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SOCIOLINGÜÍSTICA E VARIAÇÃO SINTÁTICA*

David Sankoff

SANKOFF, D. Sociolinguistics and syntactic variation. In: NEWMEYER, Frederick J. (Ed.)


Linguistics: the Cambridge survey. Volume IV (Language: the socio-cultural context). New York,
Cambridge University Press, p.141-160. 1988. [Tradução: Marcos Bagno, 2003.]

Em sua emergência como um paradigma para o estudo da língua, a teoria


da variação sociolingüística evoluiu através do confronto simultâneo com vários
outros modos de encarar a linguagem. Junto com a maioria das outras escolas
lingüísticas, ela tomou posição explícita contra as ideologias lingüísticas não-
científicas normativas e prescritivas, mas também tem levado adiante uma
rivalidade mais sutil com algumas tradições psicolingüísticas mais
metodologicamente rigorosas. Ao lado de outros ramos “hifenizados” da
lingüística, ela tem tido continuamente que se situar diante da lingüística gerativa,
mas ao mesmo tempo tem defendido seus próprios critérios e métodos do ataque
da sociolingüística antiformalista. Esses debates externos estão refletidos nas
questões mais importantes dentro da área; neste capítulo, passo em revista essas
questões altamente inter-relacionadas naquilo que acredito ser uma síntese
coerente das perspectivas da teoria variacionista sobre dados, método, teoria e a
inserção social da ciência lingüística. Adoto uma abordagem habermasiana, de
teoria crítica, para entender:

(i) os interesses sociais subjacentes aos paradigmas da


pesquisa lingüística;
(ii) as origens da teoria variacionista em comunidades lingüísticas
colonizadas e minoritárias;
(iii) o tipo de dados que devem ser levados em conta nessas
comunidades;
(iv) o tipo particular de problemas analíticos e questões teóricas
pertinentes a esses dados;
(v) o status epistemológico de uma metodologia descritivo-
interpretativa para lidar com o problema da forma-função — a
questão central no estudo da variação sintática, com
ramificações para todos esses tópicos.

Neste empreendimento, não estarei preso às declarações explícitas de


Labov e outros variacionistas acerca do status científico de seu trabalho;
tampouco seguirei Habermas em suas mais recentes incursões em questões de
metodologia lingüística (1979: capítulo 1).
O ponto de vista variacionista sobre a língua é determinado primeiramente
por um interesse científico em dar conta da estrutura gramatical no discurso —
seja ele a conversação natural, a narrativa ou a argumentação formais, ou
diversos gêneros escritos — e, em segundo lugar, por uma preocupação com a
polivalência e a aparente instabilidade no discurso das relações lingüísticas de
forma-função. Ao enfatizar o discurso, nos referimos ao exercício contínuo dos
falantes ou escreventes de suas capacidades lingüísticas de produzir grandes
números de sentenças (mais do que à influência do contexto discursivo sobre a
estrutura gramatical, ou a questões de coerência textual, seqüenciamento e co-
referencialidade). Quando se analisa cientificamente uma amostra ou corpus
completo de língua falada, podem emergir regularidades surpreendentes e muito
difundidas, que correspondem somente à freqüência relativa de ocorrência ou
coocorrência de várias estruturas, e não à sua existência ou gramaticalidade. A
origem desse interesse, e a natureza da preocupação com a polivalência de
forma-função, explica muito do mal-entendido e da controvérsia sobre sintaxe
quantitativa, teoria variacionista e sociolingüística.
Apesar da impressão errônea (Bickerton 1973; Kay 1978; Downes 1984:
capítulo 6) de que o variacionismo é fundamentalmente dependente de alguma
noção altamente formalizada de “gramática de comunidade”, o condicionamento
lingüístico interno que interessa aos variacionistas, e os métodos que
desenvolveram para estudá-lo, podem ser amplamente exemplificados na
fonologia de um único indivíduo (cf. Guy 1979) — mesmo na do falante-ouvinte
ideal postulado em muitas argumentações lingüísticas —, sem considerar fatores
sociais ou estilísticos. Isso também vale para a variação sintática, embora aqui
seja muito mais difícil de estabelecer empiricamente do que na fonologia. No
entanto, é de crucial importância que a teoria e a metodologia que estarei
discutindo aqui tenham evoluído durante pesquisas em amostras de múltiplos
falantes dentro de comunidades de fala sociologicamente ou etnograficamente
bem definidas; particularmente, dentro do paradigma de pesquisa sociolingüística
proposto por William Labov. É nesta tradição que encontramos as origens do
interesse pelo discurso contínuo.
É essencial — para um entendimento crítico de por que certos tópicos são
estudados, que dados são usados e que metodologias são aplicadas nas
pesquisas científicas — que se tente caracterizar o interesse subjacente a essa
investigação. Por “interesse” não se entende as predileções intelectuais do
pesquisador individual nem sequer os objetivos explícitos ou ocultos daqueles que
financiam os programas de pesquisa, mas, sim, os projetos sociais e tecnológicos
que impulsionam a evolução histórica das sociedades. Habermas (1972)
contrapõe dois projetos humanos fundamentais: emancipar-se das coerções
materiais, isto é, conquistar o domínio da natureza, e emancipar-se das coerções
sociais, isto é, identificar e desmantelar os mecanismos repressivos da ordem
social. O primeiro projeto é levado a cabo por meio do trabalho, guiado pela
ciência positivista que envolve experimentação controlada, medição física,
formulação abstrata e critérios objetivos para o consenso. O segundo projeto é
mediado pela interação, e sua ciência é reflexiva, interpretativa e antitética às
coerções envolvidas nos experimentos controlados e na linguagem formalizada.
Ela baseia seu consenso no entendimento intersubjetivo, não limitado apenas a
critérios externos, “objetivos”.
Além disso, Habermas (1971: capítulo 6) argumenta que, na conjuntura
atual da evolução socioeconômica, a dialética entre os dois projetos envolve a
extensão dos critérios positivistas à ciência social, sendo a metodologia de
predição e controle da natureza aplicada ao comportamento individual e social.
Isso desloca o papel da ciência social como desmascaradora da repressão na
ordem social e o recoloca com uma orientação oposta, reforçando a justificação
ideológica das configurações sociais, políticas e econômicas existentes.
Para os objetivos do momento, distingo três paradigmas de pesquisa
divergentes na ciência lingüística, que caracterizarei como introspectivo-gerativo,
experimental-avaliativo e descritivo-interpretativo. Na medida em que a lingüística
é uma disciplina acadêmica, como os estudos clássicos, a matemática ou a
zoologia, a pesquisa na área não evolui unicamente segundo sua própria lógica
interna, mas também está sujeita aos mesmos tipos de influência como em outras
áreas: modas e dogmas disciplinares, carreiras e ambições, programas temáticos
e estratégicos de universidades, fundações e agências governamentais, bem
como os processos menos óbvios de determinar o papel da produção e da
distribuição do conhecimento na sociedade. Tudo isso é comum às três
abordagens, incluindo a “torre de marfim” da escola introspectiva-gerativa que
domina a lingüística moderna. Cada uma das outras duas abordagens é
especificamente inspirada por influências adicionais.
No caso da abordagem experimental-avaliativa, focalizarei dois tipos
correlatos de impulso externo para a pesquisa lingüística, a saber: primeiro, o
ensino de língua a falantes de dialetos não-padrão e, segundo, o ensino de língua
a falantes imigrantes de línguas minoritárias. Existe um objetivo explícito,
amplamente aceito, motivando os tipos de ensino que caem sob esses rótulos: a
transmissão de capacidades lingüísticas àqueles que não as têm, mas deveriam
ter aos olhos da sociedade dominante (ou, mais exatamente, a substituição ou
remoção de um conjunto de comportamentos lingüísticos por um outro). Essa
atividade direcionada a um objetivo é mediada pela lógica intencional-racional, em
termos de Habermas, e inevitavelmente suscita a pesquisa sobre métodos de
ensino eficientes, condições ideais de aprendizagem, e explicações e remédios
para os problemas de aprendizagem. A metodologia para esse tipo de
investigação, nos campos da lingüística educacional, da psicolingüística, da
avaliação lingüística etc. necessariamente envolve experimentação, condições de
laboratório, métodos de exame por questionário, testes de proficiência e um
aparato conceitual tomado emprestado das ciências físicas e biológicas e
desenvolvido para a predição e o controle de processos naturais. Esse aparato é
largamente compartilhado com outros campos como a neurolingüística, a fonética
experimental e até mesmo o ensino de línguas estrangeiras, os quais, no entanto,
carecem do componente socialmente avaliativo característico de grande parte da
pesquisa educacional e psicolingüística empreendida em contextos operários, de
imigração ou de minorias.
A corrente descritiva-interpretativa, que inclui o variacionismo, também tem
raízes em dialetos não-padrão e na língua das minorias, mas os interesses
subjacentes a esta investigação são bastante diferentes. Suas origens devem ser
buscadas, antes, nos contra-ataques liberais e progressistas dos anos 1960 aos
estereótipos raciais e culturais e às políticas sociais paternalistas e repressivas
que esses estereótipos serviam para justificar. (Note-se que isso também
distingue a sociolingüística variacionista da sintaxe histórica quantitativa, que
também é descritiva-interpretativa e que compartilha muitas de suas ferramentas e
formulações analíticas). Ao fazer essa afirmação, não estou negando a
preocupação profunda e o grande esforço da parte de Labov e de outros
variacionistas com relação a questões educacionais (Labov 1967, 1982; Kemp
1981, 1984). Em contraste com Dittmar (1974), porém, argumento que essas
questões são periféricas à questão das raízes da lingüística variacionista na
história da sociedade moderna, à sua divergência da dialetologia e outras ramos
aparentados da lingüística, e à lógica interna de seu desenvolvimento.
Que nenhuma língua natural é superior a outra em forma lógica, coerência
ou em estética é algo que tem sido pouco questionado na lingüística. Esta máxima
combina bem com o relativismo cultural dos antropólogos com os quais, e em
cujos departamentos universitários, muitos lingüistas trabalharam nos anos 1950 e
1960, incluindo a maioria dos interessados em línguas não-ocidentais e não-
escritas. O ataque aos estereótipos lingüísticos, então, não fazia parte de nenhum
debate dentro da lingüística; fazia parte, isso sim, do assalto generalizado, embora
não coordenado, aos valores e normas convencionais e às hierarquias sociais que
eles ratificam. Não havia nenhuma necessidade, dentro da disciplina lingüística,
de provar que os dialetos não-padrão eram línguas plenamente desenvolvidas,
mas havia uma necessidade social de demolir os estereótipos lingüísticos através
de seu estudo num modo rigoroso e científico.
Isso explica, em parte, por que o florescimento do variacionismo e sua
emergência como um paradigma distinto da dialetologia, da etnolingüística, dos
estudos tradicionais e pidgin e crioulos etc. data de 1969, com a publicação do
grande estudo de Labov sobre a contração e o apagamento da cópula no inglês
negro, e não de seu trabalho anterior sobre Martha’s Vineyard (1963) ou sobre o
Lower East Side (1966), que não eram particularmente pertinentes para nenhum
movimento social de então. Também explica a relação epistemológica entre
pesquisadores do inglês negro (Wolfram 1969; Pfaff 1971; Fasold 1972; Labov
1972), do francês de Montreal (D. Sankoff 1978a; Thibault 1979; G. Sankoff 1980;
Vincent 1982; Cedergren & Lemieux 1985), pidgins e crioulos (Bickerton 1975; G.
Sankoff 1980), trabalhadores migrantes na Alemanha (Heidelberger
Forschungsprojekt “Pidgin-Deutsch” 1978; Klein & Dittmar 1979), porto-riquenhos
em Nova York (Poplack 1980a, 1980b, 1981, 1983) e com a dialetologia da
estratificação social (Milroy 1981; Naro 1981), mais do que com a dialetologia mais
tradicional (p. ex., Bailey 1974).
É característico da abordagem descritiva-interpretativa ver o pesquisador
como profundamente imerso na comunidade de fala e decidido a reduzir os efeitos
de seu próprio papel como um especialista e/ou como um falante nativo de (uma
versão mais padronizada da) língua sob estudo, e como um membro
(normalmente intelectual pequeno-burguês) da sociedade mais ampla, junto com
noções preconcebidas acerca de comportamento comunicativo.
Esse tipo de pesquisa gera, caracteristicamente, críticas coerentes,
explícitas e demolidoras das ideologias classistas, racistas e outras ideologias
lingüísticas dominantes, com seus normativismos, prescritivismos e estereótipos
sobre lógica, estética e inteligibilidade. Além disso, esse trabalho inevitavelmente
tem repercussões sociais para a comunidade mais ampla, provocando a atenção
da mídia, o debate intelectual e a crítica previsivelmente hostil dos
estabelecimentos educacionais e literários e de outros profissionais da linguagem,
desmascarando assim um interesse na manutenção de um status quo repressivo.
É ao engajar-se neste conflito de ideologias que a lingüística pode ter um papel
socialmente emancipador. São fundamentalmente equivocadas as idéias de que
os aspectos tecnicamente científicos da lingüística podem por si sós ser um
instrumental relevante e de modo específico para a classe operária ou para as
minorias. O progresso tecnológico, incluindo um conhecimento mais profundo das
propriedades estruturais, psicológicas ou fisiológicas da língua, faz parte do
projeto de controle sobre o mundo externo, sendo a língua tratada como um objeto
formal. Como tal, ela será apropriada pelas classes que em geral se beneficiam
mais da ciência e da tecnologia (cf. Emonds 1976: xii). É somente a reflexão
crítica social-científica sobre o uso da língua em sua função comunicativa, com
uma dimensão interpretativa obrigatória de seu “método”, que pode ter um papel
num projeto emancipador. (Voltarei mais adiante a este componente
interpretativo.) Neste sentido, a importante contribuição da lingüística nos casos
judiciais concernentes ao inglês negro nas escolas (Labov 1982) reside menos em
seu efeito direto sobre resultados materiais ou institucionais particulares e mais
em seu papel, através da discussão pública nacional, de despertar e mudar a
consciência sobre o problema.
Quais podem ser os dados adequados para a pesquisa lingüística com o
tipo de orientação social que vimos discutindo? Primeiramente, a introspecção por
parte de falantes de dialetos não-padrão é notoriamente não-confiável. Isso
porque, em certa medida, a censura ou o estigma vinculados às formas não-
padrão as suprime, esteja o falante consciente ou não disso. Também se deve,
em parte, à percepção categórica que opera na direção oposta: a existência de
uma forma não-padrão acarreta a exclusão consciente da forma padrão, embora
de fato ela possa ser relativamente comum no dialeto. É quase impossível para
um falante, numa comunidade lingüisticamente estratificada onde há normas
lingüísticas disseminadas (sejam elas bem formuladas ou não, realistas ou não,
aceitas ou não), fazer juízos sistematicamente acurados sobre que formas
pertencem a qual variedade — embora o mesmo falante possa ser um informante
ideal quando se trata de gramaticalidade de formas invariantes dentro da
comunidade.
Quanto aos métodos de elicitação controlada e de testagem da
psicolingüística e da lingüística educacional, eles são ainda menos informativos
sobre o uso não-padrão, devido à íntima associação entre a situação de teste e a
estigmatização de formas não-padrão versus a aprovação vinculada à resposta
“correta”, normativa. Além disso, a experimentação controlada e os questionários
exigem, caracteristicamente, um inventário de respostas preestabelecido,
inevitavelmente influenciado pelo contraste entre usos prescritos versus
comportamento desviante ou errado. Esse viés é difícil de evitar em qualquer
trabalho sobre dialetos não-padrão, mas a abordagem experimental-avaliativa se
opõe a qualquer tipo de busca heurística de patterns e estruturas que não tenham
contrapartes diretas na variedade-padrão. Finalmente, é bem sabido que o uso
vernáculo (Labov 1972: capítulo 7) e o comportamento bilíngüe ou bidialetal
(Poplack 1980a) são extremamente sensíveis à situação comunicativa. Eles
tendem a ficar ausentes das entrevistas formais e em alguns casos podem ser
observados somente em trabalho etnográfico altamente não-intrusivo. É
improvável que se manifestem durante um exame ou um experimento de
laboratório.
O exame dos tipos de dados disponíveis por meio das abordagens
introspectivas e experimental-avaliativas, portanto, nos leva à constatação de que
não podemos confiar nem em como os falantes pensam que se comportam nem
em como eles pensam que deveriam se comportar. Para variedades lingüísticas
não-padrão, minoritárias ou colonizadas, a observação direta do uso lingüístico é
essencial, numa interação comunicativa tão natural quanto possível. Como
exigência mínima, precisamos de gravações de conversas relativamente longas,
mesmo que sejam entre o lingüista e os falantes, e elas não podem tomar a forma
de sessões de elicitação. É preferível, sem dúvida, que as conversações sejam
entre dois falantes do mesmo vernáculo, ou que a gravação seja feita numa
interação natural, em vez de uma entrevista, mas a exigência mínima é obter
alguma amostra do discurso real do falante. (Para a evolução da metodologia do
desenvolvimento do corpus sociolingüístico, ver Labov 1968: capítulo7; Labov et
al. 1968; Shuy, Wolfram & Riley 1968; D. Sankoff & G. Sankoff 1973; Sankoff,
Lessard & Nguyen 1978; Poplack 1982; Labov 1984).
O imperativo de lidar com o uso da língua como dado básico, em vez da
reflexão sobre o uso da língua, pode agora ser visto como derivado do interesse
na pesquisa de variedades não-padrão, livre dos efeitos enganadores dos
estereótipos, da contaminação pela norma e da percepção categórica, e destinado
a ser capaz de detectar e manusear princípios ou uma organização diferentes das
da língua-padrão. Este interesse, que tem de ser visto como emancipador no
contexto social em que emerge, contrasta agudamente com o interesse de
controle e predição subjacentes à abordagem experimental-avaliativa. Portanto, a
sociolingüística e a psicolingüística constituem abordagens profundamente
diferentes, embora superficialmente compartilhem alguns aspectos: preocupação
com dialetos não-padrão, uso de dados não-introspectivos e metodologia
estatística.
No estudo de extensas amostras de fala, ou de outros tipos de discurso,
quais são as questões gramaticais substanciosas que emergem? Tal como na
abordagem introspectiva-gerativa, a presença ou ausência de certas formas ou
coocorrências estimula a descrição, a generalização, comparações e explicações.
Mas o que é igualmente importante, e freqüentemente até mais importante, são os
padrões quantitativos de ocorrência relativamente inacessível à introspecção ou
mesmo à metodologia de testagem. Relações regulares e complexas podem
existir no nível quantitativo entre certo número de estruturas, mas pela
introspecção tudo o que podemos dizer é que todas elas são simplesmente
“gramaticais”. As regularidades quantitativas podem ser vagamente adivinhadas
através da introspecção, mas não podem ser caracterizadas com nada igual à
precisão com que os métodos baseados na intuição podem estabelecer relações
categóricas.
Os fatos quantitativos não são detalhes irrelevantes do comportamento
lingüístico. Hierarquias universais e restrições de coocorrência não manifestadas
em termos de gramaticalidade versus agramaticalidade para uma dada língua
estão, contudo, amiudemente presentes de forma clara e bem desenvolvida nas
freqüências de uso. Os exemplos clássicos são hierarquias restritivas para a
expressão de certos alofones (ou a aplicação de regras fonológicas ou
morfofonológicas opcionais), mas isso também vale para a sintaxe, no estudo da
ordem da regra variável, regras de movimento opcional ou de apagamento, e nas
preferências entre estruturas frasais semanticamente ou funcionalmente
equivalentes.
Além do mais, são estes aspectos variáveis da estrutura gramatical que são
sempre o locus da mudança lingüística. A mudança exige praticamente sempre
um período de transição, no mais das vezes bastante longo, uma competição
entre estruturas e a divergência dentro da comunidade de fala. A natureza
detalhada da mudança lingüística e de seu reflexo sincrônico — a diferenciação
dialetal — não pode ser entendida sem um corpo-a-corpo com as relações
quantitativas.
Os instrumentos para estudar essas relações são, necessariamente, muito
diferentes dos usados no paradigma introspectivo-gerativo. Cálculos de freqüência
de formas em contextos não são apenas refinamentos quantitativos de juízos de
gramaticalidade, e têm ainda menos a ver com aceitabilidade. Cálculos de 0% são
análogos a juízos de agramaticalidade, mas não idênticos a eles. A não-ocorrência
não indica necessariamente uma forma proibida. Pode ser simplesmente o
resultado de uma combinação complexa de aspectos que poderiam ser
perfeitamente gramaticais mas sem probabilidade de aparecer em nenhum corpus
razoavelmente volumoso. Por outro lado, formas intuitivamente agramaticais
podem aparecer na fala espontânea sistematicamente e numa taxa não
desprezível por meio da interação da estrutura gramatical com as restrições de
processamento (Kroch 1980). Embora Labov tenha introduzido métodos de
“experimentação natural” para elevar a taxa de ocorrência de certas formas
complexas, essas técnicas não são tão fáceis de usar quanto o uso gerativista das
intuições acerca de conjuntos de sentenças envolvendo qualquer número de
combinações de aspectos sintáticos.
A facilidade com que os juízos de gramaticalidade são feitos pode ser vista
como uma das motivações ou estímulos para investigar as distinções mais sutis
entre teorias sintáticas. Em contrapartida, a virtual ausência de uso lingüístico real
em qualquer dos contextos-chave para resolvê-los diminui a importância dessas
questões para o variacionista, que tem de dar conta de vários fenômenos
altamente freqüentes. Estes fenômenos são, por seu turno, de nenhum interesse
para o gerativista, que não encontra freqüências no curso de suas análises.
Assim, o fato de gerativistas e variacionistas se concentrarem em questões
diferentes acerca da língua não deriva imediatamente de diferenças nos objetivos
gerais explicitamente afirmados dos dois paradigmas, ao contrário do argumento
de Fasold (1986), mas, antes, dos dados diferentes que cada um deve levar em
conta, e dos instrumentos que cada um considera válidos.
Labov (1969), Kroch (1980) e outros têm argumentado às vezes que o
papel-chave dos estudos de variação é lançar uma luz nova sobre questões
específicas que emergem na teoria gerativa. Eu objetaria, no entanto, que a
contribuição do variacionismo tem esse aspecto apenas ocasionalmente. É, sim,
na investigação e solução de seus próprios problemas, gerados internamente, que
o variacionismo mais tem contribuído para o entendimento da linguagem.
O exemplo clássico é a demonstração, por Labov, do paralelismo de
restrições sintáticas quantitativas sobre a contração ou o apagamento da cópula
no inglês negro (1969). O padrão de restrição, que só é exprimível em termos
quantitativos, é coerente com a divergência das variedades negra e branca do
inglês, e não com a convergência do inglês negro a partir de uma forma crioula
rumo ao vernáculo branco — como foi recentemente confirmado por dados de um
enclave isolado de falantes de inglês na República Dominicana, descendentes de
negros americanos que migraram para lá nos anos 1820 (Poplack & Sankoff 1984,
1987; Tagliamonte & Poplack 1987). Trabalhos recentes de Bailey e Maynor
(1987) e do grupo de Labov usando uma variedade de índicos lingüísticos
quantitativos também sustentam um padrão de divergência constante (Ash &
Myhill 1986; Graff, Labov & Harris 1986; Labov & Harris 1986; Myhill & Harris
1986).
Outro exemplo é a análise da dinâmica da aquisição da inversão nas
perguntas-wh (Labov & Labov 1977). O aspecto quantitativo permitiu a
caracterização da seqüência complexa de frases desta aquisição e de
diferenciação dentro do conjunto de palavras-wh.
Também citamos o projeto de G. Sankoff (1980: capítulos 10-12) de
explicar a origem das estruturas gramaticais do Tok Pisin nos recursos lexicais da
língua e nas estratégias discursivas. Usando as técnicas variacionistas de análise
do tempo aparente e do tempo real, ela pôde elucidar os mecanismos pelos quais
a marcação do tempo e do aspecto verbais, as construções de orações relativas e
o aparato de pronomes clíticos emergiram e foram gramaticalizados ao longo do
último século.
Mencionamos também a teoria da complementaridade fraca (a ser discutida
abaixo) para entender os mecanismos discursivos que levam ao estabelecimento
gradual de uma variável sintática (Sankoff & Thibault 1981; D. Sankoff 1982).
Um exemplo recente, embora extraído da sintaxe histórica e não da
sociolingüística, é a demonstração de Kroch (1982) de como, na emergência do
suporte-do em inglês, diversas variáveis sintáticas têm de ser consideradas como
essencialmente uma única variável unitária, graças à descoberta de paralelos
quantitativos estritos em seu desenvolvimento inicial.
Todos esses são grandes insights sobre a estrutura da língua, sobre como
é usada e como evolui, mas não foram motivados por questões da teoria gerativa
(nem têm necessariamente grande impacto sobre esta teoria), apesar, muitas
vezes, das afirmações explícitas dos autores quanto a isso, mas decorreram mais
que tudo da lógica interna do paradigma descritivo-interpretativo em que foram
feitos.
A insistência da pesquisa descritivo-interpretativa em registros físicos e
corpora de fala transcrita, no cálculo das ocorrências das formas e na metodologia
estatística tem levado alguns críticos a rotulá-la, indevidamente, de positivista e/ou
cientificista. Uma dependência exclusiva de fatos observados, de evidência
objetiva é, de fato, diagnóstico de uma orientação positivista, mas a confiança na
observação, no nosso caso, tem a ver somente com a forma lingüística — como
veremos, há um forte componente interpretativo na análise da função lingüística. E
embora nós, certamente, estejamos preocupados com a distribuição estatística
das formas, esses dados não são muito diferentes dos “fatos” usados na
lingüística distribucional tradicional e moderna, exceto por serem quantitativos, e
mais confiáveis pelas razões que discuti.
Uma crítica de positivismo nas ciências sociais e humanidades não pode,
de qualquer modo, ser razoavelmente justificada apenas por causa do uso de
algum tipo de dado ou técnica analítica. A ciência positivista é mais bem
caracterizada como excluindo certos tipos de dados ou interpretações, tais como a
subjetividade dos participantes. Na lingüística, essa atitude pode ser encontrada
em abordagens que são estritamente distribucionalistas, onde todos os
agrupamentos e distinções analíticos têm de ser feitos com base no caráter
compartilhado ou complementar da distribuição observada das formas de
superfície — sons, partículas, palavras ou construções sintáticas. Portanto, na
medida em que hipóteses sobre a estrutura lingüística (obtidas seja como for,
mecanicamente, intuitivamente ou de outro modo) têm de ser verificadas contra a
gramaticalidade ou agramaticalidade das cadeias superficiais de palavras, e na
medida em que a teoria sintática e semântica é orientada para dar conta de
estruturas assim determinadas, a sintaxe gerativa é efetivamente positivista. O
fato dos lingüistas gerativistas usarem intuições sobre gramaticalidade não
invalida essa afirmação. Essas intuições “sim/não” de modo nenhum constituem
uma ciência interpretativa ou reflexiva, mas simplesmente substituem as
observações externas pelo comportamento dos próprios lingüistas como “falantes
nativos” competentes. É neste sentido que o método gerativo é um tipo de
distribucionalismo positivista.
Cientificismo é de algum modo um rótulo mais vago. Ele se refere ao uso
do aparato experimental, matemático e quantitativo da ciência física para estudar
conceitos aparentemente pertinentes às ciências sociais ou às humanidades, mas
que são de fato supersimplificados, pobremente operacionalizados ou de pouca
relevância para as questões reais nestas áreas. Na psicolingüística isso se
exemplifica com o paradigma bernsteiniano, que estabelece categorias de
comportamento qualificadas como “restritas” ou “elaboradas”. Uma vez feito isso,
pode se empreender os estudos “científicos” dos vernáculos da classe operária
versus os da classe média. No entanto, a questão fundamental de justificar a
aplicação dos rótulos “restrito” vs. “elaborado” a formas particulares não é
acessível às metodologias quantitativas ou outras metodologias formais, de modo
que a natureza aparentemente científica desta abordagem é ilusória. De fato, eu
argumentaria que, como é típico da pesquisa no paradigma experimental-
avaliativo, o uso dessas categorias decorre de uma não criticada ideologia
normativista da língua baseada na classe social (apesar das aspirações muitas
vezes explicitamente emancipatórias dos praticantes).
A abordagem descritivo-interpretativa não pode ser adequadamente
retratada como positivista ou cientificista. Como veremos, a distribuição de formas
é apenas um dos dois tipos principais de dados em qualquer estudo variacionista,
sendo o outro a identificação da função lingüística de cada forma. Com exceção
dos estudos fonológicos, esta identificação de função tem um componente
inconfundivelmente hermenêutico, ou interpretativo, que é antitético aos critérios
positivistas. E, como também veremos, são as questões fundamentais da
mudança e variação lingüística na comunidade de fala que exigem que ataquemos
o problema da forma-função e que nos forçam à análise sociologicamente crítica e
essencialmente não-positivista da função. Se nos contentássemos com a análise
estatística das formas de superfície, isso poderia justificar o termo cientificista,
mas o fato mesmo de usar cálculos ou estatísticas não o justifica, uma vez que
eles são usados dentro do arcabouço de uma tentativa mais ampla de dar conta
de ambos os componentes da relação forma-função.
A maioria dos trabalhos variacionistas também envolvem dados de
natureza extralingüística e a correlação estatística destes dados com dados
lingüísticos. Isso também tem atraído o rótulo de cientificismo — incorretamente,
mais uma vez, já que tais correlações são adequadamente usadas não como
explicação ou como indicação de causalidade, mas em conjunção com outros
tipos de análises — sociológica, etnográfica, histórica e crítica — a fim de se
compreender os processos de diferenciação lingüística no nível da comunidade.
Categorias sociodemográficas macroscópicas ou padrões de
relacionamento no nível da rede social não afetam diretamente o desempenho de
falantes individuais; implícita em qualquer estudo correlacional está a existência
de processos mediadores ou mecanismos intervenientes que levam dos fatores
extralingüísticos, através da tentativa consciente e/ou de tendências
inconscientes, ao comportamento real. (Ver Romaine 1984 para uma discussão da
causalidade e da explicação na sociolingüística.)
Noções quantitativas, estatísticas e probabilísticas foram introduzidas na
lingüística diversas vezes, e há muito tempo elas são um padrão em áreas
conexas como a lexicologia e a fonética acústica. No entanto, foi somente com o
trabalho de Labov que elas se tornaram amplamente toleradas, senão
entusiasticamente acolhidas, na fonologia e na sintaxe.
O papel da estatística no estudo da variação tem sido motivo de muito mal-
entendido. A maioria das críticas são ataques mais ou menos ingênuos à lógica
interna da inferência estatística em si mesma, apesar de virem enunciadas em
termos de aplicações lingüísticas, e têm pouca pertinência direta (p. ex. Bickerton
1971, 1973; Kay 1978; Kay & McDaniel 1979; Downes 1984: 101).
Existem, é claro, posições filosóficas muito bem elaboradas que negam a
pertinência da análise estatística do comportamento humano, especialmente do
comportamento individual que contém um componente de livre-arbítrio; até mesmo
a ponto de excluir qualquer “método” formalizado do estudo dos assuntos
humanos. Elas podem ser vistas como extensões radicais da posição, com a qual
me solidarizo, de rejeitar o positivismo estrito no estudo do comportamento
comunicativo. Não vou defender aqui a quantificação contra essas asserções
extremadas, que excluiriam pura e simplesmente os tratamentos estatísticos ou
formais da economia, da sociologia e da psicologia social, a não ser para me
referir de novo ao interesse variacionista em dar conta de grandes corpora que
contêm diversas ocorrências de um número limitado de formas numa variedade de
contextos comparáveis. A experiência universal na pesquisa baseada em corpus
mostra que a estrutura da comunicação na comunidade de fala, a estrutura da
variação e da mudança, é realizada através de escolhas recorrentes feitas pelos
falantes em variados níveis interacionais e gramaticais. É ali que o problema da
forma-função é originalmente confrontado. Diversas “funções” podem ser
executadas por diversas “formas” diferentes, e a questão de quem, quando e
porquê se torna imediatamente pertinente na elucidação daquelas realmente
usadas.
Ora, toda vez que uma escolha pode ser percebida como tendo sido feita
no curso do desempenho lingüístico, e onde esta escolha pode ter sido
influenciada por fatores tais como a natureza do contexto gramatical, a função
discursiva do enunciado, tópico, estilo, contexto interacional ou características
pessoais ou sociodemográficas do falante ou outros participantes, então fica difícil
evitar invocar noções e métodos de inferência estatística, ainda que só como um
instrumento heurístico para tentar apreender a interação dos vários componentes
numa situação complexa.
Não é uma exigência que o mecanismo de escolha tenha qualquer
interpretação lingüística ou sociológica particular. Os métodos estatísticos são
indiferentes à origem da variabilidade dos dados, seja na geração gramatical de
sentenças, em processo de produção e desempenho, na fisiologia da articulação,
nas decisões estilísticas conscientes dos falantes, ou mesmo simplesmente como
um construto analítico da parte do lingüista. A importância lingüística depende, é
claro, da natureza do processo de escolha, mas esta questão tem de ser
levantada antes da análise estatística (na coleta e na codificação dos dados) e/ou
depois, na interpretação dos resultados.
(Para resenhas dos procedimentos estatísticos que têm sido usados na
literatura variacionista, ver Cedergren & Sankoff 1974; Rousseau & Sankoff 1978;
D. Sankoff 1978a, b; Sankoff & Labov 1979; Sankoff & Rousseau 1979; Naro
1980; D. Sankoff 1982, 1985, 1987.)

Muito do debate sobre o uso da estatística teve que ver com a


representação notacional das regularidades estatísticas dentro de uma gramática.
Objeções aos formalismos que contêm grande quantidade de parâmetros
numéricos são freqüentemente expressas na forma de desagrado pela noção de
um componente numérico na faculdade gramatical mental. No entanto, é lugar-
comum que os processos mentais podem envolver tendências sistemáticas que
são não-categoriais mesmo nas circunstâncias mais altamente especificadas, e o
comportamento lingüístico vai no mesmo passo, independente do fato de que a
competência lingüística pode também incluir tipos de estruturas que não têm
contrapartidas em outros domínios da atividade mental. Além do mais, é uma
falácia pensar que parâmetros numéricos no nível notacional possam
corresponder a algum valor específico, numérico, armazenado no nível cognitivo,
tanto quanto pensar que as estruturas hierárquicas das estruturas frasais devam
ter uma representação neurológica envolvendo contrapartidas diretas às linhas e
nódulos de um diagrama em árvore.
De fato, onde as regularidades estatísticas são encontradas no
desempenho lingüístico, elas são importantes como propriedades da língua
independentemente de serem conseqüências

 da fisiologia da articulação, na fonologia;


 das considerações de processamento na sintaxe;
 de universais sociais ou biológicos, como na competição nas flexões
de tempo e aspecto com construções perifrásticas baseadas em
verbos que indicam levantar-se, sentar-se, ir etc., ou na competição
de modais com verbos de volição, capacidade, desejo etc.;
 tendências tipológicas paralingüísticas que podem ou não ser
codificadas em alguma forma inata no nível individual; ou
 alguma atualização pontual da faculdade gramatical do indivíduo.

Existem diversos tipos de causas da regularidade estatística, e qual ou


quais são pertinentes para um dado padrão lingüístico é uma questão empírica
que permanece.

Agora que já comparamos os interesses distintos que subjazem às três


abordagens do estudo da língua e os tipos de dados que elas determinam, e que
aludimos à orientação metodológica imposta pelo problema fundamental da forma-
função, nos voltamos ao modo como este problema surge e como pode ser
sistematicamente abordado dentro do paradigma variacionista. Esse tema tem
uma literatura ampla e diversificada, escrita em sua maior parte com a pretensão
de afirmar ou negar a existência da “variável sintática”, mas também de
documentar os estágios e mecanismos da gramaticalização de formas lexicais ou
discursivas. Algumas contribuições importantes são G. Sankoff 1973; Gazdar
1976; Blanche-Benveniste 1977; Labov 1978; Lavandera 1978; Sankoff & Thibault
1981; Lefebvre 1982; Romaine 1982; Thibault 1983; Lemieux 1985; G. Sankoff &
Labov 1985.
Examinando-se um corpus de discurso natural coletado em qualquer
comunidade de fala, fica rapidamente evidente que existem diferenças
sistemáticas entre os falantes, associadas em alguma medida com um ou mais
dos seguintes fatores: idade, sexo, raça ou etnia, origem geográfica, educação e
classe. No nível fonológico, isso pode assumir a forma de duas ou mais
articulações de uma dada forma fonológica na mesma palavra ou afixo, nos
mesmos contextos. No caso típico, cada falante alternará entre todas as várias
articulações, e manifestará consistentemente um padrão de freqüências variantes
similar ao de outros indivíduos, embora as taxas globais possam variar
amplamente entre falantes.
Essas alternâncias fonológicas geralmente não são concomitantes com
mudanças no valor denotativo (sentido referencial) de um item lexical, nem com a
função sintática de um afixo ou partícula. As diferentes variantes podem, no
entanto, ter diferentes conotações sociais, sendo explícita ou implicitamente
associadas com o grupo social ou demográfico que as usa mais freqüentemente.
Diferenças entre falantes também ocorrem nos níveis sintático, lexical e
pragmático. Elas também parecem estar associadas a fatores extralingüísticos.
Seria vantajoso poder analisar todos os tipos de variação dentro de um arcabouço
comum. Existem, porém, distinções fundamentais entre a variação no nível
fonológico e nos outros níveis que listamos. A equivalência sintática e pragmática
e a sinonímia lexical são conceitos controvertidos, em contraste com a
imutabilidade da função referencial ou sintática na presença da variação
fonológica: a variação entre duas formas fonológicas ou morfológicas não acarreta
mudança de referente ou papel sintático, mas dois itens lexicais diferentes ou
estruturas diferentes podem quase sempre ter alguns usos ou contextos em que
têm sentidos, ou funções, diferentes, e alguns chegam mesmo a afirmar que esta
diferença, embora possa ser sutil, é sempre pertinente sempre que uma das
formas é usada.
Contudo, adota-se aqui o ponto de vista contrário. Embora seja indiscutível
que alguma diferença de conotação possa, por meio de reflexão, ser postulada
entre os assim chamados sinônimos, seja em isolamento ou em contexto, e que,
no caso de cada uma, algumas construções sintáticas possam ser aceitáveis em
contextos de algum modo diferentes, não existe razão para esperar que essas
diferenças sejam pertinentes toda vez que umas dessas formas variantes é usada.
De fato, a hipótese que subjaz ao estudo da variação sintática dentro de um
arcabouço semelhante ao da variação fonológica é que, para certos conjuntos de
alternâncias identificáveis, essas distinções não entram em jogo nem nas
intenções do falante nem na interpretação do interlocutor.
Assim, podemos dizer que distinções em valor referencial ou função
gramatical entre diferentes formas de superfície podem ser neutralizadas no
discurso. Além disso, este é o mecanismo discursivo fundamental da variação e
mudança (não-fonológica). No que vem a seguir, o que exemplificamos com
variação sintática pertence igualmente bem, e freqüentemente até mais, à
variação lexical e à variabilidade na estrutura discursiva. (Para exemplos de
discurso, ver Dines 1980; Vincent 1982, 1983; Horvath 1985: capítulo 8; Lemieux,
Fontaine & Sankoff 1986; Schiffrin 1986. Para exemplos lexicais, ver Labov 1973;
Sankoff, Thibault & Bérubé 1978).
O estudo sistemático de formas concorrentes exige não somente a
identificação destas formas, mas também dos contextos individuais em que as
diferenças entre elas são neutralizadas. É precisamente isso que constitui o
componente interpretativo da metodologia variacionista. O analista, com efeito,
tem de ser capaz de inferir o significado ou função de cada ocorrência. Na
situação mais favorável, ele faz isso como um membro do grupo, familiarizado
com os indivíduos particulares e com a interação estudada, aproximando-se do
entendimento intersubjetivo dos co-membros da mesma comunidade de fala. Na
situação mais usual, o lingüista tem de “saber” bastante sobre a variedade
lingüística, e tem de “entender” bastante sobre o que está transparecendo no
discurso particular, tem de ser capaz de inferir as intenções dos falantes. Portanto,
uma tarefa essencialmente hermenêutica se combina com procedimentos
distribucionalistas mais mecânicos, antes de qualquer análise estatística.
Interpretações desse tipo não são novidade na lingüística, é claro, e têm estatura
cada vez mais metodológica à medida que nos movemos rumo à sintaxe histórica
(cf. Rissanen 1986), à filologia e à crítica e à exegese literária analíticas. Nos
estudos da variação, porém, isso assume um caráter especial, por causa de sua
aplicação a amplas amostras de ocorrências. Na teoria sociolingüística da
variação, além disso, existe ainda um outro aspecto importante, a implicação
sociológica de julgar a função das ocorrências, algumas delas socialmente
estigmatizadas no discurso. Voltarei a este aspecto na conclusão deste artigo.
Fica claro que a noção de neutralização-no-discurso está implícita na
maioria dos trabalhos sobre variação sintática e que uma metodologia puramente
distribucionalista não é suficiente neste campo. No entanto, visto que um
distribucionalista estrito não concordaria com isso, esta noção tem de permanecer
como uma hipótese, tanto quanto sua antítese — a de que, a cada uso de uma
forma, a sua totalidade de distinções é de algum modo posta em jogo pelo falante
e/ou pelo ouvinte. Nós não temos acesso direto às intenções do falante senão por
meio de seus próprios enunciados; nem ao modo como os ouvintes as
decodificam senão por meio de suas respostas, particularmente em situações
naturais. Os analistas podem ser motivados por considerações teóricas,
normativas ou críticas para discernir intenções, ou para negá-las, quer essas
interpretações sejam acuradas ou não. Até mesmo os próprios falantes podem
acreditar ou afirmar, com base em reflexão, que suas escolhas lingüísticas foram
motivadas por certas intenções, quando essas intenções outra coisa não são além
de artefatos a posteriori de introspecção lingüística ou reavaliações (afterthoughts)
inspiradas em normas lingüísticas. Portanto, não podemos dizer se uma forma foi
usada em vez de sua alternativa por causa do desejo de veicular alguma distinção
sutil ou se foi feita uma escolha livre entre duas ou mais alternativas igualmente
utilizáveis (possivelmente sob uma variedade de influências não-deterministas).
Examinemos mais detalhadamente como este problema emerge. A teoria, a
introspecção ou um informante sugere uma diferença de função ou uma falta de
substituibilidade entre duas formas; empreende-se, assim, uma busca para
amarrar essa distinção sistematicamente a coocorrências contextuais categóricas
(não estatísticas). Nos contextos em que isso não funciona, nosso conhecimento
analítico da língua ou nossos poderes de argumentação lingüística são
insuficientes — como alegariam os proponentes das relações forma-função únicas
—, ou as formas alternativas em questão são elas mesmas os únicos indicadores
da distinção funcional proposta, nos ambientes discursivos em que elas são
usadas.
É neste último caso que as duas abordagens diferem, e pode parecer não
haver nenhuma metodologia aceitável para um acordo entre ambas, já que se
trata estritamente de uma questão de interpretação de cada forma sem que se
disponha de nenhum correlato categórico superficial de função. Existe, porém, um
tipo de evidência que, em certo sentido, reconcilia as duas atitudes. Imaginemos
duas formas que todo mundo concorda que servem para funções semelhantes,
senão idênticas, numa gama de contextos bem definida. Suponhamos que, em
analogia com a variação fonológica, exista uma certa complementaridade “fraca”
de distribuição das formas dentro da comunidade — uma forma é freqüentemente
usada por alguns falantes e raramente ou nunca por outros, enquanto a outra
forma tem a distribuição oposta. Alguns falantes usam uma forma para preencher
uma função nos mesmos lugares onde outros falantes usam a outra forma para
preencher a outra função, e todo o complexo forma-função está em distribuição
complementar dentro da comunidade. Neste último caso, se as duas funções
intimamente relacionadas em questão estiverem ligadas a algum universal
comunicativo — p. ex., a expressão do tempo passado ou futuro, a pluralidade, o
caso genitivo —, seremos forçados a concluir que a distinção entre as duas
alternativas não é pertinente para os falantes em discurso.
Fica claro em tais casos que é o conceito de função do analista que é o
lugar de discórdia, e não como as formas alternativas competem no
preenchimento da função, nem os mecanismos de variação e mudança. (Ver
Sankoff & Thibault 1981; Sankoff 1982 para discussões e exemplos mais
detalhados.)

O modo como a variação sintática emerge através da neutralização das


distinções no discurso não é um processo que se encaixe bem nos atuais
formalismos de descrição sincrônica da sintaxe. Um postulado básico na
teorização lingüística é a de que o componente sintático da língua é, em grande
medida, autônomo. Ele pode ter algumas interfaces de input e output bem
definidas com os componentes fonológico, lexical, semântico ou pragmático, mas,
quanto ao mais, os processos e restrições que constituem a sintaxe interagem
essencialmente entre si mesmos sem referência a fatores não-sintáticos na
determinação dos enunciados gramaticais da língua. Embora alguns estudiosos
do comportamento comunicativo possam criticar tal postulado, seria
intelectualmente contraprodutivo alegar que o estudo da sintaxe autônoma não
tem sido altamente exitoso em descobrir, depreender e explicar este aspecto
complexo e sutil da estrutura lingüística. Ao realizar isso, porém, a sintaxe
moderna excluiu de seu escopo conceitos e fenômenos que podem ser (e alguns
têm sido) considerados sintáticos por natureza, e os atribuiu aos componentes
lexical, semântico ou pragmático da língua. Eles incluem a maioria das relações
de equivalência-no-discurso que vimos discutindo. As formas que entram em
complementaridade de distribuição contextual, estilística ou social geralmente não
se originam como estruturas sintáticas relacionadas. Ao invés disso, elas só têm
algo em comum no plano referencial ou pragmático e participam de estruturas
sintáticas inteiramente diferentes. Isso tem levado à caracterização do
variacionismo sintático como sendo tecnicamente ingênuo por identificar variantes
de uma variável como “tendo o mesmo significado” ou “preenchendo a mesma
função”. Ao contrário, é somente recusando-nos a limitar a gama de variantes
possíveis às categorias de uma formalização particular da sintaxe autônoma que
poderemos ter acesso às origens da variação sintática. Se o domínio da
variabilidade no discurso se expandir, porém, e/ou uma forma tender a desalojar
outra numa ampla gama de contextos, a relação de equivalência-no-discurso
pode, ao fim e ao cabo, ter repercussões no nível puramente sintático — a
variação ou mudança em questão pode ser gramaticalizada. Para entender a
origem desse tipo de mudança sintática, então, precisamos olhar para além da
sintaxe. Durante o processo de gramaticalização, é claro, considerações
propriamente sintáticas podem predominar mais e mais, mas é precisamente nas
margens pouco nítidas entre o sintático e o extra-sintático que o estudo da
variação sintática é particularmente revelador e tem mais a contribuir.
É natural, dentro de uma teoria da sintaxe autônoma, confinar a mudança e
a variação sintáticas a pequenas mudanças num único aspecto, condição ou
parâmetro. Isso molda a percebida gradualidade da mudança de um modo
análogo à mudança fonológica traço-por-traço, ou à mudança morfológica que
afeta primeiro formas, ou membros de um paradigma, menos “salientes” (Naro
1981). Isso também ocorre no nível sintático, é claro, mas na mudança através da
neutralização no discurso, a gradualidade é atingida pela difusão incrementada
dos contextos em que a neutralização ocorre, enquanto a diferença de forma
geralmente permance não-atenuada (unattenuated).
As forças que impulsionam a mudança e que induzem e mantém a
diversidade dentro da comunidade — sejam elas derivadas de processos naturais
fisiológicos ou cognitivos, de ideologia lingüística, de prestígio vs. solidariedade,
padrões de aprendizagem, contatos lingüísticos etc. — têm que, cedo ou tarde, se
manifestar no nível do comportamento individual na interação lingüística. Os
mecanismos que ligam o extralingüístico com a diversidade lingüística ordenada é
que são as metas da investigação sociolingüística.

Tendo começado pelos interesses subjacentes à abordagem descritiva-


interpretativa da língua, vinculei os imperativos epistemológicos do estudo da
variação sintática por meio de dados e métodos com a preocupação teórica com a
polivalência forma-função. Identifiquei o locus último de todas as reivindicações
sintáticas ou sociológicas de natureza teórica ou metodológica como sendo as
intenções comunicativas de um falante no momento do discurso em que mais de
uma estrutura referencialmente ou funcionalmente equivalente está acessível.
Para completar o círculo, resta situar este “momento” numa crítica social-científica
das ideologias lingüísticas.
Numa teoria em que a “interação” é uma categoria tão básica quanto o
“trabalho” (Habermas 1972: capítulo 3), a ideologia dominante não é um mero
epifenômeno de algum processo econômico mecanicista. Ao contrário, ela
desempenha um papel crucial na justificação da ordem social existente e na
sustentação desta, ao impor diretrizes para o comportamento individual na
interação. Esta ideologia é, ela mesma, gerada e reforçada na práxis social, isto é,
na interação, em que a configuração existente de poder, prestígio e riqueza
parece normal e inevitável segundo todos os critérios desta mesma ideologia. A
ciência positivista, com suas categorias predefinidas e sua rejeição da
subjetividade, está limitada a quantificar e formalizar relações existentes. A ciência
social crítica, por outro lado, graças a seu foco na intersubjetividade dos
participantes em interação e a seu escopo histórico, pode penetrar as aparências
da inevitabilidade e buscar os interesses sociais que realmente determinam tanto
a ação quanto a ideologia.
Na interação lingüística que envolve comportamento variável, uma
metodologia interpretativa pode estabelecer a equivalência funcional de formas
socialmente estratificadas, onde uma abordagem distribucionalista assumirá
necessariamente que existe um diferencial concomitante em função. As variantes
da classe operária freqüentemente tendem a ser sintaticamente e
morfologicamente reduzidas, eliminando a redundância e a clareza apropriadas à
língua escrita e à interação em domínios formais e técnicos em favor da eficiência
e da intersubjetividade entre participantes (em geral íntimos), freqüentemente com
elaboração compensatória no nível dos mecanismos discursivos (cf. Slobin 1979,
“Seja claro” versus “Seja rápido e fácil”). Essa tendência vale não só para a classe
operária, mas para a língua falada em geral em circunstâncias familiares e
íntimas. A metodologia sociolingüística, porém, caracteristicamente tem mais
sucesso em coletar o vernáculo com sujeitos da classe operária do que com
falantes da classe média ou da burguesia. O distribucionalismo, então, infere
inevitavelmente que a língua da classe operária é funcionalmente reduzida. Esta
também é uma crença recorrente na ideologia gramatical prescritivista (Kroch &
Small 1978). Não somente a metodologia positivista é ideologicamente imposta
pelos mesmos interesses que propagam o normativismo e o prescritivismo,
“confirmando” assim estereótipos da classe operária e das línguas minoritárias,
como também essa base ideológica se oculta por trás de uma racionalidade
“científica” que reivindica universalidade para os critérios positivistas. Assim,
Lavandera (1978), em nome do rigor científico, critica o reconhecimento de
Laberge (1978) da equivalência funcional das formas pronominais de segunda
pessoa tu/vous com on em contextos de indefinitude em francês. Laberge tinha
alertado contra análises que igualavam a perda de on com uma perda da
correspondente distinção referencial. Lavandera repele a “convicção social” por
trás desse alerta e clama por métodos mais “empíricos” para provar que a
distinção não está perdida ou que, se estiver perdida, então ela não implica
redução no nível cognitivo. Mas essa fé no “empirismo” e a recusa do aspecto
hermenêutico da análise são, em si mesmas, eminentemente ideológicas. É
precisamente o reconhecimento hermenêutico da equivalência que permite a
Laberge evitar as conclusões predeterminadas por uma ideologia normativa
disfarçada de positivismo supostamente universalmente válido.
Dado que o variacionismo não se dedica exclusivamente à busca de
estruturas formais, seria incorreto esperar que ele desenvolvesse uma descrição
axiomática da língua ou da língua em sociedade, ou que sustentasse as noções
gerativas, altamente presas a paradigmas, de “teoria” e “explicação”. Tais
expectativas, recorrentes na literatura variacionista (p. ex., Naro 1980; Fasold
1986) se fundamentam talvez numa justificada admiração pela elegância ou
complexidade da formulação gerativista, mas negligenciam o fato de que as obras
de Labov (datando pelo menos de Weinreich, Labov & Herzog 1968) e de outros,
incluindo os próprios Naro e Fasold, são abundantes daquilo que a linguagem
ordinária, e de fato o discurso científico mais amplo, caracterizaria como
teorização e explicação. Além do mais, essa atividade, que integra aspectos
sociais e lingüísticos, tem tido um caráter cumulativo, com análises
sucessivamente mais sofisticadas que levam a um entendimento mais profundo do
processo sociolingüístico.

* Esboços de várias partes deste artigo foram escritos independentemente uns dos outros durante
um período de vários anos. Uma primeira tentativa de síntese se beneficiou da crítica minuciosa e
perspicaz da finada Françoise Gauthier. Agradeço aos seguintes colegas pela discussão e pelos
comentários sobre a presente versão: William Kemp, Anthony Kroch, William Labov, Monique
Lemieux, Koula Mellos, Frederick J. Newmeyer, Shana Poplack, Suzanne Romaine, Gillian
Sankoff, Pierrette Thibault e Diane Vincent. Dedico também agradecimentos atrasados a Koula
Mellos por sua paciência enquanto transmitia os elementos da teoria crítica a um ex-positivista
intolerante.

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