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Ariel| 1ª Edição
Todos os direitos | Reservados
Livro digital | Brasil
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de breves citações incluídas em revisões críticas e alguns outros usos não-comerciais
permitidos pela lei de direitos autorais.
O artigo 184 do Código Penal tipifica como crime, apenado com detenção de 3 (três) meses
a 1 (hum) ano, ou multa, a violação de direito de autor. Pela Lei nº 10.695/2003 incluiu, em
seu tipo penal, a violação dos direitos conexos aos direitos de autor, que são aqueles
relacionados aos artistas intérpretes ou executantes, aos produtores fonográficos e às
empresas de radiodifusão, conforme o disposto nos artigos 89 a 96 da Lei nº 9.610, de
19.2.1998 ("Lei de Direitos Autorais"), mantendo-se a mesma pena.
Por sua causa, eu nunca ando muito longe da calçada...
Por sua causa, eu aprendi a jogar do lado seguro, assim não me machuco...
Por sua causa, eu acho difícil confiar não só em mim, mas em todos à minha
volta...
Eu não posso chorar, sou forçada a fingir um sorriso, uma risada, todos os
dias da minha vida. Meu coração não pode quebrar quando não estava
inteiro para começar...
Por sua causa, eu tenho medo!
Because Of You, de Kelly Clarkson
Playlist
Cristina Self passou anos reclusa em seu mundo seguro, o qual criou
para si mesma depois de uma separação conturbada e violenta. Até que seu
caminho se cruzou com o notório advogado criminalista Ariel Miller,
conhecido nos tribunais por seu cinismo e frieza calculista. Seduzida pelo
magnetismo que ele possui, a encantando com seu olhar intenso, Cristina se
desprende do seu mundo seguro, se permitindo se perder por uma única noite
no calor dos braços do charmoso homem. Mas o que Cristina não sabe é que
o destino tem outros planos para eles, um que ligará as duas almas quebradas
para sempre. E de um engano nada angelical, mas sim completamente sexy e
envolvente, Cristina irá do céu ao inferno para viver sua história de amor.
AVISO DE GATILHO: o livro contém violência doméstica e
relacionamento abusivo.
Prólogo
Roleta-russa
Cristina Pener
Sacramento – Califórnia
Aperto meus olhos, os fechando com força, enquanto meus braços se
erguem sobre minha cabeça. O grito de dor que invade o quarto sai dos meus
lábios quando o terceiro chute desferido em puro ódio acerta minhas
costelas. Sinto o ar faltar dentro dos meus pulmões e me retorço de dor. O
ataque de cólera dele não para, nem diminui, mesmo eu gritando e
implorando por minha vida. As mãos sujas com meu sangue puxam meus
cabelos, os segurando, olhando para minha face machucada, com o sangue
escorrendo do meu nariz quebrado. Seus olhos frios e vazios não
demonstram um único fio de arrependimento por estar me espancando.
— Renan... Renan...
Minha voz entrecortada pela dor e o choro, fala seu nome,
implorando por clemência. Não sei mais onde estou, nem em qual momento
ele começou a me bater. Minha mente vaga entre o pavor e o desespero e
imagino que minha vida terminará dentro desse quarto.
— Fica tão bela quando chora, meu amor. — A voz gélida, como a de
um cadáver sem coração, fala mansamente.
Ele beija meu rosto, me fazendo chorar ainda mais. Estou ferida,
acovardada e sem esperança de sobreviver ao seu ataque de fúria. Seu punho
fechado se ergue uma única vez, acertando minha face com pura pressão. É
rápido e brutal, fazendo voar sangue pela minha boca. Meu corpo mole, sem
mais força ou coragem para se mexer, se estica ao chão, e sinto as lágrimas
em minha bochecha colarem ao piso, junto ao meu sangue. Em meio à baixa
visão que minhas vistas têm, com os olhos nublados de vermelho, observo
apenas seu vulto caminhar para fora do quarto, e aqui, caída, anulada,
humilhada, fico pelo que parece uma eternidade para minha alma, até
conseguir me arrastar pouco a pouco, chorando, com medo de que ele volte.
Consigo pegar o telefone caído perto da cama. Me encolhendo, disco os
números. O toque se prolonga, me torturando dentro do meu cérebro, até que
ouço a voz do outro lado da linha me saudar.
— Alô?
— Mãe, me tira daqui. — O telefone rola dos meus dedos, enquanto
luto para continuar consciente.
— Todos de pé! — A voz do policial, assistente do juiz, é alta, me
tirando das minhas lembranças.
Me levanto junto com meu advogado, observando o juiz entrar no
tribunal para deferir a sentença. Eu não preciso olhar para o lado para ver
Renan, meu corpo sente seus olhos repousados sobre mim.
— No caso de violência doméstica e tentativa de homicídio de Renan
Pener contra sua cônjuge, Cristina Pener, a corte chega ao seu veredito final.
Meu coração se aperta dentro do meu peito, estou olhando para o juiz.
A bancada dos jurados, que tem como grande maioria homens, me olha com
atenção. Me sinto silenciada, renegada, com meu sofrimento desmerecido
diante de todos que me julgam silenciosamente com seus olhares frios e
calculistas.
— Declaro Renan Pener inocente de todas as acusações.
— Não... Não... Oh, meu Deus! — Tapo meu rosto, negando com a
cabeça, balbuciando em meio ao choro desesperado que me domina ao ouvir
a voz do juiz declarar a sentença.
Falta ar em meus pulmões. Sinto meu corpo desabar lentamente na
cadeira, tendo as lágrimas nublando minha visão. O pranto dolorido rasga por
minha garganta. Me sinto humilhada, diminuída, degradada, como um ser
humano sem valor algum, uma poeira, alguém sem caráter. Colocaram à
prova minha sanidade mental e meus princípios. Minha cabeça se ergue e
vejo Renan sair caminhando altivo, com um sorriso cruel nos lábios, com
seus olhos frios cravados em mim.
— Senhora Pener...
O toque da mão do meu advogado ao meu lado me assusta, me
deixando alarmada. Giro minha face na mesma hora para ele.
— Eu sinto muito, lamento. Se puder fazer algo pela senhora, basta
apenas me falar...
— Self! — murmuro, chorando, limpando meu rosto. — O divórcio já
foi assinado, me chamo Cristina Self.
Ele sorri com vergonha e balança a cabeça em positivo para mim.
— Se precisar de algo é só me avisar, senhorita Self.
O vejo fechar sua maleta e partir junto com os outros dentro do
tribunal, que vai se esvaziando. Tapo minha boca, chorando desesperada. A
única coisa que eu carecia, a única coisa que eu queria, era a justiça!
E ela foi tirada de mim. Foi distorcida, ficando a favor de um homem
frio, sem remorso, que usou todo dinheiro, poder e influência da sua família
para me humilhar mais uma vez. Comprou o julgamento, desmereceu as
provas. Renan tinha arrancado tudo de mim: minha dignidade, minha alma,
anos da minha vida ao lado dele, meu mundo todo. Ele me fez morrer a cada
lágrima que ele sentia prazer em tirar de mim. Uma roleta-russa, na qual ele
me torturou psicologicamente, fisicamente e emocionalmente, até eu ser
apenas uma sombra da mulher que já fui um dia.
Doutor Miller
Nova York
Sacramento – Califórnia
Eu não tenho tempo para pensar. Uso toda minha força para empurrar
o grande homem para dentro do banheiro.
— Por favor, não sai daí! — Fecho a porta do toalete na sua cara, que
esboça surpresa com meu ato, mas nesse momento estou mais preocupada em
salvar meu emprego do que ser educada com o garoto de programa.
Me movo, catando minhas sapatilhas no chão, as calçando com
pressa, correndo rápido para a mesa de Bete, que fica na outra ponta da sala,
perto do escritório de Pietro e Max. Puxo o envelope marrom que está perto
do computador dela. Quando me aproximo da porta do elevador, a vejo se
abrir na mesma hora, e sou surpreendia pelo jovem rapaz de terno, com
sorriso largo e perfume exagerado.
— Olá, deve ser...
— Senhorita Self. — Seguro as portas do elevador, soltando as
palavras com urgência pela minha boca, não o deixando sair. — Me pediram
para lhe entregar isso. Por conta do horário tardio, presumo que prefira
conhecer a empresa na segunda-feira, correto?
Passo o envelope para ele, apertando o botão do elevador para ele
voltar para o térreo, me afastando das portas.
— Acho que não entendi...
— Dentro do envelope tem todas as diretrizes sobre o que vai precisar
saber. Apenas esteja aqui na segunda-feira, às oito, sim? — Aceno para ele,
que olha da minha face para o envelope, ficando perdido. — E não se atrase!
Fecho meus olhos e respiro fundo assim que as portas do elevador são
fechadas.
— Deus, minha mãe vai me fazer ter um infarto antes dos trinta! —
Esfrego meu peito, tentando me acalmar.
Minhas pálpebras se abrem assim que escuto a porta do banheiro ser
aberta. O grande homem caminha silenciosamente, olhando para os lados e
parando sua atenção em mim quando seus olhos safiras me encontram.
— Olha, por favor, preciso muito que você vá embora, sim? —
Encolho meus ombros, caminhando para perto da minha mesa.
— Presumo que foi surpresa dupla? — Ele olha para o elevador, o
encarando.
Ignoro o som de brincadeira em suas palavras, pois elas não passam
despercebidas aos meus ouvidos, insinuando que estava esperando outro
homem.
— Qual foi o valor que minha mãe combinou com você? Apenas me
diga, eu dou um jeito de pagar, ok? — Caminho para o centro da sala,
erguendo minha carteira caída no chão. — Tem um caixa eletrônico do outro
lado da rua, posso efetuar seu pagamento em dinheiro, se você não trabalhar
com cartão...
— Vamos fazer um trato, Cris. — Ele caminha lento, correndo seus
olhos pelo escritório. — Não tenho pretensão em arrumar outros
compromissos agora. Podemos atravessar a rua, e ao invés de ir ao caixa
eletrônico, você toma uma bebida comigo.
— Está tarde. — Puxo minha bolsa de cima da mesa e ando para o
elevador, apertando o botão, aguardando-o subir. A sombra alta para ao meu
lado, mantendo seus olhos safiras presos em mim. — O mais longe que vou
acompanhada com você é até a saída do prédio.
— Uau, que língua felina! — É estranho como o magnetismo do seu
olhar me prende. Ariel solta um longo assobio, deixando um sorriso
sarcástico no canto dos lábios. — Desmerecimento profissional é crime.
— Veja, não quero parecer grossa, e muito menos estou insultando
sua profissão. — Balanço minha cabeça em negativo, enganchando a alça da
bolsa em meu braço, guardando minha carteira lá dentro. — Mas isso não vai
rolar. Tenho certeza de que sua agenda deve estar repleta de clientes
interessadas em tomar um drinque com você, posso notar que deve ter muito
tempo nessa profissão...
— Está me chamando de velho? — ele me interrompe, me olhando
cínico.
— Bom, claro que não. Apenas estou dizendo que...
— Agora compreendo algumas coisas! — O tom da sua voz sai em
deboche, me fazendo ficar confusa com a forma prepotente que se direciona
para mim.
— Como?
A porta do elevador é aberta e sinto a grande mão espalmada em
minhas costas, nos conduzindo para dentro dele. Ariel estica sua mão, aperta
o botão do térreo e logo as portas de aços se fecham. Ele se vira para me
olhar, levando suas mãos aos bolsos, como se estivesse me estudando.
— O motivo de precisar pagar por sexo — ele fala casualmente, como
se estivesse falando qualquer assunto corriqueiro do dia a dia.
— Isso foi extremamente grosseiro da sua parte. — Ergo meus dedos,
empurrando meus óculos em minha face. — E para seu governo, eu não
preciso pagar por sexo... Posso fazer sexo a hora que eu bem quiser.
— Me corrija se eu estiver enganado, mas suas palavras lá dentro do
escritório foram: está certo que estou sozinha há bastante tempo... — Ele
sorri descaradamente, usando minhas palavras contra mim.
— Estar sozinha e estar sem sexo são duas coisas completamente
opostas — rebato sua provocação, não lhe dando o prazer da minha
confirmação.
— De fato, mas, no seu caso, presumo que não seja isso. A forma
quente como recebeu meu beijo desmente esse seu argumento. — Ele recai
seus olhos para o meu coque e depois para minha roupa. — Quantos anos
está fazendo, afinal, babá McPhee[10], sessenta e nove?
Meus olhos se expandem e sinto vontade de esganar esse homem
prepotente. Meus dedos se erguem, cutucando seu peito repetidas vezes com
ódio.
— Definitivamente, eu não transaria com você, nem que fosse de
graça! — Fecho minha cara e semicerro minha boca. — Nem que fosse o
último pau da Terra, para ficar esclarecido. Sim, eu lhe chamei de velho. Não
acha que está muito maduro para estar vendendo seu corpo, tiozão?!
As portas abertas do elevador, com o segurança parado, olhando para
nós, faz com que eu me cale. Os olhos bisbilhoteiros do guardinha param em
meu dedo, congelado no peito de Ariel, e depois se erguem para minha face.
— Não sabia que tinha alguém lá em cima com você. — Mithi me
olha com mais interesse, segurando a porcaria de um sorriso malicioso.
— Se não tivesse largado seu posto para ir fumar, saberia que tinha
alguém lá em cima comigo. — Lhe dou um olhar de advertência, para que ele
mantenha sua boca fechada. — Bom, de qualquer forma já estou de saída,
tenha um bom trabalho, Mithi. — Saio do elevador o mais rápido que posso,
encarando o homem arrogante. — Quanto a você, desejo que volte para o
lugar de onde veio, velhote!
Não dou tempo de resposta para nenhum dos dois, batendo em
retirada, rumo à saída do prédio. Respiro aliviada quando passo pelas portas
giratórias. Troco minha bolsa de braço, caminhando apressada na calçada.
— Babá McPhee! — resmungo com raiva. Meus olhos param em
minha imagem refletida no grande vidro do prédio, me fazendo me sentir
desgostosa.
Está certo que não sou nenhuma modelo sensual da Victoria's
Secret[11], mas também não me pareço com uma babá velha, rabugenta e
repleta de verrugas. Prendo meu olhar no coque alto, todo torto, o soltando e
desfazendo a bagunça dos meus cabelos com meus dedos.
— Idiota...
Paro na esquina, esperando o sinal abrir para que eu possa atravessar a
rua.
— Presumo que não é muito de relaxar. — Me assusto com a voz
baixa de Ariel, que está parado ao meu lado.
— Oh, meu Deus, por que está me seguindo?
— Não estou te seguindo, estamos indo para o mesmo lado. — Ele
passa seus olhos pelos meus cabelos, me pegando de surpresa quando sua
mão se ergue, afastando os fios soltos do meu rosto.
— Assim está bem melhor, McPhee. — Seu sorriso aumenta quando
estapeio sua mão, o fazendo se afastar de mim.
— Seu grande cretino arrogante!
Me afasto dele e atravesso a rua a passos duros quando o sinal de
pedestre fica verde.
— Por que tem que ser tão desagradável?
— A única pessoa desagradável aqui é você. E, além de detestável,
ainda por cima é um psicopata que está me seguindo — rosno com raiva,
desejando estar um inferno longe dele.
— Por mais que me doa ferir seu ego, minha cara McPhee, realmente
não estou te seguindo. — O encaro por cima do meu ombro, cerrando meus
olhos.
— Vou enfiar essa bolsa na sua cara se me chamar de McPhee outra
vez!
— Não lhe chamo mais de McPhee se você me contar porque se veste
como uma velha de sessenta anos e é rabugenta como tal.
— Minhas roupas não são da sua conta, e eu não sou rabugenta.
Apenas quero ficar longe de você. — Respiro aliviada quando vejo o hotel ao
longe, sabendo que estarei a pouco passos de finalmente me livrar dessa
criatura impertinente. — Olha, está me seguindo porque quer dinheiro, se for
isso, é só me falar e eu te pago, e assim eu nunca mais tenho que olhar para
você.
— Me diz como deve ser sua vida, ou melhor, deixa eu adivinhar —
Ariel fala, divertido, acompanhando o ritmo dos meus passos. — Se
divorciou por conta da amargura desse seu coraçãozinho frio e acabou se
vendo abandonada dentro de um apartamento cheio de gatos, trabalhando até
tarde como secretária. Adora assistir filme pornô às escondidas, mas não
pratica sexo há muito tempo e se masturba toda noite. É socialmente
deslocada e raramente se diverte ou relaxa. Era o Patinho Feio na
adolescência, que se habituou com as roupas bregas de segunda mão, de
alguma seção de liquidação de supermercado. — Fecho meus olhos, sentindo
o ódio me tomar por esse homem arrogante. — Me diga, seu marido lhe
deixou por que não conseguia mais lidar com sua amargura e sua limitação
sexual?
Giro abruptamente, o pegando distraído e acertando minha bolsa com
força em sua cabeça. Deus! Eu nunca tinha agredido alguém na minha vida,
mas esse homem parece ter o dom para desencadear a agressividade dentro de
mim.
— Sou alérgica a gatos, Sherlock Holmes[12]. — Minha voz zangada
sai baixa, enquanto o estapeio outra vez com a bolsa. — E, se quer saber, lhe
bater com essa bolsa me deixou extremamente relaxada.
Seus olhos têm um lampejo de ira rapidamente, enquanto ele deixa
sua face carrancuda. O largo para trás e caminho rumo ao hotel, não me
dando o desprazer de olhar para a direção dele outra vez.
Capítulo 05
Nada angelical
Cristina Self
— Terei que sair à sua procura toda vez que precisar dos seus
trabalhos, senhorita Self?
Minha voz sai firme, enquanto meus olhos se mantêm presos em sua
face pequena. Tento não inalar o aroma do seu perfume, que invade meu
nariz, me fazendo ter memórias dos sons suaves que escaparam dos seus
lábios enquanto ela queimava em meus braços. Quero poder afirmar para
mim mesmo que não reconheci sua voz no momento que ouvi ela
conversando com a outra secretária, que meu coração não errou uma batida e
que muito menos fiquei ansioso, como um maldito novato que acaba de
reencontrar sua garota. Não foi para esse propósito que aceitei vir trabalhar
na Califórnia, quando Pietro me convidou, eu apenas almejei novo ares,
largar as velhas lembranças dolorosas que estavam me consumindo em Nova
York. A morte de Dolly, minha pequena filha de dois anos, tinha devastado
minha vida, e por quatro anos depois da sua perda eu me mantive focado
apenas no trabalho, despejando toda minha concentração nos julgamentos e
nos meus clientes. Tinha cometido um erro quando me casei com Silvia, no
fundo sabia que ela apenas ambicionava uma vida luxuosa, o status, o
glamour. Seu grande amor era a boa vida que eu lhe proporcionava, não eu,
muito menos nossa filha. Eu amava minha filha, ela era a minha conquista
mais preciosa. Me recordo do seu sorriso em sua face carinhosa na última vez
que a vi, quando parti daquela casa.
— Ei, minha princesa, papai tem que ir. — Beijo seu pescoço apenas
para ouvir o som da sua risada gostosa.
Deposito Dolly no berço, alisando seus cabelos, pegando minha bolsa
em cima da cama e caminhando para fora do quarto.
— Quer que eu faça alguma coisa? — Meus olhos pousam na mulher
parada no corredor, com os braços cruzados.
— Arrume um advogado. — Caminho reto, passando a passos duros,
sem olhar para ela. — Minha filha vai ficar comigo.
— Ariel... Ariel, não pode.
Não paro de caminhar, nem me viro para olhar sua face.
— Apenas observe.
— Não pode fazer isso, eu sempre cuidei da minha filha...
— Silvia, que horas ela dorme? Qual é o desenho preferido dela?
Sabe ao menos com qual bichinho de pelúcia ela dorme abraçada? — grito
com raiva, tendo ela alterada, caminhando atrás de mim, me seguindo até a
garagem, puxando minha bolsa com força das minhas mãos.
— Ela fica comigo!
— Você sabe o que ela come no café da manhã? Sabe o nome do
pediatra dela? Por um acaso, tem ele anotado na sua lista de contatos? Você
não sabe nada sobre nossa filha!
— Eu não vou deixar você tirar minha filha de mim, não vou deixar
você a levar para longe. Você acha certo nunca estar presente, trabalhando
toda hora, estando sempre na merda do telefone nos fins de semana, e me
deixando triste o tempo todo?
— Triste? — Cerro meu maxilar com ódio, olhando para sua face. —
Está triste?
— Estou... — ela grita, com a voz chorosa.
— Eu lamento se estava tão triste com a vida de luxo que eu sempre
lhe dei, com toda sua forma frívola, se ludibriando em salão e joias caras.
Lhe deixei tão triste que precisou ir atrás do seu amigo Samuel, da época da
faculdade, apenas para trepar com ele dentro da minha casa! — Puxo minha
bolsa com ódio da sua mão, respirando com força. — Realmente deve ser
muito triste saber que não vai gastar mais nenhum centavo meu, e muito
menos usar minha filha como moeda de troca para continuar se mantendo às
minhas custas.
Entro no carro e bato a porta com força, ligando-o e pisando no
acelerador.
Dois dias depois, em uma noite chuvosa, após Silvia sair de uma festa
na casa de uma amiga, mesmo ela consciente que tinha bebido, decidiu
conduzir o veículo, dispensando o motorista. Ela perdeu a direção do carro e
colidiu contra outro automóvel. Dolly estava adormecida no banco de trás,
deitada ao invés de estar na cadeirinha. Perdi minha filha naquela noite,
restando apenas um buraco imenso em minha alma. Me afundei no trabalho
depois do luto pela perda dela, e por todos esses anos nada mais me fez sorrir
e muito menos me despertou encanto ou curiosidade. Isso até dois meses
atrás, quando me deparei com os grandes olhos de coruja brilhosos, olhando
tão atenta para a tela do computador, distraída da minha presença. Seu modo
atrapalhado me despertou interesse e intriga, e talvez tenha sido por isso que
não desfiz seu engano. Fiquei tão fascinado na atrapalhada senhorita Self,
com suas roupas estranhas para sua idade e gestos nervosos, falando pelos
cotovelos, que aproveitei o breve momento. Suponho que o fato dela não se
parecer com as mulheres ambiciosas que sempre me rodeiam, me fez ficar
intrigado com ela.
Dormir com a moça não foi algo intencional. Não tinha planos de
trepar com alguém quando fiz o check-in[14] no hotel e me direcionei para o
edifício da empresa. Talvez meu primeiro erro não foi ter omitido a verdade
sobre quem eu sou, mas sim ter cedido à tentação de provar seus lábios.
Depois, no hotel, foi algo natural, o que meu instinto implorava para ter, mas
não foi a dor da ressaca por conta do porre que tomamos juntos que me fez
acordar de mau humor, mas sim despertar naquela cama de hotel tendo
apenas a fragrância do seu corpo impregnada no lençol.
E na segunda-feira, quando cheguei para me apresentar ao trabalho,
apenas a cadeira vazia da sua mesa estava, pois havia uma moça diferente,
que saiu do banheiro, e muito tempo depois de Pietro me apresentar a todos
os funcionários, descobri que a pequena vênus estaria ausente pelos próximos
sessenta dias. As lembranças da sua face, do seu sabor, a forma doce como
ela se entregou, tão viva, sem barreiras ou vergonha, me levou à lona. Por
trás daqueles óculos grandes e roupas antiquadas, uma mulher intensa e
lasciva governava seu corpo. E foi com ódio que me vi revivendo cada
momento dela em meus braços dentro da minha mente. Os boatos que
chegaram aos meus ouvidos de forma perversa, se infiltraram dentro de mim
como veneno, e eu percebi a forma carinhosa com que Max falava
constantemente da sua pupila Self. Me senti amargo assim que soube sobre
como a senhorita Self tinha alcançado seu cargo dentro da firma de Direito.
Me controlei, tentando disciplinar minha mente, me negando a ficar pensando
nela, mas aqui estou eu, a farejando como um animal que há muito tempo
ansiava por sua doce presa.
— Eu precisei usar o toalete, e agora estava indo procurar onde será
minha nova mesa de trabalho, doutor Miller. — Sua voz sai baixa, com seus
dedos comprimindo a bolsa em suas mãos, olhando em volta antes de
repousar seus olhos nos meus.
— Me acompanhe, senhorita Self.
Giro, caminhando para minha sala, abrindo minha porta. Ao me virar,
a vejo olhar apreensiva para a sala e depois para a direção do elevador.
— Poderia ser para hoje, temos trabalho a fazer!
O tom da minha voz sai ríspido, não consigo esconder a forma
desorientada que fico com seu retorno. Ela entra de mansinho, balançando
sua cabeça em positivo, olhando a sala brevemente, parando ao centro dela.
Aponto a segunda mesa pequena ao canto da sala, que fica de frente para a
minha, olhando sério para ela.
— Sua mesa é aquela. — Seus olhos se expandem, ficando
arregalados com seu olhar de coruja amedrontado. — Como pode ver, seu
computador estará ligado ao meu, assim não precisará perder tempo com
vírus.
Cruzo meus braços, acompanhando os gestos nervosos dos seus
dedos, que esfregam sua face. Eu poderia dizer que me sinto horrível por ter
finalmente conseguido ela para ficar como minha secretária, mas não me
sinto. Quando dei a ideia que seria mais vantajoso cada advogado ter uma
secretária particular, ao invés de sobrecarregá-las os três juntos, sendo que
cada um trabalha em uma área de Direito diferente, eu já pensava em ter a
senhorita Self para mim. Max saiu na frente, solicitando ela, enquanto Bete
ficaria com Pietro. Odiei todas as estagiárias, sempre reclamava de algo.
Eram sem competência, risonhas demais, desastradas, mas o que me
incomodava é que nenhuma delas era a atrapalhada babá McPhee. Recusei
todas elas. A última estagiária não chegou a ficar nem meio período antes de
pegar sua bolsa e ir embora. Pietro reconsiderou a divisão e designou a
senhorita Self para mim. E agora percebo a armadilha que eu mesmo me fiz.
Estou com ela em minha frente, desejando quebrar o curto espaço que tem
entre nós dois, apenas para sentir outra vez o sabor dos seus beijos e saciar
essa maldita vontade que me corroeu por todos esses dias, desde a noite que
meus olhos se encantaram pela atrapalhada mulher com olhos de coruja.
— Ariel. — Sua voz nervosa é baixa, enquanto olha para a porta
aberta atrás dela. — Sobre aquela noite. Bom, foi um engano. — A encaro,
levando meus dedos para o bolso da calça, para mantê-los longe dela. — Eu
não sou, bom... eu não sou aquilo.
— Atenha-se ao seu lado profissional, senhorita Self! — As palavras
duras saem da minha boca, cortando suas desculpas. Não quero ouvir seus
arrependimentos. — A menos que queira seu dinheiro de volta. — Um
sorriso amargo estampa minha face. — A propósito, confesso que fique
insultado por valer tão pouco no seu ponto de vista.
Ela nega com a cabeça, mordendo seus lábios nervosamente.
— Ariel, preciso lhe contar...
Dou um passo à frente de forma pesada, respirando com força,
cerrando meu maxilar, parando à sua frente.
— Limite-se ao seu trabalho! — falo frio, com firmeza, com um tom
de voz alto, para ela parar com o assunto.
Minha mão sai do bolso da calça e se ergue abruptamente, com força,
rumo a ela, apontando na direção da sua mesa, mas congelo no ar meu braço
quando vejo seu corpo se encolher à minha frente, como se fosse se afundar
ao chão. Seus olhos assustados estão presos em minha mão aberta, estagnada
no ar, e seu peito sobe e desce rapidamente. Dou um passo para trás, me
distanciando dela, balançando minha cabeça em negativo, com a forma
petrificada que ela ficou apenas por um gesto abrupto da minha parte.
— Não precisa dar uma de vítima, Cristina — digo com raiva,
passando as mãos nos cabelos, a encarando. — Se toda vez que eu gritar
dentro dessa sala, você ficar assim, estarei perdido, com uma secretária inútil.
— Respiro fundo e pego minha maleta sobre minha mesa. — Foi um
inesquecível engano, como você bem sabe. Digamos que adorei o presente de
boas-vindas da empresa. Só que agora acabou, quero que faça um favor a nós
dois e deixe esta história para lá. — Aponto para a mesa dela, olhando a hora
no relógio que está meu pulso. — Preciso estar no fórum, volto ao fim da
tarde. Aconselho que vá se sentar e faça seu trabalho, senhorita Self. Pelo
tanto de elogios que ganhou, creio que não precisa da minha presença para
direcioná-la ao que fazer.
Abandono a sala, precisando achar meu controle outra vez. Não
imaginei que reencontrar essa mulher me deixaria tão desestabilizado.
Repuxo o nó da minha gravata, aliviando um pouco o aperto sobre o
colarinho do meu pescoço, caminhando a passos duros para o elevador.
Aperto o botão para ele subir no meu andar, e assim que as portas são abertas,
me encaminho para dentro, respirando profundamente, fechando meus olhos.
— Quase perdi ele. — A voz ansiosa de Max é alta. Ele ri, entrando
no elevador.
Abro minhas pálpebras e observo Maximiliano olhar atentamente para
seu aparelho de celular.
— Se perdesse o elevador, tinha grandes chances de chegar ao fórum
da família atrasado. Pietro me contou que você está com um caso grande. —
Ele ergue seus olhos para mim, enquanto balanço a cabeça, confirmando.
— Caso Brat.
— Acho que vi alguma coisa sobre isso. Foi corajoso em pegar esse
caso, ouvi boatos na comarca que há bastante provas contra o sr. Brat, o
deixando como principal suspeito da morte da esposa e do amante dela.
— Até que se prove o contrário, meu cliente é inocente — falo calmo.
Sei que será fácil retirar a acusação do Estado de cima do meu cliente.
— Bom, eu esbarrei na advogada da tia do enteado dele, a guarda do
adolescente vai ficar com o Estado até que o caso finalize.
— Estava pensando em encaminhar essa parte do caso para você, não
trabalho com a área da família — falo sereno, olhando sério para ele.
— Realmente não sei se é um caso que eu quero me intrometer. Por
mais que seja bom para chamar a atenção dos repórteres que estão cobrindo
esse caso para nossa firma, ainda assim repasso educadamente. — Ele respira
fundo, me dando um olhar atento, fechando seu semblante. — Optei pela
carreira de Direito para fazer a diferença, ser um profissional honrado, não
me vejo como um advogado cínico, sem nenhum respeito pela lei.
Troco minha pasta de mãos, levando a outra mão ao bolso do terno,
compreendendo o comentário mordaz.
— Devo presumir que esse segundo tipo de advogado sou eu. — Rio,
sarcástico, respirando calmo. — Eu respeito a lei, apenas não a venero, não
me sinto oprimido por ela. Se o estado da Califórnia não puder arcar com um
bônus culpado, e eu livrar meu cliente, a culpa não é minha, e sim da
promotoria, com seus profissionais honrados e incompetentes. Argumento
que gostei do seu ponto de vista, Max... — Retiro a mão do bolso, olhando
para a tela do meu celular. — Mas, da próxima vez que desejar falar sobre as
índoles profissionais, sugiro marcarmos um almoço.
Ele fecha mais ainda sua face, cerrando seu maxilar, me olhando
acusadoramente.
— Como consegue dormir à noite, Miller? Apenas me tire essa
curiosidade. Como se sente sendo um advogado renomado, com grandes
casos, um dos mais caros atualmente? — Ele balança a cabeça em negativo,
rangendo entre seus dentes. — Como se sente sabendo que todas as pessoas
que você representa são culpadas?
— Simples, eu não ligo. E você mesmo respondeu sua pergunta.
Como disse, eu sou caro. Inocentes não têm como me pagar.
Finalizo a conversa e volto minha atenção para as portas do elevador,
quando elas se abrem.
Eu poderia ter optado por exercer minha profissão na área cível, da
família, até mesmo trabalhista, mas havia um certo magnetismo na
criminalista, esse é meu habitat natural: refutar, desmoronar como um castelo
de cartas cada argumento contra meus clientes, olhar para os jurados e os
fisgar em minha rede, em cada palavra, as quais sei usar bem ao meu favor,
invertendo o pior réu em vítima aos olhos do júri. Esse é meu mundo, meu
jogo, meu tabuleiro de xadrez, o qual sempre termina comigo dando xeque-
mate e meu cliente saindo inocentado. E o caso Brat não foge à regra. A
promotoria pode ter muitas provas, mas todas são vagas, sem estruturas para
se manterem. Eles alegam que Brat assassinou a sangue frio a esposa e seu
amante, mas há muitas controvérsias. Nenhuma câmara da residência
comprova a entrada dele dentro da casa, muito menos acharam a arma do
crime, e não há uma única testemunha. Consegui seu habeas corpus[15] com
uma fiança estipulada em cem mil dólares, a qual ele pagou imediatamente.
Um homem íntegro diante da sociedade, com uma grande fortuna avaliada
em mais de dois bilhões de dólares.
Respiro fundo enquanto ando pelo hall do edifício, sabendo que Max
está caminhando ao meu lado, com seus olhos presos na porta. Dou uma
olhada de lado para ele, ainda sem compreender o que ele quer. Nossa
amistosa conversa no elevador, pelo visto, não foi o suficiente. Não que eu
não tivesse boa convivência profissional com Maximiliano, mas minha
amizade é com Pietro. Raramente troco algumas palavras com Max, nossas
ideias não são compatíveis. Max é um idealista que ainda acredita na bondade
humana, e sei que ele condena minha forma de trabalhar.
— Quer me dizer alguma coisa, Max? Ou apenas está emocionado
com nosso momento dentro do elevador?
— Na verdade, eu quero. — Max para na saída do edifício, gira seu
rosto para mim e abre a porta, apontando para fora.
Caminho a passos lentos para a calçada, me virando com calma,
confrontando seu olhar, me sentindo enfadonho com sua fala maçante.
— Como meu irmão falou, Self foi designada para ser sua secretária.
Confesso que preferia ela sendo minha secretária, pois trabalhamos bem
juntos.
Ouço a voz de Max e o encaro sério, travando meu maxilar a cada
palavra que sai dos seus lábios.
— Compreendo. Me parou na saída do prédio para reivindicar sua
pupila?
— Poderia não ser sempre tão cínico, Ariel — ele fala com a voz
contrariada. Na sequência, esfrega seu rosto e respira fundo. — Não estou
aqui para pedir que troque de secretária comigo. Até acho que vai ser bom
para vocês dois trabalharem juntos, principalmente para Self. Ela é uma
pessoa esforçada, o que ela não souber, ela vai dar um jeito de aprender, para
poder ser útil para você...
— Mas? — o indago, querendo saber onde ele quer chegar com essa
conversa.
— Apenas não seja um babaca com ela, como foi com as estagiárias,
sim?
Sorrio friamente para ele, retirando a chave do meu carro de dentro do
bolso do terno e olhando para ela, a balançando em meus dedos.
— Noto que se preocupa muito com a senhorita Self. — Arqueio
minhas sobrancelhas, mantendo meu olhar sério quando encaro sua face. —
Algum interesse específico, Maximiliano?
— Cris é uma boa amiga, tenho um carinho especial por ela. Conheço
sua fama carrasca, Miller. Cristina não precisa de um otário egocêntrico a
diminuindo. Pode ter certeza de que eu vou estar com meus olhos em você!
— Uma via de mão dupla, Maximiliano. Lembre-se que também te
conheço. Assim nós dois podemos ficar um de olho no outro. Se me recordo
bem do que seu irmão me contou, sua fama conquistadora ainda continua a
mesma da época da faculdade — falo sério, esmagando a chave em minha
mão. — Se conhece tão bem assim minha fama, como diz, sabe que não
costumo ser complacente com distrações da minha equipe de trabalho.
Me afasto dele e caminho para meu carro, desejando poder ter socado
sua boca. Max ter me parado, apenas para me confrontar dessa forma, só
mostra que os boatos de como a senhorita Self conseguiu esse emprego são
verdadeiros.
Passo o resto do dia dentro dos fóruns e em reuniões com juízes,
trabalhando em cima dos meus casos. Poderia dizer que realmente gosto
dessa burocracia, e não que estou protelando meu tempo, para não ter que
voltar para o escritório e me sentir atraído pelos olhos de coruja da doce
vênus que me virou do avesso, mas eu estaria mentindo, pois tive certeza que
foi exatamente por isso quando retornei ao fim da tarde e me senti agitado ao
olhá-la, a encontrando dentro da sala, arrumando os documentos em cima da
minha mesa. Se eu não tivesse visto com meus próprios olhos suas curvas
suaves, moldadas por sua pele macia, tão quente, que se encaixou tão
perfeitamente em mim, jamais acreditaria que por baixo da saia comprida até
suas canelas e da blusa sem vida, existe uma mulher apaixonante. Ela se vira,
distraída, se assustando quando me vê parado dentro da sala, atrás dela.
— Eu não o ouvi. — Seus dedos vão ao rosto e arruma seus óculos,
endireitando-os sobre seu nariz. Prefiro seus cabelos soltos, moldando sua
face, salientando as covinhas que tem em suas bochechas quando ela ri.
— Como foi seu retorno? — Tento respirar o mínimo que posso, para
não ser traído pelo meu próprio corpo a cada segundo que inalo seu perfume.
— Foi bom, senhor. Consegui ficar a par dos meus novos afazeres,
também gostei de poder rever meus colegas de trabalho.
Sugo as paredes internas da minha bochecha, mordiscando-as com
meus dentes, balançando minha cabeça em confirmação para ela.
— Analisei seu histórico aqui na empresa e achei interessante ter uma
advogada desempenhando a função de secretária — falo sereno, caminhando
para minha mesa, escorando minha bunda nela, olhando para a senhorita Self.
— Está correta essa informação, minha cara colega de profissão?
— Na verdade, em partes, doutor. — Os movimentos dos seus
ombros, os encolhendo, me faz ficar atento em seus braços, que vão para trás
das costas, negando com um movimento de cabeça. — Me formei em Direito,
mas não cheguei a ter meu registro diante da Ordem dos Advogados.
— Reprovou ou apenas se formou e desistiu da carreira? Posso saber
o motivo para ter abdicado de anos de estudos em sua formação acadêmica?
— Para ser franca, não pode. — Sua voz não falha quando ela me
responde rápido, respirando com força.
— Que seja! A única coisa que me importa é que sua formação será
útil para mim. Ter alguém que saiba o que quero é melhor do que ficar me
estressando com as estagiárias temporárias...
— Na verdade, se não abrisse sua boca para despejar todas essas
palavras pomposas do seu vocabulário, elas poderiam entender... — Ouço seu
resmungo, me provocando, o que me faz ter apenas um leve deslumbre da
mulher de língua felina que me encantou.
— Está me recriminando, senhorita Self, por não ter paciência com
jovens acadêmicas? — Me afasto da mesa, dando a volta nela com passos
lentos.
Sento em minha cadeira e olho para minha mesa organizada
cuidadosamente.
— Eu tomei a liberdade de fazer uma agenda dos seus compromissos
da semana, senhor Miller. — Balanço minha cabeça em positivo, olhando
para ela, que ignora minha pergunta.
Seu rosto ficou gravado em minha mente e me assombrou por muitas
noites, me fazendo ver o brilho dos seus olhos negros em cada face que
enxergava. Não me recordo de ter passado por isso em toda minha vida, nem
com Silvia foi assim. Mas a atrapalhada senhorita Self tem, de alguma forma,
se esgueirado para dentro de mim, me fazendo ficar condicionado a ela, me
levando do céu ao inferno em uma única noite.
— O senhor recebeu três ligações de clientes antigos de Nova York,
marquei os recados e deixei à esquerda, no bloco amarelo em cima da sua
mesa. Também agendei novos clientes para semana que vem...
— Como foram suas férias? — pergunto, ansioso, desejando ouvir
qualquer disparate da sua boca atrevida, testando até onde ela se mantém
nesse papel de funcionária exemplar.
Quero enxergar a Cris daquela noite, que me encantou, não essa
forma robótica, que repassa seus afazeres e os meus como se fosse uma
inteligência artificial.
— Como?
— Suas férias, relaxou? — Pego uma caneta sobre a mesa, a rodando
em meus dedos. — Bateu em alguém com sua bolsa estranha e pesada?
Quero ouvir qualquer coisa, um grito, uma risada, algo natural e
espontâneo, qualquer sinal de calor daquela mulher que ela esconde dentro
dela a sete chaves. Seu lábio superior suga o canto do inferior, mordiscando
sua boca lentamente. Seus olhos piscam, com ela desviando-os de mim,
olhando para a janela do escritório, respirando fundo, batendo seus pés no
chão.
— Ariel, eu estou...
— Você voltou, Miller. — O som da voz estridente da mulher parada
na porta da sala silencia as palavras de Self.
Ergo meus olhos para Malvina. Nunca odiei tanto ela como estou
nutrindo esse sentimento agora.
— Passei o dia no fórum, agora a senhorita Self está passando minha
agenda para mim. Gostaria de esperar lá fora até nós dois terminarmos nossa
conversa? — falo sério para a advogada trabalhista do segundo andar, que
está a me infernizar há vários dias.
— Na verdade, já terminamos, senhor — Self fala rápido, quase como
se estivesse aliviada pela intrusão de Malvina.
— Mas eu não. — Olho para Malvina, a deixando compreender que
desejo que ela saia.
Mas, ao invés de sair, ela apenas se mantém na porta, com seus braços
cruzados.
— Precisa de mais alguma coisa, senhor Miller? — Volto meu olhar
para a senhorita Self e a vejo se encaminhar para sua mesa.
— Amanhã terei uma audiência de apresentação de provas, você vai
me acompanhar. — Solto a caneta, falando sério para ela.
— Mas eu sou funcionária interna, não faço serviço de campo. Max
nunca me pediu para acompanhá-lo.
— Como pode ver, não sou Maximiliano.
— Mas não vejo necessidade de precisar de uma secretária nos
tribunais... — Ela se cala, notando pela minha expressão facial que não estou
nem um pouco inclinado a mudar de ideia. — Como desejar... — O som
baixo da voz de Self sai em tom bravo, me dando um pequeno sinal de zanga.
— Já estou no meu horário, posso ir ou deseja mais alguma coisa?
Arqueio minha sobrancelha, lhe dando um sorriso malicioso. Nego
com a cabeça, erguendo minha mão, a dispensando.
— Excelente, isso quer dizer que não preciso ficar lá fora. — Malvina
se desencosta da porta, caminhando pela sala, puxando a cadeira que fica de
frente para minha mesa. — Bom descanso, meu anjo!
Acompanho o andar apressado de Cris para fora da sala, mantendo
seus olhos ao chão.
— Passei três vezes por aqui hoje, para saber se já tinha chegado.
— Estava ocupado, trabalhando — respondo seco, me levantando e
caminhando para a porta da minha sala, segurando a maçaneta dela.
— Imagino, ainda mais agora com esse caso que pegou...
Minha mente se desliga do que Malvina tagarela dentro da sala, me
concentrando apenas na imagem de Cris caminhando para o elevador,
deixando um sorriso largo em sua face se abrir, o mesmo sorriso que eu
desejo ver, mas que não é direcionado a mim, e sim a Max, que se aproxima,
conversando e entrando no elevador junto com ela.
— Vai quebrar desse jeito. — A risada de Malvina me faz virar para
ela, sem entender o que ela fala.
— Desculpe, mas o que disse?
— A maçaneta. Está segurando-a tão forte, que cheguei a ouvir o
estalo do metal, então disse que vai quebrar. — Movo meus olhos para lá,
vendo os nervos dos meus dedos vermelhos pela pressão que faço.
Solto a maçaneta, esfregando minha mão, olhando apenas uma vez na
direção do elevador, onde os dois partiram.
— Estava pensando, o que acha de irmos jantar juntos essa noite?
— Tenho trabalho a fazer, mas agradeço seu convite, Malvina. —
Caminho para minha mesa, me sento na cadeira e olho para o pequeno bloco,
com as anotações que Cristina deixou. — Se recorda sobre aquele boato que
me contou sobre Max e a senhorita Self?
— Oh, aquilo nunca foi comprovado! Max sempre alega que só a vê
como uma irmã caçula. Sabe como são os funcionários, adoram aumentar —
ela fala, rindo, olhando para mim. — Mas, como diz o ditado, onde há
fumaça, há fogo, e Max nunca escondeu a superproteção que tem com ela.
Pelo que me recordo, acho que Cristina foi uma cliente dele... Tem certeza de
que não quer ir jantar?
Nego com a cabeça, repousando meu olhar na cadeira vazia da mesa
ao canto da sala.
Capítulo 09
Gatilhos
Cristina Self
Inalo o ar com força para meus pulmões, tentando não perder minha
paciência no sábado de manhã, enquanto encaro o homem melindrado à
minha frente.
— Senhor, eu realmente não posso lhe passar informações sobre os
moradores.
Levo as mãos aos bolsos da calça, olhando sério para o porteiro,
respirando fundo.
— Quantas vezes Renan Pener já apareceu na porta desse prédio,
atrás da senhorita Self? — falo ácido, o deixando saber que não vou embora
tão cedo desse prédio sem as respostas que preciso.
— Como eu já falei, não posso falar sobre...
— Fala logo, sua criatura preguiçosa, eu não estou lhe pedindo. Não
estou aqui como um especulador curioso, eu sou a porra de um advogado que
não pensaria duas vezes antes de lhe foder, por omitir informações da minha
cliente!
O homem pequeno arregala seus olhos, ficando com sua face
vermelha.
— Realmente não está fingindo, não é? É a pessoa mais desagradável
que já conheci. — Ele ergue seu dedo, apontando-o para mim.
Sorrio com ironia para o gorducho, dando um passo à frente, parando
perto do balcão que ele usa para se esconder.
— Nesse momento estou na minha versão mais doce, seu idiota. —
Movo minha mão para fora do bolso da calça, a erguendo para minha face e
retirando os óculos escuros. — Mas assim que eu te intimar e colar essa sua
grande bunda flácida em um banco de testemunha e extrair cada informação
de dentro do seu rabo, lhe dando a sensação da mais alarmante
colonoscopia[20] da sua vida, aí sim você vai conhecer meu lado
desagradável. — Cerro meus dentes com raiva, o olhando de cima a baixo. —
Então lhe aconselho a responder minha pergunta!
O homem se encolhe, se sentando na cadeira atrás dele, balançando a
cabeça em confirmação.
— Senhor Pener aparece com bastante frequência atrás da senhorita
Self. Como ela já tinha nos repassado sobre a presença dele ser proibida, ele
não passa do saguão do prédio. Só nessa semana ele veio duas vezes.
Retiro meu cartão do bolso, empurrando em cima do balcão,
apontando para ele.
— Quando ele der o ar da graça outra vez, você vai ligar para mim,
não importa a hora do dia. Vai ligar diretamente para esse número e não vai
repassar mais nada para a senhorita Self. — Ele pega o cartão e fica em
silêncio. — Compreendeu?
— Sim, senhor Miller.
— Esplêndido! — Sorrio para ele, arrumando meu terno, levando os
óculos de volta à minha face. — A propósito, senhor... — Estalo as pontas
dos dedos, olhando para o crachá dele. — Bobe, gostei do nome. Adorei
nossa conversa amistosa, conto com sua discrição sobre esse momento
também.
Ele apenas balança a cabeça, confirmando. Me viro e saio do prédio,
caminhando até o meu carro. Antes que eu possa abrir a porta, reconheço o
pequeno corpo que vira a esquina, andando apressado, segurando firme as
sacolas em seus dedos, olhando para trás. Me afasto do carro e marcho de
encontro à Cristina, que mantém sua cabeça virada, olhando por cima do seu
ombro, andando rapidamente. Estico meu braço e seguro seu ombro antes que
ela trombe em mim, o que a faz soltar um grito, derrubando suas sacolas.
— Oh, meu Deus! — Sua face se ergue para mim, ficando com a
respiração pesada, puxando o ar fortemente para suas narinas. — Ariel! Quer
me matar do coração?
Ela se afasta, abaixando para pegar as coisas que caíram das sacolas.
Olho no rumo de onde ela veio, mas não enxergo ninguém caminhando atrás
dela. Me abaixo e auxilio Cristina a pegar suas compras, repousando meu
olhar em sua face. Sua veia está saltada na lateral da sua garganta, os olhos
arregalados. Seu coque bagunçado, com fios soltos, cai na lateral do seu
rosto.
— Do que estava fugindo? — pergunto sério. Cristina ergue seus
olhos para mim, se levantando lentamente.
— Nada, apenas estava distraída... — Ela abaixa seus olhos para
minha mão, tentando pegar o frasco de xampu dos meus dedos, mas eu o
puxo para trás, a impedindo de pegá-lo. — O que está fazendo em pleno
sábado no portão do meu prédio, doutor? Pensando bem, como sabe meu
endereço?
— Passei no setor de RH[21] da firma — respondo sem pressa,
abrindo seu xampu e o levando perto do meu nariz e cheirando. — Apenas
Ariel, babá McPhee. Não estamos em horário de trabalho, para ser tão formal.
— Repuxo meu nariz, fazendo cara feia. — Não sei se gosto desse xampu,
tem cheiro de produto de liquidação.
— Oh, meu Deus, não acredito que vai resolver me infernizar até nos
fins de semana! — Ela pega o frasco da minha mão, fechando sua face
enquanto o joga dentro da sacola.
— Na verdade, ainda temos muito trabalho a fazer sobre o caso Brat
— falo a primeira coisa que vem em minha mente, não querendo a deixar
saber meu real motivo para ter vindo até seu endereço. — O que mais tem aí
dentro das sacolas?
— O quê? — Ela tenta se afastar quando me aproximo.
Minha mão se estica, e olho curioso para suas compras, retirando uma
das sacolas da mão dela.
— Veja, alguma coisa de qualidade. — Pego o molho de tomate. Olho
o restante das coisas e não gosto muito do que vejo: cereal de morango,
iogurte, doce, pasta de amendoim... E piora a cada segundo que mexo dentro
dela. — Foi fazer compras para uma criança?
— Me devolve a merda da minha sacola, Ariel!
Puxo a barra de chocolate, a virando em meus dedos, negando com a
cabeça.
— Não é à toa que passou mal, olhe o tanto de porcaria! Come
alguma coisa que preste, babá McPhee?
— Babá McPhee é o seu c... — Ela se cala quando ergo meu rosto
para ela, sorrindo sarcástico. Olho a ponta do seu dedo erguida em minha
direção.
— Vejo que está recuperada, pelo desenrolar do seu linguajar, minha
adorável secretária — falo em deboche, a vendo resmungar zangada,
esticando sua mão para mim.
— Devolva a minha sacola e vá embora, Ariel. Hoje é minha folga e
me nego a ser escravizada por você.
Observo sua face abatida e vejo as olheiras embaixo dos seus olhos,
de quem passou a noite toda em claro. Sei que deve ser isso, já que foi esse o
motivo que me fez usar os óculos escuros, pois minha noite foi longa,
enquanto andava como um felino enjaulado dentro do meu apartamento, de
um lado ao outro, lendo cada palavra do seu caso, vendo as fotos dos
hematomas do seu corpo, sua face machucada. Me viro e caminho para a
entrada do prédio, levando sua sacola de compra comigo.
— Ande, babá McPhee, não tenho o dia todo para esperar que você
tenha bons modos e me convide para entrar.
— Como assim entrar? Você quer subir no meu apartamento? —
Ouço sua voz perguntar confusa atrás de mim.
Paro meu corpo, olho para ela e retiro meus óculos.
— Aceito seu convite!
Self se engasga, erguendo sua mão no ar e a fechando em punho,
apontando apenas o indicador para mim.
— Não foi um convite, sabe disso. E você distorceu minhas palavras.
— Ouço seu gritinho de raiva enquanto ela bate seu pé no chão, feito uma
menina pirracenta.
— “Você quer subir no meu apartamento?” — falo suas palavras
anteriores, as usando contra ela. — Para mim, isso foi um convite. E agora
que eu aceitei subir, será feio da sua parte o retirar.
— Inacreditável! Você é um ser humano inacreditável!
— Eu sei disso, meu bem. Não precisa inflar meu ego. — Pisco para
ela, lhe provocando. — Ande, vamos, estou com fome! Talvez ache alguma
coisa decente dentro dessas sacolas, para nos alimentar.
Aponto para a entrada do seu prédio, esperando que ela passe,
rabugenta, balançado sua cabeça em discordância. Antes que ela se afaste,
retiro as outras sacolas da sua mão, levando as compras para ela. Meus olhos
param na esquina uma última vez, em busca de alguma pista do que a estava
deixando assustada, mas não tem ninguém. Ando atrás dela, voltando para o
prédio, passando pelo segurança quando entro com Cristina do meu lado.
— Olá, Bobe, como está indo seu dia? — Cris sorri para ele de forma
branda, apontando para mim. — Esse é o doutor Miller, meu chefe.
— Olá, Bobe, prazer em lhe conhecer — cumprimento-o cinicamente,
não demonstrando para ela que já me apresentei para ele.
O homenzinho flácido com rosto vermelho apenas balança sua cabeça
para mim, em saudação. Cristina está distraída, caminhando para as
escadarias, o que me faz parar e olhar das merdas dos degraus para o
elevador.
— Por que serei obrigado a subir escadas quando tem elevador nesse
prédio? — Ela para no terceiro degrau e segura no corrimão, olhando para
mim.
— Oh, meu Deus, é verdade! Você tem preguiça de usar escadas,
correto? — Sua mão bate em sua testa, negando com a cabeça. — Está tudo
bem, não vou me sentir ofendida se recusar subir, e nem no caso do nobre
doutor Miller quiser voltar para o quinto dos infernos de onde veio.
— Bonitinha... — falo com desdém, subindo o primeiro degrau da
escada.
— Eu sei que sou, não precisa ficar inflando meu ego, doutor. — Sua
voz risonha é baixa, me fazendo erguer meu rosto e olhar para ela.
Sou pego pelo sorriso doce que se alarga em sua bochecha, me
levando ao nocaute a cada segundo que ela me fisga com seus olhos grandes
de coruja estalados, como uma noite quente de verão.
— Ande, Ariel, não é o fim do mundo subir escadas! — Seu corpo
gira, com ela voltando a se mover.
Ouço o pequeno pigarro vindo de trás de mim, me fazendo olhar para
o bisbilhoteiro do Bobe, que tem seus olhos atentos em mim. Fecho meu
semblante para ele, subindo os degraus atrás de Cristina.
— Cobro uma fortuna dos meus honorários aos meus clientes pelo
meu tempo, para manter meu padrão elevado de vida, para no fim estar aqui,
trocando o elevador por escadas em um prédio mediano na periferia da
cidade.
— Oh, céus, cale essa sua boca cretina, Miller!
O som da sua risada se espalha, me fazendo sorrir por ser o causador
do som feliz que sai dos seus lábios. Estico minha perna, subo de dois em
dois degraus, alçando a pequena vênus, parando no degrau abaixo do dela.
Cris gira sua face para mim, ficando a poucos centímetros do meu rosto,
soltando um baixo sorriso, tranquila.
— O que foi? — A voz envergonhada pergunta baixinho.
— Estou pensando sobre o que disse. — Recaio meus olhos para seus
lábios, que se comprimem, quase em um convite doce para que eu os prove.
— No quê?
— Sobre calar minha boca cretina — sussurro rouco, engolindo
minha saliva, sentindo minha boca ficar seca. — Aprecio quando seus lábios
felinos silenciam minha boca cretina.
Ela me desarma com tanta facilidade, como se eu fosse um castelo de
cartas sendo desempilhado pela brisa suave do vento. Observo os gestos
desajeitados das suas mãos, que se erguem, empurrando seus cabelos para
trás das orelhas, sorrindo de lado, tombando sua face em seu ombro.
— O que realmente veio fazer aqui, Ariel, em pleno sábado?
Me enganar!
Menti para mim mesmo, dizendo que apenas revirei os arquivos do
RH atrás do endereço dela, porque odiava o serviço porco de advogados
aproveitadores, como o que a deixou à mercê de um julgamento
inescrupuloso, e não porque cada parte do meu corpo, do meu ser, grita
ansioso, tendo minha alma inquieta e ao mesmo tempo esperançosa por
encarar seus olhos negros expressivos de coruja. Puxo o ar com força para
meu peito, inalando seu perfume que me embriaga, a quentura da sua
respiração morna que me acaricia a face. Tombo meu rosto na mesma direção
que o dela se encontra, me aproximando lentamente, não resistindo aos seus
olhos pecaminosos, que me chamam para ela.
— DROGA, VOU ME ATRASAR! — A voz alta gritando nos faz
afastar.
Ergo meu rosto para cima da cabeça de Cris e vejo um jovem, que
desce correndo os degraus, com um celular em suas mãos, que provavelmente
está filmando tudo. Ele sorri quando nos vê, apontando o celular para
Cristina.
— Bom dia, lindona, dá oi para a galera do canal! — Cris se afasta,
respirando rápido, olhando para o chão, ficando de costas para mim,
erguendo seus olhos para o garoto.
— Olá, Estence! Olá, galera do canal do Estence! — Ela acena para
ele e volta a subir a escadaria.
Respiro com desânimo, encarando o pivete que sorri para mim,
apontando a porcaria do aparelho na minha direção, com sua face espinhenta
e os dentes presos a um aparelho ortodôntico.
— E aí, tiozão! — Ele desce os degraus apressado, me
cumprimentando, dando um leve tapinha em meu ombro.
Olho para meu ombro, onde sua mão de bater punheta juvenil tocou,
sujando meu terno de alfaiataria.
— Tio é meu ovo, moleque de merda! — resmungo baixo, desviando
meus olhos do meu ombro, olhando para minha frente vazia.
Estalo minha língua, me sentindo mal-humorado pelo pivete ter
interrompido meu momento com Cristina.
— Vai me dizer que já está fadigado de subir degraus, tiozão?
Ergo minha cabeça e a vejo no segundo lance de escadas, sorrindo
para mim, me provocando, com a parte superior do seu corpo inclinado sobre
a barra de proteção da escadaria.
— Engraçadinha! — Volto a subir os degraus, odiando,
definitivamente, esse prédio cafona. — Qual tipo de padrão de emissora
contrata um pré-adolescente?
Ouço a risada dela explodir em uma gargalhada, ao mesmo tempo que
nega com a cabeça.
— Estence filma para seu canal em uma rede social na internet,
doutor Miller. Ele filma de tudo que puder, acho que fica 24 horas com esse
celular na mão, gravando. Está por fora da atualidade dos jovens, tiozão!
— Patético, babá McPhee!
Capítulo 14
Pílula mágica
Ariel Miller
Abro meus olhos com preguiça e enxergo a noite que toma conta do
quarto. Meu rosto tomba do travesseiro e olho o espaço vago ao meu lado.
Me mexo na cama, ficando deitada de lado, e estico meu braço, percorrendo
minha mão, alisando o lençol amarrotado, marcado pelo corpo grande do
homem que estava deitado aqui. Seu cheiro masculino ainda paira dentro do
quarto, assim como em minha pele. Suspiro vagarosa, levando meu braço
para cima do meu rosto e tapando meus olhos.
— O que foi fazer, Cristina?! — me recrimino baixinho por ter
abaixado por completo a guarda diante de Ariel.
A urgência como me tocou, a necessidade como meu próprio corpo
respondeu a ele, tudo nebulou minha mente, meu raciocínio, e o amei com
pura devassidão, não me importando com nada além de ser sua. O medo, o
pavor, a ansiedade, tudo se silenciou. Apenas uma mulher apaixonada,
vibrando nos braços do homem que deseja, se fez dentro da minha sala. E foi
por isso que quando sua voz falou tão naturalmente, que as palavras pesaram
dentro do meu coração. Tinha que ter tomado a pílula do dia seguinte dois
meses atrás, agora não adiantava mais, mas como eu poderia pensar nisso?
Acreditava que nunca poderia ser mãe, então nem me preocupei.
Hoje eu estava em seus braços, o amando perdidamente, sendo que
dentro de mim duas vidas estão sendo geradas, e eu não tenho nem ideia de
como contar para Ariel. Ele me desarmou com sua forma presunçosa e cínica,
com piadas sacanas, que tiraram de mim o amedrontamento que eu estava
desde ontem, quando encontrei Renan. Essa nova face de Ariel, tão íntimo,
invadindo minha cozinha, revirando minhas sacolas, enquanto tirava seu
blazer, falando todos os tipos de disparates, que apenas ele consegue falar,
me deixou à mercê dele, pois, de alguma maneira, sua presença me pareceu
tão familiar, tão desejada em minha vida solitária, que me perdi.
Ainda sinto meu corpo dolorido, tendo cada músculo, juntas e nervos
se deleitando por terem sido usados de forma devassa em seus braços. De um
ataque brusco e selvagem, me tomando com lascividade colada àquela
parede, ele virou um guardião protetor, que me abraçou forte, me consolando
do choro triste que me golpeava, sem ter noção que eu não chorava porque
ele tinha me amado da melhor forma que eu já fui tomada em minha vida, eu
chorava por não saber como ele aceitará a notícia de que vai ser pai. E mesmo
assim, fraca, demonstrando minha fragilidade, ele não me afastou. Ariel me
acolheu em seus braços, caminhando para o quarto, soltando meu corpo
apenas depois que me depositou na cama. Tapei meu rosto para abafar meus
soluços, tão dispersa em minha dor, que nem senti seus dedos me despindo, e
muito menos percebi em qual momento ele saiu do quarto para desligar as
panelas do fogão, ou quando se livrou da sua própria roupa. Apenas me
segurei em seus ombros, o abraçando com força, quando seu corpo se juntou
a mim na cama. E morri a cada segundo que suas safiras me encararam,
parecendo um menino perdido, se culpando pelas lágrimas que rolavam por
minha face. Talvez tivesse que ser ali, naquele breve segundo, enquanto ele
me confortava, que eu devia ter tido coragem de lhe confessar meu segredo,
mesmo sabendo que me destruiria se ele tirasse meus filhos de mim. Mas eu
fui fraca, me rendi à minha covardia, me deixando esquecer todas as minhas
dores no beijo calmo que ele me deu. Meu anjo perverso que me presenteou
com mais uma nova faceta entre tantas que ele tem.
O suor está transpirando por minha pele, colando meu cabelo
bagunçado em minha face. Meu coração e minha respiração estão
completamente acelerados, apressados, como se estivesse parada diante de
um penhasco. Ariel se move em um ataque seguro, parando seu corpo sobre
o meu, deixando seu rosto próximo à minha face. Seus olhos me fitam
diretamente, com seus cabelos dourados revoltos por meus dedos, que os
desalinham. Tão perfeito na mais controversa beleza brutal, um anjo ou
demônio. Eu não sei como lidar com Ariel, estou completamente rendida a
ele. Meu corpo implora por ser amado por ele, exigente por seu toque,
ansiando por tê-lo dentro de mim, me tomando até não restar mais nenhuma
dor em minha alma. E como um anjo benevolente, que lê os pedidos mais
secretos da minha alma, não preciso esperar por muito tempo. Sua face para
na lateral da minha. Ele flexiona seu tórax nu para cima, impulsionado seu
quadril para frente, e sinto seu pau entrar dentro de mim, sem pressa, me
torturando a cada centímetro que sou preenchida. Meus olhos vão em busca
dos seus, segurando seu rosto, precisando olhar para ele. Ariel vira sua face,
beija minha mão antes de cravar os dentes na pele, se enterrando por inteiro
dentro de mim quando seus olhos se abrem, ficando cruzados com os meus.
Avisto a luz da luxúria que queima tão fortemente dentro dele, e sei que é a
mesma que incendeia dentro de mim.
— Eu não quis machucar você. — Sua voz é rouca, com seu peito se
estufando a cada ar que ele suga para seus pulmões.
Ariel move seu quadril, retirando seu pau de dentro de mim, voltando
a me foder lento e profundo. Gemo com prazer, apertando minha mão em seu
braço, afastando minhas pernas da cama, para que eu possa o ter mais
colado a mim.
— Quero isso de você. Seus sons, seu sabor, seu prazer, seus arrepios
e tremores, me deixando ver sua face tão expressiva quando se entrega para
mim.
Seu corpo repete os movimentos, me fazendo cair entre o prazer de
estar sendo tomada por ele e a depravação do meu ser, que precisa de mais.
— Ariel... Ohhh!
Seu corpo se abaixa, colando seu peitoral em meus seios, os
comprimindo. Sinto o gosto dos seus lábios me drogando, não tendo nada
mais real do que esse segundo em seus braços. Sua língua invade minha
boca, trazendo mais desejo ao meu corpo com seus beijos quentes, e acelera
o ritmo do seu quadril, me fodendo com mais propriedade. Meus gemidos se
silenciam entre nossos beijos, minhas mãos rodeiam suas costas, me colando
mais a ele, o abraçando com força. Seus lábios se separam dos meus,
descendo para meu pescoço, mordiscando, beijando com paixão. Ariel ergue
seu tórax e seu corpo se afunda com pressão dentro de mim. Minhas unhas
cravam em sua pele, e seus olhos se mantêm presos aos meus. Suas estocadas
aumentam. Rápido, forte, me esticando, fodendo muito além do que apenas
minha boceta, mas a minha mente. Sinto meu corpo ser consumido por uma
corrente elétrica, que vai se expandindo cada vez mais. Enlaço minhas
pernas em sua cintura, colando minhas coxas na lateral do seu corpo. Com
uma das suas mãos, Ariel me prende por baixo de minha cintura, fazendo
meu corpo ficar ainda mais cativo a ele. Meu anjo devasso acelera as
investidas, soltando toda sua energia em cada penetração, e minha cabeça
explode quando o orgasmo me pega, me jogando para o abismo. Meus
músculos se apertam mais em torno do seu pau, fazendo meu corpo entrar
em erupção com o orgasmo que me rasga. Minhas mãos se prendem em seu
rosto, trazendo-o para mim, o beijando com abandono, o levando para a
queda junto comigo. Ariel me fode com mais força, se enterrando uma última
vez antes de sair de dentro de mim. Sinto seu corpo trêmulo, enquanto seu
pau jorra sua porra em cima da minha barriga, me melecando a cada pulsar
do seu corpo.
E é com meu coração acelerado e minhas pálpebras ficando pesadas
depois que ele retorna do banheiro, trazendo uma tolha umedecida e me
limpando, que vou me concentrando apenas no som rouco da sua respiração.
Com ele deitado ao meu lado, me abraçando com pressão, adormeço. Seus
braços me prendem a ele, e toda falta de sono por medo, que tive nos últimos
dias, desaparece quando me sinto protegida em seus braços.
Um anjo, um demônio ou um protetor? Eu desconheço a verdade.
Mas, nesse momento, nada mais tem importância.
Me sento na cama e esfrego meu rosto, batendo meus pés lentamente
no piso do quarto. Solto um espirro, que me pega quando o ar da janela aberta
me acerta. Coço a ponta do meu nariz e olho para lá. Ariel deve ter a deixado
aberta, e o gato da vizinha andou passando por aqui. Espirro outra vez,
direcionando meu olhar na direção da porta do quarto aberta. Levanto e
caminho para o armário, pegando uma camisa dentro dele e a vestindo. Ando
para fora do quarto silenciosamente e vejo a cozinha arrumada. O relógio da
parede me mostra que dormi a tarde inteira, já que passam das 19h30.
Caminho sonolenta pelo apartamento, avistando um pequeno bilhete sobre a
mesa da cozinha, e reconheço a caligrafia de Ariel, que se destaca em um tom
azul sobre a folha branca, com uma singela, mas impactante frase, que torna o
meu mundo seguro.
Já volto!
Esfrego minha nuca, virando meu rosto para a sala, e vejo a janela da
varanda fechada, com as cortinas abertas. Caminho lentamente para lá,
apertando seu bilhete em minhas mãos. Observo a noite estrelada do lado de
fora, com o céu tão belo. Meus olhos repousam para o local onde o veículo
dele ainda está estacionado do outro lado da rua, de frente para o prédio, e
suspiro, sem ter ideia do que vou fazer. Ergo minha mão e mordo o cantinho
da minha unha, me recordando das palavras de Max dentro do elevador. Elas
martelam forte em minha cabeça, de forma pesada, me estrangulando o
coração.
— Ariel não é o tipo de homem que vai querer se envolver, Cris. Não
tem ideia do que ele fez com Silvia. Ele vai lhe estraçalhar...
Quem é Silvia?
Um ex-amor, uma mulher importante em sua vida? O que Ariel fez de
tão abominável para ela que causou o repúdio de Max? Ontem eu estava tão
abalada quando Max me trouxe para casa, que nem me atentei a isso, e agora
me sinto perdida. Porque o homem que me amou em minha cama essa tarde,
não parece ser o mesmo homem frio de olhos safiras que Max me advertiu
para ter cuidado.
— Onde você foi se meter, Cristina? — sussurro, completamente
perdida
Mas, dentro de mim, eu sei que não posso esconder mais do Ariel
sobre os bebês. Terei que enfrentar sua reação, independente de qual seja.
Não posso prolongar mais o segredo. Me giro e volto para o quarto,
caminhando a passos decididos. Vou contar para ele sobre os bebês, talvez
ele entenda que não fiz por maldade, que não penso em lhe dar um golpe e
muito menos tenho pretensão em prendê-lo a mim. Eu só quero meus filhos,
poder cuidar deles. Mostrarei o exame de gravidez e a ultrassonografia, e que
seja o que Deus quiser.
— Merda! — Coço meu nariz e solto outro espirro assim que volto
para o quarto.
Caminho direto para a janela e a fecho. Meus olhos param na rua
escura sem ninguém. Respiro com força, me negando a sentir ansiedade
agora. Não agora! Ando pelo quarto, tendo a luz do corredor iluminando um
pouco o ambiente, e empurro a porta do banheiro. Espirro com mais força,
sentindo agonia pela sessão de espirro alérgico que me pega.
— Oh, droga! Esse gato entrou dentro do meu quarto. — Puxo a
gaveta do armário do banheiro, tentando encontrar meus exames. Assim que
seguro os documentos, espirro outra vez, cambaleando para trás. Sinto meu
pé escorregadio pela viscosidade líquida no chão do banheiro, como se eu
tivesse pisado em uma poça de água. — Mas o quê?! — Ergo meu pé,
olhando para o chão, sem entender de onde está vindo o vazamento.
Meus dedos se esticam e aperto o interruptor. Acendo a luz do
banheiro e olho para o chão. A grande poça vermelha de sangue, na qual eu
piso, mancha o chão por inteiro. Olho a mancha vindo de dentro do boxe e
sinto meu corpo frio, com minhas pernas perdendo forças a cada segundo.
Estico minha mão e empurro a cortina do boxe.
— OH, MEU DEUS! — grito apavorada, vendo o pobre gato da
minha vizinha pendurado pelo rabo, com a mangueira do meu chuveirinho no
ferro do chuveiro, com seu pescoço cortado.
Ando atrapalhada, com meus pés melados de sangue, e escorrego
quando tento fugir do banheiro. Meus dedos se seguram na pia para eu não
cair. E é ao olhar para o espelho, lendo a palavra escrita com sangue no vidro,
que meu corpo desaba no chão, em meus joelhos. Engatinho para fora do
banheiro, gritando apavorada, chorando de medo, me segurando ao batente da
porta para me levantar. A luz do quarto acesa me faz erguer a cabeça para
Ariel, que entra como um furacão, parando seus olhos em mim.
— Cris!
Estico meu braço para ele, derrubando os exames no chão, sentindo a
pontada de dor que me acerta no ventre. Retraio todo o meu corpo com a
cólica forte, que me rasga como uma faca invisível. As batidas do meu
coração pulsam desregular a cada lufada de ar, tanto que vai se tornando
difícil respirar.
— Meus bebês... Meus bebês... — Seguro minha barriga, olhando
para minhas pernas, vendo meus joelhos sujos de sangue. — MEUS BEBÊS!
EU TÔ PERDENDO MEUS FILHOS, ARIEL!
Tudo é tão frio, tão lento, enquanto meu corpo vai se inclinando para
o lado, perdendo as forças dos movimentos. O grande corpo me pega antes de
eu tocar o chão. Vejo os mesmos olhos que me amaram parando a poucos
centímetros do meu rosto, se expandido, trocando as safiras por um azul-
escuro, enquanto me segura em seus braços, interrompendo a queda.
— Meus bebês... — Minha voz é um murmúrio, com os pensamentos
ficando vagos, tendo minha mente sendo invadida apenas pela mais sombria
escuridão e medo.
Capítulo 16
Atenuante
Ariel Miller
Passo a esponja por seus braços, fazendo-a rir para mim, relaxando
seu corpo dentro da banheira. Ela descansa sua cabeça em meu peito e
empurro seus cabelos para o lado, assoprando a espuma que tem em cima da
sua cabeça. Esfrego demoradamente cada parte do seu corpo, apreciando esse
momento dela abaixando sua guarda, me permitindo cuidar dela. Solto um
beijo em seu ombro, e seu corpo se aninha mais ao meu, suspirando baixinho.
Meus braços contornam sua cintura, trazendo-a mais a mim, ficando com
minhas mãos em cima do seu ventre. Suas pequenas mãos se encaixam por
cima dos meus braços. Aliso sua barriga com uma das mãos, que a abraça por
debaixo da água quente. Me vejo sentindo um grande desejo de vê-la
crescendo com nossos filhos.
— Como pode ter certeza de que isso vai funcionar? — A voz baixa
de Self pergunta calma.
— Não possuo vícios, você compreende o que eu falo, aprecio sua
companhia e gosto de ficar com meu pau enterrado dentro da sua boceta.
— Oh, meu Deus, sua boca cretina só fala merda! — Ela me dá um
tapa, o que acarreta em água transbordando pela banheira. Mordo a ponta da
sua orelha, fazendo seu corpo se encolher.
— O que foi? Apontei a lógica, temos pontos compatíveis.
— Cale-se, Ariel! — Cris esfrega seu rosto em meu braço, suspirando
com preguiça. — Acho que devo me sentir honrada pelo traste do doutor
Miller apreciar minha companhia.
— Gosto do seu aroma, assim como de quando fica irritada, com os
olhos espremidos, parecendo que vai soltar um raio de energia em minha
direção. — Ela molha meu braço, o esfregando, soltando o ar dos pulmões.
— Ainda estou pensando o que vamos fazer sobre o som cavernoso e áspero
que sai dos seus lábios quando dorme...
— Idiota! — Cristina joga água por cima do seu ombro, acertando
meu rosto, rindo quando eu belisco sua coxa.
— Fique quieta, estou elaborando meus argumentos.
— Seus argumentos são falhos, doutor Miller. Gostar de boceta, do
meu cheiro e da forma como eu te olho quando você me irrita, não são
motivos para fazer um casamento dar certo.
— Muitos casamentos não têm nem isso — falo sério, assoprando
seus cabelos. — Acho muito válido. Boceta, perfume e olhares.
— Seu advogado pervertido.
Belisco sua coxa de volta, a fazendo rir, gargalhando dentro do
banheiro.
— Para seu governo, a secretária pervertida, que assiste vídeos
pornográficos no serviço, é você. Eu, pelo menos, quando quero ver algum
vírus, faço isso sozinho, em um lugar discreto, como uma pessoa normal.
— Oh, meu Deus, eu já falei que não foi culpa minha! — Seu corpo
se vira para mim, com seus olhos brilhando em divertimento.
A calo, segurando seu queixo, beijando seus lábios, os sugando
lentamente, absorvendo seu sabor conforme aprofundo o beijo.
— Quais são seus argumentos, babá McPhee?
Olho sua face com seus olhos fechados e boca inchada quando solto
seus lábios, afastando apenas um pouco minha cabeça de perto da sua para
poder admirá-la.
— Seu pau — ela sussurra, deixando um pequeno sorriso ao lado dos
seus lábios.
— E?
Cris abre seus olhos, os deixando fixos em um ponto aleatório do
banheiro, como se estivesse pensando profundamente sobre isso. Sua cabeça
balança para os lados em negativo, rindo, voltando a olhar para mim.
— Não! Apenas seu pau é meu argumento. Não consigo pensar em
mais nada.
— Me tornei apenas um brinquedo sexual para você. — Solto seu
queixo, mantendo minha atenção em seu sorriso.
— Não seja tão cínico, Ariel, acabou de dizer que gosta da minha
boceta também.
— Mas ainda tive mais argumentos que você.
— Sua boca cretina é irrevogavelmente impertinente, assim como seu
humor ácido é terrível de lidar. Sem falar quando tem aquela expressão
neandertal no semblante, sabe? — Ela ergue suas mãos, movendo seu dedo
na direção do meu rosto, gesticulando. — Igual essa que está fazendo agora,
doutor Miller.
Seus lindos olhos negros risonhos me deixam em transe e me sinto
sendo sugado por ela, repercutindo apenas o som da sua risada dentro do
banheiro. Suas pequenas mãos se erguem, repousando em meu peito, me
fazendo sentir diversas emoções. Mas meu mundo para, quando, sem que eu
espere, seu rosto se levanta e seus lábios repousam nos meus de forma tão
terna, espontânea, e sinto como se tudo em minha vida voltasse a fazer
sentido. Não sou mais a metade de um homem amargo, que odeia a vida, e
nem o difamado advogado sem caráter. Aqui, com ela em meus braços, me
beijando de mansinho, eu estou inteiro. Meus lábios forçam mais os seus, e
logo a puxo para colar seu corpo ao meu, não me importando com a água que
cai para fora da banheira.
Sua pequena forma se encaixa tão perfeita a mim enquanto a arrumo
em meus braços, a deixando totalmente de frente para mim. Suas mãos se
enroscam em meus cabelos, apertando seus dedos entre eles, e antes que Cris
perceba, estou a erguendo em meu colo, me levantando firme dentro da
banheira. Suas pernas travam em minha cintura, me fazendo sentir mais seu
corpo quente e molhado colado ao meu. Ela arfa, respirando fundo quando
minhas mãos, em sua bunda, apertam sua carne. Saio da banheira e caminho
a passos firmes, a segurando com proteção, colada a mim. Cris está com suas
mãos agarradas ao meu cabelo, e as minhas estão presas à sua bunda, a
massageando. Sinto a pele tão macia sobre meus dedos. Não possuo mais
minha vontade, apenas obedeço ao desejo de sentir ela cada vez mais.
— Ariel... — Escutar meu nome em seus lábios é algo tão
paradisíaco, que desejo passar o resto da minha vida ouvindo.
Deito seu corpo, que arfa, na cama, me afastando apenas um pouco
para ter uma visão privilegiada das suas mamas molhadas. Minha boca vai
para elas, abocanhando um seio com pura luxúria. A fome que me invade
pelo seu pequeno corpo, me faz sentir uma necessidade animal. Não me
prendo mais, apenas libero essa necessidade que Cris despertou dentro de
mim pelo corpo dela.
— Ariel... Oh, Deus! — ela geme alto, segurando meu ombro.
Solto seu seio, repetindo a mesma sucção no outro antes de libertá-
los. Cris está com seus lindos olhos brilhantes me fitando com luxúria, com a
mesma liberdade com que a vi a primeira vez. Desço meu corpo lentamente
sobre o seu. Meu pau, como um caminho que ele aprendeu bem, já se encaixa
entre os lábios molhados e inchados da sua boceta, que o deixa entrar
devagar, com meu quadril se empurrando contra sua pélvis. Ela segura mais
forte meus ombros, fazendo assim suas unhas marcarem minha pele.
— Cristo! Vai me fazer virar uma viciada... — Ela fecha seus olhos e
morde sua boca. Minhas mãos estão paradas ao lado do seu corpo,
sustentando meu peso para não a machucar.
E apenas me deleito, saboreando cada expressão de lascividade que
tem em sua face.
— Seu argumento, doce vênus. — Inclino meu rosto, lambendo sua
garganta, sugando a lateral da pele, onde a veia dela pulsa com força.
Usarei tudo que tiver em meu poder para mantê-la ao meu lado.
Poderia apenas ter me levantado e ido embora naquele dia, quando a vi pela
primeira vez, enquanto observava a pequena atrapalhada falando sem parar,
mas ela me acorrentou, me capturando com seus olhos, e agora, nem que
minha vida dependesse disso, eu me afastarei de Cristina. Ainda mais quando
ela se entrega tão bela assim para mim.
Seus lábios se colam aos meus, com suas pernas cruzando atrás do
meu quadril, me deixando preso a ela. O gosto do seu beijo me rouba cada
pensamento e a linha tênue que eu possa ter, e então a fodo com mais
urgência. Seu grito é abafado pelos nossos beijos, e cada vez mais nossos
corpos se prendem em um só. Ela se aperta mais a mim, engolindo meu pau
dentro da sua boceta. Seu corpo treme junto ao meu quando ergo meu tronco
para cima, aumentando minhas estocadas. A luz do sol que entra pela janela,
brilha em cima do seu corpo, e tenho a perfeita visão dele. Observo seus
olhos, que se fecham. Sua boca morde o canto dos lábios, e o som que ela
solta quando chega ao seu orgasmo é lindo. Continuo acelerando dentro dela,
sua vagina aperta meu pau, fazendo assim a sensação ser três vezes mais forte
no seu interior escaldante. A fodo mais forte, aumentando as investidas, me
perdendo no sorriso sacana que ela abre em seu rosto. O gozo vem certeiro, e
jorro dentro dela minha porra. Meu cérebro explode por completo, meus
pulmões voltam a se encher de ar aos poucos, minha respiração vai
desacelerando e meu corpo cai ao seu lado.
— Definitivamente, seu pau, sempre seu pau — ela fala, fadigada,
rindo.
— Suspeito que posso viver com seus roncos também. — Viro meu
rosto no travesseiro, esticando minha mão e alisando suas bochechas.
— Vai chegar atrasado para o trabalho, doutor Miller — ela fala
baixo, suspirando.
— Talvez possa tirar a manhã de folga. — Olho para sua boca,
gostando de como seus lábios ficam inchados depois dos meus beijos.
— Não, não pode. Se bem me recordo, sua agenda está bem atarefada
para hoje. Amanhã será o julgamento de Brat, precisa rever seus argumentos
e tudo que envolve o caso.
— Alguns pontos negativos de engravidar a secretária.
— Cale essa boca cretina, Miller. — Cristina ri, se levantando e se
afastando da cama. — Já decidiu o que vai fazer com aquela assistente
mentirosa de Stano?
Ela vai para o banheiro e pega uma toalha para ela e outra para mim.
— Não me decidi ainda se a levo diante do júri ou não. Se não levar,
Brat vai preso. Se a levar, vai ser perjúrio. Se eu contar a alguém sobre a
mentira dela, será quebra de confiança entre advogado e cliente. De todas as
formas, estou amarrado a esse caso.
— Você realmente acredita na inocência dele, Ariel?
— Stano não matou sua mulher e muito menos aquele preparador
físico.
Seus olhos desviam dos meus, mordendo o canto dos seus lábios,
batendo lentamente seu pé no chão.
— Bom, eu vou dar um jeito nessa bagunça de quarto molhado. Já
que meu atestado termina hoje, amanhã estarei com você no tribunal.
Me sento na cama, pego a tolha no ar, quando ela me joga, e fico em
silêncio, observando-a secar seus cabelos.
— Estava pensando que talvez não precise voltar para a firma.
Ela para seus gestos, olha para o chão e volta sua face na mesma hora
para mim, negando veementemente com a cabeça.
— Não, nem pense em abrir sua boca para continuar.
— Cristina, me ouça. — Me levanto e jogo a tolha em cima da cama.
— Não estou dizendo para largar o serviço, apenas que por esse momento
poderia se afastar, até ser seguro.
Ela caminha para o armário, o abre e pega uma regata e uma bermuda,
com um sutiã e uma calcinha, se vestindo às pressas.
— Vou preparar algo para tomarmos café, e não vamos mais falar
sobre isso.
A vejo sair a passos rápidos para fora do quarto, me largando sozinho.
Esfrego meu rosto e respiro fundo.
— Mulher teimosa!
— Como assim não achou nada? — rosno com raiva, encarando Greg
dentro da minha sala no escritório.
— Não encontrei nada que incrimine e ligue Renan Pener à invasão
do apartamento da sua garota e a morte do gato, mas consegui outras
informações — Greg fala sério, respirando pesado.
Ele estica suas pernas quando se senta na cadeira de frente para minha
mesa, abaixando sua mochila.
— O que descobriu sobre esse verme, Greg? — pergunto sério,
esmagando meus dedos, sentindo raiva por saber que não tem nada ainda que
prove que Renan fez aquela barbaridade com o animal, com o intuito de acuar
Cristina.
— Me pediu para fazer um pente fino, não foi? Bom, eu fiz. — Ele
retira uma pasta de dentro da mochila, arremessando em cima da mesa.
A puxo em minhas mãos, a virando, abrindo apressado a pasta de
documentos.
— Renan Pener, categoricamente, é doente pela ex-esposa. Pode ver
pelas mulheres que ele se envolveu depois do casamento, desde as trepadas
rápidas, namoradas de curto prazo ou as prostitutas, todas se...
— Parecem com a Cristina — termino por ele, olhando as fotos das
meninas dentro do documento. Cabelos pretos, pele negra, estatura baixa,
fisionomia volumosa do corpo, todas têm algum traço de Cristina. — Filho
da puta!
— De onze meninas que rastreei, ele espancou oito, mas nenhuma
delas quis falar comigo. — Greg respira fundo. — O cara é um usuário
contínuo do pozinho mágico, o nariz dele é praticamente um aspirador de pó
portátil, consegue cheirar cinco carreiras de cocaína em uma noite, brincando.
— Se droga há quanto tempo?
— Ao que parece, desde a época da faculdade, mas eu chuto um
pouco mais, pelo tanto de grama que ele consome.
— Homem patético.
— Bom, em relação às meninas anteriores a ela, todas são mistas,
cores, tamanhos, peitudas, com peitos pequenos. A primeira agressão dele foi
em uma empregada que trabalhava na casa dele, na época da adolescência. O
pai abafou o caso e pagou uma boa quantia para a garota sumir do mapa. Na
faculdade, ele se acalmou, até conhecer...
— Cristina. — Balanço minha cabeça em positivo, já sabendo o que
ele dirá.
— É, a sua garota. Ele se encantou por ela. — Greg puxa o ar com
força para seus pulmões, respirando fundo. — Pener é agressor de mulheres,
isso é incontestável, não passa de um merdinha escroto!
— Alguma prova concreta, que ele agrediu essas mulheres?
Depoimento, procura em hospitais? Não achou nada contra esse puto que
possa incriminá-lo?! — pergunto para ele, o vendo negar com a cabeça.
— São garotas de programa, Miller. Ele solta um dinheiro alto nas
mãos delas, as fazendo se calar.
Aperto meus olhos e respiro fundo, fechando a pasta com força e
sentindo tudo dentro de mim me puxar para ela.
— O medo foi aumentando gradativamente, a cada vez que ele
descobria meu endereço novo e aparecia. No começo, achei que estava
louca, por achar que ele me seguia.
Seus olhos amedrontados ficam expressivos, com o brilho de lágrimas
em suas esferas negras. Seguro sua face em minhas mãos, beijando sua testa
e limpando as lágrimas do seu rosto em seguida.
— Mas não estava louca. Eu sabia, podia sentir os olhos de alguém
cuidando de cada passo que eu dava. No mercado, nas lojas, qualquer lugar
que eu fosse, eu sentia a presença de alguma pessoa me vigiando.
— Contou à polícia quando foi registrar as queixas?
— Eu contei, disse para eles que alguém me seguia, e que eu sabia
que era Renan. Mas eles me disseram que sem provas não poderiam fazer
nada. — Ela sorri, triste, negando com a cabeça. — Um policial me
perguntou se eu estava tomando algum remédio controlado. Eles me
acharam louca, mas eu não estava... não estava.
Quero tirar sua dor, abraçar ela tão forte, abrigá-la em meus braços
para sempre, ao ver o sofrimento que ela carrega.
— Um dia eu estava voltando do trabalho, já era tarde, estava
cansada, então parei perto de um aglomerado de pedestres, esperando o
sinal abrir. Eu o senti, Ariel, senti o momento exato que os dedos tocaram em
meus cabelos. As pessoas começaram a andar e eu corri, corri o mais rápido
que pude, atravessando a rua. Quando me virei, avistei apenas a sombra do
homem virando a esquina.
Ela se cala e respira fundo. Vira seu rosto para a janela do quarto.
— Mas eu sabia que era ele.
— Aconteceu outras vezes? — pergunto sério, trazendo seu rosto
para frente, segurando a ponta do seu queixo.
— Uma noite acordei quando o telefone começou a tocar. Atendi
ainda sonolenta, e apenas a respiração alta se fazia do outro lado da linha.
— Cristina fecha os olhos, apertando seus dedos em meus braços. — Ele
estava do outro lado da rua, eu o vi distante, com o capuz da jaqueta
cobrindo sua cabeça e seu rosto, mas ele estava lá, me vigiando. E depois
disso...
— Não abriu mais as cortinas.
— Exatamente isso, porque eu sabia que ele estaria me olhando em
algum lugar.
Abro meus olhos, ainda podendo ver sua face amedrontada, de
quando me relatou tudo pelo que estava passando desde o divórcio, sobre a
sensação constante de estar sendo vigiada. Naquele momento que olhei para
ela, apenas disse a mim mesmo que ninguém a machucaria. Eu destruirei
qualquer um que tente fazer mal a ela ou aos meus filhos.
— Há um assunto que eu quero falar com você. — A voz baixa de
Greg sai preocupada, com ele batendo seus dedos no encosto da cadeira.
— Diga — falo sério para Greg, que não contou tudo ainda.
— Eu fui até o endereço dela, falei com o tal do Bobe, como me
passou no e-mail. Ele me deixou entrar no apartamento quando eu citei o seu
nome. Pelo que eu analisei, não teve arrombamento algum. Precisa conversar
com ela, pedir para lhe contar tudo o que aconteceu naquele sábado, do
normal ao mais diferente que possa ter sido.
As memórias do sábado de manhã me acertam precisamente.
Estico meu braço e seguro seu ombro antes que ela trombe em mim, o
que a faz soltar um grito, derrubando suas sacolas.
— Oh, meu Deus! — Sua face se ergue para mim, ficando com a
respiração pesada, puxando o ar forte para suas narinas. — Ariel, quer me
matar do coração?
Ela se afasta, abaixando para pegar as coisas que caíram das
sacolas. Olho no rumo de onde ela vinha, mas não enxergo ninguém
caminhando atrás dela. Me abaixo e auxilio Cristina a pegar suas compras,
repousando meu olhar em sua face. Sua veia está saltada na lateral da sua
garganta, os olhos arregalados. Seu coque bagunçado, com fios soltos, cai
na lateral do seu rosto.
— Do que estava fugindo? — Cristina ergue seus olhos para mim, se
levantando lentamente.
— Nada, apenas estava distraída...
Ela estava assustada. Cristina não estava distraída, mas sim
amedrontada. Algo ou alguém a tinha assustado. Estava tão agitado, me
sentindo elétrico por estar com ela perto de mim, que não me atentei a isso
como deveria.
— Continue buscando por algo, volte outra vez ao edifício, converse
de porta em porta se for preciso, Greg. E eu vou conversar com Cristina,
descobrir mais algumas informações.
Depois que Greg parte, ainda espero uns dez minutos, antes de me
levantar e caminhar para a porta, a abrindo e encarando Stano Brat, que está
na sala de espera. Aponto minha sala para ele, esperando-o entrar, fechando a
porta atrás de nós. Ele se senta calmo, olhando em volta, cruzando suas
pernas, balançado seu pé de forma impaciente. A respiração eufórica aumenta
o som dentro da sala, o que apenas me faz sentar em minha própria cadeira, o
encarando por um tempo antes do confronto.
— Não estou no meu melhor momento de paciência, Brat, e serei
ríspido e franco. Ou me conta a verdade de onde estava, e o porquê mentiu
sobre sua assistente, ou pode se retirar da minha sala e procurar outro
advogado para lhe representar amanhã, diante do grande júri.
— Não pode fazer isso comigo, Miller.
— Posso, e irei fazer sem um pingo de remorso, a escolha será sua!
— Me encosto na cadeira, segurando minha caneta, a rodando em meus
dedos. — Tenho dez minutos antes de ter que ir ao fórum, então sugiro que
fale rápido.
Ele esfrega seu rosto, negando com a cabeça, me amaldiçoando
baixinho.
— Nove minutos — falo sério, erguendo meu pulso, olhando para
meu relógio.
— Estava em um motel — Stano vomita as palavras de forma rápida,
desviando seu rosto para o chão.
— Se abrir sua boca para me dizer que estava na companhia da sua
assistente, vou te chutar para fora da minha sala.
— Era Deem, meu enteado, que estava comigo, por isso eu não lhe
falei. E é por isso que eu não posso contar para ninguém com quem eu estava.
Solto a caneta dos meus dedos sobre a mesa, respirando fundo,
querendo passar por cima da porra da madeira e socar a cara escrota de Stano
Brat.
— Está me dizendo que no momento que sua esposa foi morta, você
estava na porra de um motel comendo seu enteado?
— Não foi algo planejado, eu não pretendia ter nada com ele...
— Pare! — Ergo minha mão, o silenciando. — Onde estava com a
cabeça, Stano? Tem ideia de que isso é crime de todas as formas? Estamos
falando de um menor de idade.
— Miller, é minha vida que está em jogo, acha que eu não sei? Tudo
que eu construí, minha empresa, meu nome, um império todo irá desmoronar
se isso vier a público. Aconteceu...
— Aconteceu?! — Balanço minha cabeça em ironia por suas
palavras. — Será isso que vai dizer ao juiz quando ele lhe perguntar o que
passou na sua cabeça quando teve a brilhante ideia de pedir para seu enteado
chupar seu pau?
— Deem fará dezoito anos mês que vem, não será mais crime.
— Inacreditável!
Respiro fundo, o encarando com nojo, não pelo fato de manter uma
relação sexual com um homem, mas pelo fato de ser uma criança. E ele
parece não ouvir o que sai da boca dele. O fato do menino estar prestes a
completar a maior idade, não anula que foi com idade insuficiente que os dois
começaram a ter uma relação sexual.
— Precisa levar Violet ao tribunal, eu não posso trazer esse assunto a
público. Não matei minha mulher e nem aquele bosta que estava com ela.
Porra, eu não matei, preciso que me ajude!
— Saia da minha sala, Brat!
— Não pode me abandonar. — Ele ergue seu rosto para mim,
balançando sua cabeça para os lados. — Tem a obrigação de me defender, é o
meu advogado!
— Minha única obrigação nesse momento é não quebrar sua cara
escrota depravada. Agora, saia da porra da minha sala! — A voz carregada de
raiva sai da minha boca, enquanto o fuzilo de ira com meu olhar.
— Estará no tribunal amanhã, não é?
Ele se levanta e caminha para a porta do escritório. Mantenho meus
olhos em sua cadeira vazia, não o respondendo, ficando em silêncio, e apenas
quando ouço o som da porta sendo fechada, é que chuto com repúdio a
porcaria da mesa.
— Doente de merda!
Capítulo 22
Apelação
Cristina Self
— Não voltou para mim porque não quis. Deve ter descoberto como é
ser como a sua mãe, não é, Cris? Ser a vagabunda imunda que sempre foi —
ele fala com raiva, ficando mais agressivo a cada segundo.
— Renan, por favor...
— Cristina? — A voz de Max atrás de mim me dá um alívio imediato
quando a ouço.
Renan me solta na mesma hora, olhando para trás de mim com raiva.
Sinto as mãos de Max passarem por meus ombros, parando ao meu lado, e
ele me puxa, me levando para perto dele.
As memórias me acertam, me deixando perdida. Max sempre esteve
ao meu lado, como um bom amigo em quem eu confiava. Me sentia segura
ao lado dele. Sua amizade verdadeira era reconfortante. Desde o primeiro dia
que nos conhecemos, dentro do tribunal, a empatia que ele sentiu por mim, o
acolhimento... Agora tudo é tão cínico, tão distorcido.
— Você estava me seguindo... Fez aquilo com o pobre gato... O
presente mórbido... Deus, Max... Eu confiava em você...
— Você errou, precisava ser disciplinada. — Ele joga a xícara no
chão, balançando sua cabeça para os lados. — Se comportou como uma
vagabunda suja, se deitando com qualquer um de forma promíscua, sentindo
prazer em ser fodida na parede, como uma cadela.
— Meu Deus, Max, o que fez?
— Eu te vi, enxerguei você quando ninguém mais te viu, avistei a
mulher linda que você é, mas você ficou feia, ficou asquerosa, como uma
vadia barata, trepando com Ariel e gostando de ser fodida feito uma porca
nojenta. — Ele suaviza sua face, sorrindo para mim. — Mas eu perdoei você,
eu perdoei sua traição, porque eu cuido de você, sempre cuidei de você, Cris,
nunca te deixei sozinha.
— Não... Não, por favor, para. — Tapo meus ouvidos, batendo
minhas costas na parede quando recuo, fechando meus olhos. — Fez eu me
sentir uma louca, uma louca que não conseguia provar que estava sendo
ameaçada...
— CUIDEI DE VOCÊ! E até agora eu cuido de você... Então você
disse que queria casar. Não vê que ninguém nunca vai cuidar de você como
eu cuido? — Abro meus olhos e vejo sua mão esticada em minha direção.
Meu corpo se encolhe, sinto medo, pavor do olhar desequilibrado de
Max. Ele recolhe seus braços para o lado do seu corpo, abaixando seus olhos
para o meu ventre.
— Tentei fazer você enxergar que essas coisas dentro de você foram
um erro, que precisava tirá-las, mas não saiu como eu esperei.
— Mandou aquela mulher para o meu quarto...
— Eu não queria chegar a esse ponto, mas precisei. Pietro me contou
sobre sua pressão alta, ele não me deixou ir te ver. Miller afastou você de
mim, tirou você de mim, por conta desses estorvos que ele pôs dentro de
você. — Sua boca se esmaga com ódio.
— Você mandou um feto morto para mim, Max, fez isso para me
machucar.
— Não, não. Eu nunca machucaria você... — Ele nega com a cabeça,
sorrindo. — Eu precisei agir rápido. Você se apaixonou por aquele verme...
Se perdesse seus filhos, você não teria mais serventia para Ariel, e o veria
como ele realmente é. Mas não perdeu as sementes dele, elas são maléficas
igual a ele, entranhadas dentro de você, se negando a morrerem. — Max
respira fundo. — Eu vou cuidar de você agora, para sempre. Ele não vai
afastar você de mim, nunca mais ninguém vai machucar você.
— Max, não faz isso, por favor...
— Devia ter deixado a mulher te dar a injeção, Cris, devia ter tomado
o maldito chá. Assim, pelo menos, seria menos doloroso.
O som dos seus passos aumenta, com ele caminhando em minha
direção de forma fria, me encarando.
Aperto meus olhos, os fechando com força, enquanto meus braços se
erguem sobre minha cabeça. O grito de dor que invade o quarto sai dos meus
lábios quando o terceiro chute desferido em puro ódio acerta minhas
costelas. Sinto o ar faltar dentro dos meus pulmões e me retorço de dor.
As lembranças me inundam, me pegando com força, me paralisando a
cada passo que Max dá em minha direção.
— Você não vai sofrer por conta dessas coisas que estão dentro de
você, não vai. — Max retira o cinto da sua calça, o esticando em sua mão,
olhando para o couro. — Nunca mais vai sentir dor, medo, nunca mais vai
chorar... Nunca mais vai sofrer ou ser chamada de louca, eu vou cuidar para
sempre de você.
O instinto primitivo de sobrevivência pura, de proteção de uma mãe
pelos seus filhos, é o que me arranca da minha paralisia e me faz chutar suas
pernas quando ele se aproxima de mim, com seus braços esticados, prontos
para me estrangular com seu cinto. O rompante do meu corpo, que se move
em disparada para a saída do quarto, é ligeiro. Ouço os gritos de ódio de
Max, que vem atrás de mim. Ouço o som da respiração dele se aproximando.
Meus pés estabanados se atrapalham, me levando ao chão quando ele puxa
meus cabelos. Sinto o impacto e a dor dos meus joelhos sendo pregados no
chão, a textura do cinto em minha pele, sendo comprimido tão forte, como se
fosse ultrapassar minha garganta e quebrar minha traqueia. Meus gritos
roucos e grotescos são abafados pelo ar que me falta, e entre tudo, o caos, o
medo, o terror que submerge, minha mão se estica, como se eu pudesse de
alguma forma alcançar a porta da saída da casa, que está tão distante. Vejo a
madeira ser arrombada, escancarando a porta. Um vulto alto se move. Apenas
um único som se faz em meio ao caos, é frio, sonoro, latente e inabalável. O
aperto do couro cede, me fazendo sugar com todas as minhas forças o ar para
meus pulmões, tombando a parte superior do meu corpo para frente, com
meus dedos espalmados no chão. Rapidamente, tudo fica lento, distorcido
com os gritos de ódio e passos pesados, que parecem minas terrestres
explodindo dentro da minha mente. Então tudo se silencia, abafa, os
zumbidos, os ecos... Sinto apenas o calor quente da mão firme que segura
minha face em seus dedos. A escuridão me suga no segundo que meus olhos
se chocam com os seus, em um azul tão angelical, mas em uma face
demoníaca, violenta, agressiva e cruelmente perversa. É como ir do céu ao
inferno.
Ariel Miller
Quando abro meus olhos outra vez, tenho minha mente confusa. Está
tudo tão claro, o teto branco... O cheiro de álcool que invade minhas narinas,
faz voltar lentamente meus sentidos. Sinto as agulhas em meu braço e ouço o
som distante de um insistente bipe, que se repete. Fico com meus olhos
parados, sem desviar do teto, piscando com minhas pálpebras pesadas. Sinto
o toque forte em meus dedos, sendo segurados por uma mão firme. Movo
minha cabeça lentamente, olhando o grande homem desalinhado, com sua
cabeça baixa, com os cotovelos apoiados na cama, segurando minha mão na
sua, à frente do seu rosto, sentado em uma cadeira ao lado da cama, com sua
postura melancólica. Vejo seus ombros se enrijecerem quando mexo meus
dedos, retribuindo seu carinho. Seu rosto mortificado se ergue, apertando
minha mão entre as suas. Ariel tem sua feição abatida, a pele pálida e seus
cabelos desalinhados.
— Graças a Deus, você acordou! — Seus olhos vermelhos se fecham
por um instante, antes dele se mover rápido e se levantar da cadeira
abruptamente, soltando minha mão, inclinando seu corpo para cima do meu.
Sinto o aperto forte dos seus braços ao redor dos meus ombros, e ouço
sua respiração pesada, esfregando seu rosto em minha bochecha.
— Tirou uma grande soneca, não foi? — ele me diz baixo, beijando
minha testa, afastando apenas um pouco sua face, passando seus olhos pela
minha.
— Meus... meus bebês. — Minha mão pesa, sem conseguir se erguer
mais que poucos centímetros do colchão. — Meus bebês...
— Eles estão bem, estão seguros, minha babá McPhee. — Sua mão se
abaixa sobre a minha, a levando até meu ventre, espalmando nossas mãos
juntas.
Sua mão em meus cabelos os massageia, empurrando para trás,
sorrindo para mim. Fecha seus olhos e respira fundo, colando sua testa à
minha. Sinto o alívio me inundar e felicidade de ver seus olhos presos aos
meus. Ariel se afasta um pouco, passando seu dedo por minha boca,
tombando sua cabeça para a esquerda, em cima do seu ombro.
— Quando minha filha morreu, eu rompi os laços com Deus, o
amaldiçoando por Ele ter me tirado ela, ter levado minha menina de mim, me
privando da existência dela, por ter deixado sua inocência partir de forma tão
trágica. — Ele esmaga seus lábios melancolicamente, fechando seus olhos e
esfregando minha barriga. — Jurei a mim mesmo que jamais deixaria nada
ser tão importante outra vez. — Uma única lágrima escapa por sua face, com
seus olhos se abrindo, me olhando. — E por uma maldita semana, os sete dias
mais longos da minha vida, senti todo aquele sofrimento outra vez, enquanto
segurava sua mão, conversando seriamente com Deus outra vez, tentando
compreender o que eu podia ter feito de tão errado nessa minha vida, para
não ser merecedor de uma segunda chance. Se foi uma esmola que neguei,
algum domingo que deixei de ir à missa, qual foi meu pecado para merecer
perder as pessoas que eu amo.
— Ariel...
— Ele me ouviu, Ele me ouviu — Ariel murmura calmo, sorrindo
para mim. — Ele não me deu uma segunda chance, Ele me deu três.
Meu peito arfa e sinto meu coração disparar. Respiro fundo, ficando
presa na intensidade dos seus olhos. O azul tão calmo e suave, está sem
aquela tempestade que brilhava lá dentro.
— Eu te amo, Cristina Self. Te amo como eu nunca amei nenhuma
mulher. Te amo como eu jamais vou amar qualquer outra. — Sua testa se
cola à minha novamente e sinto as lágrimas descerem pela minha face.
Aperto seus dedos com força sobre meu ventre.
— Te amo, eu te amo... — Beijo sua bochecha e sinto o gosto da sua
lágrima em meus lábios, murmurando o que grita em meu coração.
— Oh, meu Deus, ela acordou! — O som estridente, o qual reconheço
bem, me faz sorrir, olhando para Ariel.
Ele se afasta apenas um pouco, ainda deixando sua mão em minha
barriga.
— Oi, mãe. — Viro meu rosto no travesseiro, olhando na direção
dela, a vendo entrar no quarto, sendo seguida por Brow.
— Cristo, você vai me fazer ter um infarto ainda!
Sua mão se estica para meu rosto, com ela se abaixando, disparando
vários beijos em minha face.
— Quando a senhora chegou?
— Já tem quatro dias, meu amor. Liguei para Ariel e o guarda-costas
ali foi me buscar no aeroporto, me trazendo direto pra cá. Me senti a própria
Whitney Houston[32]. — Ela pisca para mim, me fazendo rir com a forma
envergonhada que o pobre Brow fica.
— Fico muito contente em lhe ver bem, senhorita Self. — Brow se
aproxima da maca e me dá um sorriso triste. — Eu sinto muito...
— Ainda me deve um chocolate com caramelo e um suco de
morango, Brow — respondo a ele, lhe dando um sorriso terno. Ele sorri,
balançando a cabeça em positivo. — É tão bom lhe ver, ver todos vocês.
— Eu senti tanto medo de perder você, meu amor.
Volto meus olhos para minha mãe e vejo seus olhos marejados,
balançando sua cabeça lentamente para os lados.
— Eu te amo, dona Kenia — sussurro para ela, sentindo o beijo
demorado que ela dá em minha testa.
— E eu te amo mais que tudo, meu amor — ela suspira e limpa meu
rosto, sorrindo. — Chega de lágrimas, nada de choro, o único choro que
quero ouvir de agora em diante é dos meus netos.
— Netas. — A voz de Ariel é calma.
Tanto eu como minha mãe erguemos nossos rostos para ele. O vejo
dar um leve sorriso de lado, com sua mão massageando meu ventre.
— Mas, como... — Fico perdida, sem entender. Estou entrando para a
décima quinta semana, o médico tinha me tido que a ecografia de sexo seria
feita apenas depois da décima sexta semana.
— Pedi para fazerem todos os exames em você e nos bebês, queria ter
certeza de que vocês estavam bem. Um deles foi a sexagem fetal...
— Três chances — sussurro, me recordando do que ele disse.
— Sim. — Sua mão se ergue para meus cabelos, os acariciando. —
As três mulheres que mais amo em minha vida, três vênus.
Fecho meus olhos, rindo, não acreditando que vou ser mãe de duas
meninas. Sinto meu peito explodir a cada batida, como fogos de artifícios.
— Te amo, babá McPhee.
Abro meus olhos para me chocar com as esferas azuis de Ariel de
frente para mim, com seu corpo inclinado.
— Aprecio sua companhia também, doutor Miller. — Sorrio para ele.
— Acho bom mesmo, porque pelo que consta nos autos, você me
pediu em casamento e eu aceitei.
Ele pisca descarado para mim, sorrindo com malícia.
— Pediu o homem em casamento, Cristina? — A gargalhada da
minha mãe se espalha, me fazendo rir para a face cínica de Ariel.
Balanço minha cabeça em positivo, erguendo minha mão lentamente,
até conseguir tocar sua face. Seus olhos se fecham, com ele inclinando seu
rosto em meus dedos, sentindo meu carinho.
— É, eu pedi.
Seus olhos se abrem, abaixando sua cabeça, beijando meus lábios de
forma suave.
Fim!
Epílogo
Ariel Miller
— Prometi que nunca mais conversaria com você, nem lhe pediria
nada, porque você já me tirou tudo. — Passo as mãos pelo meu cabelo,
negando com a cabeça. — Apenas queria que me dissesse o que eu fiz de tão
mal, nessa porra da minha vida, para merecer perder as pessoas que eu amo.
Respiro fundo e olho para a face frágil de Cristina, que está ligada
aos soros e eletrodos. Minha vida parou, meu mundo perdeu a cor por esses
sete dias que se seguem sem ela abrir seus olhos para mim. Os médicos
conseguiram estabilizar a pressão dela apenas no quinto dia, a deixando
medicada por um longo período. Terei que deixá-la despertar sozinha, mas
Cris não abre seus olhos, apenas se mantém em um sono longo, que está a
levando para longe de mim a cada dia que passa. Eu fui ao céu quando
recebi o resultado que Cristina está esperando duas meninas, o que me fez
chorar de emoção; e caí ao inferno por ela ainda não acordar. Tento
entender por que Deus fez isso comigo. Por que fez meu caminho cruzar com
essa mulher, que está gerando minhas filhas dentro do seu ventre, apenas
para tirar ela lentamente de mim, me castigando por ser o grande filho da
puta egocêntrico que sempre fui?!
— Eu sei que já fiz muitas coisas nessa minha vida que não é de se
orgulhar. — Abaixo meu rosto, sentindo meu peito ser rasgado enquanto
tudo vai quebrando à minha volta. — Não sou perfeito, e entre todos seus
filhos, devo ser o que o Senhor tem menos apreço. Mas se não for por mim,
que seja por ela. — Esmago minha boca, sentindo a umidade em minha face,
com a lágrima que rola por minha bochecha, enquanto vou morrendo pouco
a pouco. — Por ela. — Fecho meus olhos e esfrego meu rosto, respirando
fundo. — Eu preciso dela, eu preciso de uma segunda chance... Preciso dessa
segunda chance. Por favor, não me faça passar por isso outra vez, não me dê
algo que traga cor e esperança para minha vida, apenas para arrancar logo
em seguida. Porque eu não tenho mais forças. Se me tirar ela e minhas
filhas, não vai me restar mais nada, Deus.
Deixo meus cotovelos se apoiarem à cama, ao lado do seu corpo,
segurando sua mão entre as minhas. Me sinto fraco, impotente, pequeno
como uma criança que busca por colo. Sinto as lágrimas ficarem mais fortes.
O choro que tranquei por quatro anos dentro de mim, depois da morte da
minha filha, rompe de dentro da minha alma. Trago sua mão entre as
minhas, para perto dos meus lábios, a beijando, fechando meus olhos,
tentando compreender o que eu fiz, o que eu pude fazer para não merecer
uma segunda chance de ser feliz, e dessa vez ao lado da mulher que eu amo e
das minhas filhas.
— Por favor, por favor...
Esmago minha boca, abaixando meu rosto, implorando para Deus
não me condenar outra vez a cair no inferno. Cristina chegou em minha vida
como um pontinho de luz de sol, que se infiltra pela fresta de uma casa velha
fechada e trancafiada há muito tempo. Me fez querer ver a luz do sol outra
vez, sentir a quentura do calor tocar minha pele, me fazer sair do breu no
qual minha vida tinha se transformado. E eu não quero voltar para lá, não
quero viver no escuro e saber que nunca mais a terei ao meu lado.
O gesto suave, um aperto leve, quase imperceptível em minha mão,
corre por minha pele como choques, descarregando uma carga elétrica de
vida em minhas veias. Ergo meu rosto e olho na direção da sua face,
encontrando o sentido da minha vida me observando, tão delicada, frágil,
arrancando batidas descompassadas do meu coração.
— Graças a Deus, você acordou! — Fecho meus olhos, sentindo a
luz voltar para mim. Me movo rapidamente, levantando da cadeira às
pressas, libertando sua mão, inclinando meu corpo sobre o dela, precisando
senti-la em meus braços.
— Mãe, você tem que sair! — Cristina fala agitada, enquanto minha
sogra volta para perto da médica, batendo mais fotos. — Oh, meu Deus,
Ariel! Tire esse celular da mão dela!
Os olhos arregalados de Cristina se expandem quando ela me encara,
enquanto tento respirar com calma. Aperto a mão dela com firmeza.
— Ariel... Ariel, você está pálido. Vai desmaiar no meio da cesárea
das nossas filhas? — Nego com a cabeça, tentando não olhar na direção da
médica, que está fazendo o parto das meninas.
— Oh, meu Pai, Cris! Elas estão vindo ao mundo... — Ergo meu
rosto, virando-o na direção da voz eufórica da minha sogra ao mesmo tempo
que Cristina.
O choro estridente se faz forte quando a médica retira a primeira bebê,
e aperto mais forte os dedos de Cristina, me encostando na lateral da cama do
quarto do hospital, sentindo meu coração parar de bater. A médica passa
minha filha para a enfermeira, que a enrola em uma manta, e logo em seguida
retira a outra.
— Elas nasceram! — sussurro, virando meu rosto para Cris, que está
com sua face chorosa toda molhada de lágrimas.
— Oh, meu Deus, elas nasceram, Ariel! — Beijo sua testa e esfrego
meu nariz no seu.
— Eu te amo, Cristina Miller. Te amo mais que tudo em minha vida.
— Uma lágrima rola pelo meu rosto, se juntando as dela, e seu sorriso se
expande em sua face.
— Obrigada por me dar o melhor presente da minha vida, Ariel. —
Sorrio para ela, beijando seus lábios.
— Não, meu amor, você foi o meu presente. Você foi a melhor coisa
que aconteceu na minha vida.
— Duas meninas saudáveis, mamãe e papai — a enfermeira fala,
alegre, fazendo com que eu me afaste de Cris, erguendo meu rosto para
minhas filhas.
— Cristo, elas são lindas... — Cristina sussurra, emocionada, assim
que a enfermeira arruma as meninas perto dela. — Oi, meus amores, eu sou a
mamãe... Aquele ali, babando em vocês, é o papai.
Meus joelhos se dobram lentamente, e fico ao lado da cama, com meu
olhar nublado pelas lágrimas, admirando cada tracinho delas. Ergo minha
mão e tapo minha boca, sentindo uma emoção imensurável me tomar, pelas
duas vidas que estão ao lado de Cristina. Estico meu braço e toco na
mãozinha lambuzada de uma delas, que chora. Sorrio, olhando para Cris.
Inclino meu corpo e deposito um beijo em seus lábios.
— Eu juro que sempre vou proteger vocês!
Cruzo meus braços em cima do peito, o estufando com orgulho,
olhando para o vidro do berçário enquanto admiro minhas filhas deitadas nos
berços, uma ao lado da outra. O sorriso bobo permanece em minha face desde
o segundo que eu saí da sala, sendo direcionado pela enfermeira a vir para cá.
Já faz quase duas horas que estou parado na frente da vidraça, encantado,
olhando minhas filhas. O som da respiração pesada ao meu lado, me faz girar
meu rosto para o desembargador, que está calado, com seus olhos presos nas
meninas. Estava tão absorto em contemplá-las, que nem notei a presença do
meu pai.
— Obrigado! — ele murmura, soltando o ar lentamente do seu peito,
mantendo seus olhos nas meninas.
— Agradeça à Cris, ela me obrigou a te avisar — respondo,
retornando minha atenção para o berçário, tendo um sorriso de orelha a
orelha a cada segundo que olho para elas.
— Obrigado mesmo assim — meu pai fala calmo, levando sua mão
ao bolso da calça, se aproximando do vidro. — Deus, elas são lindas...
— Claro que são lindas, são minhas filhas. — Dou um passo à frente,
ficando lado a lado com ele, sem conseguir desviar meus olhos delas.
— Se lembre que sua genética é a mesma que a minha, então, de
nada! — Fecho meus olhos e balanço a cabeça em negativo ao ouvir a
provocação dele.
— Você não vai me irritar hoje. Nada que falar vai conseguir me fazer
sair do sério — falo firme, tendo tanto orgulho das minhas filhas, sorrindo
com alegria para elas.
— Eu estava errado, meu filho.
Meu sorriso morre lentamente. Giro meu pescoço devagar, olhando
para meu pai, que me encara sereno.
— Não me diga que está morrendo e veio justo aqui, nessa
maternidade, querendo algum tipo de perdão, para poder fazer sua passagem
em paz...
— Não! Para seu desgosto, saiba que minha saúde está excelente.
Nunca estive me sentindo tão bem como agora.
Arqueio minha sobrancelha, estudando a velha raposa astuta e
ardilosa que é o desembargador.
— Está emocionado ou está passando por algum tipo de menopausa
da terceira idade? Porque, realmente, não me recordo quando foi a última vez
que você me chamou de filho, desembargador.
— Você tinha dezesseis anos na última vez que me chamou de pai —
ele me responde baixo, balançando a cabeça para os lados. — Me recordo
disso até hoje, foi quando você partiu para o reformatório.
— Eu não parti, você me obrigou a ir embora e me fez me referir a
você com títulos jurídicos.
— Achei que seria o melhor para você, Ariel. Eu sabia do seu
potencial, sabia que precisava passar por aquilo para se tornar homem.
Fecho meus olhos e nego com a cabeça, esmagando minha boca.
— Eu tinha dezesseis anos, era um garoto que estava aprendendo a
lidar com a vida. Um erro, eu cometi a porcaria de um maldito erro, e você
me sentenciou a seis meses em um reformatório! Você não deixou nem a
minha mãe ir me visitar...
— Mas eu fiz aquilo pensando ser o melhor para você. Você
precisava saber que toda ação tinha uma consequência.
— Oh, não vem com essa! Eu cometi um erro que qualquer
adolescente comete. Eu precisava do meu pai ao meu lado, e não da porra do
juiz Miller me sentenciando.
Quero gritar com ele, chutar seu rabo para bem longe de mim. Eu era
um adolescente besta, tinha pego seu carro às escondidas e ido para um show
em outra cidade. Quando estava voltando, fui parado em uma blitz. Meu pai
tinha dado queixa de roubo do seu veículo, mesmo sabendo que tinha sido eu
a pegar a merda do carro.
— Eu sempre fui o seu pai. Até naquele momento, quando bati o
martelo, eu estava ali, na sua frente, como o seu pai.
— Não, quem estava lá era o juiz Miller. E você, no fundo, realmente
desejava que eu fosse aquele merda inútil que você sempre me julgou ser,
mas você estava errado, eu criei minha vida sozinho, fiz meu nome indo para
bem longe de você. E pode até achar que eu sou um inútil por não ter
conseguido cuidar da minha própria família, por não ter protegido a minha
filha...
Viro meu rosto para o berçário, respirando fundo, sentindo toda raiva
partir assim que as vejo.
— Eu vou protegê-las, vou amar aquela mulher cada dia da minha
vida, e nada do que você pensa sobre mim vai me fazer fracassar.
— Eu sei, e eu tenho muito orgulho de você por isso. Tenho orgulho
do homem que você se transformou, do esposo que é, sinto orgulho do pai
que você foi para Dolly e do pai que você será para as minhas duas netas. Por
isso, volto a dizer, eu estava completamente errado.
Ouço sua voz ficar baixa, com a longa respiração dele sendo solta.
Meu pai e eu somos fluentes com as palavras, em conversações, diálogos,
palestras e argumentos, menos quando temos que nos comunicar entre nós
dois.
— Eu errei por ter sido duro com você. Errei ao sempre exigir o
máximo de você, até isso lhe transformar em uma cópia minha, e me odiei
por ter lhe afastado de mim. — Sua voz falha e ele respira fundo, soltando o
ar lentamente. — E a única coisa que posso dizer é que sou grato por você ser
muito melhor do que eu. Será um bom marido, um excelente pai, muito
melhor do eu fui para você, e muito melhor do que o meu pai foi para mim.
Você é o maior orgulho da minha vida, Ariel.
Viro meu rosto e olho para ele, enxergando o sorriso em sua face
enrugada enquanto admira suas netas.
— Elas vão gostar de ter você na vida delas — murmuro para ele.
Meu pai ergue seu braço e bate em meu ombro.
— E eu vou amar estar na vida delas e na sua. — Ele sorri, falando
baixo. — Elas se parecem comigo. — Ele vira sua face para mim, me dando
uma piscada.
— Não exagera, pai — o respondo debochado, ouvindo a gargalhada
alta que ele solta.
Meu pai me puxa para um abraço, dando leves tapinhas em minhas
costas.
— Parabéns, meu filho!
— Obrigado, pai. — Correspondo ao seu abraço, o apertando forte.
Me afasto dele e balanço minha cabeça em positivo, sorrindo para o velho,
nos virando de frente para as meninas.
— Já sabem quais serão os nomes delas?
— Já. — Sorrio, erguendo meu dedo e apontando para a esquerda. —
Aquela é Merediti. — Desvio meu dedo para a direita, olhando para ele. — E
essa é a Sofia. — Cris e eu passamos os últimos meses da gestação decidindo
quais seriam os nomes das meninas, e amamos Merediti e Sofia.
Meu pai respira fundo, ficando em silêncio, olhando para elas.
KATORZE - LIVRO 1
PAOLO A RENDIÇÃO DO MONSTRO - LIVRO 2
PAOLO O DESPERTAR DO MONSTRO - LIVRO 3
ATENÇÃO: contém cenas eróticas e gatilhos que podem gerar desconforto. não indicado
para menores de 18 anos.
Tudo nessa vida tem um preço, e Yara sabia disso quando salvou a vida
do monstro que entrou em seu caminho. Tendo que escolher entre o homem
que amava e os frutos dessa paixão que cresciam em seu ventre, partiu,
deixando-o sem olhar para trás. O que ela não sabia é que sua magia deixou
rastros, e agora algo muito pior vêm atrás dela.
Seu mundo desaba quando suas filhas são levadas por um mal maior, e
o destino brinca com a pequena bruxa, colocando-a frente a frente com o
homem que tanto assombrou suas lembranças por longos anos.
O monstro se perde assim que seus olhos pousam na pequena mulher
solitária que vê em seus sonhos, e que agora está em carne e osso na sua
frente. Algo dentro de Paolo desperta, puxando-o para ela cada vez mais, sem
entender o que os liga.
O Cão e a Bruxa estão de volta em mais uma batalha.
Yara lutará com toda sua força para ter suas filhas de volta. No meio da
sua jornada, precisará mostrar ao monstro o poder e a força da magia do amor,
e encarar a ira de cinco anos longe dos olhos tão sombrios quanto o portão do
inferno.
Poderá o cão de caça perdoar a bruxa que o jogou no limbo por cinco
anos, sem despertar o monstro que habita nele?
Um inimigo antigo uniu os irmãos Ávilas em uma derradeira vingança. Daario e
Paolo juntos, lado a lado, abriram as comportas do inferno, trazendo carnificina e sangue
para aqueles que machucaram suas famílias.
A cada percurso da caçada, em uma busca cruel e implacável pelas suas mulheres,
os monstros estavam famintos por morte e justiça, fazendo aliados poderosos e alianças
inquebráveis, deixando um rastro de corpos por onde passavam.
A pequena bruxa Yara encontrou forças para lutar pela sua sobrevivência e do seu
filho quando a destemida pantera Katorze cruzou seu caminho de uma forma inesperada.
As duas mulheres traziam fé em seus corações de que seus monstros iriam libertá-las,
afinal nem todo predador é fatal, mas todos os monstros Ávilas criados pelo cruel Joaquim
são assassinos.
História e conto Irmãos Falcon
Recomendando para maiores de 18 anos
Este livro contém descrição de sexo explícito e palavrões
Doty só queria uma coisa: achar o miserável que engravidou Tifany e chutar seu rabo até
Dallas.
A única coisa que Joe queria era dobrar o demônio de olhos negros que o tirou do sério,
fazê-la pagar por sua língua afiada e boca suja.
Uma proposta!
Sete dias!
E tudo foi para os ares!
Bem-vindo à Arena
Billi tinha traçado seu destino, já não era mais o menino delinquente, tinha se transformado
em um homem, foi atrás do seu sonho e criou seu mundo em cada touro que montou aos 32
anos.
Arena Ranger lhe trazia apenas um desejo, o grande touro Asteroide 8 segundo que valeria
sua carreira, mas o pequeno cometa que cruzou seu caminho. Fez o Cowboy mudar seus
planos.
Únicos
Dylan Ozborne sabia que a pior época da sua vida era dezembro. Ainda não
acreditava que seu irmão havia o obrigado a ser o Papai Noel para o evento beneficente.
Elly poderia ter sido a boa menina o ano inteiro, mas deixou para ser a menina má
justamente três dias antes do Natal, indignada com o nada bonzinho e muito menos
velhinho Noel. Então resolveu se vingar do tirano e por fim lhe dar uma lição que nenhum
Yane Rinna tem sua vida mudada da água para o vinho quando se torna testemunha
principal de um assassinato. Ela se vê obrigada a entrar em um disfarce para garantir sua
segurança até o dia do julgamento. E de uma stripper desastrada, inteiramente azarada, se
torna uma freira monitora de quatro adolescentes rebeldes. O que ela não imagina é que no
último lugar que poderia sonhar, o amor e o desejo puro estarão no ar. Dener Murati, o
vizinho aristocrata do convento, tem seu autocontrole testado por uma fajuta freira sexy,
nada santa, que invade sua residência para se refrescar na calada da noite, pelada, em sua
piscina. A pequena feiticeira que o encanta vai virar sua vida meticulosamente organizada
de cabeça para baixo.