Você está na página 1de 12

SEMTEC/MEC

Vera Grellet - consultora

ANOTAÇÕES SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

1. Apresentação
2. Fundamentos para a formação de um novo professor e para uma
nova Escola de Professores
3. Diretrizes para uma formação de qualidade
4. Organização Curricular e Proposta Pedagógica para formação
Inicial

1. Apresentação
Partindo da LDB, o MEC , construiu um novo perfil para o currículo da
Educação Básica. Este perfil, descrito nas Diretrizes Nacionais , elaboradas
pelo CNE, propõem o desenvolvimento de competências fundamentais
ao exercício pleno da cidadania, enfatiza a formação geral para que o
aluno, egresso do ensino médio, possa continuar estudando e/ou entrar
para o mercado de trabalho. Isso requer uma sólida aquisição dos
conhecimentos tradicionais das ciências e das artes, articulada ao
desenvolvimento de estruturas capazes de operacionalizá-las no
enfrentamento de problemas encontrados pela realidade social
complexa.
A proposta é o desenvolvimento de um projeto pedagógico que
tenha como objetivo o desenvolvimento de competências com as quais
oss alunos possam assimilar informações e saber utilizá-las em contextos
pertinentes A educação agora é para a vida.
Concluída a fase de formulação das reformas do Ensino Médio e da
Educação Profissional , inclusive com referência às Diretrizes e Parâmetros
Curriculares, para ambos os casos, a SEMTEC encontra-se na fase de
implementação dessas reformas.
Uma tarefa necessária e urgente para essa que implementação seja
bem sucedida, é a elaboração de um projeto de formação de
educadores para a efetiva concretização da reforma do Ensino Médio
nos sistemas de ensino.
Tínhamos um ensino baseado no acúmulo de informações.
Tínhamos um professorado para desenvolver aquela tarefa de educar ?
Os dados do INEP mostram que não.
A atual reforma do Ensino Médio pretende um ensino
contextualizado e que faça sentido para o aluno. Temos um professorado
para desenvolver esta nova tarefa de educar ? Também não. Isto é, “ é
consensual a afirmação de que a formação de que dispõem os

1
professores hoje no Brasil não contribui suficientemente para que os alunos
se desenvolvam como pessoas, tenham sucesso nas aprendizagens
escolares e, principalmente, participem como cidadãos de pleno direito
num mundo cada vez mais exigente sob todos os aspectos.” 1 Seja em
qualquer etapa da educação básica.
A tarefa agora é unir os esforços dos diversos setores públicos e
privados ligados à educação para, em aproveitando a oportunidade das
reformas na educação básica e, considerando as propostas que já estão
sendo discutidas, avançar na discussão das necessárias mudanças que
devem ocorrer nas práticas tradicionais e sistemas de formação.
A SEMTEC, pode começar a contribuir, tomando como referência
as DNEM, pois delas decorrem implicações para a definição de uma nova
escola para o Ensino Médio e Profissionalizante e, sobretudo, de um novo
ofício de professor: uma nova identidade, um novo profissional.

. Retomando as diretrizes: O novo Ensino Médio Brasileiro


O ensino médio agora é parte da educação básica. Partindo da Lei de
Diretrizes e bases da Educação nacional (LDB). O MEC, num trabalho conjunto
com educadores de todo o país, construiu um novo perfil para o currículo do
ensino médio. Este perfil está descrito nas DNEM, elaboradas pelo CNE a partir
de proposta encaminhada pelo MEC.
Em primeiro lugar destaca-se a afirmação do seu caráter de formação
geral, superando no plano legal a histórica dualidade dessa etapa de educação:
Artigo 21 – A educação escolar compõe-se de:
I. educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e
ensino médio;
II. educação superior.
(.....)
O ensino médio passa pois a integrar a etapa do processo educacional que
a nação considera básica para o exercício da cidadania, base para o acesso às
atividades produtivas, inclusive para o prosseguimento nos níveis mais elevados e
complexos de educação, e para o desenvolvimento pessoal”
O caráter de educação básica do ensino médio ganha conteúdo concreto
quando, em seus artigos 35 e 36, a LDB estabelece suas finalidades, traça as
diretrizes gerais para a organização curricular e define o perfil de saída do
educando:
Artigo 35 – O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração
mínima de três anos, terá como finalidades:
I. a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos
no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II. a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a
novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

1
V.. Referenciais para Formação de Professores da SEF/MEC

2
III. o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
crítico;
IV- a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
Artigo 36 – O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I
deste Capítulo e as seguintes diretrizes:
I. destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do
significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de
transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento
de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;
II. adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a
iniciativa dos estudantes;
III. será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina
obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter
optativo dentro das disponibilidades da instituição.
Parágrafo primeiro – Os conteúdos, as metodologias e as formas de
avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o
educando demonstre:
I. domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a
produção moderna;
II. conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;
III. domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários
ao exercício da cidadania.
Parágrafo segundo – O ensino médio, atendida a formação geral do
educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.
Parágrafo terceiro – Os cursos de ensino médio terão equivalência legal e
habilitarão ao prosseguimento de estudos.
Parágrafo quarto – A preparação geral para o trabalho e, facultativamente,
a habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos próprios
estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições
especializadas em educação profissional.
A lei sinaliza, pois, que mesmo a preparação para o prosseguimento de
estudos terá como conteúdo não o acúmulo de informações mas a continuação
do desenvolvimento da capacidade de aprender e a compreensão do mundo
físico, social e cultural, tal como prevê o artigo 32 para o ensino fundamental, do
qual o nível médio é a consolidação e o aprofundamento.
(...)
Assim entendida, a preparação para o trabalho – fortemente dependente
da capacidade de aprendizagem – destacará a relação da teoria com a prática e a
compreensão dos processos produtivos enquanto aplicações das ciências, em
todos os conteúdos curriculares. A preparação básica para o trabalho não
está, portanto, vinculada a nenhum componente curricular em particular, pois o
trabalho deixa de ser obrigação – ou privilégio – de conteúdos determinados para
integrar-se ao currículo como um todo. Finalmente, no artigo 36, as diretrizes
para a organização do currículo do ensino médio, a fim de que o aluno apresente
o perfil de saída preconizado pela lei, estabelecem o conhecimento dos princípios

3
científicos e tecnológicos da produção no nível do domínio, reforçando a
importância do trabalho no currículo.

Os princípios estéticos, políticos e éticos do novo ensino médio da


LDB: a estética da sensibilidade, a política da igualdade, a ética da
identidade, deverão ser observadas pelas escolas no seu projeto
pedagógico e curricular, através das seguintes diretrizes:
- identidade, diversidade e autonomia
- um currículo voltado para as competências básicas
- a interdisciplinaridade
- contextualização
- a importância da aprendizagem sistemática e portanto da
escola
- base nacional comum e parte diversificada
- formação geral e preparação básica para o trabalho

A organização curricular apresentada a seguir pertence, pois, ao âmbito do


currículo proposto. Contraditório que possa ser chamar as presentes diretrizes
curriculares, obrigatórias por lei, de currículo proposto, essa é a forma de
reconhecer que o desenvolvimento curricular real será feito na escola e pela
escola. O projeto ou proposta pedagógica será o plano básico desse
desenvolvimento pelo qual o currículo proposto se transforma em currículo em
ação.
O currículo ensinado será o trabalho do professor em sala de aula. Para
que ele esteja em sintonia com os demais níveis – o da proposição e o da ação –
é indispensável que os professores se apropriem, não só dos princípios legais,
políticos, filosóficos e pedagógicos que fundamentam o currículo proposto, de
âmbito nacional, mas da própria proposta pedagógica da escola. Outro
reconhecimento, portanto, aqui se aplica: se não há lei ou norma que possa
transformar o currículo proposto em currículo em ação, não há controle formal
nem proposta pedagógica que tenha impacto sobre o ensino em sala de aula, se
o professor não se apropriar dessa proposta como seu protagonista mais
importante.
(...)
Os princípios axiológicos que devem inspirar o currículo foram propostos
para atender o que a lei demanda quanto a:
• fortalecimento dos laços de solidariedade e de tolerância recíproca;
• formação de valores;
• aprimoramento como pessoa humana;
• formação ética;
• exercício da cidadania.
A interdisciplinaridade e contextualização foram propostas como princípios
pedagógicos estruturadores do currículo para atender o que a lei estabelece
quanto às competências de:

4
• vincular a educação ao mundo do trabalho e à prática social;
• compreender os significados;
• ser capaz de continuar aprendendo;
• preparar-se para o trabalho e o exercício da cidadania;
• ter autonomia intelectual e pensamento crítico;
• ter flexibilidade para adaptar-se a novas condições de ocupação;
• compreender os fundamentos científicos e tecnológicos dos
processos produtivos;
• relacionar a teoria com a prática.
A proposta pedagógica da escola será a aplicação de ambos, princípios
axiológicos e pedagógicos, no tratamento de conteúdos de ensino que facilitem a
constituição das competências e habilidades valorizadas pela LDB. As áreas que
seguem, resultam do esforço de traduzir essas habilidades e competências em
termos mais próximos do fazer pedagógico, mas não tão específicos que
eliminem o trabalho de identificação mais precisa e de escolha dos conteúdos de
cada área e das disciplinas às quais eles se referem em virtude de seu objeto e
método de conhecimento. Essa sintonia fina, que, se espera, resulte de
consensos estabelecidos em instâncias dos sistemas de ensino cada vez mais
próximas da sala de aula, será o espaço no qual a identidade de cada escola se
revelará como expressão de sua autonomia e como resposta à diversidade.
(...)
Do comportamento das universidades e outras instituições de ensino
superior dependerá também, em larga medida, o êxito da concretização destas
diretrizes curriculares para o ensino médio, com o qual elas mantêm dois tipos de
articulação importantes: como nível educacional que receberá os alunos egressos
e como responsável pela formação dos professores.
No primeiro tipo de articulação está colocada toda a problemática do
exame de ingresso no ensino superior, que, até o presente, tem sido a referência
da organização curricular do ensino médio. A continuidade de estudos é e
continuará sendo – com atalhos exigidos pela inserção precoce no mercado de
trabalho, ou de modo mais direto – um percurso desejado por muitos jovens que
concluem a educação básica. E possível, com diferentes graus de dificuldades,
para uma parte deles.
O ensino superior está, assim, convocado a examinar sua missão e seus
procedimentos de seleção, na perspectiva de um ensino médio que deverá ser
mais unificado quanto às competências dos alunos e mais diversificado quanto
aos conhecimentos específicos que darão suporte à constituição dessas
competências. E deverão fazê-lo com a ética de quem reconhece o poder que as
exigências para ingresso no ensino superior exercem, e continuarão exercendo,
sobre a prática curricular e pedagógica das escolas médias.
A preparação de professores, pela qual o ensino superior mantém
articulação decisiva com a educação básica, foi insistente e reiteradamente
apontada como a maior dificuldade para a implementação destas DCNEM, por
todos os participantes, em todos os encontros mantidos durante a preparação
deste parecer. Maior mesmo que os condicionantes financeiros. Uma
unanimidade de tal ordem possui peso tão expressivo que dispensa maiores

5
comentários ou análises. Um peso que deve ser transferido às instituições de
ensino superior, para que o considerem quando, no exercício de sua autonomia,
assumirem as responsabilidades com o país e com a educação básica que
considerem procedentes.
É preciso lembrar, no entanto, que a deficiência quantitativa e qualitativa de
recursos docentes para o ensino fundamental e médio há muito se converteu num
problema crônico. Essa deficiência afetará qualquer medida de melhoria ou
reforma da educação que o país se proponha adotar. Resolver esse problema,
portanto, não é condição para a implementação destas DCNEM. É questão de
sobrevivência educacional, cuja dimensão vai muito além dos limites deste
parecer, embora se inclua entre os desafios, felizmente não exclusivos, do
Conselho Nacional de Educação. Das instituições de ensino superior se espera
que sejam parceiras no enfrentamento do desafio e na solução, não apenas na
denúncia do problema.
O próximo Plano Nacional de Educação será uma oportunidade para
discutir questões como a formação de professores, entre outras a serem
equacionadas durante a implementação destas DCNEM. Mas a negociação de
metas entre atores políticos para um plano dessa natureza não o torna
necessariamente eficaz. Mais importante será a negociação que essas metas
terão de fazer com próprias as realidades diversas do país nas quais se incluem
os gestores dos sistemas e os agentes educativos que estão em cada escola.
(...)

2. Fundamentos para a formação de um novo professor e para


uma nova Escola de Professores

As Diretrizes levantam pelo menos 3 implicações para a formação


inicial de professores, uma vez que pensar num currículo para a formação
profissional implica em pensar na profissão docente e na sua prática
pedagógica :
1. a abordagem por competências: o que leva a uma
aprendizagem e a um ensino contextualizado, através da resolução de
problemas, da vivência prática e, em permanente continuidade;
2. a identidade profissional do professor: um novo ofício
3. o saber a ser aprendido para poder ser ensinado: a
transposição didática e a homologia de processos
Essas implicações têm por trás uma concepção de professor, um
modelo de formação e de Escola de Professores. É necessário
primeiramente definir com precisão “ os gestos da profissão” , para depois
reconstituir as competências básicas e necessárias a serem desenvolvidas
e estabelecer um percurso de formação que favoreça esta construção.

6
A abordagem por competências

As DNEM baseiam-se em competências que o aluno deve adquirir


até o final do Ensino Médio, fortalecendo e ampliando o que já deve
começar a ser construído lá na Educação Infantil, ou seja, a Educação
Básica tem como meta que os alunos construam competências.
Competência é a capacidade de mobilizar diversos recursos
cognitivos para enfrentar um tipo de situações2: não são elas próprias,
conhecimentos, saber-fazer ou atitudes mas elas mobilizam , integram ,
orquestram tais fontes (orchestrent de telles resources). Esta mobilização
aparece em uma determinada situação singular. O exercício da
competência passa por operações mentais complexas.
A abordagem por competência não rejeita nem os conteúdos, nem
as disciplinas, mas acentua sua implementação. As competências têm
um poder de gerenciamento sobre os conhecimentos disciplinares.
A abordagem por competência deve também “ constituir-se em um
dos principais princípios organizadores no planejamento e na
organização da formação”
Se a formação de professores não for modificada, se o modo de
ensinar e fazer aprender não for radicalmente alterado, as palavras
mudarão mas a escola não. As DNEM, em termos de uma nova proposta
curricular, e de uma nova ação pedagógica e o ENEM, em termos de
uma nova proposta de avaliação, são passos importantíssimos na direção
de uma nova escola que realmente seja eficaz na sua função de formar
cidadãos preparados para a vida. É necessário que, para se concretizar o
caminho nesta direção, se reformule a formação de professores rumo a
um ofício novo: “ Os professores devem considerar os conhecimentos
como ferramentas a serem mobilizadas conforme as necessidades, a
trabalhar com situações-problema, a criar ou utilizar outros meios de
ensino, a negociar e produzir projetos com seus alunos, a adotar um
planejamento flexível e indicativo, a improvisar, a implementar e explicitar
um novo contrato didático, a praticar uma avaliação formadora e
processual, em uma situação de trabalho, a alcançar uma
compartimentação disciplinar menor.”

Implicações da abordagem por competência para o ofício de


docente

O fazer do professor, solicitado pelas reformas curriculares é novo: o


objetivo é levar o aluno aprender a aprender, é formá-lo em
competências durante a escolaridade básica. Isso requer do professor
que transforme, sua relação com o saber, seu modo de ensinar, sua

2
Perrenoud 99

7
identidade, resultando num profissional que desenvolva competências
profissionais específicas, tais como:
- Trabalhe regularmente por problemas;
- Crie e utilize vários meios de ensino;
- Negocie e conduza projetos com seus alunos;
- Adote um planejamento flexível e indicativo e que saiba
improvisar;
- Explicite o contrato didático entre ele e os alunos;
- Desenvolva avaliações processuais, durante o trabalho de
modo a poder fazer ajustes em seus planejamentos;
- Dirija-se para uma menor compartimentação disciplinar
A proposta do novo ensino médio, como qualquer reforma no
âmbito educacional, depende da adesão e do engajamento dos
professores para que se concretize. Mas além disso, esta nova proposta
requer um novo professor, é um novo ofício docente, um novo tipo de
profissionalismo, que requer uma nova identidade, uma reorientação na
sua formação. Não pode haver contradição entre o discurso das DNEM e
a formação dos docentes responsáveis pela viabilização do ensino e
aprendizagem dos alunos dentro daqueles parâmetros.
A proposta da DNEM só acontecerá se, a formação profissional dos
professores também acontecer na mesma direção – desenvolvimento de
competências orientado para a profissionalização - e, se , em sua
formação puderem experimentá-la pessoalmente. “Textos novos não
produzem sozinhos, as representações e as práticas dos docentes” ; “ “Se
o modelo de formação de alunos não for reforçado pelo modelo de
formação dos professores , e vice-versa, de onde virá a mudança?” 3

Qual formação?

A formação inicial é na verdade o início da formação continuada


que acompanhará o profissional em toda sua carreira.
A formação de professores é uma preparação para uma profissão
complexa. Deve conhecer: uma política da educação, uma ética da
relação, uma epistemologia dos saberes, uma transposição didática, um
contrato pedagógico, uma teoria de aprendizagem.
Mas, para que serve saber tudo da psicologia do adolescente se,
em situação, esse conhecimento não é mobilizado para tomar decisões ,
seja para compreender as origens e os efeitos de uma ação impulsiva ou
de um bloquei? Para que serve uma cultura sociológica ou antropológica
se ela não ajuda a lidar com as diferenças e os conflitos culturais no dia a
dia? Para que serve saber teorias de ensino e de aprendizagem se ela não
ajuda a identificar e combater as dificuldades de alguns alunos? Para

3
Perrenoud

8
que serve uma erudição em uma disciplina e na sua didática se não se
baseia as atividades de planejamento e de transposição? Esses
conhecimentos são indispensáveis mas , mas permanecerão estéreis
enquanto o profissional não os souber mobilizar na ação, combiná-los com
saberes intuitivos.
Assim trata-se não tanto de estabelecer uma lista de competências ,
mas de representar de forma precisa os funcionamentos dos professores
em situação. Apenas com imagens detalhadas e realistas do exercício da
profissão poderemos deixar de lutar contra moinhos de vento,
descrevendo simplesmente as competências requeridas bem como os
recursos necessários para fazer face à complexidade. As profissões
relacionais mobilizam competências didático-pedagógicas mas também
pessoas. A formação de professores é necessariamente uma formação
global da pessoa.
Para isso as diretrizes para formação de professores deve:

1- definir e partir de uma imagem explícita e realista da profissão :


o que faz um professor numa sala de aula?
2- dosar o idealismo
3- definir competências essenciais e possibilitar uma formação
aberta: pluralismo e pragmatismo: não existe, por enquanto, de uma
teoria unificada e válida sobre a melhor forma de ensinar. A formação
deve passar por diversas práticas, estimulando o hábito de observar, de
questionar, até de imitar, desde que reflexivamente.
4- basear-se processo clínico para articular teoria e prática: a
teoria funciona como óculos de leitura da experiência, ajuda a prever e
controlar, embora não tudo, ajuda a dar sentido, a formular hipóteses
interpretativas. É um funcionamento de vai e volta constante entre o fazer
e o refletir. O futuro professor deve valorizar e desenvolver o hábito, os
instrumentos e os conceitos para aplicar este funcionamento de forma
metódica. Como a tônica é a singularidade, podemos falar em processo
clínico. A formação deve abrir os olhos, oferecer contextos teóricos e
conceituais a propósito dos fenômenos relevantes numa sala de aula. Isso
pressupõe uma alternância entre estágios (de observação aos de
intervenção) e módulos teóricos interativos
5- enfatizar desenvolvimento pessoal e autodomínio
6- reconhecer que a formação é de adultos, contratual,
diferenciada: o profissional é o primeiro responsável pela sua qualificação
7- fazer face às diferenças e às mudanças: a profissionalização
deverá transmitir confiança, polivalência, curiosidade e mobilidade,
estimulando a adaptação a ambientes distintos
8- reconhecer a improvisação regulada assim como a
transposição didática: reconstrução permanente das situações didáticas
e dos conteúdos

9
9- estimular o aprender em grupo: estimular o trabalho em
equipe, a metacomunicação, a divisão de trabalho, a negociação, a
gestão das diferenças e dos conflitos
10- propiciar a construção de uma identidade profissional:

“ A prática é a pedra de toque das competências, o lugar da sua


integração e da sua avaliação formativa. Daí que a organização
curricular tem que relacionar as contribuições teóricas com os estágios e
as experiências práticas. Sem renunciar à apropriação de um corpo de
conhecimentos teóricos , a formação de professores deve se movimentar
rapidamente e concomitantemente para a implicação dos futuros
professores nas salas de aulas e para um trabalho, individual e coletivo de
teorização da sua experiência. Processo clínico: trazer uma parte
importante dos conhecimentos teóricos como respostas a situações
vividas, esclarecimentos, óculos de leitura da experiência de formação.
Não basta criar períodos de estágios, é necessário que o tempo de
trabalho nas escolas sejam preparados e explorados .
Neste processo de profissionalização, mais do que difundir respostas
e soluções, a formação prepara os futuros professores para se
interrogarem e para identificarem e resolverem problemas. São
competências metodológicas, não só para ensinar, mas para refletir sobre
a prática. A prioridade é formar um prático reflexivo, capaz de auto-
observação, , auto-avaliação e auto-regulação. Em equipe, não
reinventando a roda, interessando-se pelos resultados da investigação em
educação, mas permanecendo o artesão da integração destas várias
contribuições numa prática pessoal.

O saber didático como um dos eixos da formação dos professores

A questão da especificidade do conhecimento didático: não se


importa , simplesmente, os saberes das ciências e se concebe a didática
de cada ramo do saber como uma ciência autônoma, cujo objeto de
estudo é a comunicação do conhecimento. O saber didático, ainda que
se apoie em saberes produzidos pelas ciências, não pode deduzir-se
simplesmente delas, mas é construído para resolver problemas próprios da
comunicação do conhecimento, é resultado do estudo sistemático das
interações que se produzem entre professor, os alunos e o objeto de
ensino, é produto da análise das relações entre ensino e a aprendizagem
de cada conteúdo específico, se elabora através da investigação
rigorosa do funcionamento das funções didáticas. Não se deduz
orientações didáticas a partir dos estudos psicológicos mas, ao contrário
as investigações didáticas realizadas em diferentes países colocaram à
prova hipóteses didáticas elaboradas a partir de estudos do que ocorria

10
em classe ao ensinar determinado conteúdo. Existe já um corpo de
conhecimentos, sobre o ensino e a aprendizagem escolar de alguns
conteúdos.
- o conhecimento didático deve ser um conteúdo de capacitação
dos professores O professor deve construir, por um lado, conhecimentos
sobre um objeto de ensino e, por outro lado, que elaborem
conhecimentos referentes às condições didáticas necessárias para que
seus alunos aprendam. Estas situações contemplam 2 fases sucessivas.
Peguemos um conteúdo de Língua: a natureza do ato de escrever.
Pedimos aos futuros professores para produzirem uma mensagem dirigida
a um destinatário específico, por exemplo, elaborar um pedido para o
diretor da escola de alguns livros sobre ensino e aprendizagem. Solicita-se,
além disso que, enquanto cada grupo escreve, um de seus membros atue
como observador e registre todas as discussões que ocorrem durante a
elaboração da carta. Terminada a escrita, o grupo discute o que
aconteceu durante a produção. Finalmente se compartilha e se acorda
os elementos em comum baseados nas conclusões dos diferentes grupos.
O que aprendem os participantes com este procedimento? Ao
discutir os problemas que se colocam e ao analisar os registros de suas
interações , toma-se consciência que a escrita envolve processos de
planejamento, textualização e revisão, de que estes processos são
recursivos, de que, ao se escrever, é necessário enfrentar e resolver
múltiplos problemas. A socialização e o acordo entre as conclusões dos
diferentes grupos, permite abstrair os aspectos essenciais do ato de
escrever, percebendo-a como uma atividade inserida em um contexto
comunicativo. Neste momento o que está sendo colocado em jogo é a
(res)significação de experiências e conhecimentos anteriores ponto de
vista do saber que o futuro professor deve ter sobre Língua para poder
ensinar. Este é um momento de conceitualização, de conhecimento
conceitual sobre o objeto a ser ensinado. Mas, o modo como o aluno o
experiencia, faz com que se reflita e se tome consciência das
características da situação didática proposta. Esta reflexão, leva à
conceitualização de questões fundamentais do ponto de vista didático: a
necessidade de que a aprendizagem da escrita, mesmo na escola,
conserve o sentido social desta atividade, a necessidade de escrever
para cumprir propósito relevante e a um destinatário real. Enfim, ao viver
uma atividade deste tipo, o futuro professor está aprendendo através da
resolução de um problema real, de uma atividade contextualizada. A
situação se orienta para que haja uma tomada de consciência do que
eles fazem como leitores escritores, os leva a explicitar um saber que já
possuíam implicitamente e que entra em ação quando se lê ou escreve.
Conceitualizar em que consiste o fazer do leitor e do escritor, permite aos
docentes construir um marco de referência que contribuirá para orientar o
planejamento de propostas que apresentarão a seus alunos e as

11
intervenções que farão em classe. Estas situações de reflexão sobre os
atos de leitura e escrita, têm sentido na formação dos professores porque
estão vinculadas com opções didáticas de formação. Não teria sentido
ter como objetivo que sirva de modelo para se ensinar aos alunos. Estas
situações têm como objetivo levar o futuro professor a um conhecimento
mais profundo dos aspectos do objeto a ser ensinado (seja língua,
matemática, história, etc.) . A questão de ensino e da aprendizagem dos
conteúdos aos alunos, implica ainda, em termos de formação, em se
conhecer quais são as condições necessárias para que os alunos possam
apropriar-se dos conteúdos.
Isto significa que o conhecimento didático – o saber sobre o
conteúdo ou a disciplina – é construído pelo futuro professor, tanto
através de sua forma como do seu conteúdo. As propostas devem tomar
como objeto de análise o conjunto de todas as interações que se dão
entre o professor e os alunos a propósito do conteúdo a se ensinar e a
aprender.
Agir assim, implica em colocar a classe no processo de
capacitação, colocar em primeiro plano o que ocorre realmente em
classe.
A tarefa do professor, ensinar a partir deste modelo didático, é
fonte de incerteza: colocar o aluno como produtor de conhecimentos
significa conceder-lhe uma margem de liberdade intelectual grande,
permitir-lhe que expresse suas concepções, criar condições para que
ponha em jogo suas próprias estratégias para conhecer e para que corra
o risco de errar sabendo que o erro será considerado como natural e
como ponto de partida para uma nova reflexão, reconhecer e aceitar as
diferenças lidando com elas para que todos aprendam. Um instrumento
essencial para isto, como veremos, é o registro de classe. Considerar como
um dos eixos da capacitação é reconhecer que os problemas que
aparecem na classe são problemas específicos que requerem soluções
também específicas, não resultando, de nenhum modo, que não deva se
considerar as outras ciências , mas, ao contrário, abrir a possibilidade de
se recorrer a elas a partir de questões suscitadas no jogo do ensino e da
aprendizagem, tentando encontrar os elementos necessários para lidar
melhor com os conhecimentos que devem ser ensinados, para
compreender melhor as questões e as conceitualizações dos alunos.
Esta discussão sobre o eixo didático como organizador da
capacitação nos leva à questão da homologia dos processos

12

Você também pode gostar