ruptura, como se ao deixar de ocupar o espaço do seu
corpo, ela havia rompido com o elo da vida. Talvez tenha sido proposital, e possa funcionar
como uma outra alegoria de um mundo pós-guerra, onde um novo simulacro poderia estar
sorrateiramente, ou não, tomando forma. Afinal, quem, ou o que somos nós, que estamos em
excesso num tempo em que não acontece o que de fato deveria acontecer? Resta-nos
esperança no que remete ao desejo incessante de romper com o passado por conta de não
sermos acalentados por sombras que vagam pelo mesmo? Podemos apenas especular
imaginativamente sobre quais serão os mecanismos de ruptura que o indivíduo
contemporâneo irá aderir no futuro, especialmente em períodos de conflito diplomático entre
os determinados convencionalmente como mais poderosos que nós. Me pergunto qual papel
a arte desempenhará, será um dispositivo de transformação como foi no construtivismo
russo? Algo que questiona com afinco o consumismo desmedido e desenfreado? Um mero
escape? Ou um meio pelo qual encontraremos grandes ideias a fim de finalmente erguer um
novo modelo de civilização que de fato condiz com a natureza humana?

Gostaria de poder sanar estes questionamentos com ávidas respostas, ao invés de


ainda mais questionamentos, mas temo que terão que aguardar por cartas futuras.

Obrigada pela jornada prof,

Com Carinho,

- Mi
REFERÊNCIAS

(01)
Título: On White II
Artista: Wassily Kandinsky
Ano: 1923
Origem: Alemanha
Fonte:
https://uploads5.wikiart.org/images/wassily-kandinsky/on-white-ii-1923.jpg!Large.jpg

(02)
Título: Letatlin (Летатлин)
Artista: Vladimir Tatlin
Ano: 1930 - 1932
Origem: Rússia
Fonte:

https://uploads0.wikiart.org/images/vladimir-tatlin/letatlin-1932.jpg!Large.jpg

(03)
Título: Marilyn Diptych
Artista: Andy Warhol
Ano: 1962
Origem: Reino Unido
Fonte:
https://uploads2.wikiart.org/00304/images/andy-warhol/marilyn-diptych.jpg

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