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Artigo principal
[1]. Instituto Leônidas e Maria Deane, Fundação Oswaldo Cruz, Manaus, AM, Brasil. [2]. Escola de Enfermagem de Manaus,
Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil.
Resumo
Introdução: A leishmaniose visceral (LV) é uma doença negligenciada, com expansão territorial e diferenças regionais no Brasil que
requerem explicação. Este estudo teve como objetivo descrever as mudanças na epidemiologia da LV no Brasil de 2001 a 2014.Métodos
: As taxas de incidência, dados sociodemográficos e clínicos e evolução dos casos foram subagrupados de 2001 a 2006 e de 2007 a 2014
e apresentados de forma descritiva. A distribuição espacial das taxas de incidência da doença e as mudanças no padrão espacial e
temporal foram examinadas.Resultados: No total, foram notificados 47.859 casos de LV no Brasil entre 2001 e 2014, com predomínio
na macrorregião Nordeste (55%), embora a taxa de incidência nessa região tenha diminuído entre os dois períodos estudados. O Estado
do Tocantins apresentou a maior taxa bruta (26,2/100,000 habitantes), responsável pelo aumento da LV na macrorregião Norte. A LV
predominou na zona urbana (70%), em menores de 4 anos (34%); entretanto, identificou-se aumento da incidência de LV em adultos
com mais de 40 anos, com 12,3% e 31% no primeiro e segundo período, respectivamente. O mapeamento das taxas brutas e casos
caninos autóctones mostraram expansão territorial. A distribuição temporal da LV foi consistente no Brasil em geral, sem padrão
observado, mas diferenças regionais foram encontradas.Conclusões: A incidência de LV está aumentando no Brasil. Além do Estado do
Tocantins, que apresentou a maior taxa, novos surtos de LV têm ocorrido na macrorregião Sul do Brasil com pequenos decréscimos
identificados na taxa de incidência no Nordeste.
Palavras-chave: Leishmaniose visceral. Epidemiologia. Perfil epidemiológico. Distribuição espacial. Sistemas de informação.
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não foi necessária a aprovação. Foram excluídas as notificações (2,0/100.000 habitantes). Houve um aumento no número de
de recaídas e casos de LV transferidos ou não confirmados. As municípios que notificaram casos de LV (figura 1), especialmente no
estimativas referentes aos dados populacionais foram obtidas interior do Brasil, que antes era uma área não registrada. O percentual
junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), que foram utilizadas de municípios que notificaram casos de LV variou de 11,7% em 2002 a
para determinar as cotas do Fundo de Participação dos Municípios 16,8% em 2014 (dados não apresentados). Alguns estados
(MPF); os dados estavam disponíveis no Departamento de experimentaram uma mudança na epidemiologia da LV e passaram a
Informação do Sistema Único de Saúde [Departamento de registrar casos vetoriais ou caninos e humanos (figura 1).
Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)], segundo o O número de casos de LV na macrorregião Sul do Brasil
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Instituto Brasileiro aumentou; a região passou de uma área livre de doença no primeiro
de Geografia e Estatística (IBGE)]17. período (2001-2006) para uma área com casos autóctones de LV
Análise das taxas de incidência regionais canina e humana no segundo período (2007-2014). Os estados de
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TABELA 1
Número de casos de leishmaniose visceral e taxas brutas e padronizadas por 100.000 habitantes, por estado
e macrorregião do Brasil, em 2001-2006 e 2007-2014.
Anos
Estados e macrorregiões 2001-2006 2007-2014
Observação:As taxas brutas, representadas em negrito e itálico, indicam taxas elevadas (23,05-46,44), enquanto as linhas em negrito são consideradas médias (9,56-23,04).
*Nenhum caso humano autóctone relatado no período do estudo. A diferença entre as notificações e o número total de casos (47 casos) pode ser explicada pela falta
de dados do município.
A expansão ao longo do tempo (figura 1), como demonstrado por do Complexo da Ecorregião das Guianas (GEC), com casos humanos
áreas livres de LV no primeiro período (2001-2006) que relataram casos de autóctones na Venezuela e Norte do Brasil30. No entanto, este estado
vetores, caninos ou humanos no segundo período (2007-2014), pode ser relatou a presença do flebotomíneoLutzomyia longipalpis em 2013
explicado pela simples adaptação dos flebotomíneos a diferentes pela primeira vez31, o que aumenta o risco potencial da doença em
temperaturas e os peridomicílios21, movimento migratório de pessoas com humanos neste local, como também apontado no Estado de Rondônia
cães contaminados com LV22, e para moradores nas fronteiras que 32 . No Estado do Rio Grande do Sul, casos vetoriais e caninos foram
relataram a doença23. Alguns estados que antes eram considerados livres identificados em 2008, e o primeiro caso humano autóctone foi
de doença passaram a relatar os primeiros casos caninos autóctones; por identificado em 2009 no município de São Borja33, que provavelmente
exemplo Rondônia24,25em 2010 e Paraná26e Santa Catarina27,28em 2012. se originou nas províncias da Argentina que fazem fronteira com este
Essas áreas requerem vigilância epidemiológica ativa, pois os casos caninos município23,34.
precedem os casos humanos21. As mudanças na epidemiologia da LV também se refletem na extensa
O Estado do Amapá não teve casos autóctones humanos notificados urbanização das cidades, uma vez que a doença está predominantemente
até o momento, embora esteja localizado na divisa com o Pará, que possui associada às áreas urbanas.mesa 2). Anteriormente, a LV era considerada
registros de casos humanos de LV desde 193429e faz parte uma doença rural, porém no início da década de 1980
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(●) Estados sem registros de VE vetorial, autóctone canina e humana na literatura; (▲) Rondônia: Silva, 201525Paraná: Diase outros, 201326Santa Catarina: Figueiredoe outros,201227; (●) Amapá: Galardo
e outros, 201331Rondônia: Gil et al, 200332; (*)Estados com registros de casos humanos autóctones no SINAN.
FIGURA 1 -Taxa bruta de casos novos de leishmaniose visceral por 100.000 habitantes por município, nos períodos 2001-2006 e 2007-2014.Fonte:SINAN, atualizado em
setembro de 2015. VL: leishmaniose visceral; SINAN: Sistema de Informação de Agravos de Notificação.
530
% de variação da taxa bruta de leishmaniose visceral
330
por 100.000 habitantes
230
130
30
- 70
Pára
Sergipe
Bahia
Piauí
Roraima
Alagoas
Ceará
Amapá*
Goiás
Paraíba
Espírito Santo
Rondônia*
Paraná*
Minas Gerais
Tocantins
São Paulo
Rio de Janeiro
Pernambuco
Distrito Federal
Mato Grosso
Santa Catarina*
Rio Grande do Norte
FIGURA 2 - Variação percentual da taxa bruta de leishmaniose visceral por 100.000 habitantes nos períodos 2001-2006 e 2007-2014, em relação à variação percentual
média (1,38) do Brasil representada pela linha vermelha. VL: leishmaniose visceral; SINAN: Sistema de Informação de Agravos de Notificação.
* Estados sem relato de casos autóctones de LV humana. O Estado do Acre não informou nenhum caso humano de LV ao SINAN.
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MESA 2
Características epidemiológicas dos casos de leishmaniose visceral no Brasil em 2001-2006 e 2007-2014.
VL: leishmaniose visceral; HIV: vírus da imunodeficiência humana; –: ausência da variável no formulário de relatório. Observação:As porcentagens das variáveis por
sexo foram calculadas por linha e as porcentagens totais por coluna. Os percentuais da variável óbito por LV e óbito por outras causas foram calculados a partir do
total de óbitos, que incluiu óbito por todas as causas, pois as bases de dados não eram as mesmas nos dois períodos. O número de casos de evolução não atingiu o
total de casos em ambos os períodos devido à falta de dados. De 2007 a 2014, o percentual de casos de evolução não foi de 100%, pois houve 7% de casos com
desfechotransferir.
Epidemias de LV foram registradas em ambiente urbano no Brasil8. A A estabilidade da taxa bruta de incidência no Brasil entre os dois
mudança para áreas urbanas é corroborada pelo presente estudo, em períodos indica que, mesmo com o aumento do número de casos
que aproximadamente 70% dos casos eram moradores de áreas notificados, não há aumento da taxa de incidência, quando se
urbanas. Embora não seja possível afirmar que a transmissão urbana considera o crescimento populacional. Portanto, a incidência de LV
seja diferente da rural, alguns fatores que podem estar envolvidos no aumentou, principalmente quando analisada por macrorregião e
processo de urbanização da LV no Brasil são as modificações estado separadamente. Na década de 1990, aproximadamente 90%
ambientais causadas pela ação antrópica, ocasionada por movimentos dos casos notificados de LV estavam localizados na macrorregião
migratórios e ocupação urbana não planejada juntamente com o mau Nordeste. Com a disseminação da doença para outras regiões, essa
saneamento35. Além disso, o principal vetor da LV, o flebotomíneo situação mudou e observou-se diminuição do número de casos de LV
Lutzomyia longipalpis, adaptou-se ao peridomicílio, principalmente na no Nordeste21, enquanto a região Norte registrou aumento de casos (
presença de animais domésticos como cães18. tabela 1). Essa expansão da incidência
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não tem relação com a decisão de subagrupar a base de dados tratados para LV são curados46. Estudo realizado na cidade
em dois períodos de tempo com número desigual de anos, de Bauru mostrou que 90,3% dos pacientes de LV tratados
considerando que se igual número de anos foi comparado nos foram curados9. O baixo número de pacientes curados
grupos, foi encontrada média e interpolação semelhantes no pode refletir o desempenho do programa de controle da
intervalo de confiança (dados não apresentados ). Com relação à LV e os registros no sistema de informação. Não se sabe se
distribuição espacial, fica evidente que os municípios os pacientes foram curados ou se houve algum problema
anteriormente livres da doença mudaram de status. com o sistema de informação, pois a evolução dos casos
Embora o Estado do Maranhão tenha apresentado a maior mostrou um aumento de dados faltantes; de 7% no
taxa da região Nordeste (tabela 1) e tem histórico de alta período 2001-2006 para 13,2% no período 2007-2014
incidência, no geral houve redução na incidência relatada. Isso (dados não apresentados). Este é um problema gravíssimo,
pode ser devido aos esforços de vigilância no Nordeste, ou à pois a informação sobre o percentual de pacientes curados
emigração da população36. Por exemplo, o Estado do Piauí é de suma importância e está relacionada à capacidade
anteriormente tinha a maior incidência no Nordeste37 dos serviços de saúde em realizar diagnóstico precoce e
e agora tem uma redução relatada, embora ainda seja o estado dispor de recursos como materiais, laboratório,
com a segunda maior incidência do Nordeste. Essa expansão da medicamentos e profissionais capacitados para dar o
incidência de casos de LV para outras regiões ocorreu sem tempo tratamento correto aos casos.47, bem como ter o
suficiente para organizar os serviços de saúde para diagnósticos, acompanhamento correto dos casos, a fim de evitar o
realizar o acompanhamento adequado dos casos e treinar os abandono do tratamento.
profissionais de saúde, que sem o conhecimento correto podem A não conclusão da evolução do caso, principalmente a
recomendar um tratamento inadequado regime de tratamento informação sobre a cura, é uma questão preocupante, pois a
para pacientes com LV2,38. ausência de cura contribui para desfechos desfavoráveis,
Norte do Estado do Tocantins (figura 1) tiveram uma taxa de como abandono e óbito. Além do aumento de óbitos no
incidência de LV notavelmente alta quando a distribuição segundo período, isso pode estar subestimado devido à falta
geográfica foi analisada. Isso se deve principalmente ao grande de dados. Embora alguns pacientes sobrevivam mesmo
fluxo migratório de nordestinos, que vivem em condições quando não curados, eles podem ter doença subclínica e com
precárias de moradia, sem infraestrutura urbana, saneamento e retorno à doença em caso de diminuição da imunidade48, e
serviços públicos essenciais, como coleta de lixo, saúde e pode piorar se houver coinfecção, especialmente com HIV49,50
educação.39. Esses problemas demográficos e sociais estão ou malária, que já foi descrita no Brasil51 e África52.
associados ao impacto ambiental causado pelo desmatamento Deve-se suspeitar de LV quando um paciente apresenta febre e
neste estado40. Essa situação contribuiu para a situação esplenomegalia que podem estar associadas à hepatomegalia18. Esses
epidemiológica identificada no Tocantins, que merece maiores sintomas, que caracterizam a fase inicial da doença, foram os mais
esforços dos serviços de saúde, tanto no diagnóstico e tratamento frequentes neste estudo, juntamente com fraqueza e perda de peso.
dos casos, quanto na adequação dos serviços de vigilância a essa No entanto, estes últimos também são observados em outras doenças
população em particular. infecciosas18, o que pode causar confusão e retardar o diagnóstico da
De todas as características da LV, a predominância da doença no sexo LV, comprometendo o quadro do paciente com desnutrição,
masculino merece atenção. A frequência desta doença em homens sangramento e outras infecções bacterianas que podem levar ao
aumentou com a idade (mesa 2). Fatores fisiológicos são a causa mais óbito. Portanto, há a necessidade de profissionais de saúde treinados
provável para o aumento do risco em homens, indicando que a partir de 38 e sensibilizar as equipes de saúde para o reconhecimento dessa
uma certa idade, os hormônios sexuais e o sistema imunológico nos importante doença negligenciada, além da instalação de
homens resultam em uma maior suscetibilidade a infecções e doenças41. infraestrutura adequada para o pronto diagnóstico laboratorial. Além
Um aumento da doença em adultos com mais de 40 anos é notado disso, é necessária a estruturação dos serviços de saúde para otimizar
no segundo período deste estudo (mesa 2), o que também pode ser a vigilância epidemiológica, bem como medidas de controle de vetores
atribuído à coinfecção pelo HIV42–44. A partir de 2008, o número de e inclusão de novos métodos de controle da doença em cães.
pacientes adultos ultrapassou o número de crianças com LV no Ceará,
porém, a coinfecção LV-HIV foi predominante na faixa etária de 20 a 39
Conflito de interesses
anos12.Esse fenômeno também ocorreu no Sul da Europa, Norte da
Os autores declaram que não há conflito de interesse.
África e Ásia Ocidental e Central. Desde o início das infecções por HIV e
aumento do uso de imunossupressores para transplante e
quimioterapia, aproximadamente metade dos casos de LV na Europa
são adultos45. Portanto, a infecção pelo HIV também deve ser REFERÊNCIAS
considerada em nosso estudo. Embora tenha sido feito um teste de 1. Organização Mundial da Saúde (OMS). Doenças tropicais negligenciadas
HIV de rotina mal realizado, os dados mostram um aumento na [Internet]. Genebra: OMS; 2017 [citado em 26 de abril de 2017]. Disponível
A porcentagem de pacientes que foram curados (mesa 2) é 2. Pelissari DM, Cechinel MP, Sousa-Gomes ML, de Lima Jr FEF.
Tratamento da leishmaniose visceral e leishmaniose tegumentar
inferior ao número sugerido pela Organização Pan-Americana da
americana no Brasil. Epidemiol e Serviços de Saúde. 2011;20(1):
Saúde, que preconiza que pelo menos 95% dos pacientes 107–10.
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