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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Disciplina: História Oral, Memória e Tempo Presente


Professor: Dr. Rafael Rosa Hagemeyer
Discente: Patrícia Carla Mucelin

O COTIDIANO NOS BLOGS DE MODA E BELEZA

CURSO DE DOUTORADO EM HISTÓRIA

FLORIANÓPOLIS - SC
2015
1. O COTIDIANO NOS BLOGS DE MODA E BELEZA

Novas relações de consumo se estabeleceram entre internautas e produtores culturais,


especialmente a partir do surgimento dos blogs de moda e beleza. Partindo da tese que
estamos desenvolvendo para o doutorado em história, que investiga a ascensão das blogueiras
brasileiras Camila Coelho, Camila Coutinho, Lala Rudge, Thássia Naves e Helena Bordon no
campo da moda. As blogueiras foram celebrizadas no campo da moda e atingiram grande
sucesso, especialmente a partir da publicação da edição de julho de 2013 da revista Glamour,
em que elas apareceram na capa e no conteúdo da edição. Em nossa tese procuramos
compreender não apenas como elas se consolidaram como “ditadoras” de moda, de
comportamentos e aparência feminina, mas como as suas publicações na internet produzem
novas formas de sociabilidade e de incentivo ao consumo dos produtos de moda. Neste artigo
discutimos sobre o uso da história oral como metodologia de pesquisa para a possível
realização de entrevistas com as blogueiras e analisamos os comerciais de divulgação da
revista glamour em contraponto com o depoimento da blogueira Camila Coelho sobre o
sucesso que atingiu por meio do blog.
As blogueiras serão questionadas sobre assuntos como beleza, bem estar e
comportamento, pois são ferramentas de persuasão ao consumo nos seus discursos, mas
também são assuntos relevantes para as representações das suas identidades e da sua
subjetividade. Portanto os blogs não são apenas uma ferramenta para a construção de
discursos, mas são parte de um processo criativo que permeia um sistema de comunicação
diferenciado das demais mídias. Por meio dos levantamentos metodológicos de Verena
Alberti (2008), que traça as possibilidades de pesquisa por meio da fonte oral; Marina Soler
(2011) que relaciona as questões éticas e estéticas suscitadas pelas entrevistas; Pierre Nora
(1993) que faz a análise dos conceitos de história e lugares de memória e Maurice Halbwachs
(2003) que discorre sobre memória coletiva; procuramos compreender como a subjetividade
das blogueiras é expressa através da fala sobre os seus cotidianos e da experiência de
vivenciar a legitimação da profissão de blogueiras no seu contexto histórico.
O sucesso que atingiram, inicialmente com as suas leitoras, se estende do universo
online da internet – redes sociais e blogs – para outras mídias, como comerciais de televisão,
anúncios em revistas, dentre outras, por meio da divulgação de grandes empresas de produtos
de moda e beleza. No campo da moda, acompanhar as novidades é sinônimo de estilo, assim,
as marcas e empresas de confecções sugerem estilos de vida através de coleções que mudam
de forma constante, e os seus consumidores afirmam sua identidade social por meio da moda
(ARAÚJO, 2009).
No livro “Elegância, beleza e poder: na sociedade de moda dos anos 50 e 60”
Sant’Anna (2014, p. 09) constatou que na sociedade brasileira moderna a beleza era resultante
de um consumo que era assegurado pelo domínio do poder de compra ou econômico e
demandava compra de produtos, acesso a serviços de informação, viagens e tempo para
despender com esse processo (SANT’ANNA, 2014, p. 229). Por sua vez, os blogs criam
estratégias de poder, isso desencadeia um consumo no sentido amplo, de modelo de vida, pois
se por um lado as blogueiras se utilizam da moda como símbolo de prestígio social, elas
também corroboram para o fortalecimento da cultura de consumo.
O parecer outro colocou-se como possibilidade aberta a todos, mas parecer outro
exige competências diversas, que são expressadas pelas blogueiras na criação de conteúdo de
moda, pois reside no ato de escolher, que precede o consumo e o qualifica. Por sua vez, os
que souberam escolher e dominar o corpo indesejado para compor a aparência ideal sobre si
mesmos, como é o caso dos blogs de moda, tornaram-se “exibidos enaltecidos” e acabaram
por cadenciar a hierarquização social (SANT’ANNA, 2014, p. 231).
Trinca (2008) procurou analisar o desenvolvimento do fenômeno de culto ao corpo e
à aparência, levando em consideração as práticas cotidianas da cultura do consumo no
capitalismo avançado, buscando identificar como a lógica da mercadoria e da racionalidade
instrumental se manifestam na moda e na busca pelo corpo ideal. Assim, o corpo ampliou sua
característica de consumidor, pois para cada uma de suas partes “coisificadas” existe uma
enorme variedade de mercadorias disponíveis (DEL PRIORI, 2001 apud TRINCA, 2008, p.
05). Por sua vez, os produtos e roupas são consumidos/divulgados pelas blogueiras, não tanto
pelo seu valor de uso, mas pelo seu valor simbólico. À medida em que a produção da imagem
pessoal foi considerada como um dos valores mais importantes a ser cultivado pela cultura de
consumo, tornou-se fundamental a procura por recursos para os cuidados com o corpo e a
moda começou a gerenciar e informar condutas mediante o consumo de novidades ligadas à
aparência (TRINCA, 2008, p. 90). Portanto a profissionalização dos blogs de moda trouxe
mudanças para as pessoas que consomem as informações de moda, ou seja, as suas leitoras,
pois elas podem acessar um meio alternativo de comunicação com conteúdo diferenciado
daquele encontrado em editoriais de revistas de moda; bem como para as próprias blogueiras
que a partir do momento em que obtêm sucesso e grande divulgação, passam a se dedicar
exclusivamente aos blogs, visto que eles se tornam altamente rentáveis.
Quando optamos por utilizar a história oral como metodologia levamos em
consideração a afirmação de Verana Alberti (2008, p. 166), que diz que a entrevista pode
contradizer generalizações sobre o passado, ampliando a percepção da história por meio de
uma mudança de perspectiva. Assim, para levantar informações que, confrontadas com as
demais fontes, vão ajudar a construir parâmetros para responder as questões centrais que se
propunha a pesquisa, devemos ter uma série de cuidados que vão desde a escolha dos
entrevistados, a formulação do roteiro das entrevistas, as entrevistas em si, até o momento de
análise das entrevistas feitas.
Há um processo metodológico envolvido na realização das entrevistas de historia oral,
embora não possa ser tratado como uma receita a ser seguida, pois de acordo com Alistair
Thomson (2000, p. 51) o entrevistador deve estar constantemente alerta para perceber qual a
melhor prática de entrevista em culturas e circunstâncias particulares, como também as
questões éticas estão imbrincadas nele. Tudo isto porque o historiador do tempo presente está
mexendo com a “carne viva”, com processos que não terminaram, e as publicações do
resultado de sua pesquisa podem ter efeitos complicados para os seus entrevistados. É
importante levar em consideração que quando as pessoas que serão entrevistadas são
escolhidas, é preciso obter o seu consentimento e descobrir se a pessoa gostaria de ter seu
nome publicado ou se preferiria que o historiador utilizasse um nome fictício para proteger
sua identidade. Cabe também ao historiador perceber os riscos em que vai estar colocando sua
testemunha e as situações em que ele considera que seja melhor preservar seu nome, em
decorrência de que as revelações que o entrevistado faz podem lhe comprometer de uma
maneira ou de outra.
As blogueiras que vou entrevistar, Thássia Naves, Lalá Rudge, Helena Bordon,
Camila Coutinho e Camila Coelho, escrevem e produzem material fotográfico e audiovisual
sobre moda e beleza, e adquiriram um status de produtoras no campo da moda, apesar de não
serem profissionais formadas nesta área específica. Entretanto seus blogs atingiram grande
sucesso, valorização e investimento por parte de grandes marcas, e assim as entrevistas de
história oral vão no sentido de perceber como se estabelecem as relações de poder entre as
blogueiras e os produtores culturais eruditos no campo da moda e os seus consumidores. Por
sua vez, a produção de um material permeado de subjetividade e passível de gerar
identificação por parte de seus leitores e leitoras, excede o campo da moda e adentram
questões mais subjetivas, como bem estar e comportamentos. Posto isto, a história oral é um
recurso que vai permitir ouvir as blogueiras para além do que elas publicam diariamente em
seus blogs e que, de antemão, nos fornecem informações acerca das relações que são tecidas
na internet, especialmente para atentarmos para as mudanças que foram geradas por esse
processo de ganho de visibilidade da blogsfera de moda.
Além do interesse em saber acerca da trajetória de cada uma delas, vamos estabelecer
temas relacionados com os problemas de pesquisa que vão estar presentes nos roteiros de
questionamentos, e que vão no sentido de questioná-las acerca de como ocorreu para cada
uma o processo de profissionalização dos blogs. Perguntar sobre suas relações com as
empresas patrocinadoras e com a rede de blogs F*Hits, que embora seja muito divulgada, não
disponibiliza informações acerca de como funciona essa rede e como ela se relaciona
(financeiramente, politicamente) com os blogs, pode gerar situações delicadas para as
blogueiras, pois possuem diversos opositores que criticam sua atuação no campo da moda,
especialmente as suas relações de parceria com grandes empresas.
O entrevistador deve estar, de acordo com Verena Alberti (2008, 170), atento, pois os
significados atribuídos a ações e escolhas do passado são determinados pela visão
retrospectiva, ou seja, vivida no presente e que confere sentido às experiências no momento
da própria narração. Por conseguinte, em nossas entrevistas este é um dos cuidados
necessários, e o status que as blogueiras possuem, nas mídias sociais e no campo da moda,
vão definir o rumo de suas narrativas e devem ser levadas em consideração. Sendo figuras
públicas, acostumadas a dar discursos, bem como publicar conteúdos nas redes sociais e a dar
entrevistas, especialmente para jornalistas, possivelmente as nossas entrevistadas vão narrar
suas trajetórias com relativa facilidade, ou seja, sem intimidação com a câmera, com a qual
convivem diariamente, porém podem recair em discursos prontos, insistindo em relatos
cristalizados na memória, e que de acordo com Verena Alberti (2008, p. 179), cumprem um
papel de significação específico do passado.
Atentando para essas situações é possível contorna-las e estabelecer um diálogo, com
base em confiança e respeito entre entrevistadora e entrevistadas, que pode vir a ser
enriquecedor para os desafios propostos pela pesquisa. Ao interpretar a entrevista é necessário
ser fiel à lógica e às escolhas das entrevistadas. Para Verena Alberti (2008, p. 189) é preciso
que o historiador tenha bem claro porque, como e para que se fará a pesquisa utilizando
história oral, especialmente para que não sejam adotadas posturas ingênuas.
Os nossos cuidados vão no sentido de procurar criar empatia com as entrevistadas,
bem como respeitar seus posicionamentos e preservar as suas falas – especialmente as que
podem se mostrar demasiado reveladoras – de maneira que não afetem seu desempenho junto
ao público que atingem, especialmente porque existe um grande número de opositores e
críticos dos blogs e das figuras das blogueiras, um exemplo é a blogueira Shame, que alimenta
seu blog com gafes e críticas que as leitoras lhe mandam de diversas blogueiras de moda e
beleza. Uma das principais críticas vai no sentido dos “jabás”, ou publieditoriais, que muitas
vezes trazem a divulgação de produtos que elas receberam das marcas sem anunciar que se
trata de um publieditorial. Um ponto muito julgado nas redes sociais é a perda de qualidade
do conteúdo conforme as blogueiras ficam famosas e se afiliam e divulgam mais empresas e é
questionada até mesmo a sua aptidão como produtoras de conteúdo significativo para o campo
da moda. Assim, é preciso muito cuidado para que a entrevista de história oral não as coloque
em situações de constrangimento e perdas1.
Levando em consideração esse contexto, e o argumento de Alistair Thomson (2000, p.
61) que afirma que o historiador oral pode ser forçado a escolher entre a responsabilidade para
com seus informantes e a sua responsabilidade frente à história e à sociedade, como proceder
em relação às questões éticas da pesquisa em história oral?
Aldo Bona (2012, p. 238) nos diz que o compromisso do historiador com a verdade
do passado apresenta-se como problema ético, justamente por estar sob o âmbito das decisões
individuais. A narrativa do historiador, bem como o processo de atribuição de significados
nunca é neutra de um ponto de vista ético. O compromisso moral do historiador para com a
memória é a garantia do estabelecimento do que Bona (2012, p. 238-239) denominou
“política da justa memória”. Baseado no desenvolvimento do pensamento de Ricoeur, ele
afirma que apenas o compromisso moral do historiador pode aparecer como a garantia de
“cientificidade” da história (BONA, 2012, p. 239). Temos então uma inseparabilidade entre as
questões metodológicas do fazer histórico e o compromisso ético-político do historiador com
a verdade do passado (BONA, 2012, p. 249).
Por sua vez, Marina Soler Jorge (2012) levanta algumas questões e propostas no
sentido de uma preocupação ética com a entrevista, ela fala sobre a interlocução entre
entrevistador e entrevistado através das estratégias utilizadas por diversos cineastas em seus
filmes. A partir do filme de Morin e Rouch “Crônica de um verão”, que coloca em questão as
fronteiras entre o real e o encenado, Jorge (2012, p. 53) procura refletir acerca do que é
verdade e do que é representação na gravação de uma entrevista, pois Morin e Rouch
perceberam que as novas tecnologias não resolveriam os problemas éticos e estéticos na
construção de um real documental, mas trariam novos problemas. Assim, a única verdade em
um filme documentário seria aquela que inclui o próprio cineasta, e a partir desta
consideração de Jorge (2012, p. 56-57), podemos pensar também o trabalho do historiar oral,
que constrói a verdade a partir de uma “matéria-prima” retirada do entendemos como real.
1
Especialmente de seguidores, pois esses números que definem o sucesso, popularidade e renda das blogueiras.
Assim, ele constrói o processo de entrevista, retira das falas de seus entrevistados aquilo que
convém à sua pesquisa, e assim ao selecionar do real o que deseja, é ele quem decide o que
fará com a imagem desses entrevistados. Entre o que é gravado na entrevista e a imagem
construída pelo historiador, diversas escolhas são possíveis, podendo alterar o sentido desse
“real”. Estes não têm controle sobre a maneira como o historiador vai se apropriar de suas
falas e imagens, embora estejam assinando um termo de concordância com a publicação da
entrevista. Qualquer texto dado ao público contém um potencial de reconfiguração do mundo,
e assim há a necessidade de um comportamento responsável por parte do intelectual
(RICOEUR, 1968, p.08 apud BONA, 2012, p. 248). Trata-se de uma situação complicada do
ponto de vista ético, pois existe um desequilíbrio de poder. Com o filme “A tênue linha da
morte” de Errol Moris, Jorge (2012, p. 60) procurou mostrar que chegar ou não a uma verdade
depende mais das contingencias e interesses particulares do momento da entrevista, do que de
uma lógica passível de ser demonstrada em um documentário, e em nosso caso, na entrevista.
Já ao falar do trabalho do cineasta Michel Moore a autora levanta um dos problemas éticos
que é justamente a falta de problematização das entrevistas e do lugar do entrevistador
(JORGE, 2012, p. 62-63).
O historiador deve pensar as memórias dos seus entrevistados como produção do
conhecimento histórico. Durante muito tempo a história se desenvolveu em fusão com a
memória para glorificar o passado e enaltecer a nação, visando desenvolver uma memória
nacional. Com Maurice Halbwachs (2004, p. 85) e seus estudos sobre memória coletiva
começa a haver uma oposição entre história e memória, pois a função da história seria anular
e erradicar a memória. Para Pierre Nora (1993, p. 7-28) a história do desenvolvimento
nacional na França é o meio de memória por excelência. Somente a partir de uma história da
história que gerou o despertar de uma consciência histórica, é que a fusão entre história e
memória passou a ser questionada. Quando Halbwachs (2003, p. 53) nos fala sobre a distinção
entre memória coletiva e memória histórica, elas se opõem radicalmente. No entanto quando
ele distingue memória coletiva de memória individual, e explica que a memória coletiva
sempre existiu dentro da memória individual e que ambas possuem uma certa continuidade: a
memória coletiva é constituída a partir de lembranças e referências do grupo. São as
lembranças do sujeito na coletividade que formam a sua memória individual, essas memórias
se apoiam mais sobre o passado vivido do que sobre o passado apreendido, pois possuem um
caráter de afeições. A lembrança é uma imagem engajada em outras imagens, facilitando o
processo de realização das entrevistas (HALBWACHS, 2003, p. 75). Desta maneira
consideramos a possibilidade de realizar as entrevistas com cada uma das blogueiras em
separado, porém atentando para a suscitação da memória coletiva acerca da experiência que
vivenciaram juntas durante o making off da edição de Julho de 2013 da revista Glamour.
Para François Dosse (2003, p. 284), a oposição entre história e memória não é
pertinente pois existe uma interpenetração dos dois campos e a História do Tempo Presente
contribui para modificar essa relação. Citando o estudo de Georges Duby sobre a batalha de
Bouvines, Dosse (2003, p. 284) nos diz que a metamorfose dessa memória é que se torna
objeto da história, assim como o acontecimento em seus limites temporais, e por conseguinte,
o estudo dos “jogos da memória” e do esquecimento dos seus vestígios pode mostrar como a
percepção do fato vivido “(...) se propaga em ondas sucessivas” (DOSSE, 2003, p. 284). E
através de Philippe Joutard, Dosse afirma que a pesquisa historiográfica não pode ser
separada de um exame das mentalidades coletivas (DOSSE, 2003, p. 285). Por sua vez, em
discurso com Pierre Nora, ele afirma que o deslocamento do olhar do historiador, que
corresponde à reviravolta historiográfica atual, abre as vias para uma nova história, na qual
não são priorizados os acontecimentos por si mesmos, mas a sua construção no tempo, as suas
ressignificações, ou seja, não o passado que é analisado tal como aconteceu, mas os seus
sucessivos reempregos: “O que está em jogo é a tomada de consciência pelos historiadores, do
estatuto de segundo grau de seu discurso. Deve-se evitar o impasse ao qual uma grande
separação conduz, mas também a fusão dessas duas dimensões.” (DOSSE, 2003, p. 286).
As fontes orais na escrita do tempo presente torna possível, de acordo com Aldo Bona
(2012, p. 208), uma história da memória, pois a história do Tempo Presente modifica a
relação com o passado, sua visão e estudo. Assim, de acordo com Aldo Bona (2012, p. 210),
para Paul Ricoeur, as relações entre memória e história devem ser concebidas numa
perspectiva dialógica, nem sinônimas, nem opostas. Por conseguinte, a memória é encarada
como uma fonte fundamental do conhecimento histórico e possui estreita ligação com ele. Os
acontecimentos se tornam “supersignificados” pelo seu caráter irredutível (RICOEUR, 2007,
p. 17 apud BONA, 2012, p. 209), pois os relatos levantam questionamentos e alteram as
posições dos depoentes no tempo presente, que passam a significar de outra maneira os
acontecimentos passados. E a história tem o papel de retomar o acontecimento, reinterpreta-lo
e resignificá-lo. A busca da “política da justa memória é um desafio para a historiografia na
atualidade (RICOEUR, 2007, p. 17 apud BONA, 2012, p. 209).
Dosse (2003, p. 288) afirma que Ricoeur se inspirou na prática analítica para propor
uma abordagem do trabalho da memória. Desta maneira, “(...). As memórias individual e
coletiva têm de manter uma coerência na duração em torno de uma identidade que se inscreve
no tempo da ação (...)” (DOSSE, 2003, p. 288). Por sua vez, a memória é inseparável do
trabalho do esquecimento, ela é a interação entre o apagar e o conservar, é um modo de
seleção do passado, não um fluxo exterior ao pensamento, mas uma construção intelectual
(DOSSE, 2003, p. 289).
As memórias dos entrevistados devem ser cruzadas com outras fontes, não devem ser
assumidas como “verdadeiras”, mas deve-se levar em consideração que as entrevistas
possuem uma consistência interna e os interesses próprios dos entrevistadores não devem
servir de base para avaliar a memória de um entrevistado, pois as pessoas irão lembrar do que
elas acham que relevante e não daquilo que o entrevistador acha que é mais importante,
principalmente porque as memórias mudam com o passar do tempo e portanto devem ser
consideradas no contexto do “ciclo de vida” do entrevistado (FREUND, 2013, p. 51).
As entrevistas de história oral que vamos realizar para responder às questões da nossa
pesquisa serão, então confrontadas com outras fontes, como os vídeos de divulgação da
edição de julho de 2013 que a revista Glamour publicou no seu canal do Youtube “Glamour
Brasil”. São cinco vídeos nos quais as cinco blogueiras, Camila Coelho, Lalá Rudge, Thássia
Naves, Helena Bordon e Camila Coutinho participaram, tanto da capa quanto de algumas
matérias da edição, que foram produzidos pela mesma equipe 2, e mostram as blogueiras nos
bastidores das seções de fotos para a revista, sendo entrevistadas entre elas e pela revista
Glamour sobre sua relação com a revista e sobre o que estavam achando da sua participação
para a produção daquela edição. Cada um dos vídeos é dedicado a uma blogueira e duas
outras blogueiras diferentes fazem perguntas àquela. Vamos analisar aqui algumas dessas
questões feitas entre as blogueiras e pela revista Glamour, levando em consideração o seu
contexto de produção e divulgação.
Atualmente a entrevista de história oral “(...) está situada em um contexto social de
cultura de massa da confissão, cujo escopo vai do The Oprah Winfrey Show ao Facebook”
(FREUND, 2014, p. 207). Freund (2014, p. 207) se questiona como a história oral pode se
encaixar em um contexto mais amplo cultural e socialmente e na prática de perguntar aos
indivíduos acerca deles mesmos, sobre suas vivências, processo que existe há muitos séculos.
O autor explica que a entrevista passou a ser utilizada em ritmo acelerado devido à ajuda dos
novos veículos de comunicação de massa:
(...) inclusive as novas mídias sociais, como Facebook e Twitter, que se
disseminaram por meio das novas tecnologias digitais da comunicação de
massa (computadores pessoais, telefones celulares, smartphones e tablets,
bem como a internet e um número cada vez maior de plataformas de redes
sociais e aplicativos) (...). (FREUND, 2014, p. 226).

2
Rodrigo Chiba e Marcelo Proença e possuem duração aproximada de 2 a 3 minutos dependendo do vídeo.
Para realizarmos, então a análise das entrevistas produzidas pela revista Glamour com
as blogueiras, a leitura de Alexander Freund elucidou as questões sobre como elaborar
pesquisas através de histórias orais arquivadas como processo gerador de dados 3, pois o autor
esclarece sobre como localizar e utilizar esses dados de forma eficaz e sistemática (FREUND,
2013, p. 28). Desta maneira é necessário que o pesquisador conheça a natureza das fontes de
história oral, o método e o discurso teórico sobre essa história para obter um caminho
eficiente de análise de entrevistas não produzidas por ele mesmo, pois saber dos
procedimentos e padrões ajudam a avaliar os projetos de outros pesquisadores para saber se
irão e como usar as entrevistas: “(...) vale a pena entendê-las não apenas como fontes para se
extrair fatos (dados), mas sim como construções sociais complexas que são inerentemente
subjetivas e, assim, oferecer múltiplas camadas de significado (...)” (FREUND, 2013, p. 29-
30). Finalmente, os arquivos de histórias orais, assim como as entrevistas que estamos
analisando, nos permitem visualizar sobre a época da sua produção (FREUND, 2013, p. 34).
A relação entre entrevistador e entrevistado precisa ser entendida para dar sentido à
entrevista, pois as expectativas e suposições, tanto do entrevistador como do entrevistado, é
que dão forma à entrevista como ela é narrada, e Freund citando Ritchie (2003, p. 101 apud
FREUND, 2013, p. 40) diz que os entrevistados acabam por controlar os entrevistadores, pois
procuram dizer, muitas vezes, o que eles querem ouvir. Por conseguinte, é preciso levar em
consideração que o status social, raça, gênero, posicionamento político, dentre outros, do
historiador são elementos que acabam por moldar a sua relação com o entrevistado, bem
como o ambiente da entrevista também tem influência na sua realização (FREUND, 2013, p.
41). Outro fator importante é o tempo, pois a memória se modifica com o passar do tempo e
do posicionamento do narrador em relação à sua própria trajetória de vida (FREUND, 2013,
p. 41). Portanto, descobrir sobre o entrevistador e o local da entrevista nos ajuda a
compreender sobre as especificidades de cada questão e cada resposta da entrevista no seu
contexto de produção. Freund (2013, p. 46-47) também chama a atenção para a importância
de ouvir as entrevistas, e não apenas ler as transcrições, não só devido ao grande número de
informações que podem se perder/alterar com as transcrições, mas também pelo seu caráter
oral, que possui sutilezas e significados que não podem ser transmitidos pela palavra escrita.
Embora seja difícil para muitos pesquisadores compreender a oralidade das entrevistas, eles
devem ouvi-las para que possam compreendê-las na sua totalidade (FREUND, 2013, p. 47).

3
Embora não utilizemos aqui depoimentos de história oral guardados em arquivos, vamos nos utilizar de vídeos
com entrevistas publicados no Youtube e disponíveis nos arquivos dos blogs e no site da própria revista
Glamour.
Os vídeos publicados no Youtube possuem uma breve descrição que não fornecem
informações sobre o lugar em que as entrevistas foram produzidas e nem mesmo quando.
Assim, investigamos no site da revista Glamour, e encontramos uma reportagem de maio de
2013, que fala sobre a proposta do concurso para eleger as blogueiras que sairiam na capa da
edição de julho daquele mesmo ano, e apresenta cada uma das cinco mulheres, com uma foto
do look do dia de cada uma e com breves descrições sobre seus perfis, como idade, lugar de
onde veio ou mora e o número de seguidores no Instragram. A reportagem descreve como
seria o processo de votação online e mostra um desenho para explicar como as blogueiras
ficariam dispostas na capa e folder4. O artigo também anuncia que se trata de uma edição
especial:
(...) será nossa edição de real people, ou seja, os editoriais e a capa serão
estrelados por não-celebridades e não-modelos. E para coroar essa
homenagem à mulher de verdade, como a gente e como você, tivemos uma
ideia mara: uma capa com a cinco maiores blogueiras que este Brasil já viu!
(MÉRA; BARBI, 2013)5.

Além do uso de uma linguagem informal, que tenta se aproximar daquela utilizada
pelas próprias blogueiras com o intuito de alcançar os leitores que estão inteirados sobre o
campo da moda e que se comunicam nas mídias sociais, o artigo procura divulgar sua edição
de julho de 2013, com o argumento de que naquela edição apenas “mulheres reais”, assim
como as suas leitoras, fariam parte dos seus editoriais e capa. Apesar do site da revista
Glamour apontar para as blogueiras como pessoas “reais”, ou seja, não-celebridades e não-
modelos, o próprio artigo que aqui nos referimos, aponta para alguns dos motivos pelos quais
as cinco blogueiras foram escolhidas pela revista para essa votação. Além de um contato
anterior com a revista, no qual cada uma delas participou de alguma matéria ou capa, o seu
sucesso, medido pelo número de seguidores no Istagram e pelo tipo de conteúdo publicado em
cada um dos blogs, é fator decisivo para a seleção das cinco blogueiras, ou seja, seu sucesso é
decisivo para que possam fazer parte do conteúdo da revista, não se tratam de pessoas
anônimas, além de possuírem um padrão de beleza 6 aceitável para serem publicadas pela
revista. Quando entrevistadas pela revista Glamour sobre a sua relação com a revista, as
blogueiras, como Camila Coelho e Camila Coutinho, deixam evidente que já possuem uma
relação com a equipe da revista, por terem participado de números anteriores, e é possível
perceber que a revista está preocupada em trazer as blogueiras para o seu conteúdo, acabando

4
Na capa principal sairiam as duas blogueiras mais votadas, e no folder estariam dispostas as outras três.
5
Disponível em http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/bruno-astuto/noticia/2014/11/balice-ferrazb-
idealizadora-de-curso-de-graduacao-para-blogueiras-diz-isso-nao-e-uma-piada.html.
6
Todas são brancas e magras.
assim por valorizar sua profissão, e ao mesmo tempo, atrair mais leitores para si. Sabemos
que esse artigo foi produzido dois meses antes do lançamento da edição de julho da revista
Glamour, e que os vídeos de divulgação que estamos analisando foram produzidos nesse
período de tempo, após o resultado da votação que elegeu Camila Coelho e Camila Coutinho
para a capa, pois foram divulgados no mês de junho de 2013, um mês antes do lançamento do
número em questão da revista.
Ao dialogar com Portelli, Freund nos fala da importância dos erros, invenções e mitos
nos depoimentos de história oral, pois podem nos conduzir para além dos fatos, nos mostra os
interesses, sonhos e desejos dos entrevistados (PORTELLI, 1992, p. 02 apud FREUND, 2013,
p. 56). Devemos atentar para os vídeos produzidos para o comercial da Glamour com as
blogueiras, pois erros, silêncios, dentre outros, foram provavelmente cortados no momento da
edição. Temos que levar em consideração que as falas de cada uma delas podem ter sido
ensaiadas para atender a uma determinada qualidade estética dos vídeos como um todo.
Entretanto, partimos do princípio de que as questões presentes foram elaboradas pelas
próprias blogueiras.
A característica de diário dos blogs, com publicações diárias que acompanham as
atividades cotidianas das blogueiras, ainda é muito valorizada, é um dos aspectos que
diferenciam os blogs das demais mídias e é um dos assuntos muito explorados nas entrevistas
que elas realizaram umas com as outras para a revista Glamour. É o caso do vídeo com a
blogueira Camila Coutinho, aonde ela, questionada por Lalá Rudge sobre os diferentes
conteúdos que ela posta no Istagram ou no blog, se há separação entre vida pessoal e vida
profissional, ao que Camila responde que como blogueira não há como separar a vida
profissional da vida pessoal, diz que é “uma coisa só”, pois as blogueiras falam sempre em
primeira pessoa e o Instagram acaba “roubando alguns posts” que iriam para o blog,
especialmente quando o look do dia é publicado primeiramente nesta rede social, e portanto
deixa de ser inédito no blog.
No vídeo com Thássia Naves, Lalá Rudge lhe questiona sobre como ela lida com a
grande exposição da sua vida pessoal no blog e com as críticas que recebe em função dessa
abertura, ao que Thássia responde que aos poucos ela foi aprendendo a lidar com as críticas e
que já havia pensado em desistir do blog por conta disso, entretanto ela afirma que não
pretende desistir, pois é seu “trabalho do coração”, por ter seguidoras que estão sempre lhe
escrevendo e incentivando.
Por sua vez, no vídeo com a blogueira Camila Coelho, Lalá Rudge afirma que ela foi a
primeira brasileira a conquistar 1 milhão de seguidores no Instagram, pergunta então como ela
se sentiu com essa conquista e porque ela atraiu tantos seguidores, ao que Camila Coelho
responde que embora não saiba o porquê, afirma que tenta ser acessível em relação aos seus
seguidores e suas leitoras, ao tentar responder os comentários do seu blog. É possível
perceber, através dos vídeos que as redes sociais ocupam tanto espaço e importância na
profissão das blogueiras, quando os próprios blogs, pois são ferramentas de divulgação que
atraem grande número de seguidores e consequente difusão para as blogueiras. Embora as
redes sociais permitam uma certa interação entre leitores/seguidores, pois há a possiblidade de
interação com as blogueiras via comentários, sabemos que essa relação não se desenvolve de
igual para igual, em primeiro lugar porque há um número muito grande de pessoas
comentando e “interagindo” nas redes sociais e nos espaços de comentários dos blogs, o que
faz com que as blogueiras não tenham condições de responder a todos, sejam eles críticas,
sugestões ou elogios. Em segundo lugar, as blogueiras continuam sendo as principais
produtoras do conteúdo que irão disponibilizar no blog e nas redes, independentemente dos
comentários que discordam do seu posicionamento.
O comercial com os cinco vídeos das blogueiras foi produzido como uma maneira de
divulgar a edição de julho de 2013, mas também para mostrar um clima de celebração através
das imagens de making off, nos bastidores das seções fotográficas com as blogueiras. Todas as
blogueiras são questionadas sobre o que acharam de trabalhar com o renomado fotógrafo
espanhol Josep Ruaix Duran7, que costuma fotografar “celebridades”, ao que elas relatam ser
um sonho ou uma realização. O tom de comemoração se estende para as imagens dos
bastidores que se sobrepõem às falas das entrevistas dadas pelas blogueiras, nas quais há uma
casa luxuosa como cenário, as blogueiras são vistas sendo produzidas por profissionais,
fotografadas e filmadas, em meio ao vestuário de grife. A revista procurou ressaltar o tema da
edição, de “real peaple”, no qual mulheres “reais” têm a oportunidade de serem fotografadas e
tratadas como celebridades e de aparecer no conteúdo da edição, como uma estratégia para
mostrar que valoriza as mulheres “reais”, assim como as suas leitoras.
“A ascensão da “narração de histórias” como um novo fenômeno cultural ilumina o
crescimento dessa cultura de massa da confissão no início do século XXI. Apesar dos seres
humanos sempre terem contado histórias, nunca as pessoas contaram tantas histórias sobre si
próprias (...)” (FREUND, 2014, p. 227). A produção de material sobre moda e
comportamento traz consigo uma proposta de evidenciar a vida cotidiana das blogueiras,
aonde o público e o privado se mesclam, como já vimos nas análises das entrevistas da

7
Atualmente reside em São Paulo, fotografa para revistas como Elle Brasil e Vogue, ganhou 7 prêmios Abril de
Jornalismo e realiza campanhas para diversas marcas.
Glamour. Por conseguinte, utilizar a confissão e as histórias sobre si mesmas são recursos
frequentemente utilizados conjuntamente com informações, pois a moda e o estilo pessoal
caminham em conjunto com o estilo de vida que é divulgado.
Tais aspectos do conteúdo dos blogs são evidenciados no vídeo “Bate papo – Eu
mudei?”8 produzido pela blogueira Camila coelho que possui uma proposta bastante
diferenciada dos vídeos produzidos para o comercial da Glamour. Neste vídeo, Camila faz um
relato sobre sua posição enquanto blogueira, em formato de confissão. Falando diretamente
com a câmera, ela relata como o sucesso do blog a atingiu e explica sobre suas frequentes
viagens e queda de qualidade e número de postagens do blog, frente às críticas que recebe nos
comentários.
As críticas às quais a Camila se refere são no sentido, não apenas do abandono ou
queda de qualidade do conteúdo do blog, mas também sobre a sua fama, tais como falta de
humildade e de interesse no público brasileiro, o fato de utilizar peças de vestuários que não
são mais acessíveis à maioria das suas leitoras, e a diminuição na quantidade de vídeos
postados por ela em seu canal do Youtube. Ela se defende inicialmente, afirmando que como
figura pública ela sabe lidar com as críticas e sabe que não vai conseguir agradar a todos,
afirma que mesmo muito ocupada pelas demandas do blog ela está sempre tentando ler e
acompanhar os comentários das suas leitoras. Consequentemente ela admite que se distanciou
das suas leitoras e que mudou em alguns aspectos, pois amadureceu e viveu muitas coisas e a
seguir explica a sua nova rotina, que mudou em relação aos primeiros anos do blog, pois com
as viagens seu tempo para criação de conteúdo é mais limitado. Ela afirma que sua vida é
“corrida” porque não pretende dizer não para as oportunidades que surgem em função do seu
blog, como a participação em campanhas, ser garota propaganda de marcas conhecidas ou
participação em semanas de moda. Por outro lado, ela ressalta que apesar de ter uma pequena
equipe que ajuda a produzir material para o blog, ela não quer deixar de trabalhar com isso,
pois para ela o blog tem grande importância. Por fim ela fala que a vida glamorosa que as
pessoas vislumbram pelo blog ou pelas mídias sociais é o seu trabalho e apesar de ter muito
da sua vida pessoal, ela se considera uma “menina normal” como as suas leitoras. É possível
perceber que o vídeo foi pouco editado e que a blogueira optou por mantê-lo com um
depoimento longo, com muitas repetições na sua fala, num intuito de ser uma conversa
informal com os seus leitores e seguidores.
Citando Taylor, Freund afirma que “Hoje, ‘confessamos a respeito de tudo o que tem a
ver com o ‘self’, e não apenas com nossos pecados e nossa vida sexual. Confessamos sobre
8
O vídeo tem duração de 22 minutos e 47 segundos.
nossa infância, por exemplo, e a dinâmica de poder em nossas famílias de modos que não
teriam interessado aos sacerdotes da Renascença’” (TAYLOR, p. 78 apud FREUND, 2014, p.
228). Em seu vídeo, em formato de “bate-papo”, Camila Coelho fez uma série de
esclarecimentos que envolvem suas escolhas pessoais em relação à sua profissão de blogueira
e sobre a sua mudança após o grande sucesso que seu blog atingiu, como uma maneira de se
reportar frente às críticas que recebeu. Sobre as confissões e histórias de vida, como o vídeo
feito por Camila Coelho, Freund especifica que:
(...) Sem dúvida, não são história oral, mas a história oral é historicamente
moldada por elas. Ao menos à primeira vista, há grandes áreas de
sobreposição que devem ser abordadas. Em primeiro lugar, as pessoas que
entrevistamos (pelo menos na sociedade ocidental) cresceram em uma
sociedade da entrevista e em uma cultura de massa da confissão. Elas
aprenderam a falar sobre si próprias tanto por meio dos meios de
comunicação de massa, dos livros de autoajuda, dos talk shows e das redes
sociais como a partir de práticas religiosas de confissão, do conhecimento da
confissão no ordenamento jurídico, das visitas ao consultório médico e dos
terapeutas. Em segundo lugar, nós, os historiadores orais, aprendemos a falar
acerca do self exatamente da mesma maneira. Trazemos à entrevista de
história oral a mesma compreensão e expectativa acerca do que significa
falar de si mesmo que nossos entrevistados. Em terceiro lugar, o método da
história oral e, em especial, a entrevista tem uma longa história que a
entrelaça firmemente com o desenvolvimento da confissão, a sociedade da
entrevista e o surgimento de uma cultura de massa da confissão. (FREUND,
2014, p. 232).

Finalmente, pretendemos levar em consideração que ao fazermos história oral,


devemos atentar para alguns aspectos que não podem ser negligenciados, pois o historiador,
embora possua a melhor das intenções não tem como saber como seu trabalho vai impactar os
seus leitores, bem como nunca dá total conhecimento aos seus entrevistados sobre o que fará
com essas informações e sua imagem pessoal. A intimidação pela câmera não é o grande
problema de nossa pesquisa, porque nossas entrevistadas são figuras públicas, porém devemos
considerar que a sua capacidade de controle da própria imagem pode interferir de certa
maneira no resultado das entrevistas. Por fim, o fato de o entrevistado dar o seu
consentimento não exime o historiador de ter cuidado e respeito para com ele, especialmente
porque além das questões éticas e morais, a publicação pode ofender ou prejudicar o
entrevistado.
Acreditamos que o historiador deve problematizar sua condição de entrevistador que
detém o poder sobre as imagens dos entrevistados e não pode deixar de levar em consideração
a intencionalidade do seu objeto de pesquisa, bem como deve procurar perceber cada
depoimento, de acordo com Verena Alberti, na sua condição de produção e o contexto
histórico específico em que estão inseridos (ALBERTI, 2008, p. 185). Por sua vez, Freund
afirma que:
(...) a compreensão profunda dos historiadores orais acerca da narrativa e da
memória possibilita e atribui a eles a responsabilidade de identificar onde e
como as narrativas dominantes impedem que as pessoas se tornem diferentes
do que são. (...) por meio do compartilhamento de autoridade em todos os
aspectos de nossos projetos, auxiliamos nossos narradores a refletir sobre
quem são eles, e nós nos esforçamos para não colocá‐los nos papéis que
desenvolvemos por meio da literatura e nos objetivos de nosso projeto.
(FREUND, 2014, p. 237).

As blogueiras de moda e beleza, através do seu hospedeiro, publicam no blog


conteúdos relativos à moda e à comunicação, mas esses conteúdos são transcendidos em
outros âmbitos, como é o caso do político, social, cultural, econômico, subjetivo, dentre
outros (HINERASKY, 2012: 34). Portanto, as blogueiras não produzem apenas conteúdos
relativos à moda e à beleza como únicas temáticas dos seus blogs, mas também tecem em suas
publicações, a subjetividade através da fala sobre os seus cotidianos e da experiência de viver
a profissão de blogueiras. A fala sobre seus cotidianos pode ser analisada nos vídeos que
compõem o comercial da edição da Glamour de julho de 2013, nos quais as blogueiras se
apresentam e, através de perguntas feitas umas para as outras, revelam alguns detalhes acerca
do trabalho com os blogs e a maneira como veem o campo da moda enquanto profissionais de
um ramo que de alguns anos para cá vem se instaurando e ocupando espaços cada vez
maiores. Porém a dedicação aos blogs enquanto profissão implica em uma união, ou até
mesmo quebra da barreira entre o público e o privado, como vimos na análise do depoimento
da blogueira Camila Coelho, por meio de narrativas pessoais como forma de trabalho das
blogueiras e esse é um dos principais temas que será explorado nas entrevistas de história oral
com as blogueiras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Universidade Estadual
Paulista.

FONTES
VÍDEOS
“Bate papo – Eu mudei?” – Camila Coelho – 2015.
“The Big Five na Glamour: Camila Coelho” – Rodrigo Chiba e Marcelo Proença – 2013.
“The Big Five na Glamour: Camila Coutinho” – Rodrigo Chiba e Marcelo Proença – 2013.
“The Big Five na Glamour: Helena Bordon” – Rodrigo Chiba e Marcelo Proença – 2013.
“The Big Five na Glamour: Lalá Rudge” – Rodrigo Chiba e Marcelo Proença – 2013.
“The Big Five na Glamour: Thássia Naves” – Rodrigo Chiba e Marcelo Proença – 2013.

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