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''A guerra ao terror viola o direito internacional''

ENTREVISTA - José Francisco Rezek, ex-chanceler e jurista

Guerras do Afeganistão e do Iraque, prisões de Guantánamo e de Abu Ghraib. Foram dez


anos de guerra ao terror, que culminaram na morte de Osama bin Laden. Valeu a pena? O
jurista José Francisco Rezek disse ao Estado que a luta contra o terrorismo não alterou as
normas do direito internacional, embora as tenha violado flagrantemente. Para ele, ações
como o assassinato de Bin Laden são próprias de um mundo juridicamente desorganizado.
Abaixo, trechos da entrevista.

A guerra ao terror alterou as normas do direito internacional?

A guerra ao terror alterou profundamente as circunstâncias da vida internacional, mas não o


direito. Diversos episódios resultantes daquilo que o ex-presidente George W. Bush
qualificou como guerra ao terror violaram flagrantemente o direito internacional, mas o
argumento justificativo dessas violações em nome do combate ao terrorismo foi tirado do
direito penal.

Qual foi a intenção de Bush ao declarar a guerra ao terror?

Quando, nos primeiros dias seguintes ao 11 de Setembro, Bush falou em guerra ao terror, o
que ele queria, na realidade, era evitar que todo o sistema legal do estado de direito, dos
direitos humanos e das garantias individuais, fosse deixado de lado para se aplicar as leis da
guerra, que já existiam a título costumeiro no direito internacional.

E essas leis da guerra foram respeitadas?

As leis da guerra foram flagrantemente violadas. Os presos de Guantánamo e Abu Ghraib


não tiveram as garantias que a lei dá em qualquer país às pessoas presas em tempo de paz e
não tiveram nenhuma das garantias do estatuto do prisioneiro de guerra. Então, os EUA
criaram em certos lugares algo inédito: as "zonas de não direito", lugares onde campeia em
caráter exclusivo a lei da selva e nenhuma espécie de lei é aplicável.

A ação que matou Bin Laden mostra que Obama deu continuidade a essa "cultura"
de desrespeito ao direito internacional ferindo a soberania paquistanesa?

O argumento americano é o da legítima defesa. Eles contaram com a compreensão do


governo do Paquistão, já que a falta de aviso prévio garantiu o sucesso da operação.

As convenções de Genebra não condenam o "assassinato seletivo", como o que matou


Bin Laden? Qual sua opinião?

O assassinato seletivo é um assassinato. Só por ser uma execução sem julgamento, é um


atentado grave ao direito. Mas, se ele é praticado em território estrangeiro, é duplamente
um atentado ao direito, uma vez que a soberania territorial também é violada. Não há nada
que justifique isso no direito. A única explicação que os "assassinos seletivos" dão para
seus atos é a legítima defesa e o estado de necessidade. O "assassinato seletivo" é próprio
de um mundo juridicamente desorganizado, como esse em que vivemos, onde se combate o
terrorismo não com a eliminação das bases sociais e políticas do terrorismo, mas com esse
tipo de vingança.

Há condições de terroristas serem julgados em tribunais internacionais?

Esses tribunais julgariam perfeitamente terroristas. O julgamento seria algo exemplar.

A prisão seria eficiente no caso de Bin Laden?

No caso de Bin Laden, acho que tudo se torna uma discussão acadêmica. Esse homem
nunca se deixaria prender vivo. Nunca se deixaria levar vivo do seu bunker e nunca se
submeteria a um tribunal, como aquele que julgou Saddam Hussein.

O sr. acredita que os tribunais internacionais tendem a ganhar força no direito


internacional?

Acho que sim. O tribunais não penais, como a Corte da Haia, têm uma grande área de ação.
Já o Tribunal Penal Internacional tem sido eficaz na medida de suas possibilidades e
limitações políticas.

Há alguma saída no direito internacional para o combate ao terrorismo?

A cooperação internacional no combate ao terror é um mecanismo já disciplinado pelo


direito em todos os foros internacionais. No entanto, alguns governos mais ostensivamente
lesados pelo terrorismo desconfiam da sinceridade e da colaboração que obterão de alguns
outros países.

Como o sr. vê a atual mudança no Oriente Médio? O direito internacional vai se


universalizar?

Caminhamos para a internalização do direito no seu conjunto. Existe uma parte do direito
internacional que é necessariamente internacional: são as regras do direito diplomático, da
guerra e dos espaços comuns. Mas, no século 20, vários temas de direito interno
começaram a ser transferidos para o direito internacional. A tendência é a universalização
do direito no seu conjunto.

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