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História da Diplomacia Brasileira – Do Império ao Século XXI

Aula 01
Introdução à diplomacia brasileira: os valores diplomáticos que
desenharam o mapa do Brasil e ajudaram a definir a identidade nacional
Rubens Ricupero, 4 de maio de 2021

A ideia de organizar este curso foi de Júlia Dias Leite, a presidente executiva do CEBRI. No
início era para ser um percurso orientado pelo livro A diplomacia na construção do Brasil 1750-
2016, que publiquei em 2017. Aceitei dar o curso, mas logo me arrependi, achando que, na
minha idade, não teria energia para um curso inteiro. No fundo, a razão inconsciente talvez
fosse o desânimo que sentia diante da destruição da diplomacia brasileira a que assistíamos
naquele momento. Não valia a pena contar uma história que estava acabando de forma tão
melancólica.

Júlia resolveu levar avante o projeto convocando os talentos do CEBRI, o que melhorou a
ideia inicial, enriquecendo o curso com perspectivas diferentes. Enquanto se preparava o novo
formato, a pressão da sociedade brasileira obrigou o governo a mudar o ministro das Relações
Exteriores. Foi reconfortante ver como a imprensa, o Senado, a sociedade como um todo, se
mobilizaram para obrigar o governo a voltar a prestigiar a herança diplomática brasileira.

A experiência nos ajudou a valorizar o que tínhamos perdido. Como na pandemia,


aprendemos que só damos valor ao ar que respiramos quando não conseguimos mais respirar.
A sociedade reconheceu que poucos países deviam tanto à diplomacia como o Brasil: um
território dois terços maior, 150 anos de paz com 10 vizinhos, prestígio devido ao soft power,
sem ameaça militar ou econômica a ninguém, membro do G-20 e dos BRICS. Não é à toa que
devemos ser o único país no mundo que tinha na moeda o retrato de um diplomata
profissional, cuja figura na cédula de 1000 cruzeiros a tornou conhecida como o barão, sinal
da popularidade de Rio Branco e do Itamaraty.

Objetivos do curso: O primeiro objetivo do curso é contar a história do Brasil pelo ângulo
de suas relações com o mundo exterior, como ele nos condiciona, como tentamos influir sobre
ele. Essa história não deve ficar separada, como sucedia no passado, do coração da história
interna, tem de ser parte integral, constitutiva, da política, da economia, da cultura. A
diplomacia e a política exterior precisam ser vistas como pedras fundamentais da construção
do Brasil, ao mesmo título que as mudanças de governo, as constituições, a expansão
econômica.

Política exterior e política interna são inseparáveis, duas faces da mesma moeda. É difícil
ter boa diplomacia num país em crise política e econômica, como estamos vendo neste
momento. A fase mais brilhante da gestão do barão do Rio Branco coincidiu com o melhor
momento da República Velha, o período de Rodrigues Alves e Afonso Pena, de 1903 a 1910.

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Quando a situação interna começou a deteriorar, a gestão do Barão também entrou no seu
crepúsculo.

Será uma visão de conjunto de períodos extensos, sem perder-se nos detalhes, com ênfase
na floresta, não nas árvores. Mostraremos como a diplomacia ajudou a resolver os grandes
problemas enfrentados pelo país desde a Independência, contribuindo decisivamente para
consolidar o território, assegurar a crescente autonomia das decisões e abrir caminho ao
desenvolvimento em cada uma das etapas da evolução histórica brasileira.

O território: O ponto de partida dessa história é obviamente o território, condição que


torna possível a soberania, isto é, a autonomia. O ato inaugural do relacionamento do país
com o mundo consiste em traçar no terreno a linha que define onde começa nossa jurisdição
e acaba a do vizinho: “boas cercas fazem bons vizinhos”. A maneira pela qual se define a linha
divisória, pelo entendimento ou pela força, vai determinar a índole futura do comportamento
do país em relação aos outros.

É o que se vê do exemplo da Rússia, herdeira de um império edificado por guerras e


conquistas. Ela nunca conseguiu superar com a Ucrânia, a Geórgia, a Polônia, os países
bálticos, a desconfiança e a hostilidade que marcaram essas relações durante séculos.
Disputas não resolvidas alimentam antagonismo perpétuo como o que opõe a Índia ao
Paquistão, a China à Índia.

No caso do Brasil, o que definiu o território não foi a diplomacia do poder, mas o poder da
diplomacia. A fim de mostrar a diferença entre ambas, compare-se a história internacional
americana e a nossa. Tanto os EUA quanto o Brasil começaram ocupando uma faixa estreita
de território ao longo do Atlântico, uma ao norte, a outra ao sul, a partir da qual expandiram-
se para o oeste.

Só que a expansão americana começa depois da Independência, enquanto a nossa


praticamente tinha terminado no fim da era colonial. Antes da Independência, como se viu na
aula sobre o Tratado de Madri (1750), o mapa do Brasil, graças a Alexandre de Gusmão, estava
mais ou menos desenhado no seu contorno geral, embora não definitivamente aceito.

Os americanos, com vizinhos fracos, se expandiram por meio de guerras contra o México,
mais tarde contra a Espanha, ou por compras forçadas. Já o Brasil nunca teve, nem no período
colonial, nem depois, força militar para prevalecer sobre os vizinhos pela guerra de conquista.
No caso dos americanos, pode-se falar em expansionismo, no nosso seria um exagero, pois o
Brasil, que incluía o Uruguai em 1822, teria hoje território menor do que naquela época se
não fosse a aquisição do Acre (1903).

Não foram os diplomatas que desbravaram as vastas terras do interior. No entanto, a


aceitação pacífica pelos vizinhos e a consolidação jurídica da expansão se deveram
essencialmente à perseverança com que a política externa se dedicou à questão até a primeira
década do século XX. Nossos títulos jurídicos oriundos de Tordesilhas eram fracos ou
inexistentes e nosso poder militar e econômico inexpressivos. Nada disso impediu que o Brasil

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consolidasse o domínio sobre um território de vastidão continental e riquezas naturais
consideráveis.

Este é o primeiro problema da história diplomática brasileira: como explicar que um país
com escasso poder militar e econômico tenha tido tanto êxito não só em preservar, mas,
acima de tudo, em ganhar território teoricamente às custas de vizinho mais poderoso (a
Espanha)? O problema ainda se complica quando, depois da Independência, o Brasil passa a
ter nada menos do que onze vizinhos (na época, o Equador pretendia fazer fronteira conosco).

Outros grandes países, até continentais, como os EUA, o Canadá, a Austrália, têm um ou
dois vizinhos ou nenhum. Ademais, nossos vizinhos pertencem a universos culturais e políticos
muito diferentes uns dos outros, que vão da Guiana Francesa ao Uruguai, do Suriname à
Bolívia, do Peru à Guiana ex-Inglesa, para citar alguns.

Portanto, não é exagero afirmar que ter conseguido estabelecer com todos eles fronteiras
mutuamente aceitas em decorrência de negociação ou arbitragem representa uma das
maiores obras diplomáticas de qualquer época e em qualquer lugar, conforme escreveu o
embaixador Teixeira Soares. A melhor herança desse processo não violento reside na
inexistência de ressentimentos, de contenciosos graves em aberto.

Se não fosse o caráter pacifico e o senso de oportunidade de resolver cedo todas as


questões, seríamos prisioneiros de litígios fronteiriços que absorveriam grande parte de nossa
capacidade diplomática. É fácil de imaginar o que seria ter problemas de fronteiras com dez,
oito ou seis vizinhos ao mesmo tempo. Em vez disso, pudemos ter uma diplomacia voltada
para objetivos construtivos de cooperação.

Pacifismo: Temos dado ênfase até aqui ao caráter relativamente pacífico de nossa história,
com exceção da fase inicial de formação e consolidação dos estados nacionais no continente
e na região do Prata. Para o brasileiro de hoje, pode parecer natural a ausência de guerra, mas
basta lembrarmos de outros países para ver que isso não é a norma na história. Num livro
recente sobre a história diplomática dos EUA, o autor observa que, embora os americanos
gostem de se imaginar como um povo pacífico, a verdade é que, desde a Independência, cada
geração teve sua própria guerra. Cita até uma obra intitulada A country made by war1, título
que ninguém aplicaria ao Brasil.

O que justifica falar em tradição pacífica é o fato de que, na data de 1º de março de


2020, o Brasil comemorou 150 anos do fim da Guerra do Paraguai e, por consequência, de
um século e meio de paz com todos seus 10 vizinhos. Quantos países com número
comparável de vizinhos podem dizer o mesmo? Pensem nos europeus, na Rússia, na China e
tantos outros. Isso levanta outro problema. Não somos o único país com pouco poder militar
e econômico em termos absolutos ou relativos. Mas nem todos tiveram o mesmo grau de
êxito como nós na política exterior. É possível ter sucesso sem poder? O que é o poder?

1Geoffrey Perrett, A Country Made by War: From the Revolution to Vietnam: the Story of America’s Rise to
Power, Random House, 1989.

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Dimensões do poder: Em relações internacionais, poder é a capacidade de um país de obrigar
ou influenciar outro país a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Há uma tendência natural
de confundir poder com força, sobretudo força militar e econômica para coagir. Essa é, de
fato, a variedade tradicional do que hoje se convenciona chamar de poder duro ou hard
power, na nomenclatura consagrada pelo professor Joseph Nye, da universidade de Harvard.
Mas, ao lado dele, embora menos espetacular, existe o poder brando ou suave, o soft power,
isto é a capacidade de convencer outros países a agirem de certa maneira ou deixarem de agir
por meio da persuasão, da negociação, do exemplo, dos estímulos materiais ou não.

Entre as variedades do poder brando, uma delas é a do smart ou clever power, o poder
inteligente ou da inteligência, que nasce do conhecimento, da preparação intelectual e
cultural. Foi esse poder que herdamos de Alexandre de Gusmão e aperfeiçoamos até chegar
ao apogeu com Rio Branco.

A diplomacia do conhecimento: Na Introdução de meu livro conto uma história que ilustra
bem porque a diplomacia brasileira pode ser descrita como uma diplomacia do conhecimento.
Certa manhã, quando o médico de Rio Branco, chegou ao Itamaraty, o surpreendeu com a
roupa amassada, como quem acabava de acordar. Confuso, o Barão se desculpou: “Ontem à
noite, a fim de examinar melhor os pormenores de um mapa que estava estudando, o
desenrolei no chão e acabei por dormir em cima dele”. Esse episódio verídico, narrado pelo
próprio médico, é o melhor símbolo explicativo dos êxitos tanto de Rio Branco como da
diplomacia que ele encarnou: os diplomatas adormeciam literalmente no estudo de mapas e
documentos.

Antes de tomar posse, o Barão anunciava que o Itamaraty precisava ter uma biblioteca,
uma mapoteca, um arquivo, onde os funcionários iriam buscar argumentos para defender os
interesses brasileiros. O ministério deveria ser o que em linguagem atual chamaríamos de
“instituição de produção de conhecimento” voltada a um objetivo prático. Ele não foi uma
exceção. Seu pai, o visconde, já se havia distinguido nesse terreno, assim como Duarte da
Ponte Ribeiro, o mais importante estudioso das questões limítrofes do Império. Sem esquecer
que também eram diplomatas profissionais o primeiro grande historiador brasileiro,
Varnhagen e Joaquim Caetano da Silva, “os dois maiores pesquisadores que o Brasil produziu
no século XIX”, na opinião autorizada de José Honório Rodrigues.

Essa tradição nunca se interrompeu. Basta dizer que, no último episódio de discussão sobre
fronteiras que tivemos, com o Paraguai, em meados da década de 1960, que levaria ao tratado
de Itaipu e a construção da usina, o diplomata encarregado de defender o ponto de vista do
Brasil se chamava João Guimarães Rosa. Se não fossem esses diplomatas, a maioria da região
que responde hoje pelo êxito do agronegócio de exportação se encontraria fora das nossas
fronteiras.

Um corolário da diplomacia do conhecimento é a necessidade de profissionalização, da


meritocracia na seleção dos funcionários, processo que culmina com a criação do Instituto Rio
Branco.

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Direito Internacional: Para quem carece de poder militar e econômico a confiança nas leis e
no Direito Internacional é não só uma virtude, mas uma necessidade. Neste ponto, também
é grande o contraste com os Estados Unidos. No capítulo devotado aos princípios da
diplomacia norte-americana na mais recente história das relações exteriores dos EUA (From
Colony to Superpower), fiquei surpreso de ver que não se menciona uma vez sequer a palavra
lei ou direito internacional. No Brasil, ao contrário, a referência ao Direito Internacional é base
de todos os documentos desde os primórdios da diplomacia.

Ao lado dos argumentos históricos e cartográficos, os diplomatas brasileiros


desenvolveram doutrinas e argumentos jurídicos refletindo os interesses e a posição do país,
como, por exemplo, a preferência pela doutrina do uti possidetis. O apego ao Direito expressa
a influência do liberalismo jurídico, a ideologia predominante no século 19, que forneceu ao
Brasil e aos hispano-americanos um patrimônio comum de valores e crenças que facilitou a
solução de divergências.

Diplomacia da fraqueza: O conhecimento dos mapas antigos, de documentos e do Direito


mostrou-se decisivo em arbitramentos como os vencidos pelo Barão em relação à Argentina
e à França. Modalidades distintas de poder são necessárias, sobretudo quando se tem de lidar
com potências muito superiores em poder militar e/ou econômico. Portugal, em situação
desvantajosa de poder, em cotejo com seu único e grande vizinho, a Espanha, potência
hegemônica até meados dos 1600, manteve independência de Madri não pela força militar,
mas graças à diplomacia da aliança inglesa, que lhe forneceu a possibilidade de sobreviver no
jogo de poder da Europa. Os lusitanos lançaram mão da “diplomacia da fraqueza”, ou como
se diria hoje, a “diplomacia da assimetria”.

Trata-se no caso da capacidade de compensar a inferioridade militar por outras


modalidades de poder, não só as alianças, também os fatores intangíveis, como os
conhecimentos e os argumentos intelectuais que descrevemos, inclusive a habilidade de
negociar a partir de posições desfavoráveis. Nesse sentido, a diplomacia brasileira herdou
alguns dos atributos da diplomacia portuguesa.

Os dois eixos da diplomacia: O desafio pode ser o oposto: como se livrar de aliança sufocante
com parceiro mais forte, como a que o Brasil herdou de Portugal com o Reino Unido, quase
um semi-protetorado? Consolidada a Independência, os governos da Regência eliminaram aos
poucos todos os privilégios que os britânicos haviam arrancado nos “tratados desiguais” de
1810 e 1827. Esses governos dispunham de pouco poder, mas adotaram linha de resistência
firme. Deixaram os tratados expirar, resistiram à pressão para renová-los, puseram fim à
preponderância inglesa. Até o fim do Império, o Brasil nunca mais assinou tratados comerciais
com países mais poderosos.

Em relação a vizinhos mais próximos em termos de poder, o Brasil soube combinar poder
e diplomacia de alianças. Nos conflitos na região platina, o país utilizou o poder relativo que
tinha, sobretudo naval, e até o econômico, por meio do barão de Mauá. Nunca agiu sozinho,
mantendo alianças com partidos internos na Argentina e no Uruguai. Foi assim que conseguiu

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superar as ameaças criadas à estabilidade e à integridade do território brasileiro em razão das
guerras civis da formação e consolidação dos Estados na Argentina, no Uruguai e no Paraguai.

A ideia de país e a construção de valores: Mais tarde, veremos como Rio Branco foi o
primeiro a articular os dois eixos, o das relações assimétricas e as mais igualitárias. Nessa
tarefa, ele se mostrou capaz de bem integrar os três elementos de que depende toda política
externa, a saber:1º) a capacidade de captar sem distorções a realidade do mundo, de perceber
as tendências, ameaças e oportunidades do sistema internacional; 2º) uma visão estratégica
do futuro, um projeto de país com interesses e objetivos a alcançar; 3º) o talento de identificar
com realismo a melhor maneira de integrar o projeto nacional à realidade externa, a fim de
obter do contexto internacional os recursos de que o país necessita para se desenvolver em
termos de investimentos, mercados para seus produtos, tecnologia.

O prefaciador da mais recente história da política externa dos Estados Unidos, citada antes,
afirmava que o livro pretendia ir além da narrativa dos acontecimentos e suas causas. Seu
objetivo era indicar como a diplomacia americana contribuiu para a formação da identidade
e do caráter do país, como ajudou a dar forma a seus valores e instituições2. Gostaríamos de
mostrar o mesmo em relação ao Brasil.

O general de Gaulle se referia sempre ao que chamava de “uma certa ideia da França”,
para ele inseparável da grandeza e da glória. A ideia de país equivale a um sonho de nação,
um projeto ideal, aquilo que um determinado povo imagina ser ou crê que está destinado a
ser. Em nosso caso também, por influência de Rio Branco, Joaquim Nabuco e outros foi-se
criando aos poucos um conjunto de valores e aspirações que encarnaram uma “ideia de
Brasil”.

Essa ideia é a de um país pacífico, satisfeito com seu status territorial, em paz e sem
pendências com vizinhos, confiante no Direito e nas soluções negociadas de interesse
mútuo. Nesse projeto de país avesso a preconceitos raciais, religiosos, consciente de sua
mestiçagem, a prioridade consiste em superar o subdesenvolvimento, atingir nível de
economia capaz de possibilitar a eliminação da miséria extrema, a redução da desigualdade.

Na dimensão externa, a ideia que temos do Brasil é de uma nação comprometida com os
direitos humanos, a defesa do meio ambiente, empenhada em se ver reconhecida como força
construtiva de moderação e equilíbrio a serviço de um sistema internacional mais
democrático, igualitário, equilibrado e pacífico.

Como toda ideia de país resulta de uma construção ideológica, alguns elementos podem
ter sido escolhidos para disfarçar interesses ou camuflar uma idealização complacente do ego
coletivo. Mesmo assim, a escolha das qualidades que as pessoas atribuem ao próprio povo
nunca é indiferente. Verdade ou não, é melhor que um povo se considere pacífico, moderado

2George C. Herring, From Colony to Superpower U.S. Foreign Relations Since 1776, Introdução do Editor,
David M. Kennedy, Oxford: Oxford University Press, 2008, P. XIII.

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e obediente ao direito internacional, do que, ao contrário, que se represente como orgulhoso
da capacidade de submeter e dominar, envaidecido de glória militar.

Nossa “visão de Brasil” dá prioridade à solução dos problemas humanos, não se interessa
em tornar o país uma potência nuclear ou militar dominadora, com aspirações a hegemonias
regionais ou mais além. Acreditamos, sim, que outro estilo de ser grande potência é possível,
potência ambiental, de direitos humanos, da paz. O caráter brasileiro idealizado, aquilo que
somos ou gostaríamos de ser, coincide com os valores da diplomacia. A violência e a guerra
nos repugnam, rejeitamos a soberba, a arrogância em relação aos países menores, admiramos
a conciliação, o equilíbrio, a recusa do extremismo, das ideologias que distorcem a realidade,
aspiramos à moderação, ao senso de proporção, de medida.

Graças ao êxito do passado, o sistema de valores éticos e políticos da diplomacia teve a


maior consagração que se pode desejar a um desígnio intelectual: de inovação, converteu-se
em lugar comum. Gradualmente, o que era novidade passou a ser assumido pelos brasileiros
como a visão que temos de nós mesmos. Esses valores foram internalizados de forma tão
completa que passou a ser impensável imaginar um Brasil de personalidade internacional
diferente.

Foi por isso, creio, que a sociedade reagiu com tanto vigor à recente tentativa de nos
impingir uma política externa divorciada daquilo que somos. O balanço dessa fase calamitosa
deixa ao menos um consolo: mostrou que o povo brasileiro está disposto a lutar para que não
o privem do patrimônio de valores diplomáticos que construiu e que se confundem com a
própria nacionalidade.

Vou terminar por aqui este passeio rápido que fizemos para tentar extrair de mais de dois
séculos de história internacional do Brasil alguns traços gerais definidores: diplomacia de
conhecimento, pacifismo, apego ao Direito internacional, profissionalismo, construção de
patrimônio de poder suave por meio da negociação, da moderação, da persuasão, do
exemplo, do repúdio à força e às ameaças.

Muita coisa evidentemente teve de ficar de fora. Espero, porém, que esta introdução
desperte em Você que me ouve o gosto para descobrir o que nos reservam os capítulos
seguintes da rica história diplomática do Brasil.

Muito obrigado.

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